A Criação (In)Humana

Capítulo 2 - Contato


Madrugada. O silêncio embala o sono dos poucos habitantes de um certo edifício da periferia de Tokyo-3. Sono mais fácil, pois a temperatura amena traz conforto aos que dormem. Nem todos, porém.

Um sobressalto. Um suspiro desesperado de quem, momentos antes, ansiava pelo ar agora sorvido em profusão, por ofegantes e profundas respirações sucessivas. E Shinji Ikari se sentava à sua cama.

- Outra vez o mesmo sonho. - Disse, baixinho.

Mais calmo, se levantou para escovar os dentes.

 

 

Satoro caminhava pelas ruas escuras. Vestia, como de costume, um leve casaco sobre a roupa de trabalho. “Por quanto tempo ainda terei este emprego?” se questionava, ao se aproximar de um prédio baixo, onde a única luz acesa estava em uma das esquinas do Térreo. “Se esse gaijin não tiver mais fregueses aqui, ele volta para Tokyo-2, onde os outros moram”. A maioria esmagadora dos clientes do serviço que ali se prestava eram estrangeiros morando no Japão. Não havia tantos assim em Tokyo-3, as comunidades que haviam se consolidado na antiga capital preferiram continuar por lá. O irmão de seu patrão ainda mantinha os negócios da família lá. “Tolo. Talvez ele devesse ter ficado lá também. É um bom homem. Pelo menos, eu posso ganhar um dinheirinho aqui...”. Balançou a cabeça, ao contornar o pequeno prédio para chegar à entrada de serviço da padaria. Bocejou, logo antes de ver, ao lado de seu local de trabalho, uma van parada. Era possível ver uma pessoa ao volante, e mais duas atrás da porta traseira, que estava aberta. Todos de terno preto. Algum tipo de antena despontava do alto do veículo. Salvo um suave zumbido, tudo era silêncio.

“Não sou o único a trabalhar de madrugada, hoje”. Satoro abriu a porta com a chave que tinha no bolso. “Mas essa NERV realmente devia trocar o uniforme de seus agentes secretos”. Uma risadinha, já do lado de dentro. “Esses ternos pretos já estão muito manjados!”

Sem se questionar o que os agentes fariam ali, tão cedo, naquele bairro, Satoro entregou-se ao ofício de padeiro.

 

 

Na mesma madrugada, dois jovens caminhavam, conversando baixinho:

- Trunks, não temos nenhuma cápsula com um abrigo, uma casa, qualquer coisa? Estou com sono!

- Calma! Temos que ter alguma idéia de onde estamos. Como está nublado, não pude ver o céu. Se eu reconhecer as constelações é porque estamos na Terra, senão fomos para outro planeta. Talvez até tenhamos que esconder nossos poderes e as cápsulas para não chamar muita atenção.

Trunks se abaixou para pegar alguma coisa no chão. Sem tempo para examinar, pôs dentro da sua jaqueta.

- Bem... Acho que estamos na Terra, sim. Tudo bem que esta cidade é muito quadrada, e os prédios são muito altos. Isso aqui é feio pra caramba!

- Veja! - Trunks apontou dois homens adiante na rua em que estavam. Usavam terno escuro e caminhavam lentamente, como se procurassem algo ou alguém. Olhavam quase sempre em direções distintas. Puderam ver que usava algum dispositivo de comunicação atrelado às suas orelhas esquerdas.

- Vamos quebrar a cara deles? - Goten já estalava as juntas das mãos.

- Não. Eu também não fui com a cara deles, mas ainda não sabemos o que eles podem fazer.

- Hummm... O ki deles é bem fraquinho.

- Precisamos saber onde nos metemos antes disso. Por enquanto, sugiro que a gente se esconda ali - Trunks apontou um dos edifícios próximos. Um prédio baixo, com uma janela aberta no 2° andar.

Aproveitando a cobertura dos edifícios e árvores próximas, os saiyajins voaram, aparentemente sem serem vistos, até a janela aberta, por onde entraram.

- Ei, Trunks, isso aqui tem cara de escola!

- Goten, veja isso! - o rapaz mostrou o jornal pego do chão, minutos atrás.

“Tokyo-3, 13 de novembro de 2015.”

