O Hóspede Maldito: Medusa

Capítulo 12: A Rainha os saúda.


O elevador descia rápida e vertiginosamente pelo fosse escuro rumo à Colméia. O último lugar que qualquer um ali queria estar. Onde tudo começou e onde poderia terminar.

Argol não gostara nada da idéia de levar todos consigo. Se dependesse de sua vontade apenas Argand o acompanharia. Mas não havia tempo, o soro deveria ser ministrado assim que fosse sintetizado. Assim, se fez necessária a presença de Juli e Milena. Niklos, Carlos e Jill insistiram por ir também, e o cavaleiro acabou por se convencer de que não poderia fazer tudo sozinho.

A tarefa parecia simples. O elevador descia direto ao andar 65, uma vez lá deveriam atravessar uma recepção, perfazer cinqüenta metros por um corredor de laboratórios, passar por uma porta de acesso restrito, andar mais cem metros por alguns corredores até o laboratório de Edward. Uma vez lá, esperariam cerca de uma hora até que Argand sintetizasse as doses de soro. Depois que os infectados recebessem o soro poderiam então voltar pelo mesmo caminho até o elevador, e então para a superfície. O trajeto todo não ultrapassava os duzentos metros.

Talvez os sobreviventes apenas sentissem, mas aqueles duzentos metros, infestados de criaturas nem vivas e nem mortas, seria o caminho mais difícil já percorrido por eles.

Havia ainda um outro problema: deveria fazer uma parada no andar 70. Neste andar havia uma pequena base de operações da Z.E.U.S., um centro de comunicações, alojamento para soldados e um depósito de armas. Devido à falta de munição era imprescindível que fossem até lá antes de traçar o caminho até o laboratório.

Como a Colméia é subterrânea, os andares aumentam à medida que se aprofunda no prédio. Era preciso então descer ao andar 70, buscar armamento e munição, para então subir ao andar 65, onde estava o laboratório.

Cada andar é dividido em setores, cerca de três ou quatro por andar. Os setores tinham um formato hexagonal que em conjunto, quando observados pela planta, davam ao centro de pesquisa um formato de colméia, por isso o nome. Os setores são ligados entre si por corredores – alguns deles, devido à extensão, possuíam esteiras rolantes para facilitar o deslocamento –, alguns deles de acesso restrito. A base mencionada da Z.E.U.S. é justamente um setor do andar 70, o último e mais profundo, onde também se encontra a estação do metrô que leva à superfície.

No mainframe da Rainha Vermelha alguns avisos saltavam na tela.

:: Movimento não-autorizado de elevadores DETECTADO ::

:: Presença de corpos homeotérmicos DETECTADO ::

:: Exame de virulência ATIVAR ::

...Processando...

:: Exame de Virulência POSITIVO ::

:: Organismos contaminados: 3 ::

:: Movimento não-autorizado de elevadores INTERROMPIDO ::

Xx

A parada brusca do elevador assustou a todos. As mulheres gritaram e os homens engatilharam suas armas em reflexo.

- O que houve?

- Por que estamos parados? – perguntavam-se.

- Modo de segurança, creio... – disse Argand, olhando curioso em torno.

- O que quer dizer? – perguntou Argol.

O cientista dirigiu-se a um pequeno visor no painel do elevador. Apertou um botão e chamou:

- Rainha Vermelha, pode me ouvir?

“Alto e claro Doutor Argand” – para a surpresa de todos, uma voz feminina e metalizada respondeu no painel.

- Rainha Vermelha? – perguntou a menina.

- É o computador que toma conta da Colméia. Inteligência Artificial de primeira! – respondeu Argand.

Niklos inflamou-se e disparou a gritar:

- Eu falei para não descermos! Esse computador maluco vai nos matar! Assim como fez com os outros!

Niklos mostrava nitidamente seu descontrole. Estava explodindo em nervos, tornando-se perigoso para si mesmo e para os demais. Jill percebia que o colega não ia bem. Desde a morte de Pavlos, Niklos não se restabelecera. Ele fora o único que não dormira e o que menos se alimentou. Suas pupilas dilatadas e os olhos injetados denunciavam sua fraqueza e descontrole. Com muito jeito ela o conduziu para o fundo do elevador, tentando acalmá-lo.

