O Hóspede Maldito: Medusa

Capítulo 16 - À Beira do Abismo


O sol aquecia de forma agradável o rosto de Argol. Caminhava pelo palácio. De frente a ele o ar fresco daqueles corredores suntuosos tocava-lhe o rosto. Pela janela entrava o sol da manhã. A brisa trazia o inebriante perfume das flores dos vistosos jardins de Ramat.

Parou um pouco. Debruçou-se sobre a janela. A sensação do chão gelado sob os pés descalços, do linho branco das roupas tocando seu corpo e da brisa de sua terra natal acariciando os cabelos. Extasiado deixou-se cair. Deitou um pouco no chão gelado...

Deitado no chão... Fechou os olhos com força e torceu a face em desgosto. Uma forte luz branca lhe ofuscava. Todas as sensações agradáveis sumiram... Levantou-se num salto. Esfregou os olhos momentaneamente cegados pela luz branca das lâmpadas frias. Então o saudoso corredor de seu palácio deu lugar aos corredores de paredes metálicas da Colméia iluminados por lâmpadas frias. Corredores intermináveis, sempre iguais e terrivelmente claustrofóbicos.

Uma vertigem acometeu-lhe e Argol teve de se apoiar na parede. Seguiu-se um acesso de tosse e uma forte dor no peito. Tossiu ainda mais até vomitar viscoso e sanguinolento. As coisas não iam nada bem.

Sua camisa estava toda dilacerada, talvez tanto quanto sua carne. Nas costas enormes marcas dos golpes que recebera da afiada cauda de Medusa. Na altura do peito, na lateral, um enorme hematoma roxo o fazia pensar que quebrara algumas costelas. Um chiado quando respirava e a sensação de calor no peito davam a impressão de sangue no pulmão. O olho esquerdo estava cortado e sua visão debilitada. Alguns edemas no abdome faziam achar que estava tendo sangramentos internos. E por mais de uma vez articulações como a do joelho, tornozelo ou ombro estralaram e/ou saíram do lugar.

As coisas não iam mesmo nada bem. As dores eram constantes. Faziam-no delirar, escapar da presente realidade. Era um sinal de fraqueza, da exaustão. Como se seu corpo mortal pedisse pela rendição. Mas não podia. Não se tratava apenas de sua vida. Tinha consigo a obrigação de salvar outras pessoas!

Antes fosse só sua própria vida em jogo. A uma altura dessas o Santuário já o considera morto. Fracassara em missão. Fora abandonado pelos companheiros.

Nunca foi um homem de valor mesmo. Matava pessoas. Ainda que por ordens de superiores, matava-as sentindo em seu âmago certa satisfação sádica e mórbida. E quando não executava com suas próprias mãos, divertia-se ao ver o brilho de esperança nos olhos de suas vítimas ofuscado pelo brilho de seu escudo. Definitivamente, não era uma pessoa boa. Não mereceria o apreço de Jill e, em devaneio acreditando que ela sentisse algo por ele, achou que não seria digno de seu amor.

Tolo! Um homem tão podre quanto ele pensando em amor! Ele não tinha direito de amar. Não uma mulher como Jill. Corajosa, valente, guerreira e ainda assim absolutamente bela e feminina. Não podia deixar de gostar de uma mulher assim... Mas também não poderia ficar com ela. E não era para impressioná-la que defendia a todos ali.

Jurara a Athena protegê-la e aos mortais. Ao longo dos anos desvirtuara-se de seu caminho. Talvez pela distância das palavras de sua própria deusa, talvez pelo poder cósmico e hierárquico que possuía. O fato é que fez muitas coisas ruins com seu poder. E agora, apaixonado e condenado à morte, tinha como obrigação, talvez como última chance de redenção perante sua deusa, salvar aquelas pessoas. Deveria seguir em frente por aqueles corredores frios e metálicos. Ainda que a dor lhe corroesse por dentro e seu sangue ficasse para trás demarcando o rastro de seu corpo moribundo.