- 2015? - Goten se surpreende - Tudo bem sobre a sexta-feira 13, porque tá na cara que é nosso dia de azar... Mas não estávamos em 781 ???

Com uma risadinha, Trunks confirmou com a cabeça.

- Então este é o futuro?

- Não sei. Pode ser. Ou então estamos em algum lugar onde o calendário diferente... - Trunks folheia novamente o jornal, até parar de repente - ... ou estamos em outro planeta, mesmo!

Separando a página que chamou sua atenção, Trunks mostra um mapa-múndi ao amigo.

- Ei, o que é isso? Eu não conheço essas ilhas!

- Leia o jornal, bocó! São continentes!

- Mas todo mundo sabe que só existe um continente!

- É disso que eu tô falando! Não estamos na Terra... Bem, não na nossa Terra, pois os habitantes deste planeta também chamam ele de Terra.

- Mas como é que falamos a mesma língua?

- Sei lá! Podemos estar em algum tipo de realidade alternativa, ou coisa assim.

Um silêncio pesou sobre os rapazes. Só foi quebrado por Goten.

- Como vamos voltar pra casa?

Trunks hesitou um pouco antes de responder.

- ... Precisamos descobrir primeiro como diabos viemos parar aqui. E também descobrirmos o que for possível sobre este planeta. Vamos fazer contato com as pessoas daqui. Se o que você falou for verdade, poderemos começar aqui mesmo, pela manhã.

- Trunks, olha ali dentro daquela mesa! Tem grana!

Trunks pega o pequeno monte de dinheiro surrado e exclama:

- Veja! São dois mil yen! Seja lá o que for um yen...

- Bem - Goten dá uma cotovelada leve no amigo, com um sorriso irônico - se fosse muito dinheiro, não estaria perdido aí. Certamente não são 2.000 Zeni!

- Pelo menos não começaremos do zero - Trunks coçou sua nuca.

 

 

Ponte da NERV, em algum momento da madrugada. As atividades se resumem ao monitoramento periódico do upload proveniente da China. A equipe da madrugada continua sua rotina enfadonha, até serem surpreendidos por um alarme.

- Alerta de classe baixa. É bem mais do que costuma acontecer por aqui...

- Tem razão. Olhe, foi localizado um foco de energia anômala no setor 445... Já desapareceu há alguns minutos, foi apenas um flash.

- Ponha o Magi para analisar isso, então.

- Bem, eu não tenho autoridade para fazer nada que venha a terminar rápido. O Magi está ocupado classificando as informações do upload, e compilando dados sob supervisão da Dra. Akagi.

- Deixe na fila, então...

Outra janela pisca no console holográfico do centro.

- Droga! Temos dois padrões desconhecidos vindo rapidamente na direção do centro da cidade!

- É melhor chamar a Dra. Akagi... Ela está acordada lá no escritório dela!

“Workaholic!” é o que pensou o operador da noite, enquanto teclava o ramal da doutora.

Poucos minutos se passaram antes que Ritsuko chegasse à ponte.

- Relatório - disse, compreensivelmente mal-humorada.

- Rastreamos dois padrões desconhecidos se movendo do setor 445 até o 312, já dentro dos limites da cidade. A partir daí as aparições ficam erráticas e mais fracas, ficando mais difícil detectá-los.

- Esses padrões se assemelham a algo que conhecemos?

- Não senhora. Nem azul nem laranja. Na verdade, é um padrão oscilatório bastante semelhante às ondas humanas, mas com intensidade muito maior.

“Que mistério estamos conhecendo agora?” pensou a loura.

- Senhora! - disse um rapaz que ocupava a console de Maya - Tenho informes da Seção 2 de avistameento de indivíduos humanóides suspeitos entre os setores citados. As descrições batem, e o horário das aparições sugere que eles podem se deslocar a uma velocidade inacreditável para quem está a pé.

- Peça para que nos mantenham informados. - Ritsuko alcançou em seu bolso seu celular e pressionou um dos botões, previamente programado com um certo número.

- Espero que seja importante! - uma fria e assustadora voz responde.

- E eu espero que você entenda o que acabou de acontecer - disse, em tom baixo.

- Mande-me os dados. <click>

“Miserável!” pensou a cientista, enquanto teclava alguns comandos em seu terminal.