- Jill, me escute! Ela matou metade da minha equipe! Vai acabar com nós!

- Acalme-se, vamos tentar dar um jeito.

Enquanto os dois conversavam, Argand lidava com a interface da Rainha no elevador.

-Por que parou o elevador, Rainha?

“Medidas de segurança, Doutor Argand.”

- Explique.

“Existem organismos contaminados com T-Medusa no grupo. Porém, existem também organismos saudáveis. Devo proteger os saudáveis da infecção, portanto não posso permitir que desçam à Colméia.”

- Não faz sentido. Os contaminados não acabariam por contagiar os saudáveis?

“Eis o sentido, Doutor Argand: existem duas alternativas. Se organismos saudáveis eliminarem os doentes e permanecerem saudáveis, levo o elevador de volta à superfície. Se os doentes contaminarem os saudáveis, rompo os cabos de aço e deixo que o elevador caia. Compreendeu, Argand?”

Fez-se um macabro silêncio diante da lógica bizarra da mente eletrônica. Quebrando o gelo Argol tomou à frente para tentar um novo diálogo.

- Precisamos chegar à Colméia para conseguir um antídoto para os doentes.

“Não é viável, Indivíduo1. No intento de defender a integridade dos saudáveis não permitirei que o elevador desça.”

- Merda! – explodiu Niklos do fundo – A gente vai atrás do antídoto! Quer que os outros morram?!

“Individuo2, é melhor que os contaminados morram. O risco é muito alto para que desçam.”

Os nervos começaram a se aflorar e um burburinho se levantava, quando então Argand pediu silêncio.

- Espere! Eu sei como lidar com ela! Quietos!

Quando se fez o silêncio, ele continuou a conversar com a Rainha.

- Também estou contaminado! Preciso fazer o antídoto para mim e os demais. É o único jeito de nos salvar!

“Errado. Há o modo que sugiro: eliminem os doentes que eu levo os saudáveis à superfície.”

- Não podemos matar os outros!

“Por quê?”

-...

- Por que temos sentimentos! – interveio Argol – O que nos diferencia dos computadores e dos outros animais. Lutamos pela sobrevivência em grupo. Somos capazes de dar nossa vida pela de outro!

“Não faz sentido, Indivíduo1. Arriscar sua sobrevivência para garantir a de outro organismo. Não é lógico.”

- Claro que não é! O ser humano não é pura lógica! Fazemos o que vale a pena! Não acha que vale a pena salvar a vida de outras pessoas?

“Não. As variáveis não são favoráveis...”

- Não pode julgar o que vale a pena ou não! Não pode compreender! Não se trata de variáveis. A lógica não se aplica à vida humana! – gritou Argol.

“Está errado, Indivíduo1. A lógica pode-se aplicar a todas as coisas. A decisão foi tomada baseada em análise matemática das variáveis do ambiente e da situação. Esta é a melhor opção...”

- Merda! – Argol socou a parede do elevador, deixando a marca de seu punho no aço.

“... a menos que a sua prioridade não seja a sobrevivência.”

- Como é? – o cavaleiro voltou-se para a máquina.

“...”

- Ela não entendeu o seu “como é” – disse Argand. – Seja específico, assim: Explique Rainha.

“Tenho por pressuposto que a prioridade de qualquer humano seja a sobrevivência. E baseada neste princípio tomo minhas decisões para garantir a vida. No entanto, não posso ir contra a vontade de um ser humano, pois vocês têm livre arbítrio, eu não o tenho. Se a prioridade de um grupo não é a sobrevivência, atenderei à suas solicitações, visando uma nova prioridade e objetivo. Devo pontuar que nem as solicitações nem a nova prioridade podem ferir nenhuma das três leis.”

- Ela se referiu às três leis da robótica? – perguntou Juli.

- Sim. – confirmou Argand, voltando-se em seguida à Rainha – Pois então que assim seja. Nenhum de nós tem por prioridade nossa própria sobrevivência. Deixe-nos descer à Colméia.

“Pois não, Doutor Argand”

E então, bruscamente o elevador começou a se mover.

