O Hóspede Maldito: Medusa

Capítulo 17 - Asfixia


Havia uma movimentação incomum naquela madruga em um arranha-céu de Wall Street, em Nova Iorque. Um helicóptero acabara de pousar no terraço de um edifício de escritórios. Em uma sala se desenrolaria uma rápida reunião.

Reunidos às escondidas, em um escritório grande e bem iluminado, em torno de uma mesa redonda, estavam quatro homens de idade. Um deles, o mais velho, tomava a posição de líder.

- Nas atuais circunstâncias – começou o mediador da reunião – creio que não estejam surpreendidos com esta reunião às pressas.

Os homens assentiram com a cabeça. O outro continuou.

- Vamos aos fatos: Como está a situação em Rancoon City?

Um dos homens juntos alguns papéis e, lendo os dados, começou a explicar.

- A situação está controlada, senhor. O artefato nuclear foi detonado. Evacuamos o maior número de sobreviventes possíveis. A imprensa já foi orientada a respeito.

- Ótimo. E Colosso? Nossa equipe ainda está lá?

Os homens se entreolharam desconfortados. E então um deles respondeu. Entregava ao diretor algumas fotos de satélite.

- São fotos do centro da cidade de Colosso. Circulado em vermelho está o prédio que, segundo consta, pertence ao Wal Mart. Da última vez que tivemos contato com a Equipe Delta eles estavam refugiados ali. Restaram apenas três da equipe original, estavam mais três da equipe americana de Rancoon e um refugiado civil. Acreditamos que este era Argand.

- E eles ainda estão lá?

- Acredito que não, senhor. Estas outras fotos mostram que o prédio foi tomado pelos infectados. Ou eles morreram, ou se refugiaram em outro local. Contando com a possibilidade de Argand ainda estar vivo, emitimos em ondas de rádio abertas uma mensagem avisando sobre o helicóptero que irá resgatá-lo. Neste momento o piloto deve estar partindo da base aérea de Atenas.

O homem mais velho recostou-se em sua cadeira. Com cenho franzido pensou por alguns instantes.

- E como limparão a área? – perguntou ele.

- Usaremos Apolo, senhor. A cidade será incendiada assim que o piloto decolar com Argand a bordo. O departamento nacional de geologia da Grécia já foi orientado sobre como notificar a imprensa.

- Excelente... – respondeu o mais velho. – Porém, há um pequeno detalhe.

- Pois não, senhor?

- O satélite Apolo deve ser iniciado imediatamente.

- Mas senhor...!

- Escutem com atenção. – o homem disse com autoridade – Argand não pode sair vivo da ilha. Ele é uma ameaça, aquele vírus é muito poderoso e um homem como ele com tal poder é inaceitável. Acionem Apolo imediatamente! Queimem tudo!

- Senhor...

- Sem questionamentos. Argand Menski é perigoso e não pode deixar Colosso em hipótese nenhuma! Compreenderam?

Os homens assentiram com a cabeça.

As ordens do diretor seriam seguidas à risca.

XX

A situação começava a perder o controle na Colméia. A pequena recepção, contígua ao grande laboratório onde estavam refugiados os sobreviventes, virou palco de várias situações simultâneas de tensão.

A primeira delas foi o retorno de Argol. Carlos e Jill ajudaram a colocá-lo, já inconsciente, deitado no sofá. Logo vieram Juliane e Argand do laboratório para ajudar. Os dois médicos examinaram o cavaleiro e fizeram alguns curativos para estancar os sangramentos dos maiores ferimentos.

Coberto de sangue e hematomas como havia chegado, estava quase irreconhecível enquanto humano. A primeira providencia foi arrancar os pedaços de tecidos que sobraram de sua camisa e que se misturavam à carne exposta. E somente à medida que o sangue foi sendo limpo de seu corpo e seu rosto fora lavado, a figura – agora fragilizada – de um homem pôde ser distinguida.

As conclusões dos médicos não foram nada otimistas. A respiração estava fraca. Os batimentos cardíacos não puderam ser ouvidos sem aparelho, e a pulsação estava quase imperceptível. Diversos edemas no abdome sugeriam extravasamento de líquido. Na certa havia sangramentos internos. Para evitar uma infecção, o olho esquerdo, gravemente ferido, fora coberto com faixas de gaze em torno da cabeça. Não havia o que fazer. Juliane e Argand sabiam que era questão de tempo até que Argol morresse. Porém, o diagnóstico terminal não foi informado aos demais.