 

 

Em um quarto espaçoso e escuro, uma figura solitária ouve o relatório do chefe dos agentes de campo, diante de seu terminal holográfico.

- Temos a localização dos dois. Eles foram bons em despistar nossos agentes, mas acabaram se escondendo bem na sala de aula que monitoramos.

- Passe o áudio.

- Sim, senhor.

O homem cujo semblante era iluminado apenas pelas emissões tênues do seu terminal levantou uma sobrancelha diante de uma ou outra expressão. “...outro planeta...só existe um continente...não estamos na Terra...não na nossa Terra...os habitantes deste planeta...

- Aqui é o comandante. Toda esta operação deve ser considerada secreta de agora em diante. As novas ordens são...

 

 

No dia seguinte, Rei chega à escola antes de todos e percebe uma certa bagunça no fundo da sala. Não lhe dá atenção e olha pela janela, como sempre.

Hikari e Touji chegam juntos.

- Kensuke Aida vai me pagar por isso! - Hikari ficou bastante irritada - Era dele a tarefa de arrumar a sala e é isso o que encontro?

Asuka e Shinji chegam enquanto Hikari se aproxima da bagunça para arrumar. Kensuke chega logo em seguida.

- Kensuke! - Hikari se voltou para o colega, antes de chegar às cadeiras deslocadas - É isso o que você chama de arrumação?

- Bem... - Kensuke se divide entre arrumar nervosamente o óculos e o colarinho - estava tudo arrumado quando eu saí!

Antes de continuar a bronca, Hikari percebe que o olhar dos outros colegas não está na discussão, como seria de se esperar. Ao invés disso, todos (exceto Rei) olhavam surpresos para o fundo da sala. O burburinho acordara dois sayajins que estavam cuidadosamente aninhados entre as mesas desarrumadas.

- Viu só, Trunks? - um sonolento adolescente murmura - Não disse que era uma escola?

- Eu sabia, seu tonto!

- Quem são vocês?-pergunta Hikari, desempenhando ainda seu papel de representante da classe.

Os rapazes se entreolham, hesitantes. Após poucos segundos, Goten inicia a apresentação.

- Somos Trunks e Goten...

- Pois é - Trunks dá uma leve cotovelada no amigo, para interrompê-lo - somos alunos transferidos de ... - lembrou-se do jornal - Kyoto ... A gente viajava de noite, mas nosso carro se acidentou ... nos perdemos na cidade e resolvemos vir direto pra escola ... Esta sala foi a primeira que encontramos aberta!

Hikari olhou pelo corredor e percebeu uma única janela aberta. “Ora, que absurdo!” pensou “Como esta sala seria a primeira aberta se havia tantas lá em baixo?”

- Mas como eu não fiquei sabendo disso? - Hikari pergunta, desconfiada - Sou a representante da classe!

- É que não somos desta turma. - Trunks parecia já esperar a pergunta. - E vocês, quem são?

O sayajin passa os olhos sobre os circunstantes, pousando o olhar em Asuka por alguns instantes a mais que os outros. Pouso esse que apenas Shinji percebeu.

Asuka se apresenta ruidosamente.

-Sou a grande Asuka Langley Souryu - a moça vira a cabeça, mexendo com seus cabelos -, piloto designada do Evangelion, unidade 2! E é claro, a melhor de todos! - olhou de canto de olho para Shinji. Percebe então o olhar ansioso do colega e suas mãos se abrindo e fechando nervosamente... “Baka Shinji” ela pensa “Por que ele está ficando nervoso?”

“O que diabos é um Evangelion ?!?!?” pensam ao mesmo tempo Goten e Trunks. O último se recupera primeiro do olhar de espanto e resolveu improvisar:

- Muito prazer - Trunks curvou-se profundamente, em sinal de grande respeito - não esperávamos ter a honra de conhecer tão eminente personalidade logo em nosso primeiro dia na cidade!

- Ora, até que enfim alguém reconhece meu valor por aqui! - arrematou, com um sorriso maldoso - Viu, Shinji, tenho um admirador! - alfineta, antes de se voltar para Trunks - Como você demonstrou ter tanto bom-gosto, resolvi premiá-lo com minha companhia durante o almoço. Vocês vêm almoçar na nossa casa. Não é verdade, Shinji?