E com a mente quase em transe, turbilhonada com milhões de pensamentos – talvez os últimos –, alcançou a enorme porta de vidro do laboratório.

Xx

- Seu monstro! – Esbravejou Juliane.

- Não creio que a porta que nos separa da saleta adjacente seja à prova de som, doutora. – disse com irritante calma Argand.

Esbravejou em murmúrio e socou a bancada enfurecida.

- Então não vou poder me imunizar? Droga! A menina já perdeu toda a família! Quem vai cuidar dela... Droga! – esbravejou por entre os dentes enquanto tentava conter o choro.

- Hmmm... Não cogita sacrificar a garota e prol de sua sobrevivência?

A mulher encarou o cientista com olhos vermelhos.

- Jamais! Eu praticamente criei esta menina! É a filha que não pude ter! Sou capaz de tudo para salva-la!

- E para continuar ao lado dela, também é capaz de tudo?

Juliane fitou o cientista com desconfiança.

- Onde está querendo chegar, Argand?

O homem não a respondeu. Virou-se para mexer em um equipamento que acabara de apitar. Apertou o botão e desligou uma ultra-centrífuga. Enquanto calçava luvas de látex brancas e manipulava um tubo de ensaio saído do aparelho com pegadores de madeira, questionava Juliane:

- Por que não teve filhos, doutora?

- O que isso tem a ver? – retrucou ela, ainda emocionada e agora confusa.

O cientista depositava o conteúdo do tubo de ensaio em um balão de vidro. Depois o levou a um suporte sobre dois bicos de gás acesos e ligou a boca do balão à um aparelho de destilação.

- Apenas responda, Juliane...

- Pelo mesmo motivo que o senhor, doutor Argand. – e pela primeira vez desde que virou-se Argand encarou-a – Dediquei minha vida ao trabalho. Não queria ser como mais uma das mulheres da família, donas de casa encarando uma felicidade falsa em trabalhos domésticos e sem realizações. Quis ser a melhor no eu fazia. Queria produzir conhecimento. Ser reconhecida no meio machista da pesquisa científica e mostrar do que sou capaz. E consegui. Mas isto me rendeu um divórcio e custou-me a relação que poderia me levar à construção da minha própria família. E é por isso que Milena é tão importante para mim...

- Hmmm... Eu te entendo, Juliane. Também já tenho um divórcio nas costas. Uma opção entre a eficiência no trabalho e uma vidinha cansativa de homem casado. Mas, ao contrário de você, nunca quis crianças chatas e barulhentas ao meu redor. O silêncio é algo que aprecio, doutora Juliane...

Argand virou-se novamente. Voltou-se ao aparelho de destilação e recolheu em um tubo de ensaio a solução resultante.

- Mas você, pelo que vejo, realmente ama esta menina...

Juliane permaneceu em silêncio, fulminando o cientista com o olhar. Argand, indiferente, transferiu o conteúdo do tubo de ensaio para uma seringa e estendeu-a à Juliane.

- Eis aqui a chance de continuar com Milena.

Xx

A sala adjacente na qual esperavam os demais era na verdade uma recepção para o laboratório. Havia um pequeno balcão com um terminal para uma secretária, uma máquina de café expresso e um sofá. Uma decoração de bom gosto dava ao lugar um ar moderno e aconchegante. Esta é como a sala deveria ser.

A umidade do ar no local chegava a incomodar as narinas. Frente ao cansaço, nem mais se importavam com o sofá ensopado e o chão ainda molhado pela inundação do laboratório. Carlos estava sentado no sofá. Pusera Milena em seu colo e acariciava seus cabelos, tentando acalmá-la. Jill sentou-se na cadeira da secretária e encostou a cabeça nos braços apoiados no balcão. Niklos continuava impaciente, andava de um lado para outro, sempre atento à enorme porta de vidro. Do lado de fora pedaços de corpos estavam espalhados e as paredes queimadas, conseqüência da granada que Jill lançara para deter os zumbis.