Enquanto os médicos terminavam o exame e os precários procedimentos médicos em Argol, outros incidentes ocorreram.

Desde a chegada de Argol Milena abstivera-se de todo o movimento. Estava reclusa em um canto da sala. Encostada na parede, lentamente deixava-se escorregar enquanto suas pernas trêmulas flexionavam. A tez pálida e os olhos semi-cerrados indicavam a gradativa perda de consciência. E a garota só não veio ao chão por que Jill a segurou. A voz da americana pareceu tão distante e carregada de eco.

- Milena... Está bem...? Milena...! – e então a garota não ouviu mais nada.

Mas Jill continuara a chamá-la. Quando a menina apagou, pediu ajuda.

- Alguém! Juliane! Ela não está bem!

Ao mesmo tempo em que as duas mulheres acudiam a garota Carlos batia insistentemente na porta do banheiro.

-Niklos? Ei! Abre essa porta!

Sem ouvir resposta Carlos toma medidas mais enérgicas. Com um forte golpe na maçaneta arromba a porta e entra no banheiro.

- Meu Deus! Niklos!

O soldado americano avança para ajudar o colega. Niklos estava caído, debruçado sobre o vaso sanitário. Semiconsciente balbuciava algumas palavras sem sentido. Seu rosto pálido gotejava suor frio.

Assustado, Carlos carregou o grego de volta à recepção.

A situação caótica estava instalada.

Começou uma correria por improvisar recursos. Mas tudo que podiam obter era água da torneira do banheiro. A Niklos e a Milena era dada de beber. E Argol, apenas Jill preocupava-se em colocar retalhos de flanelas úmidos sobre sua testa, uma tentativa de fazer baixar a febre.

Em meio ao crescente desespero dos sobreviventes, apenas uma mente mantinha-se sóbria e distante do descontrole: Argand Menski. Olhava a movimentação de longe. A mente meticulosa e científica analisava. E finalmente encontrara uma solução para o problema.

Em voz alta falou com a onipresente Rainha Vermelha. Todos desviaram suas atenções.

- Rainha Vermelha?

- Pois não, Dr. Argand. – respondeu a voz metalizada vinda dos alto falantes.

- Qual a saturação de oxigênio no ar local?

- 60 e caindo.

Todos se silenciaram. Indiferente, Argand continuou.

- Qual a saturação de oxigênio dos ambientes não trancados?

- 75 e caindo.

- Hmm... Destrancar laboratório.

Com um leve ruído as portas de correr que davam para o corredor escuro se abriram. Uma lufada de vento gelado invadiu a recepção.

- A garota e o soldado estão com apoxia. Precisam respirar!

- Não podemos deixar estas portas abertas! E os zumbis?

- Oras! Isto em seu pescoço não é uma metralhadora? Aponte-a para fora. Se algo se mover atire! Não podemos é sufocar aqui dentro. A saturação aqui está muito menor. Estamos trancados há horas.

- 60 é pouco?

- Sim. O suficiente para uma menina e um soldado que não se alimenta há horas passarem mal. Se diminuirmos para menos de 50, acredite, todos passarão mal.

- Qual... – Carlos engoliu em seco – qual a taxa normal?

Argand deu um risinho de deboche.

- Precisamos de 100, rapaz. – voltou-se então para a Rainha.

- Em quanto tempo espera que a taxa reduza a 50?

- Mantido o consumo atual de oxigênio – respondeu a voz metalizada – a saturação deve atingir níveis críticos em 1 hora e 57 minutos, aproximadamente.

Argand enxugou o suor da testa e pensou por um instante. Proferiu em seguida.

- Precisamos sair daqui antes que mais gente passe mal. Já pegamos o que viemos buscar. Vamos dar o fora daqui!

Antes que qualquer um pudesse se manifestar, o cientista voltou a perguntar à Rainha.

- Podemos pegar o elevador de volta à Umbrella Tower?