Pego de surpresa, interrompeu seu ritual de abre-fecha mão e piscou várias vezes antes de responder, com a incerteza de sempre:

- Não sei, não...

- Ele mora com você? O que ele é seu? -Pergunta Trunks, desajeitadamente.

-Não pense nenhuma bobagem! Esse molenga é só um dos meus colegas de apartamento!

- A-acho que a Misato não vai gostar...

- Isso a gente vai ter que perguntar pra ela, baka!

- Domo arigato gozaimas*! - Trunks se arqueia. Depois de receber um chute, Goten faz o mesmo.

- Então nos encontramos depois da aula, no portão da escola!

- Hai! - respondem os sayajins, ao mesmo tempo. Trunks já começa a puxar Goten.

- Obrigado, Souryu-san! Agora vamos para nossa sala.

- Pode me chamar de Asuka.

Um certo punho hesitante se fecha firmemente.

 

 

Os sayajins saem sem esforço pelo portão principal. Trunks se surpreende com a lábia de Goten, quando um adulto (provavelmente um bedel) que passava ali perguntou o que eles fariam fora da escola. Ele disse algo sobre um caderno deixado em casa que seria necessário, ou algo assim. “Essa desculpa não me pegava” o rapaz silencioso pensou “ mas do jeito que ele fala... Esse aí devia ser vendedor!”

Alguns metros longe da escola, Goten cutuca o companheiro:

- Aêêêê! Garanhão! - um sorriso maldoso nos lábios - Falaê: a ruiva tá no papo ou não tá?

- Nani**!?!? - Trunks, ruborizado, retruca - Do que 'cê 'tá falando?

- Como assim, do que tô falando? A gostosa lá em cima te deu o maior mole!

- Ei, eu tava sendo gentil! - ainda sem jeito - E ela também! Foi a primeira reação que eu bolei! Pô Goten! Você vive pensando nisso!

- Mesmo assim, ela já te chamou pra almoçar, hein? - Goten continuou a provocar - E você achando que não tava com nada, hein?

- Por falar em comer - Trunks tentou mudar de assunto - estou com fome. E você?

O outro sayajin mal conteve a água na boca. “Acho que me livrei das provocações, por enquanto...” pensou Trunks, sorrindo.

Um homem de terno e óculos escuros fala discretamente ao celular:

- Agente Kaneda reportando como ordenado. Os elementos fizeram contato com a segunda e terceira crianças e agora perambulam nas proximidades da escola, provavelmente em busca de alimento.

- Excelente. Organize sua equipe para render os guardas da segunda e terceira crianças. As ordens anteriores continuam tendo efeito. Comandante desligando.

“Grande. Como dizer aos meus homens que todo mundo vai dobrar o serviço hoje?” Kaneda abana a cabeça, teclando no celular os contatos que precisará fazer para cumprir as ordens.

 

 

Enquanto isso, na sala de aula, um rapaz divide a sua atenção entre a palestra histórica do velho sensei e os sussurros que permeavam seu cérebro. Preocupações adolescentes têm o péssimo hábito de ter precedência sobre outros assuntos, e não era diferente desta vez.

“Asuka chamou ele pra almoçar” era o pensamento recorrente. “O que vou fazer? Será que tem comida suficiente? Deve ter sopa instantânea lá em casa... Posso acrescentar umas batatas e um pouco de arsênico... Ora, o que estou achando ruim? Sou só um baka, mesmo!” as palavras pareciam se formar com lentidão em sua mente.

“Se você continuar pensando que não pode mudar, você na verdade não vive (não pode continuar)” Um tremor passou pelo seu corpo. “Aquele Shinji dentro do Anjo que disse isso... Então eu não vivo?” Seu olhar pesou sobre a mesa à sua frente. “Então eu não vivo, mesmo...” A cabeça começa a pender sob o peso da tristeza.

“Nossa vida está em boas mãos...” Repentinamente, Shinji ergue o olhar. “Mas... Por quê? Como minha vida pode estar em boas mãos se eu não vivo realmente?”

Uma mão se abre e fecha nervosamente.

