A Criação (In)Humana

Capítulo 4: Treinamento


Era manhã no apartamento Katsuragi. Como de costume, Asuka se levanta antes de Misato.

- Shinji! Estou com fome!

Nenhuma resposta.

- SHINJI! CADÊ O CAFÉ? - berrou a ruiva.

Apenas o silêncio a respondia.

- CAFÉ! CAFÉ! CAFÉ! - berrava, enquanto se caminhava pela casa, à procura do rapaz. Banheiro, sala, cozinha vazios, restava o quarto. Asuka abriu a porta com violência.

- LEVANTA, PREGUIÇOSO IDIOTA!

Novamente o silêncio, vindo de um dormitório limpo e vazio. Um ruído de porta se abrindo interrompe a observação da moça.

- Páaaara de gritaaaaaar, Asukaaaaa! - Uma figura descabelada, coçando a barriga bem à mostra, olhos inchados e semicerrados foi reconhecida imediatamente ao sair do quarto de Misato como sendo a própria. Asuka já tinha parado de se assustar com isso há tempos.

- O idiota do Shinji saiu antes de preparar meu café!

- Então vai lá pra cozinha e prepara o meu também!

- Vai você! Humpf! - e foi para seu quarto.

“Primeiro aquele celular toca e me acorda à toa. Agora isso!” Misato sabia que ela logo ia ter que sair de lá para não perder a aula. “Mas e Shinji? Por que ele sairia tão cedo?” Dirigiu-se à porta do quarto do rapaz, deixada aberta por Asuka. Observou com cuidado. A mochila não estava lá. Previsível, pois precisaria dela para a escola. Livros arrumados na estante e sobre sua mesinha. Mau sinal, pois vários deles deveriam estar dentro da mochila. Cama arrumada impecavelmente. Tudo bem, ele costumava arrumar tudo, mesmo. Bilhete sobre a cama. Péssimo sinal. Ele tinha fugido!

Revisando mentalmente os relatórios psicológicos de Shinji, bem como os relatos da seção 2, não havia motivos aparentes para ele querer fugir. A única coisa diferente era o seu empenho nos treinos de Artes Marciais, que praticava com freqüência alta e na companhia de Goten, o garoto alienígena.

Mesmo com todas as evidências prévias contra a hipótese da fuga, a jovem mulher não conseguia evitar o bolo no estômago ao imaginar Shinji na estrada novamente, fugindo dela, de tudo e de todos. As emoções pareciam embotar seus movimentos, a mente rápida demais para que seu corpo a acompanhasse. E suas mãos, suadas e geladas, pareciam jamais chegar ao telefone, seu objetivo.

“Quem está de plantão hoje? ... Ah! Ten. Miyazaki!” Teclou nervosamente os números do celular dele, ainda entre vozes dentro de sua mente a sussurrar cenários terríveis, e outras pareciam querer confortá-la.

- Alô - uma voz impaciente ao telefone.

- Major Katsuragi aqui. Localize a Terceira Criança!

- Fomos deslocados para um alerta de segurança máxima, com provável intruso dentro do Geofront... Não sei como não a chamaram para cá ainda...

- ONDE ESTÁ SHINJI? - berrou, à beira de um ataque de nervos.

- Bem... talvez esteja relacionado com... - um ruído de teclado de computador é oouvido - Veja, o sistema de entrada da Nerv acusa sua presença aqui no Quartel-General.... mas ele não pode ser localizado em parte alguma!

- Com o quê a Terceira Criança está relacionada?

- Com todo o respeito, Major, acredito ser melhor que a Sra. veja por si própria. Elevamos o status para alerta amarelo há poucos minutos, mas ainda não sabemos o que estamos enfrentando.

- Vou para aí. Tchau. - e desligou o telefone.

Correu para seu quarto, procurando em seguida o celular entre as cobertas. “Sem bateria! É por isso que não conseguiram falar comigo ainda!” Se arrumou rapidamente, pegou o carregador do celular e correu porta afora.

- Quem precisa do IDIOTA do Shinji? EU voltei a ser a melhor piloto de todos! E posso fazer um café melhor que o dele!

- Asuka! Parece que ele arrumou alguma encrenca na Nerv. Vou pra lá agora!

- E quem se importa com aquele retardado? Eu é que não. Ahn, Misato? Essa sua “miniblusa” não tá meio ousada, não?

Foi só então que ela reparou que tinha vestido a saia e a jaqueta por cima do pijama. “Só me faltava essa!” pensou, ao ir se arrumar direito.

 

 

Algumas horas mais cedo, Shinji chegava a uma das entradas do Geofront. Passou o cartão, as portas se abriram. Estava apenas a alguns elevadores e monotrilhos de seu destino: os alojamentos da Nerv. Já antevia a chatice do caminho lúgubre e escuro à sua frente. Foi quando uma mão pousou no seu ombro.

- AAAAHHHH!

- Calma! Sou eu! Goten!

- Pô, Goten, eu posso ter me acostumado com coisas estranhas na minha vida, mas ver você aparecendo do nada ainda vai me matar de susto!

- Foi mal! É que eu percebi que você estava chegando e usei a técnica do teletransporte de novo! - o rapaz coçava sua nuca novamente. A alguns metros dali, uma gota aparecia na cabeça do pobre agente da seção 2 designado para Shinji naquela noite. Tudo que ele pôde reportar depois disso é que os rapazes tinham desaparecido sem deixar vestígios.