O corredor do outro lado da porta de vidro estava mergulhado na mais absoluta escuridão. Não se via mais nada além do que dois ou três passos adiante. As lâmpadas haviam sido atingidas quando da explosão da granada. E Isso incomodava a Niklos.

De quando em quando parava sua repetitiva e obstinada ronda em frente a porta de vidro para tentar enxergar algo além dela. Por vezes via alguns vultos se mexendo na escuridão, emergindo do chão e das paredes e fundindo-se uns aos outros. E então desapareciam. Ficavam a ecoar em seus ouvidos os gemidos guturais. Era quando começava a ressoar os tiros. Tiros e mais tiros explodindo corpos podres. Nesses pesadelos despertos sempre havia gritos humanos, sempre alguém morria. E por repetidas vezes via seu amigo e irmão Pavlos sacrificar-se pelos demais. E agora, trancados em um laboratório subterrâneo, corriam o risco de não sobreviverem.

Niklos já matara pessoas. Já viu cadáveres. E tinha plena certeza de que o corpo não passa de uma posta de carnes. Estava a ponto de fazer qualquer coisa para sair daquele lugar. Sentia-se sufocado. Por vezes faltava-lhe o ar. Suava. O coração estava tão acelerado que podia ouvir seus batimentos no ritmo de uma persistente dor de cabeça latejante. Os olhos avermelhados ardiam. Mas tinha que mantê-los abertos. Precisava ficar em alerta. Era a única maneira de sobreviver.

Niklos era um verdadeiro vulcão prestes a explodir. Estava enlouquecendo. E era um louco armado com uma metralhadora HK automática.

- Merda! – berrou o soldado grego voltando-se para a porta.

Um corpo ensangüentado batia-se contra o vidro. Niklos apontou a arma e estava pronto para atirar. Mas Jill entrou na frente e correu para o painel eletrônico que abria a porta. Sem hesitar Niklos mirou na mulher e engatilhou sua arma.

No instante em que apertou o gatilho Carlos saltou sobre ele e tomou-lhe a arma, que disparou três balas contra o teto.

- Está louco?! – indagou Carlos.

- Não! Ela vai...!

Jill, sem se importar com os tiros, digitou o código e abriu as portas de vidro. O homem ensangüentado pendeu para dentro e cairia no chão se não fosse por ela segurá-lo.

- Argol! Fale comigo!

- Viu o que ia fazer? – perguntou Carlos a Niklos.

O homem permaneceu estático. A tez pálida e suando frio. Deixou a arma com o amigo e retirou-se para um banheiro contíguo. Trancou-se lá se deixou cair de joelhos ao lado do vaso. Regurgitou o pouco que tinha no estômago.

Na recepção Jill com lágrimas nos olhos tentava despertar Argol. Carlos logo veio ajudá-la. Com algum esforço colocaram o cavaleiro no sofá. Milena correu para o laboratório chamar sua tia e Argand.

Argol estava semi consciente, com os olhos quase fechados e a respiração pesada, balbuciava:

- Precisam... sair daqui... precisam...

Xx

- Eis aqui a chance de continuar com Milena.

Mesmo sem saber do que se tratava, Juliane achou a seringa que Argand oferecia extremamente atraente.

- O que... o que é isso?

- Trata-se do modulador. É o que diferencia um organismo em tratamento controlado com T-Medusa e aquelas aberrações animalescas e canibais que infestaram a cidade.

A cientista o fitou séria.

- Explique.