 

“Por que eu senti tanta vontade de provocar baka-Shinji naquela hora?” Asuka, perdida em seus pensamentos, sempre voltava justamente ao que tentava evitar. “Acabei convidando aqueles caras pra almoçar lá em casa... Tudo bem que o de cabelo lilás demonstrou uma inteligência grande ao me reconhecer daquele jeito... E ele é bonitinho, também. Claro que não é como o Kaji, coisa que nenhum desses imprestáveis vai ser nunca!”

“E esse professor tapado, que nunca fala de outra coisa!” Asuka enterrou o rosto nos braços, cruzados sobre a mesa. “Segundo impacto, segundo impacto, e... péra aí! O período feudal no Japão acabou no século XIX?”. Ergueu a cabeça de repente, mas já tinha perdido matéria de mais. Só ouviu o professor dizendo que essa matéria cairia no próximo exame. “Baka Shinji vai me ajudar.” Olhou para o companheiro, mas ele parecia mais aéreo que ela. “Idiota!” pensou, enfim.

Não muito tempo depois, chega a hora mais esperada da semana. Toca o sinal e uma onda humana jorra de cada sala de aula, alimentando um rio de estudantes ansiosos por um almoço em casa, para variar. Asuka empurra seu companheiro de moradia, que parecia não ter ouvido o sinal.

- Baka Shinji! Vamos pra casa!

- Hã? Sim!

Ambos começam a sair da sala. Sua trajetória foi interrompida pelas risadinhas às suas costas.

- O QUE VOCÊ DISSE, PALHAÇO? - Asuka encarava Touji com sua cara de garota-demônio.

- Nada, nada - disse, embora o sorriso irônico o contradissesse.

- Humph! - a ruiva se virou para continuar empurrando Shinji até o portão da escola.

Chegando lá, se encontraram com os jovens recém-conhecidos.

- Olá, rapazes!

- Oi, Asuka. Olá... Seu nome é Shinji, não?

- S-sim - Shinji estava surpreso por Trunks ter se lembrado de seu nome.

Seu devaneio foi interrompido por um caloroso tapinha nas costas. Bem, Shinji quase caiu no chão, mas não o fez. Era Goten cumprimentando à sua maneira.

- Então vamolá, cara!

Os jovens se põem a caminho. Todos, cada um à sua maneira, estão curiosos e confusos. A alegria esfuziante de Goten contrasta com o ar pensativo de Shinji. A cautela de Trunks com a avalanche de palavras de Asuka. Enquanto se afastam, ninguém nota uma mão misteriosa que coleta do chão alguns fios de cabelo lilás que ali tinham caído.

 

 

Ao chegarem em casa, o cheiro de comida instantânea invade as narinas dos novos amigos. Asuka e Shinji se entreolham assustadamente.

- Tinha me esquecido que hoje era a vez de Misato cozinhar!

Shinji ri nervosamente para Asuka e entra em casa:

- Misato, temos companhia para o almoço!

- Ótimo! Eu errei a mão nesse lamen, e acabei fazendo mais molho que de costume.

O olhar entre Asuka e Shinji passou para algo próximo do pânico. Nem notaram os saiyajins babando logo atrás deles, à mera proximidade de comida.

- Olá - Misato apareceu sorrindo na sala, usando um avental sobre sua roupa tradicional de casa (shortinho e blusa pequena, porém folgada) - Como se chamam?

- Trunks e Goten - apresentou o mais jovem, babando agora não só pela comida.

Trunks deu-lhe uma cotovelada “Ora, só pensa naquilo!” pensou.

- Fomos transferidos de Kyoto e vamos estudar na mesma escola que seus filhos.

- O QUÊ? ELA NÃO É NOSSA MÃE! NÃO SOU IRMÃ DESSE RETARDADO AÍ NÃO!

- Por favor, perdoe meu engano, - agora Trunks continha a vontade de voar a mão na cara da ruiva gritadeira, curvando-se perante Misato - Katsuragi-san!

- Ora, está tudo bem! Me chame Misato, que já está bom! Estão na mesma turma? “Serão pilotos em potencial?” foi a pergunta que ela se fez.

- Não. Estamos na 2-C. - Trunks respondeu. “Ainda bem que eu pesquisei essas coisas!” pensou.

- Ah! Então se conheceram no recreio! Venham, vamos comer!