No alojamento de Goten e Trunks, Shinji se recuperava da desorientação momentânea de ter sido novamente teletransportado. Ao som dos roncos de Trunks, Goten pegou um pequeno pacote e puxou Shinji para fora do alojamento. Mais alguns passos, escadas acima e corredores escuros, e eles estavam no Geofront. A noite artificial era escura, e o ar estava pesado.

- Ei, o ginásio fica pra lá! - Shinji protesta, ao perceber que se dirigiam para a área verde.

- Não é pra lá que nós vamos. Tenho uma surpresinha pra você!

“Eu, hein!” pensa Shinji - Mas como vou acelerar meu treinamento fora do ginásio?

- O que eu tenho no bolso é melhor que um ginásio! - sorriu enigmaticamente. Pegou Shinji pelas axilas e voou velozmente escuridão adentro.

Pousaram numa clareira.

- Acho que aqui não vão nos incomodar. Você trouxe comida, não?

-Claro, Goten - Shinji apontou para a mochila - mas vamos treinar aqui no meio do mato?

- Mais ou menos. - o saiyajin abriu o pacote que trazia, e dele tirou uma cápsula. Pressionou um botão e a arremessou no meio da clareira. Um ruído surdo de explosão, um clarão breve e uma grande nuvem de poeira depois, Shinji viu uma enorme esfera pousada entre as árvores.

Diante do boquiaberto companheiro, Goten resolve se explicar:

- Esta é uma câmara experimental de gravidade. Lá dentro podemos treinar como se fosse em outro planeta, como meu pai e o do Trunks faziam antes de a gente nascer!

- E-e depois de todo esse tempo ainda é experimental?

- Não! É que tem uns negócios novos aí! A parte da gravidade já tá bem testada! Vamolá! - E arrastou Shinji pra dentro da câmara.

A porta se fechou hermeticamente. Pouco depois um brilho estranho a envolvia.

 

 

Dogma Terminal, instantes mais tarde. A única luz do ambiente parecia vir de um cilindro laranja no centro da sala, encimado por um emaranhado de tubos e fios. A luz se refletia em apenas dois pares de óculos.

- Como alguns dos alarmes tinham sido desligados por ordens suas, - disse Ritsuko - tive que examinar cuidadosamente os logs do Magi. Você tinha razão em esperar algo, pois lá estava registrado um padrão vermelho durante milésimos de segundo. E foi fraco demais para os sensores de rotina. Você certamente esperava isso, não?

- Sim. - Gendo reposicionou os óculos sobre o nariz - Os relatórios anteriores já sugeriam isso. E é a única forma de explicar o fenômeno que contemplamos.

- Isso é grave. Pois se esses meninos podem fazer isso, então aquele monstro... pode ameaçar o projeto.

Dentro do cilindro, uma menina nua flutuava, de olhos fechados, como que em transe. Seus pensamentos vagavam livremente, tocando várias mentes semelhantes que estavam à sua volta, famintas pelos pensamentos de Rei Ayanami. “Ikari-kun...” pensava. Seu pensamento se espalhou cada vez mais, abrangendo cada vez mais mentes e mais espaço. Extasiada, alcançou a mente que tanto procurava dentro de uma estrutura estranha, muitos metros acima, no ainda subterrâneo Geofront. Ele estava concentrado, treinando enquanto outro rapaz mexia numa máquina. A imagem começou a ficar borrada, e Shinji parecia fazer cada vez mais esforço. Sua última percepção foi a do rosto contorcido de Shinji. Depois, o vazio. Inúmeros pares de olhos vermelhos se abriram na escuridão, inúmeras bocas se abriram de susto sem que ninguém as visse. Apenas em um rosto se podia ver o pânico causado pela perda inesperada de um contato agradável. “Ikari-kun!!!” - Rei quase gritou de espanto. Por caussa da escuridão, ninguém podia ver que os outros rostos expressavam igual preocupação.

- O que foi, Rei? - Gendo perguntou, preocupado.

- ... - Rei hesitou.

Ritsuko, olhar dividido entre as costas de seu amante e a menina assustada dentro do tubo, se remoía de ciúmes. Ele não tinha palavras assim para ninguém, a não ser ela. Ela, a boneca criada com pedaços genéticos de Yui.

- Não importa - Ikari disse - vamos comer agora.

- ... Sim. - a lacônica resposta.

 

 

- Goten! Está difícil me mexer! - disse um Shinji já suado pelo esforço de se manter em pé.

A câmara se parecia com um apartamento pequeno, mas confortável. No centro havia um maquinário estranho, que se constituía em um cilindro largo que ia do piso até o teto do andar superior. No andar de baixo, por onde entraram, havia uma cama, um sofá, uma copa-cozinha e o banheiro. A meia distância entre o cilindro central e a parede do cômodo circular, havia uma escada que conduzia ao andar de treinamento, onde estavam os rapazes agora.

- É que eu aumentei a gravidade! - respondeu o saiyajin, que não dava sinal de esforço - Treinar assim vai ser como se você estivesse não só com sacos de areia amarrados nos membros, mas realmente mais pesado! Dê uma voltinha até se acostumar. E olha que só aumentei duas vezes a gravidade! Tá moleza!

Dito isso, Shinji começou a caminhada. Esse andar era bem mais despojado, quase vazio. Cada passo era um tormento, as pernas eram de chumbo. Resolveu passar por trás do cilindro central e voltar ao ponto de partida. Respirar exigia uma grande concentração. Depois de uma volta pelo salão circular, em torno da coluna central de maquinários, Shinji se sentia como se tivesse corrido dez vezes pelo quarteirão.

