O movimento estudantil

Apesar dos muitos trabalhos teórico-acadêmicos sobre o movimento estudantil e a “revolução” em seu meio, ainda se é pouco discutido, entre os estudantes, as compreensões sobre universidade e o papel do estudante nesta sociedade. O que não é de se espantar, já que, mesmo os universitários, com todo o seu “poderio intelectual”, bebem muito da ideologia dominante e acabam por colaborar com o tão falado sistema.

O que podemos dizer de universidade? “Instituição de ensino superior que compreende um conjunto de faculdades ou escolas para a especialização profissional e científica, e tem por função precípua garantir a conservação e o progresso nos diversos ramos do conhecimento, pelo ensino e pela pesquisa”.(Dicionário Aurélio Século XXI). Este é um significado em que a maioria se baseia para mitificar esta instituição. A universidade é o objetivo (para alguns, sonho de consumo), o princípio da liberdade econômica dos jovens, a elevação do status sócio-sexual dos indivíduos, a formação político-científico-profissional, um mecanismo da intelectualidade... Tudo isso são perspectivas (pontos de vista) que, de maneira confortadora, pode-se ter sobre uma das instituições que corroboram com a ideologia e sociedade capitalista. A mesma sociedade que diametralmente opostos aos maiores avanços tecnológico-científicos na produção de alimentos mais da metade da sua população tem necessidades alimentícias; que tem o maior desenvolvimento farmacêutico da história, mas onde ainda se morre por doenças curáveis já extintas nos países centrais.

Entre corroborações da universidade com o capitalismo, está a fragmentação da vida. A divisão internacional do trabalho, o fordismo, a divisão da vida em áreas de conhecimento (seja em humanas ou biológicas), a inexistência da crítica unitária, a especialização do trabalho... são exemplos de como a vida foi sumariamente dividida, impedindo os indivíduos de pensarem nela como um todo. O capitalismo usa dessa fragmentação para tornar a vida mais confortável e incompreendida para os explorados, de forma que estes, não conseguem fazer demasiadas análises fora de suas áreas de atuação. Muitos trabalhadores nem conhecem o processo produtivo como um todo, apenas cuidam de sua pequena parcela nesse processo. O capitalismo carece de trabalhadores cada vez mais especializados, mas a universidade faz mais do que isso, ela também fragmenta as idéias e visões dos indivíduos, tornando-os incompetentes para a vida, apesar de muito competentes para “parte da vida”, justo aquela que compete para manutenção do sistema e a própria manutenção deste na condição de explorado daquele. Ao especializar um indivíduo (estudante), a universidade faz dele, um trabalhador mais necessário para a sociedade do que os não-especializados, ela constrói um indivíduo indispensável à sociedade, que pagará para tê-lo, mesmo que para isso tenha de excluir outros tantos sem-especialização. Excluir, segregar, isolar, construir uma comunidade de “escolhidos” é também um dos papéis da universidade, poucos adentram aos seus portões, e a esmagadora maioria é privada de seus benefícios capitalistas (ascensão social ou melhoria do poder de consumo). Daí surgem muitos discursos de democratização do acesso, aumento de vagas, universidade para todos, educação à distância (primordialmente criada para oferecer acesso aos que não moram perto de pólos estudantis), estes discursos muitas vezes esquecem-se que o sistema precisa de indivíduos “mais preparados” que outros, precisa de indivíduos-ícones para serem adorados pelos demais, ao ponto de nenhuma reforma capitalista oferecer as mesmas oportunidades para todos. Quando todos tiverem graduação, poucos terão pós-graduação e o ciclo seguirá vicioso. E para aqueles que terão a “felicidade” de beber de toda essa ideologia capitalista, certamente sairão da universidade prontos para explorar, é preciso lembrar que “fode o outro vez em quando, mas sempre se é fodido”.