- Negativo. Todos os alarmes de incêndio de Umbrella Tower estão acionados. A melhor via de acesso à superfície é o metrô.

- Alarmes de incêndio? – indagou Jill assustada.

Argand franziu o cenho revoltado.

- Malditos da Umbrella! Já ativaram o satélite Apolo. A cidade está, neste momento, sendo incendiada.

Exclamações de todos quebraram o silêncio do local, e logo começaram a dar palpites ao mesmo tempo. Antes que o burburinho tomasse força, a situação foi novamente controlada pela voz firme de Argand pedindo silêncio de forma característica.

- É muito difícil calarem a boca e me deixarem falar?

Ainda que indignados com a grosseria, acabam por fazer silêncio.

- Prestem atenção em como vamos fazer. Seguiremos direto até o elevador e desceremos até a estação. Lá pegaremos o trem até a estação de superfície. Como ela está afastada da cidade, ainda não deve ter sido atingido por Apolo. Saindo na superfície, tem um riacho a uns seiscentos metros do estacionamento. Seguindo-o por cerca de um quilometro e meio chegamos ao estádio Olympia.

O silêncio continuava.

- Alguma objeção?

- Quem disse que você seria o manda-chuva por aqui? – indagou Carlos.

- Quer fazer uma eleição? Pois bem... vamos ver quem mais está apto. – dizia Argand com extremo sarcasmo – Quem sabe a garotinha com pressão baixa e desmaiando? Não... bem, pode ser sua tia já descontrolada e louca pra sair daqui a qualquer custo. Ainda nos resta o Niklos, se ele não estivesse sofrendo de stress pós-traumático, transtornado, com funções mentais abaladas, desidratado, fadigado e vomitando seu suco entérico! – o cientista já abandonara a calma a esta altura – Quem sabe um de vocês dois, americanos prepotentes de uma figa! Sempre mandando em tudo, no mundo todo! Quem sabe podem nos mostrar o caminho para sair desta maldita ilha que sequer sabem direito em que país fica, pois acham que são os policiais da galáxia e podem ir a qualquer lugar resolver qualquer problema de qualquer país!!

Argand por fim baixou a voz e a cabeça. Inspirou profundamente buscando restabelecer a calma e o foco cartesiano sobre a situação. Voltou-se então aos demais.

- Então... sem objeções... Vamos embora? A saturação de oxigênio continua caindo... – como se não estivesse esquecendo-se de mais nada, o cientista foi encaminhando-se para a porta.

- Espere um pouco! – Jill veio ao seu encontro, já pronta pra discutir.

- Sim?

- E o Argol? Não podemos deixá-lo simplesmente!

- Por que não? Qual a vantagem em carregar cadáveres...?

Os olhos da jovem encheram-se de água e os dentes cerraram com força em misto de raiva e revolta.

- Seu... mentiroso! Está mentindo!

O cientista suspirou sem a mínima paciência de discutir, passando com um gesto a voz para Juli.

- É verdade... – começou a ruiva, pesarosa – Argol não tem mais chance. Olhe só para ele. Tem hemorragias internas. Infecções. Várias fraturas e torções articulares. E não temos sequer soro fisiológico para limpar os ferimentos.

- Mas podemos levá-lo conosco! – Jill argumentava já em lágrimas, não podia conter o desespero.

- Não... Removê-lo nessas condições pode ser fatal. A coluna pode estar lesionada... Além do mais, mal pudemos sentir sua respiração. É uma questão de tempo Jill...

- Mas... não podemos deixá-lo... não é certo...

- Ah! E ele pode deixar os outros para trás? Bacana esse sujeito, hein! – questionou Argand. – Aceita de uma vez! Ele morreu! Se quisermos viver temos que seguir em frente!

- Argh...! Chega!!

Enfurecida Jill avançou para cima de Argand. Acertou-lhe dois murros no queixo, quando preparava o terceiro, foi detida por um forte golpe nas costelas. Sentiu então o pescoço apertar. Com força e rudeza Argand avançou com as duas mãos sobre o pescoço fino de Jill e a prensou contra a parede.

- Estou cansado desta merda! Está ouvindo? Cansado! Sou sempre o vilão, o cara que quer ferrar com tudo! Mas agora cai na real!! Quem tá com o controle sou eu!