Por falar nisso, Goten já tinha passado correndo várias vezes por ele, como se não houvesse nada de diferente.

- Uéééé! - diz o saiyajin - Você demora pra se acostumar, hein?

- Preciso...descansar! - respondeu Shinji, já à beira de desfalecer.

- Tá bom. Então fica lá em baixo.

Goten reduziu a gravidade para 1,05. “Por que será que não consigo baixar mais que isso?” pensou. Deu um tapa no console, divertindo-se com o pulo que os números deram, como se tivessem se assustado.Desceram a escada vertical, Shinji pingando de suor. O saiyajin entregou um controle remoto para Shinji.

- Toma. Com isso aqui você pode reduzir a gravidade, caso precise. Vou treinar lá em cima, com mais peso, mas se você se sentir desconfortável demais, usa esse botão aqui.

- Tá... - Shinji pôs os fones de ouvido de seu SDAT e quase imediatamente adormeceu.

 

 

Goten aumentou a gravidade para 10G (mas ficava sempre oscilando entre 9,7 e 10,2. Mais porrada no console!) e começou a treinar. “Meu pai precisou treinar em 100G pra atingir o nível de Super Saiyajin... Eu consegui quase sem esforço.” Combinou saltos com vôo só para se aquecer. Mais alguns saltos mortais e ele estava novamente no console, programando os sparrings-robôs para atacarem com tudo. “Será que posso ficar mais forte que meu pai?” Contemplou a organização das esferas com dispositivos anti-gravidade, e portanto não afetadas pelos (10±0,5)G de gravidade. “Será que vale a pena? Será que uma vida normal como a do Gohan não estaria boa pra mim? Mulher e filhos... Mas não consigo nenhuma!” Contou os robôs. Havia 17, embora ele tivesse especificado treino 1, onde só deveria haver 10 a 12. Franziu a testa. “Que diabos...” Os robôs iniciaram a execução de seu programa. Goten interrompeu sua linha de pensamento para responder ao ataque, danificando dois oponentes logo de cara. Os outros já se posicionaram de forma a minimizar o prejuízo da baixa desses dois. Goten se espanta  - “Ora essa, estratégias assim deveriam estar no Combate-1, e não nesse nível!” - Sorridente, ele pensou - “Esse treino vai ser divertido!” - e perdeu a noção de tempo.

Cerca de meia hora depois, Shinji acordava. Respirando com dificuldade, viu diante de si uma tela holográfica de computador, com o horário e algumas janelas de aviso que ele não conseguia compreender. “É melhor eu perguntar ao Goten o que é isso...” e tentou se levantar. Em vão, pois a gravidade fazia ele pesar mais de 600 Kg no momento. Lembrou-se do botão do controle remoto. Felizmente, estava ao alcance da mão. Sem olhar, pressionou um dos botões. Nesse momento, a tela flutuante exibiu uma nova janela: “Aviso: Modo Combate-3 acionado”. Com uma cara de ponto de interrogação, Shinji ouviu uma voz conhecida lá do andar de cima:

- Que meeeeeeerrda!

Explosões se seguiram. De canto de olho, Shinji conseguia ver os clarões. “Botão errado!” e pressionou outro botão.

No andar de cima, Goten foi pego de surpresa pela ferocidade repentina dos robôs. Tomado de uma grande ira, elevou seu Ki e disparou rajadas contra os robôs, destruindo completamente alguns deles. Ainda cego de raiva, disparou sua melhor rajada contra um grupo de cinco que estava logo na frente dele. De repente, eles se arremessaram ao teto de uma só vez, e o tiro bateu na coluna de maquinários, provocando um apagão.

- Perigo, Perigo, hipersolenóide principal danificado! - berrava uma voz metálica.

Shinji conseguiu se levantar, com grande facilidade. Na verdade estava quase flutuando.

- O que foi que eu fiz? - se preocupou. Conseguiu olhar para a escotilha de acesso ao andar superior, de dela saiu uma esfera estranha. Disparou um raio brilhante. Cheiro de carne queimada, e Shinji foi arremessado contra a parede. O controle remoto bateu com força no teto, e depois em sua testa. Pôde ver ainda o interior da pequena maravilha, com circuitos minúsculos e componentes brilhantes, pequenos e numerosos como grãos de sal. Como funcionava aquilo? Uma cortina vermelha desceu sobre seu olho esquerdo. Foi quando a dor o atingiu. A última coisa que viu foi a esfera parar na sua frente, pronta para dar outro tiro. Uma explosão se seguiu.

- Ainda bem que cheguei a tempo! Shinji! Shinji! Droga! - O saiyajin se indignou. Conseguira desativar vários robôs malucos, mas um deles tinha descido para o outro andar (coisa que a programação original não permitiria de forma alguma) e teve que correr para destruí-lo. Mas então ele já tinha acertado Shinji. E agora?

Shinji estava ali, jogado contra a parede, a cabeça coberta de sangue e uma ferida gigantesca começava no ombro direito e descia quase até o umbigo. Como estava queimada, não se podiam ver os órgãos internos, mas podia haver danos invisíveis. Tinha que sair dali. Correu até a coluna de maquinários.

- Abre a porta, droga!

- Gravidade: 0,6 G. - O computador respondia - Modificando para 1 G. ... Impossível sobrepor Console-3. Impossível abrir porta com gravidade diferente de 1. Droga: Comando desconhecido foi ignorado

- Localizar Console-3 – berrou, indignado com a burrice do computador.