E o estudante? Onde se encontra em tal mar de miséria? Encontra-se como um dos maiores colaboradores do sistema. Diz-se que são causa e conseqüência da universidade, caso seja verdade, são no mínimo objetos da alienação e da reprodução da sociedade capitalista. O estudante universitário não é mais do que um ser passageiro, um indivíduo com data de validade, um ser no rito de passagem (especialização) da nova sociedade burguesa, alguém que está se construindo seriamente com o intuito de ser um bom profissional no futuro. Transformando-se em tudo isso, o estudante nada mais é do que um futuro ou já um trabalhador explorado (mesmo que uns sejam exploradores). Não é partindo dessas análises que o estudante se movimenta, mas acreditando, muitas vezes, que são “o futuro do país”, “cidadãos-modelo” ou mesmo indivíduos, que por estarem na universidade, podem usar de seus conhecimento e sua juventude para mudar (reformar) a situação. Pode-se ainda arriscar a dizer que o estudante não é só um indivíduo explorado, mas também um agente futuro da exploração, já que os especializados exploram os não-especializados. Ora, colaboramos com tudo isso e ainda temos muito orgulho de ser universitários, usando camisas com o curso que fazemos e o nome da universidade, mas esse orgulho é uma das façanhas do sistema que nos eleva o potencial sócio-sexual, nos fazendo, aparentemente, mais desejados pela sociedade. Não se pode esquecer também do poderio existente na universidade, onde muitas vezes fala-se de centro de excelência em determinadas áreas, referência na integração regional ou alavanca do desenvolvimento regional. Toda essa esfera de rótulos é também absorvida pelo estudante que muitas vezes usa “sobrenomes” como fulano formado na USP, cicrano da faculdade de direito da UFBA e etc. São esses fulanos e cicranos da vida que serão nossos professores universitários, “formadores” de estudantes e muitas vezes deformadores da vida.

Uma alternativa plausível dos estudantes para não colaborar com todo esse emaranhado de miséria é, como discorreu a Internacional Situacionista em 1966 (Da miséria do meio estudantil), se integrar às massas de trabalhadores na luta pela revolução da sociedade. Não adianta continuar nas petições junto às autoridades, nos movimentos pelas reformas educacionais, pois o máximo a que tudo isso leva é a uma maior submissão do estudante para com o sistema e a efetiva adaptação ao capitalismo. Se entendermos que todo sistema carece de atualizações, adaptações, reformas para que continue em pleno funcionamento, toda reforma colabora com o sistema. É aí que impera a necessidade da crítica unitária e da destruição da sociedade de classes, sem que se construa novas classes. O movimento de Maio de 68 (movimento de estudantes e trabalhadores ocorrido na França que ocupou fábricas e universidades) apresentou a alternativa de estudantes e trabalhadores lutarem juntos, contra a sociedade burguesa e por uma nova sociedade construída pelo anseio coletivo-social. Essa alternativa apresentou críticas as representatividades tanto estudantis como trabalhadoras (livro “Paris:Maio de 68” do grupo Solidarity e o documento “Pelo poder dos Conselhos de Trabalhadores - Conselho para a continuação das ocupações” (Paris, 22 de maio de 1968)), mostrando, muitas vezes, que todo o sucesso e grandes atividades desse movimento, resultou da ação direta dos indivíduos. Existindo até a afirmação que muitos dos sindicados agem como forma de integração do trabalhador na sociedade capitalista. Então o movimento estudantil deve pautar-se em movimentos de informação e ação nos portões de fábricas, nas repartições públicas, nas escolas, em todos os lugares onde se encontram trabalhadores. Claro que todos esses movimentos devem existir porque o estudante, por si situar em um centro de conhecimento, por muitas vezes, vai ter mais informações e mais discussões críticas do que muitos trabalhadores. Porém devemos enxergar nos trabalhadores, faculdades mais necessárias para a revolução, que nos estudantes, bem como sua disciplina, sua ação espontânea, maior domínio de suas faculdades e maturidade.

Toda a construção do movimento estudantil deve primar pela discussão e entendimento da situação de explorados, pautar-se na crítica unitária e não parcial da situação, buscar, não a reforma da situação, mas a criação de novas situações. E a despeito de tudo isso, esse entendimento e discussão seria pouco e muito atrasado para as condições degradantes em que já nos encontramos. De fato, seria muito pouco, mas o suficiente para plantar um movimento que não visa o seu fim, mas que, fundamentalmente, entende-se sempre como início da construção da nova sociedade. Não estaríamos “até a vitória”, mas “até o começo desta”, sempre!

Gardência Fimon e Gunh Anopetil, agosto de 2005

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Ver também: Da miséria do meio estudantil (IS)Seio Estudantil e Anacrônico, mas revolucionário.

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