Como que para compensar a aparente falta de apetite da Segunda e Terceira crianças, os outros meninos comeram uma quantidade assustadora de lamen com molho de sardinha e curry adocicado. Misato, sentindo-se realizada como cozinheira, despediu-se e seguiu para a NERV, onde seu turno começaria logo.

Shinji resignadamente pega ingredientes para fazer uma sopa para Asuka e para si mesmo, quando ouve Goten pedir educadamente mais comida. Balançando a cabeça, Shinji pega mais insumos para fazer a segunda rodada dos saiyajins.

Depois de comer seu almoço, Shinji ouve o comentário cochichado de Asuka:

- Esses caras só podem ser de outro planeta... Viu só o quanto eles comeram da comida da Misato?

- Vi. E depois ainda conseguiram comer quase tudo o que eu tinha feito para o nosso almoço e jantar - sussurrou Shinji de volta.

Goten se levanta para colocar em seu prato o que restava no caldeirão.

- Agora foi tudo - corrigiu o espantado Shinji.

- Shinji, você cozinha muito bem! - agradece Trunks.

- Obrigado pelo lanchinho - completa Goten.

Shinji e Asuka caem para trás.

Asuka não tarda a pôr pra tocar uma música daqueles Cds alemães que ela trouxe. Os jovens espalhados pela sala estavam prontos para um bate-papo.

- E então? Como é pilotar um Evangelion? - Trunks, motivado pela curiosidade, inicia com cuidado uma conversa.

- Dor... - Shinji murmura

- Cala a boca, Shinji! - Asuka assumiu a sua pose de superioridade e continuou - Temos a honra de ser os salvadores da humanidade! Isso não é pra qualquer um, não! É claro que eu, como piloto do primeiro Evangelion de produção, de batalhas, é que lidero esses ...

Trunks, interrompendo a garota, se vira para Shinji:

- Então você também é piloto? Que legal!

Shinji se encolhe, coçando a nuca.

- Pois é...

- Humph! Mas esse aí nem consegue me barrar nos treinamentos de artes marciais! Eu é que sou a melhor piloto de Eva!

Goten, meio confuso, pergunta:

- Mas o que artes marciais têm a haver com pilotar esse treco?

- Tudo! - Asuka responde - Pois o melhor jeito de derrotar os Anjos é combate corpo-a-corpo!

- É mesmo! - Trunks engata, rapidamente - Nós também praticamos artes marciais! Podemos treinar juntos um dia!

“Goten quase estraga tudo! Temos que investigar aos poucos...” pensou Trunks

- Vamos marcar, então - Asuka responde, mordendo a isca - o dia em que vocês vão apanhar de uma mulher!

- Ah! Você vai apresentar ela pra gente, menina? - Goten provoca.

- Dummkopf! Vou te ensinar ...

Trunks pula entre os futuros combatentes, conciliador:

- Ei, já descansamos bastante. Vamos conhecer a cidade?

Shinji percebe a oportunidade e adiciona:

- Vamos sim! Tem um shopping aqui perto com umas roupas legais!

“Roupas?!?!” pensam ao mesmo tempo Goten e Trunks.

- Sim, roupas! Eu tô pra ir lá tem um tempão! - Asuka correu para o seu quarto- Vou me arrumar. Me esperem aí!

- Ufa, Shinji. Você é um gênio! E Goten, você é uma toupeira!

- Qualé, Trunks? Ela vai ganhar uma surr...hum!

Trunks calou a boca de seu amigo com a mão.

- Silêncio! A gente não deve machucar ninguém à toa! - adicionou baixinho - Eu também tenho vontade de bater nela, mas eu me contenho!

Shinji olhou, sem entender.

 

 

Após uma breve espera, os saiyajins reúnem alguma disposição para conhecer a cidade - insistência de Asuka, que não se contentaria com “apenas” uma visita ao shopping. Shinji se conforma com a idéia que ajudou a formar. Pouco depois de saírem para as ruas, avistam na calçada oposta dois homens altos, de terno preto e óculos escuros. Olhavam fixamente para o pequeno grupo

- Ei, Trunks, você viu o que eu vi?

- Vi sim. Eles estão olhando pra nós.

- Vamos quebrar a cara deles!