Boquiaberto, Goten se deu conta que Console-3, o atual comando supremo da câmara onde estavam (já que o console-1 tinha sido destruído na batalha contra os robôs doidos) era aquele montinho de quinquilharias ao lado de Shinji. O controle-remoto despedaçado era a única chave para a saída. “Shinji vai morrer aqui dentro!” Ajoelhado ao lado dos minúsculos destroços, Goten procurava em vão uma solução para o problema. “Queria que o Trunks estivesse aqui... O Teletransporte!” Sorridente, se ergueu. Pôs os dedos na testa, se concentrou... e nada. Nenhum ki podia ser localizado. “Devemos estar em outra dimensão, ou coisa parecida.” Novamente amuado, voltou-se para a coluna de equipamentos, onde várias janelas reportavam os problemas que o computador localizava. “Pérai! O computador funciona! Será que...?” correu até o terminal.

- Qual a situação da câmara de regeneração?

- Experimental. Uso não homologado para humanóides.

“Vai ter que servir!”

- Inicialização de emergência da câmara de regeneração.

Goten saltou até onde estava Shinji (era mais fácil que correr, com tão pouca gravidade. “Como diabos a gente se meteu nessa!” pegou o corpo com cuidado, tentando evitar que o braço inerte abrisse totalmente a ferida. Goten não estava disposto a procurar vísceras pelo chão...

A esperança do jovem era a câmara experimental de regeneração. O avô de Trunks tinha ficado fascinado pelos destroços da nave de Freeza, que estavam espalhados pelas montanhas. Depois de delegar o comando da Corporação Cápsula a sua filha, o simpático e engenhoso velhinho passou a se dedicar à reconstrução dos artefatos alienígenas. Um deles era a câmara de regeneração, um aparelho que tinha praticamente ressuscitado Vegeta depois de uma surra que ele levara no planeta Namek, quando ainda era maligno e queria as Esferas do Dragão de lá. Tinha restituído a vitalidade a Goku, também, após a surra que o corpo tinha levado de Vegeta enquanto esteve possuído pelo comandante Guinyu.

Mas só após vários anos que um protótipo tinha ficado pronto, e ele funcionava para animais pequenos, com poucos ferimentos. Aparentemente, a máquina induzia um coma enquanto nanorobôs auxiliavam a reconstrução do corpo. Nesse estágio, vovô Briefs replicou o protótipo e instalou a cópia na câmara gravitacional particular de Trunks. “Pode ser útil” ele dizia. Talvez quisesse testar com um humanóide...

Quem poderia adivinhar que ela seria testada por alguém de outro planeta ou dimensão? E já que não era possível sair daquela câmara, aquela era a única esperança de Shinji. Então o colocou no banquinho que havia dentro da câmara, e instalou o respirador em sua boca e os eletrodos em sua testa. Fechou a porta e comandou:

- Iniciar regeneração!

- Padrão genético desconhecido. Utilizar configuração padrão?

- Sim.

- Iniciando regeneração de híbrido humano-saiyajin.

- Ai! E agora? Será que vai dar certo?

Um líquido transparente preencheu totalmente a câmara, fazendo o rapaz semimorto flutuar um pouco. Como que por mágica, o sangramento que havia em vários pontos da cabeça e do tronco se interromperam. Goten sentiu a esperança voltar.

 

 

Num laboratório sempre imerso na penumbra, dedos tamborilam sobre um objeto plano sobre a mesa. O reflexo nos óculos não permite que se conheça a direção dos olhos verdes que se escondem por trás deles. Mas de qualquer forma, o olhar parece estar voltado para dentro.

“Quem foi esse homem? O que minha mãe teve com ele? O que esse gaijin estava fazendo naquele lugar?” a mão que tamborilava pegou o objeto: um caderno pequeno, mas volumoso. Muitas inscrições ainda não tinham sido decifradas, mas o idioma tinha sido identificado. Pousando novamente o caderno que tantos anos passou na China, passou a fitar a tela de seu terminal, com as fichas do pessoal que trabalhava naquele malfadado laboratório do deserto.

“Geneticista. Chegou a ser notório pouco antes do Segundo Impacto. E desapareceu pouco depois dele.” O celular interrompeu seu devaneio.

- Alô.

- Sempai! Temos um alerta amarelo agora.

- Está bem. Vou para a ponte, monitorar essa emergência. Katsuragi foi chamada?

- O celular parece estar sem bateria, e o telefone de casa está ocupado. Mas Hyuga ainda está tentando chamá-la.

- Ok. Desligando.

 

 

De volta ao presente, Misato finalmente chegou à clareira superpovoada em volta do estranho artefato esférico que brilhava frouxamente, desafiando a todos com sua presença.

- O Shinji está lá dentro? - uma certa major de longos cabelos roxos perguntava ao pobre tenente Miyazaki.

- Acreditamos que sim.

- Por que não o tiram de lá?

- Existe um campo de força repelindo nossa aproximação.

-Me dá isso aqui! - Misato quase arrancou o palmtop das mãos do agente. - O que isso quer dizer com massa negativa?

-É algum tipo de matéria exótica, como os táquions. Nem mesmo os tiros de nossas armas padrão alcançam a superfície.

-ENTÃO CHAMA A RITSUKO, PORRA! - e saiu pisando forte.

-Ela fica linda quando está nervosa, não? - uma voz tira a atenção de Miyazaki do traseiro de Misato.

-Hein? Ah! Agente Kaji. - se aprumou.