- Largue ela! – Carlos apontava sua HK a um metro da cabeça de Argand.

O cientista, mantendo uma das mãos sobre o pescoço da mulher, sacou com a outra sua pistola e apontou de volta para Carlos.

- Para trás! Senão arrebento seus miolos e quebro o pescoço dela!

- Duvida que eu te acerte primeiro?

- Duvido... Você precisa de mim. Eu não preciso de você. Ou por acaso sabe como chegar ao estádio?

Carlos calou-se.

- Agora abaixa essa porcaria!

Carlos obedeceu silenciosamente, ainda que no olhar exibisse o nítido ódio pelo cientista. Argand soltou o pescoço de Jill.

- Vamos embora logo daqui!

Os demais estavam aterrorizados com os últimos acontecimentos. Haviam se tornado reféns do cientista. E sendo o instinto de sobrevivência maior que todo o resto, foram silenciosamente deixando o laboratório.

Restara Jill, fulminando Argand com o olhar.

- Você não vem? – Perguntou ele.

- Seu louco...

Argand olhou para trás. Os demais já estavam lá fora. Restara apenas ele, Jill e o corpo de Argol no sofá.

- Olha... Acha que eu gosto disso tudo? Ter que gritar, te machucar, apontar arma? Não mesmo! Não sou assassino, poxa! Mas está todo mundo com os nervos em frangalhos. O próprio Niklos já está com sintomas graves. Estão surtando! Se eu não fizer assim vira bagunça, cada um resolve fazer de um jeito e acaba todo mundo morrendo. Aliás, seria mais cômodo que eu estivesse me lixando para todos vocês. Eu sei sair daqui, sei pegar o metrô e sei o caminho para o estádio. O helicóptero vai estar esperando por mim mesmo... Mas como eu poderia ir embora, deixando sobreviventes para trás, e dormir tranqüilo, sabendo que a culpa disso tudo é minha? Posso ser visto pelos outros com ódio por conta das minhas palavras e atitudes... Posso não ser uma boa pessoa, afinal. Mas não sou cruel nem desumano.

Ele estende a ela sua mão.

- Agora, vamos... Não podemos ficar mais.

Jill não retribui o gesto.

- E Argol? Como tem coragem de deixá-lo depois de tudo que ele fez?

- O que quer que eu faça? Eu sou médico, sei que a situação dele é terminal. Você não tem mesmo motivos para acreditar em mim. Mas acredite em Juliane, ela também é da área médica. Argol precisa de um centro cirúrgico. Carregá-lo só vai fazê-lo sofrer ainda mais. Eu reconheço tudo o que ele fez por todos nós, mas a verdade que a idéia de enfrentar a Medusa sozinho foi dele mesmo. Ainda que eu seja grato por ele ter se livrado daquilo, eu não pedi nada. Ninguém exigiu nada dele. Ele se sacrificou por nós por vontade própria. Sabe-se lá que ideais o motivavam, mas sua morte foi conseqüência de seus próprios atos. Só podemos ser gratos e seguir em frente para sobreviver. Não há mais o que fazer...

Sem mais se conter, Jill levou a mão ao rosto e desfez-se em lágrimas. Doído, Argand ofereceu um abraço. Recostada no ombro do cientista ela olhava fixamente para o corpo estirado no sofá.

De forma tão fantástica quanto a situação que vivia nos últimos dias, Argol havia surgido na vida da policial americana. Um homem com a sensibilidade para compreender uma mulher e a essência para amá-la. Agora, tarde demais, ela percebera que em meio ao inferno encontrara o amor.

Tarde demais.

- Vamos? – perguntou Argand.

Ela enxugou as lágrimas.

- Vá na frente, estarei logo atrás.

Sozinha, olhou mais uma vez para o homem que amava. Fixamente o contemplou.

Apagou as luzes. E foi para a saída.

Mas antes que estivesse fora do laboratório notou assombrada, sob a meia luz que restara no lugar, que a boca de Argol ainda se movia e seu peito arfava lentamente. Com o pleno silêncio pôde ouvir o distante sussurro.

- Jil... Jil...


Capítulo 18

Capítulo 16

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