Xx

A única maneira de contornar a lógica absoluta da Rainha seria aquela. Abdicar da sobrevivência, só assim ela veria viabilidade em descer à Colméia. Os integrantes do grupo a princípio se opuseram à colocação de Argand, afinal, tudo o que mais queriam ali era sobreviver. Mas depois de uma breve explicação sobre a lógica dos cérebros robóticos, acabaram por se convencerem de que era o único jeito. Afinal, àquela altura eles seriam capazes de qualquer coisa para sobreviver, até mesmo fingir que não o são.

A natureza humana chega a ser curiosa. Bem a verdade todos ali já entregaram suas vidas à própria sorte. A situação presente se fazia tão horrenda e absurda, mais próxima de um pesadelo do que da própria realidade, que seja qual for a condição que venha a ser imposta para que sobrevivam, todos aceitariam de pronto. Todos ali já se achavam preparados para morrer, e por pelo menos um instante já pensaram em desistir. Mas se há uma salvação, por que não arriscar? Já não havia muito mais para se perder...

E agora, movidos pelo instinto de sobrevivência, embrenhavam-se no lugar mais infestado de criaturas morto-vivas. A Colméia era o lugar mais perigoso para se estar neste momento em Colosso. E os humanos infectados são os menos perigosos...

Xx

Os tiros zuniam ricocheteando nas paredes metálicas dos estreitos corredores. À frente Argol e Jill abriam caminho, seguidos de perto por Juli e Carlos, que levava Milena no colo, logo atrás vinha Niklos, cobrindo a retaguarda.

Corriam o máximo que podia pelos corredores. Atiravam sem hesitar em qualquer coisa que se movesse. Os zumbis vinham um atrás do outro, incansavelmente, como se surgissem do nada atacava os sobreviventes com fúria animalesca. As últimas munições se iam explodindo cabeças já em decomposição.

- Estamos quase chegando! – gritou Niklos, apontando logo à frente uma porta eletrônica. Sobre ela lia-se em inglês, com uma tradução em grego logo abaixo: “ Z.E.U.S. – centro de operações e depósito de armas – ACESSO RESTRITO”

Todo o setor em que estava o centro de operações tinha acesso restrito, e a porta eletrônica ficava logo ao final do corredor que liga este setor aos demais. Apenas membros da Z.E.U.S. e funcionários do setor possuíam um passe que permitia o acesso, por isso Niklos correu à frente e abriu a porta.

Cinco ou seis criaturas vinham correndo no encalço do grupo, que apenas disparava a correr ao longo do corredor vazio. As munições se foram, e agora a única esperança é que não houvesse criaturas no centro de operações. Porém, se enganaram.

Assim que a porta eletrônica se fechou e as criaturas que os perseguiam ficaram para fora, respiraram aliviados. Mas apenas por um instante. Em seguida um gemido gutural ecoou pela recepção e surgiu de uma sala um homem. Rosnava como um animal e avançou com a boca ensangüentada para cima do grupo. Ouviram-se cliques secos das armas: as munições se foram. O homem enlouquecido saltou para cima deles com uma fera dando o bote, mas antes que alcançasse sua presa ouviu-se um estrondo. Fez-se um furo na testa da criatura e sua nuca explodiu, arremessando partes de seu encéfalo para trás.

Ouviram-se em seguida estalidos secos de uma arma sem munição sendo pressionada. E os olhares convergiram-se para Jill, à frente, com uma Desert Eagle prateada empunhada.

- A última bala... E meu melhor tiro...

Xx

O depósito de armas e equipamentos era amplo e bem iluminado por lâmpadas frias. Dezenas de estantes metálicas se alinhavam formando corredores divididos em setores. Havia um modesto arsenal de armas, munições e coletes que faria inveja a qualquer depósito de uma empresa particular de segurança.

Depois de confirmarem que não havia nenhuma criatura no setor, os sobreviventes passaram a andar mais aliviados pelos corredores. Tomaram água e comeram alguns biscoitos na copa antes de seguirem ao depósito.

Os homens e Jill recarregavam suas armas e muniam-se de mais algumas. Juli, auxiliada por Carlos, vestia em Milena um colete à prova de balas. Enquanto se preparavam surgiu uma conversa que veio adicionar ainda mais tensão à situação.

- Responda-me Argand... – perguntou Niklos – A mensagem do rádio dizia que a cidade seria incendiada. Como? E por quê?