-Não esquenta! Pelo que ouvi, vamos ter trabalho aqui, não?

- Sim senhor. Mas creio que isso aqui não é bem o foco de sua seção, estou certo?

-Mais ou menos. Mas eu me importo um bocado com aquelas crianças. Quero estar por perto se uma delas precisar de ajuda.

-Compreendo... Não tanto quanto a major, para quem Shinji é quase um filho, ou o senhor... mas compreendo. - O tenente pareceu se perder em lembranças.

- Deixa esse negócio de “senhor” pro velho Ikari. - sorriu o agente - “Você” está bom pra mim. Quer contar alguma coisa?

-Bem... - Miyazaki parecia não esperar essa intromissão, tão típica do agente Kaji. - Eu tive oportunidade de dar algumas aulas de defesa pessoal e luta para as Crianças. São adoráveis. Quer dizer, apesar de se comportarem tão mal, tem uma sede de conhecimento que eu tinha me acostumado a não esperar.

- É mesmo? E o Shinji?

- Ele poderia ser menos introspectivo. Mas olhava com atenção cada lição que eu tinha, aceitava as correções com paciência, como se as esperasse. Era tão diferente dos outros... Rei tinha aqueles movimentos graciosos, quase como se tivesse sido criada especialmente para isso. Tão quieta, quase não tinha o que corrigir nos exercícios. Asuka e Touji ficavam brigando o tempo todo. Tinha que ficar de olho vivo quando eles treinavam juntos. Era quase certo que o pau ia rolar... - uma risada. - Mas eu tinha mais atenção com o Shinji. Ele me fazia lembrar que o conhecimento e o crescimento têm um custo, exigem esforço, algo assim.

- É... Queria que o Shinji tivesse essa consciência também. Mas se a gente levou esse tempo todo pra aprender isso, o que vamos exigir deles, não? - deu uma cotoveladinha em Miyazaki - A gente se vê!

“É... Esse tal de Kaji pode ser um bom sujeito, afinal.” - pensou o tenente. - “Mas espiões sempre parecem bons sujeitos...”

 

 

O sono pesado de Trunks geralmente só se encerrava quando o corpo estava suficientemente descansado. Mas podia ser interrompido por um terremoto, um meteoro caído a poucos metros, uma mina N2 ou ... homens de preto dentro do quarto berrando e sacudindo seu corpo.

PAFT! O agente que teve o azar de ser escolhido para acordá-lo (depois de muita discussão e Jan-ken-po) jazia inconsciente na parede oposta do pequeno alojamento. Um galo de proporções consideráveis já despontava entre os cabelos.

- Uaaaaahhn! - bocejou Trunks - Que foi agora, Goten?

Mas não era Goten que estava ali. Os outros dois agentes, com armas em punho (embora não as apontassem para Trunks) não disfarçavam o medo e a estupefação com os seus óculos escuros.

- Estamos aqui para assegurar a sua localização a de seu companheiro. Estamos sob alerta amarelo, com possível penetração do Geofront. O ... “hóspede” que responde por Goten não foi localizado ainda, e devemos considerá-lo suspeito.

- Ah! Essa é boa! Vou localizar o danado agora. - dois dedos na testa, expressão de concentração, seguida de mais concentração, e finalmente expressão de decepção - Ora, será que ele saiu do planeta?

- Não temos essa informação. - Os agentes se entreolharam antes de o primeiro prosseguir. - Temos ordens de mantê-lo sob vigilância.

- Até enquanto eu me arrumo? Vai dizer que vocês querem ver minha cueca? - seu olhar desafiador por pouco não faz dois agentes treinados recuarem.

- Vá para o banheiro. - disse o outro, que até agora tinha ficado em silêncio.

- Ah! Tá bom! - pegou as roupas, ainda enrolado no lençol, e foi para o banheiro.

Uma vez lá dentro, pôs-se a ponderar. “Como o Goten pôde sumir assim?” Vestiu-se. “Onde ele pode ter ido, pra eu não localizar ele?” um frio desceu pela espinha. “Será que ele morreu? Nããão!” - descartou o pensamento assim que veio. “Será que o Shinji sabe de alguma coisa? Ele tem andado muito com o Goten nesses dias...” - novamente o ritual para o teletransporte se vê frustrado. “Shinji também! Será que a 'garota dele' sabe de algo?” - E lá vai Trunks para perto de Asuka.

 

 

Asuka estava andando mais devagar do que de costume. Não havia Baka-Shinji pra ela deixar pra trás, dessa vez. Ela ainda lutava contra a idéia de que ele a tinha abandonado. “Bakabakabakabakabakabaka...” e assim por diante. Era sempre assim. Ainda bem que ela sempre o repelira. Assim não teria que sofrer quando se separassem. “Ele nunca significou nada pra mim, mesmo!” e erguia o nariz. Isso não atenuava o vazio que se formara em seu peito, quando tomou consciência da ausência de Shinji. Nem evitava que esse vazio tentasse tanto sugá-la pra dentro, uma dor tão intangível e tão doída. “E aquela Misato! Ficou quase louca quando soube que aquele molóide tinha desaparecido! Que raiva!”

PUFF! Asuka esbarra em alguém que não estava lá.

- De onde você veio, idiota?

- Bem... Hã... É que... - Trunks não esperava realmente encontrá-la sozinha, mesmo não tendo sentido o ki de Shinji. A intensidade daqueles olhos azuis desarmou seu propósito.

Asuka lhe deu as costas, passando por ele.

- Idiota!