-Não se preocupem! - Asuka interveio - São agentes da seção 2. Eles garantem nossa segurança. Viu só como somos importantes?

-Mas nós quase nunca os vemos.- adiciona Shinji - Por que eles estão à vista hoje?

Iniciam a caminhada, mas seu caminho é interrompido por outros dois agentes. Mais dois são vistos depois da esquina, completando o cerco que faziam os dois vindos de trás mais os dois primeiros, que já atravessavam a rua.

- Somos da divisão 2. Seus amigos devem nos acompanhar até a central da Nerv.

- O que significa isso? - berra Asuka.

- Temos nossas ordens. Não se intrometa.

O celular de Shinji toca. Era Misato.

- Shinji, sou eu. Estou avisando que os agentes da divisão 2 vão pegar seus amigos que almoçaram conosco hoje. Ritsuko disse que eles podem ajudar a resolver um mistério que envolve um possível anjo na China.

- Eles já estão aqui. Ficará tudo bem com eles?

- Vou me assegurar que sim.

- Obrigado - disse, enquanto desligava - Está tudo bem, a Nerv quer a ajuda de vocês. Misato me avisou agora, e ela vai fazer tudo ficar bem. Podem ir com eles.

Shinji percebeu que a brisa quente que soprou enquanto duravam os momentos de tensão parou imediatamente. Trunks olhou profundamente nos olhos de Shinji.

- Confio em você.

Goten e Trunks acompanharam os agentes até desaparecerem na van preta da NERV.

“Gostaria de confiar em mim também” foi o pensamento do rapaz.

 

 

De dentro do micro-ônibus quase sem janelas, os rapazes, literalmente cercados de homens de preto, não puderam apreciar a paisagem do caminho. Mas em certo momento, perceberam que o carro descia continuamente uma ladeira bastante longa. No fim, desembarcaram e foram escoltados por certo número de corredores e elevadores até um posto médico pequeno, bem menor que qualquer hospital de Satan City, mas evidentemente subterrâneo. Foram colocados para esperar em um hall, semelhante à um recepção de hotel, sentando-se no sofá que havia à esquerda de quem entra. Na parede oposta, podiam ver um logotipo que se repetia de tempos em tempos pelo caminho, mas que não conseguiam apreciar como agora. Uma folha de figueira pela metade, na outra metade as letras N, E, R, V. Circulando por baixo, a frase: “God in his heaven, all right on the Earth”.

- Aqui é a tal de Nérvi? - Goten pergunta a ninguém em especial.

- É o que está escrito ali... - Trunks responde mecanicamente.

- Por favor, por aqui! - um homem de jaleco branco, provavelmente médico, ordena aos meninos.

Foram conduzidos a outra câmara, com duas macas e um punhado de pessoas também de jaleco. Alguns dos homens de preto os seguiram e se distribuíram pela sala.

Então, os garotos são examinados e submetidos a exames. Um dos doutores acabou inconsciente após um exame clínico em Goten (sentindo cócegas, ele golpeou fortemente o pobre médico. Foi sem querer, mas...).

- Cadê a Misato?

- Não te interessa - respondeu um dos mal-humorados seguranças.

Coletas de sangue, urina, cabelos, pedaços de unhas, apalpações, tamborilamentos na barriga, pequenos choques, ECG, EEG, ... Até que os meninos foram pacientes. Por fim, foram visitados por uma loura de óculos acompanhada de perto por uma bela jovem de cabelo curtinho. Trunks deu uma cotovelada para que Goten parasse de babar.

- O que estamos fazendo aqui ?- pergunta o jovem de cabelo lilás.

- Sabemos que vocês não são deste planeta - respondia a loura, erguendo o olhar de sua prancheta - Estamos estudando a relação da sua presença aqui com outra que identificamos na China ontem.

- Talvez tenha chegado a hora de eles verem do que a gente está falando - diz uma voz conhecida.

- Misato! - exclamam os garotos.

Ritsuko dá um sorriso de provocação e alfineta Misato:

- E quando eu digo que você é a babá da Nerv, você se irrita...

A diretora de operações, num gesto bastante adulto, mostra a língua para a amiga.

Todos se dirigiram por outros corredores e elevadores a um pequeno auditório com projetor de cinema. No caminho, Misato sussurra com Ritsuko:

- E então? São anjos?