Olhares tensos convergiram-se para o soldado, ainda em nítido abalo emocional. Principalmente Argol condenou-o com os olhos por tocar em um assunto que com certeza deixaria a todos mais tensos. Sem cerimônias Argand respondeu.

- Trata-se de Icarus, um satélite que a Umbrella está posicionando sobre Colosso.

- Um satélite vai incendiar a cidade?

- A Umbrella tem um satélite incendiário? – indagou Jill assombrada.

- Não exatamente... Icarus pertence ao governo dos Estados Unidos. Ele foi construído pela Red Star, a empresa que ganhou a licitação para a construção do satélite. Acontece que esta empresa é subsidiária da Umbrella, e pelo contrato feito com o governo americano possuiria direitos sobre o uso do satélite... Sabe como é, esses caras da Umbrella estão por toda parte, até no senado americano.

- Ai! Vai tudo pegar fogo? – gritou Milena.

- Santo Deus! – exclamou Juli – Estamos perdidos!

- Ótimo! – berrou Niklos nitidamente ainda mais perturbado – Como se não bastasse escapar dessas criaturas ainda temos que escapar de um satélite incendiário!

Novamente a tensão e o nervosismo explodiram, e acresciam-se cada vez mais pelas palavras descontroladas de Niklos.

- Acalme-se! – Carlos veio ajudar Niklos a se conter, ao passo que Argol e Jill foram até Argand pedir mais informações.

- Mas como é possível um satélite incendiário? São lasers?

- Mais ou menos... – disse Argand – Sou acionista no projeto, mas não sei exatamente como funciona. Sei que se trata de um eixo com um espelho gigante e mais uma centena de lentes acopladas em braços móveis em torno desse espelho gigante. Essas lentes podem ser arranjadas para refletir a luz do sol e concentrá-la em um feixe de luz. Por ser tão concentrada esse feixe é altamente energético, podendo incendiar qualquer ponto sobre a Terra. No final das contas é um laser mesmo, um laser solar, afinal laser é um feixe de luz concentrada!

- Mas... Por que haveria de existir um satélite como esse?

- Poderio militar. A intenção é usá-lo para abater objetos voadores não autorizados no espaço aéreo americano, como mísseis e aviões.

- E então os crápulas diriam que um incêndio devastou a cidade! – exclamou Jill, revoltada – Bem típico deles!

Argol pôs as mãos sobre a cabeça e respirou profundamente. Agora o tempo passou a ser um novo inimigo. Se não chegassem a tempo para o resgate, estariam condenados definitivamente. Não haveria qualquer outra escapatória, não tempo para mais nada.

E neste instante de pura tensão, não pensou o quão piores poderiam ficar as coisas.

Ouviu-se um pesado estrondo vindo de cima. O teto e as paredes tremeram, e as luzes piscaram por alguns instantes. Todos se sobressaltaram assustados.

E mais uma vez o estrondo.

- Que foi isso? – perguntou Argol, olhando para o teto.

- Eu... espero que não tenha... – balbuciou Argand.

- Droga! O que foi? – Argol agarrou o cientista pela gola – O que está escondendo agora?

- Merda! Espera um pouco! – o homem livrou-se do cavaleiro e dirigiu-se para uma das câmeras de segurança.

- Rainha! – gritou ele.

“Pois não, Dr. Argand.” – respondeu a voz feminina e metalizada vinda dos alto falantes.

- Qual a situação do biotério U54?

“Aberto, Dr. Argand”

Foi então que pela primeira vez em todo o transcurso dos últimos incidentes que Argand Menski pareceu realmente assustado. A cor rosada de sua pele se foi, dando lugar ao pálido mais mórbido e aterrorizado que os demais já viram. E até a voz lhe escapou naquele momento.

-...


Palavras do Autor "Demorou mas chegou xD A intenção foi deixar um capitulo bem tenso, mostrar a evolução da piração do Niklos e caprichar no suspense. Consegui? Respondam nos comentários! Ah... Para quem não sabe, biotério é um criadouro para animais que serão utilizados ou que são usados em experimentos científicos. Abraços! Comentem!" Pingüim.Aquariano

Capítulo 13

Capítulo 11

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