O desprezo pareceu tirar Trunks de seu transe temporário, trazendo-o de volta ao cerne de sua busca.

- Cadê o Shinji?

- Sei lá! Aquele palhaço sumiu hoje cedo e nem fez o café! Não me importa onde ele está!

Num movimento em super-velocidade, Trunks estava novamente na frente da ruiva.

- Não consegui localizar o ki de Shinji, nem o de Goten. Sabe o que isso significa?

- Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe! - seu movimento para ultrapassar Trunks novamente foi impedido por um braço em seu caminho.

- Na melhor das hipóteses, eles estão em outro planeta. Mas o significado mais freqüente é que eles estão mortos.

O tremor de Asuka não passou despercebido a Trunks. Ele omitiu, é claro, que entre os Guerreiros Z a morte não costumava ser permanente. Ela se aprumou, engolindo o susto.

- E como isso iria acontecer? - perguntou, com desdém mal-simulado.

- Eu espero que não tenha acontecido. Estou tentando descobrir o que esses dois podem ter feito pra sumir assim.

- A Misato tinha falado algo sobre um bilhete na cama do Shinji, - disse, depois de uma pausa. - mas ela saiu com tanta pressa que nem leu.

- E o que estava escrito?

- Não li! Acha que sou babá daquele retardado?

- Calma aí! Temos que ver o que está nesse bilhete!

- Temos, vírgula! Você tem! - abrandou a voz, enquanto procurava algo na bolsa. - Toma! Esse é o cartão de acesso ao apartamento. O bilhete deve estar na cama dele, ainda. O quarto é o primeiro à esquerda, logo depois da cozinha.

Goten estendeu a mão para pegar o cartão. Asuka puxou rapidamente.

- Vê se entra só no quarto dele, hein? - acrescentou, com aquela voz irritante que tirava o jovem saiyajin do sério.

- Tá bom, sua chata! - disse, ao tomar o cartão num movimento mais rápido do que ela pôde perceber.

Virou as costas para a ruiva e pôs-se a correr na direção do apartamento Katsuragi.

“Que besta!” - pensou Asuka, com firmeza. Mas no fundo ardia, sufocada, a ânsia de seguí-lo e ler também o bilhete. “Humpf!”, girou sobre os calcanhares e começou a caminhar para a escola. Cada passo parecia pisar em seu próprio coração, mas ninguém notaria ao vê-la caminhar.

 

 

Goten estava com as pálpebras pesadas de sono. As pernas doíam, tanto foi o tempo que estavam cruzadas sob o corpo. Mas ele prometeu a si mesmo não tirar os olhos de Shinji enquanto o computador não desse alguma notícia tranqüilizadora.

Depois de começar a consertar o corpo do rapaz, o computador voltou a dar os chiliques que, na sua opinião, resultaram no fato de estarem presos numa mera cápsula de treinamento com controle de gravidade. Um alerta depois de outro, o “procedimento padrão” parecia não ser o mais adequado para Shinji. Quando o computador resolvera drenar a cápsula do líquido reparador, sem antes abortar o processo, Goten perdeu o sono. Foi um grande susto. Se ele não tivesse cancelado a drenagem ao dar um nó no largo tubo que havia embaixo da câmara, os nano-robôs teriam sido deixados no corpo ainda em coma, com resultados imprevisíveis (pelo menos para um leigo como ele). Por outro lado, o que era um buraco a mais no chão? Era necessário para pegar o tubo rapidamente.

Para tornar a espera suportável, Goten resolveu fazer um treinamento semelhante ao que seu irmão tinha feito antes da luta contra um Cell bem parecido com o que ele e Trunks enfrentaram na China. O treinamento - idéia de seu pai - consistia em apenas permanecer como super-saiyajin mesmo quando estivesse calmo. Isso foi um pouco difícil no começo, mas com o costume veio a segurança de manter os cabelos amarelinhos mesmo sem a fúria que geralmente o invadia nesses momentos. Esse é o Goten que estava ali em frente à câmara experimental de regeneração.

- Vou pegar uns palitos pra segurar os olhos! - disse para o vazio.

Apenas umas bolhas dentro do líquido transparente pareceram responder ao rapaz.

O saiyajin já tinha comido todas as provisões que Shinji trouxera. Só restava a gororoba que a máquina podia gerar em casos como esse - será que vovô Briefs previu que alguma coisa assim podia acontecer? De qualquer forma, o lendário apetite de sua raça não ia perdoar o nutriente, por pior que fosse o gosto.

-GRRRRRRRRRRAULLLLLLLLLLLLLLLLL!

Outro susto! Mas dessa vez foi seu estômago. Goten saltou para a torneira de gororoba. Era algum tipo de mingau energizado pelo hipersolenóide. Certa vez ele ouviu Trunks brincando com seu avô, falando algo sobre aquilo ter moléculas instáveis por causa da alta energia, e perguntando se ele gostaria de ver o neto voando pelos ares depois de comer aquilo. Ele respondeu que ele já tinha visto o neto voando pelos ares mais de uma vez, e um mingau não mudaria isso. Com uma risada, Goten encheu a tigela com a gosma. Tzzzz!

- Que gosto azedo! - uma fumacinha saiu da boca. Parecia que tinha ocorrido uma descarga elétrica. - Bleargh!

Em meio a sua refeição, Goten não percebeu que a sucessão de mensagens da tela holográfica tinha se alternado com uma diferente.

- Danos críticos estabilizados. Enfileirando reparos residuais junto com correções estruturais. 1522 warnings e contando.