- Não. O padrão de onda cerebral é humano, salvo pequenas variações. Eles são bastante saudáveis e realmente muito mais fortes do que parecem, mas a única coisa em que esses aí não são humanos é a cauda...

- O quê?

- Sim, eles têm uma cauda semelhante à de um chimpanzé. E não gostaram que ela fosse tocada.

- Mas então por que eles estão aqui?

- O teste de DNA revelou um parentesco distante entre a criatura da China e esses garotos. Talvez ela tenha vindo do planeta deles, afinal.

Chegaram à pequena sala de projeção. Quando todos se acomodaram (os garotos na frente, bem vigiados por discretos seguranças), começou a exibição de um filme de qualidade bem ruim.

- Essas são imagens de um cinegrafista amador - disse uma voz desconhecida - Elas mostram o ataque a uma cidade da Manchúria por uma criatura desconhecida.

As imagens de uma cidade aparentemente normal são perturbadas por algumas pessoas correndo de uma espécie de lagarto com asas de besouro, que voava sem batê-las. Na ponta da cauda havia uma espécie de ferrão que paralisava as pessoas, causando imediatamente seu desaparecimento. Logo ficaram apenas roupas furadas no chão da rua.

- O dono da câmera também morreu. Nossos agentes recuperaram a câmera e as imagens, transmitindo-as para nós em seguida. Temos motivos para crer que vocês podem ter algo a haver com ela.

A imagem continua mostrando, entre as corridas do cinegrafista, pessoas desaparecendo mais e mais perto. Até focalizar repentinamente um rosto horrendo, com olhos reptilianos e um bico alaranjado. Em seguida, a estática. Trunks olha estupefato. Goten dá um murro na sua mão esquerda, gritando:

- Cell!

- Hã? - respondem em coro todos os outros.

- Esse bicho se parece com o que meu pai e meu irmão mataram em nosso mundo!

Goten faz uma explicação rápida de como ele tinha sido construído com as células dos maiores lutadores de seu mundo, com a missão de matar Goku, o pai de Goten. Contou como ele absorveu milhares de pessoas para ficar forte o bastante, e enfrentar os andróides que o completariam. E finalmente como seu pai morreu ao tentar evitar uma catástrofe, e como seu irmão Gohan eliminou definitivamente a ameaça.

- Mas não faço idéia de como isso veio parar aqui... - concluiu o menino.

-Bem...- Trunks esfregava o queixo - Pelo que entendi do que minha mãe falou, o meu alter-ego do futuro não mudou a linha temporal dele. E na nossa, Cell foi destruído. Suponho que na dele também tenha sido. Então o que atazanou a gente veio ainda de uma terceira linha. Quem garante que uma das sei lá quantas linhas temporais mandou um Cell pra cá?

- Temos razões para crer que ele foi construído novamente aqui de alguma forma - afirma Ritsuko - Não sabemos ao certo as razões, mas parece que a experiência saiu do controle de seus criadores.

- Trunks, já faz sete anos que não entramos numa boa briga, hein?

- Pois é. Aquele Majin-Boo deu bastante trabalho.

- E meu pai falou que o Cell não era nada perto de Majin-Boo. Vamos arrebentar esse aí?

- Vamos sim! - respondeu animadamente Trunks.

- Ei, vocês não vão a lugar algum - berra o agente da seção 2.

- Achei o ki dele. É formidável!

- Eu também. Vamos?

Ambos os meninos desapareceram da sala de projeção, para espanto de todos.

- Busca padrão em toda a base! - Fuyutsuki se levantou - Eles não podem ter ido longe!

- Calma, sub-comandante - replica Ritsuko, tirando um terminal do bolso - coloquei um localizador na roupa de um deles. Vamos saber logo onde se esconderam. Estranho... o Magi não localizou ele em nenhuma parte da central. Vou programar uma busca mais ampla...Céus!

- O que foi, Ritsuko! - preocupou-se Misato.

- Os satélites 9 e 7 localizaram o sinal...na China!

Os boquiabertos Fuyutsuki, Ritsuko e Misato foram para a ponte depois disso.


*Muito obrigado, em japonês (modo formal)

**Quê!?

 

Capítulo 3

Capítulo 1

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