- Vou ser sucinto. Nem o T-Medusa, nem nenhum dos vírus T, foram criados para transformar as pessoas naqueles mortos vivos. Isso é um efeito colateral quando o vírus não é associado ao modulador. A intenção é usar esta solução de proteínas que está na seringa para controlar a ação do vírus. Ele reanima células mortas, em alguns tecidos maximiza seus potenciais e em outros os deteriora. Com níveis controlados de infecção viral, aliado a doses do modulador, podemos direcionar o crescimento celular e obter qualquer organismo multicelular.

- Como a criatura que está nos caçando? – perguntou Juli com rispidez.

- Sim... São os tyrants. Medusa não é o primeiro. Houve outro projeto da Umbrella americana. O projeto Nemesis. O resultado foi uma criatura com enorme poder de fogo, imensa e disforme.

Juliane ergueu uma sobrancelha, desconfiada.

- O que isso vai fazer comigo?

- Não se preocupe. No projeto Nemesis e no Projeto Medusa as doses de vírus eram muito maiores do que a que você carrega. Estou usando uma concentração do modulador que foi usado em Agie Ashford. A filha do Dr. Ashford sofria de uma grave paralisia da coluna vertebral. Tratada com o vírus e doses do modulador ela foi curada.

- Não vou me transformar em um monstro?

- Não posso afirmar nada Juliane. A composição do modulador que preparei é semelhante à usada em Angie Ashford.

- Espere... semelhante? Por que não é a mesma?

- Hã... Não tive acesso aos dados. Busquei outro tratamento, usado em outro projeto que também tinha o mesmo objetivo: manutenção de organismo saudável e maximização dos potenciais dos tecidos.

- Que projeto é esse em que se baseou?

Argand engoliu em seco.

- Projeto Alice... creio que não ouviu falar.

- Não. Nunca.

Em seu íntimo Argand sentiu-se aliviado. Estava quase a convencendo.

- Escute Juliane. Você não tem muitas opções. Garanto-lhe que nem Angie nem Alice tornaram-se criaturas medonhas. Só não posso dizer quais efeitos com exatidão você manifestará. E por isso que há uma condição para que use o modulador.

- Eu sabia! Estava estranho demais um favor desses de você! Não podia esperar algo assim de alguém como você! – disparou Juliane.

Argand fechou a expressão mostrando-se ofendido.

- Oras! É para sua própria proteção! Quero apenas manter contato com você! Fazer alguns exames quando sairmos daqui. Quero monitorá-la de tempos em tempos apenas para certificar-me de que não houve reações adversas!

Juliane calou-se. Respirou fundo e apertou os olhos com força. Argand estendia-lhe a seringa.

Era arriscado submeter-se àquilo. Mas havia ainda uma chance. E não aceitar zerava-se as possibilidades, e o que lhe esperava era uma bala de seus companheiros.

A esta altura talvez preferisse a bala. Terminar com todo aquele terror talvez fosse mais fácil. Depois de ter visto tudo o que viu, será que ainda teria uma noite de sono tranqüila? Poderia encontrar momentos de paz em sua própria mente, sem ter os terríveis momentos de horror puxado á memória? Ah, como ansiava acabar com aquilo tudo...

Mas precisava continuar. Não por ela própria. Por Milena. Agora era sua obrigação e dever sobreviver. Sua vida valia mais por que dela dependia a inocente Milena.

Por sua sobrinha encheu-se de coragem. Tomou a injeção da mão de Argand. Arregaçou as mangas e espetou a agulha metálica em sua veia evidente sob a pele branca.

Estava feito.

E quando o último mililitro de solução caiu na circulação de Juliane, um discreto e sombrio sorriso surgiu na face de Argand.

Foi quando Milena entrou esbaforida no laboratório.

- Venham! Argol voltou! Precisa de ajuda!


Palavras do Autor: E ae pessoal! Demorou mas saiu! xD Obrigado pelos comentários! Continuem deixando-os isso incentiva qualquer ficwriter! Acompanhem os últimos capítulos! Abraços! " Pinguim.Aquariano

Capítulo 17

Capítulo 15

Index

Hosted by www.Geocities.ws

1