 

 

Trunks chegou rápido ao prédio de que se lembrava. “É a primeira vez que venho andando.” riu para si mesmo. As redondezas onde se encontrou com Asuka eram as mesmas do dia em que tinham saído para o shopping. O passeio fora interrompido pelos gorilas da Nerv, é claro. Mas bastou fazer o caminho de volta.

A portaria estava aberta. Num segundo estava no pátio interno do prédio, onde deu um “pulinho” de vários metros, até o andar do apartamento Katsuragi. Caiu na esquina errada, mas num instante estava diante da porta que procurava. Esticou a mão com o cartão na direção da fechadura.

- Espere! - disse alto um dos homens-de-preto da Nerv, atrás dele no corredor.

“De onde veio esse cara?” perguntou-se o rapaz.

- Posso saber o que você quer aí dentro?

- Dois amigos meus sumiram, e a resposta pode estar aí dentro! Se quiser, venha junto! - virou as costas para o agente e passou o cartão. Ato contínuo, escancarou a porta e entrou.

“Primeira porta depois da cozinha. Aqui!” Trunks abriu a porta do quarto de Shinji, vendo-o bem arrumado, e com o bilhete em cima da cama.

Em dois segundos tinha lido o recado.

- A srta. Katsuragi precisa saber disso!

- Venha comigo, então. Vou levá-lo à central! - disse o agente, ainda por trás de seus óculos escuros.

O saiyajin fez uma cara de “venha me pegar” enquanto levava dois dedos à testa. PUF! O quarto agora tinha apenas um agente da seção 2 com cara de pateta.

 

 

Shinji tinha a sensação de flutuar. Abriu os olhos, e essa sensação foi substituída por um trem, como os que freqüentam seus sonhos. Ergueu o olhar para os bancos do outro lado, quase esperando ver uma versão infantil de si mesmo ali sentada. Mas no lugar dos bancos, estavam as portas do vagão. “Impossível” ele pensou. As portas dos vagões são alinhadas, de forma que nunca poderia haver uma porta diante de um banco. “Onde está o outro eu?” foi o próximo pensamento.

Como que em resposta, a porta do vagão se abriu, deixando entrar uma luz cegante, que não era visível pelas janelas do trem. Shinji fechou os olhos, protegendo com as mãos o rosto da luz. Imediatamente, a luz pareceu diminuir e ele, sentado em algum banco invisível, estava cercado de pessoas de várias idades, que formavam um círculo ao seu redor. Além deles, só o branco do nada.

Nos rostos, Shinji reconheceu a si mesmo. Lá estava ele, como no sonho dentro do anjo, uma criança. Lá estava ele, num plugsuit. Lá estava ele, um jovem adulto. Lá estava ele, num terno de salaryman. Lá estava ele, num tipo de armadura medieval. Lá estava seu pai. O mesmo uniforme negro, a mesma barba sem bigode, o mesmo sorriso irônico. Mas ironia não era o jeito de seu pai. E aqueles olhos, apesar de firmes, eram grandes como os de sua mãe... ou os seus. Lá estava ele....

E todos os Shinji Ikari olhavam para ele. Com raiva, pena, pesar, alegria, esperança, muitas expressões em muitos rostos. Muitas emoções em muitos corpos. Muito do que não foi e do que poderia ter sido. Ou do que ainda pode ser. E, no centro, Shinji via tudo num borrão. Mas, ao contrário dos sonhos recorrentes do passado recente, dessa vez ele conseguia absorver tudo. Se viu num guarda-pó de cientista. E num uniforme da Nerv. E como professor de música. Como estudante universitário. Como um bebê no colo da mãe. Como um velho miserável sedento de vingança. Como um adolescente apaixonado. Como um marido manipulado. Como... muitas experiências agradáveis e terríveis, doces e fétidas. E simultâneas. Shinji estava mais forte, mas isso ninguém pode suportar. “Mamãe!” gritou em seu pensamento.

- Mamãe! MAMÃE! - gritou fechando os olhos.

E então a escuridão confortadora respondeu.

 

 

Ritsuko desembarcou do jipe, seguida de perto por sua fiel escudeira Maya. Caminhou calmamente até a pequena tenda que abrigava grande número de equipamentos eletrônicos precariamente instalados para monitorar o evento diante deles.

- Maya, chama a Misato pra mim?

- Sim, sempai!

Então mergulhou no mar de informações com que os técnicos a aguardavam.

. . .

- Major Katsuragi? - chamou Maya, com discrição.

- QUÊ! - veio o berro de Misato - Ah! É você, Maya. Desculpe o berro, tá! - disse, mais calma.

- A Doutora quer falar com você...

- Ah! Cadê ela? Bom, deixa que eu procuro! - e disparou na direção em que acreditava estar a tenda dos técnicos. “Eu preciso de uma cerveja....” pensava.

PUF! Um esbarrão em Trunks.

- MOLEQUE DO INFERNO, DE ONDE VOCÊ VEIO?

- C-calma, dona Misato! É que eu tenho um bilhete do Shinji - Goten exibiu o manuscrito.

- Passa pra cá! - pegou o papel, com um grande brilho nos olhos.

Misato
Fui treinar com o Goten. Ele disse que deve durar o dia inteiro. Não se preocupe, depois eu pego a matéria da aula com a Asuka.
Shinji

- Onde isso estava?

- Na cama do Shinji.

Misato não sabia se ficava mais calma, mais nervosa ou se devia se xingar de burra. O bilhete tinha estado lá no quarto dele, agora ela se lembrava. Por que ela não tinha lido isso antes?

- Ei! - disse Trunks - Essa é a câmara de gravidade que meu avô me deu!

- Hein? Vem comigo, que só a Ritsuko vai entender a sua explicação, mesmo!

Ritsuko ouviu pacientemente a história de Trunks. Aquele objeto realmente pertencia ao mundo alienígena que esses meninos insistiam em chamar de Terra. O avô de Trunks tinha feito daquilo seu passatempo de aposentado. E se baseava em tecnologia alienígena, recolhida pacientemente entre os destroços da nave de uns tais de Freeza e Cold - que nomes horrorosos - que tinham sido derrotados por ele mesmo. Ou será algum alter-ego temporal? Essas coisas absurdas realmente aconteciam? Lembrou-se do estado das celas 3 e 4 depois das “brincadeiras” dos garotos e resolveu dar mais algum crédito ao que falava.

- Você quer dizer que lá dentro tem uma distorção espacial? Gravidade sem matéria? Isso exige muita energia, não?

- Sim! É por isso que tem dois hipersolenóides...

- Você quer dizer supersolenóides, não?

- Nãããão! É hiper, mesmo. É um tipo de motor...

- ... que produz energia infinita, não? É o S2!

- Bem, vejo que vocês têm algo parecido aqui. Mas em nosso mundo chamamos de Hipersolenóide. E não gera energia infinita, não. Mas é uma máquina instável, que aproveita parcialmente as diferenças de potencial entre as dimensões para fazer uma aniquilação controlada de matéria.

Misato a essa altura já estava desesperada por uma cerveja. “Esse garoto podia ser filho da Ritsu. Ou então... quem sabe?” suprimiu uma gargalhada. Explicar essa gargalhada provavelmente faria Ritsuko querer matá-la.

- Se o equilíbrio do motor for perturbado, - continuou o rapaz - ou o motor for muito exigido num intervalo pequeno de tempo, ele pode emitir táquions de baixa energia. O computador precisa detectar isso e intervir no hipersolenóide com precisão.

- Maya, consulte os logs do Magi - interrompeu a loura - e procure alguma ocorrência de táquions. Alguns deles podem ter voltado no tempo e entrado nos registros de algumas horas atrás.

- Há um registro da calibração dos sensores para a batalha simulada no Geofront. Diz aqui que foi para compensar um excesso de radiação de Cerenkov.

- Táquions! - espantou-se Trunks.

- O que acontece se o computador não conseguir controlar o HS?

- Não tenho certeza. No começo, acho que uma parte das distorções gravitacionais pode vazar para o ambiente, como parece estar acontecendo agora. Mas se isso durar o suficiente, o HS entra em colapso e libera toda a energia de uma só vez. É uma senhora explosão. Claro que a distorção pode continuar muito tempo, o que vai causar problemas o suficiente. Imagina um campo antigravitacional dentro dessa estrutura!

- Então enfrentamos uma aniquilação do Geofront, de uma forma ou de outra.

Misato parou de pensar em cerveja.

 

 

Na penumbra, Shinji acreditou estar sozinho. Olhou para frente, não vendo nada.

- Você não está sozinho - disse uma voz feminina por trás dele.

O rapaz se virou rapidamente, cheio de emoção. “Mamãe!!” pensou. Deparou-se com uma moça vestida dos pés à cabeça de preto. Tinha olhos e cabelos negros como a noite, e uma face pálida e desconhecida. Não era japonesa, mas não era estranha. Nunca a viu antes. Era bela, extremamente bonita, e apesar disso, não lhe despertou nenhum desejo. Apenas o de contemplar sua beleza.

- Não sou sua mãe, como pode ver. - disse a desconhecida, adivinhando os pensamentos anteriores de Shinji.

- Quem é você?

- Sou sua guia. Você veio muito longe, mais longe do que deveria ter vindo. Agora vai precisar de ajuda para voltar.

- Onde estou?

- Aqui é uma fronteira. Além dela estão os que já morreram.

- Então eu morri? - perguntou, precipitadamente. “Mas eu não passei a fronteira...” pensou, adivinhando a resposta.

- Como você mesmo já deve ter percebido, ainda não. Seu amigo conseguiu estabilizar seu corpo, e você precisa voltar para ele.

Shinji ponderou, lembrando-se dos últimos momentos na câmara de gravidade, e da perda da consciência.

- Um acidente... O que aconteceu depois?

-Você quase morreu. Estava prestes a cruzar a fronteira quando seu amigo conseguiu salvá-lo. Nunca ouviu falar que, na hora da morte, o moribundo vê toda a sua vida passar diante de seus olhos? Bem, você teve uma experiência semelhante, mas contemplou outras vidas que não a sua. Os outros “Shinji”s preencheram o vazio que você deixou com as experiências deles. Ninguém é o mesmo depois disso. Sua volta precisa ser lenta, ou sua sanidade ficará deste lado. E já alerto: não será isenta de dor. Se não a quiser, terá que passar para o outro lado da fronteira. - apontou para um foco de luz que agora parecia distante.

- Dor... aprendi a tolerar um pouco, mas ela ainda me amedronta... - disse Shinji, cabisbaixo.

Ergueu a cabeça para sua bela guia e disse:

- Leve-me para meu corpo. Meus amigos ainda precisam de mim. E a propósito, como devo chamá-la?

- Pode me chamar de Leila - disse, sorrindo.


Capítulo 5

Capítulo 3

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