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Francisco
Gê Acaiaba de Montezuma Visconde de Jequitinhonha
Jorge Roberto Cunha de Oliveira
[email protected]
Trabalho
apresentado à Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial para ocupação da cadeira de número doze entre os
patronos.
INTRODUÇÃO
Este ensaio tem por objetivo discorrer sobre a
vida de um ilustre brasileiro, que foi reconhecido no seu tempo, mas que,
atualmente, foi soterrado por personagens mais conhecidos, como os próprios
irmãos Andrada, seus companheiros de exílio.
Retrata-se, aqui, a vida e o legado de Francisco
Gê Acaiaba de Montezuma – Francisco Gomes Brandão, por batismo –, herói
na luta pelo abolicionismo, fundador e primeiro presidente do Instituto dos
Advogados do Brasil e responsável pela fundação, no país, do Supremo
Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria.
Frente ao objetivo central, estruturou-se o
presente estudo em dois capítulos, o primeiro relatando a sua vida e o
segundo descrevendo suas lutas e seu legado.
Inicia-se, assim, este ensaio, em seu capítulo
inaugural, retratando o homem, em biografia da qual se extrai sua origem mestiça
– era filho de um comandante português e de uma negra – em família de
posses, que lhe rendeu a melhor educação que o dinheiro podia dar naquela época,
formando-se em Direito na Faculdade de Coimbra. Relata-se, também, sobre o
homem público, brilhante orador e ardoroso “político”, que dedicou a
vida a defender idéias e ideais de uma nação.
Em seu capítulo derradeiro, busca-se expressar
em palavras a relevância desse ilustre brasileiro, sua luta abolicionista, em
um contexto no qual, mesmo sendo negro, sua posição social lhe exigia ser
senhor de escravos, bem como seu legado em favor do Direito brasileiro, e suas
realizações na maçonaria, desde seu ingresso, provavelmente em Paris.
A importância de Francisco Gê Acaiaba de
Montezuma para a formação do povo brasileiro, e – porque não dizer –
para a construção da identidade do Brasil, por si só, justifica a elaboração
desse modesto estudo, que não tem outra pretensão que não a de trazer ao
conhecimento de tantos quantos tiverem a oportunidade de lê-lo a história de
um valoroso brasileiro.
1.
SUA VIDA
Neste primeiro capítulo, promove-se um breve relato desse expoente da
história brasileira, relatando, preliminarmente, sua história de vida – do
nascimento em Salvador na Bahia até a sua morte no Rio de Janeiro – sobre a
qual dispõe-se de informações restritas.
Contudo, a falta de informações não procede quanto à sua vida pública,
fartamente documentada pela importância de sua atuação para a formação da
história do povo brasileiro, como se verá ao final deste capítulo.
1.1
Sua história pessoal
Francisco Gê Acaiaba de Montezuma nasceu na Bahia, em 23 de março de
1794, na cidade de Salvador, e foi batizado Francisco Gomes Brandão. Era
filho de um comandante português, Manuel Gomes Brandão, e de uma negra,
Narcisa Teresa de Jesus Barreto.
Nascido, assim, de família mestiça, mas dotada de boa renda, ingressou
na Ordem Seráfica dos Franciscanos Descalços, em 1808, já que era desejo do
pai ordená-lo padre. Contudo, não era esse o seu desejo. Abandonando a vida
religiosa, tentou assentar praça no Regimento de Artilharia, e não logrando
êxito no seu intento, cursou a Escola Médico-Cirúrgica em Salvador.
Em 1816, ruma para Portugal, ingressando na Faculdade de Direito de
Coimbra, formando-se em leis em 1821.
De volta ao Brasil, em 1822, troca os sobrenomes paternos por Gê – nome
de uma tribo indígena – Acaiaba – nome de uma árvore – e Montezuma –
em homenagem ao Imperador Asteca.
Em 1.º de dezembro de 1822, já no Rio de Janeiro, é condecorado por Dom
Pedro I com a Ordem do Cruzeiro do Sul, como prêmio por sua participação
nas lutas pela Independência, recusando, contudo, o título de Barão de
Cachoeira.
Em 7 de outubro de 1823,
casa-se, no Rio de Janeiro, com Mariana Angélica de Toledo Marcondes, que
falece em 1836. Não se encontrou registro de filhos nascidos dessa união.
Logo após as núpcias, em 20
de novembro de 1823, é deportado e, em 1831, com a abdicação de Dom Pedro
I, retorna ao Brasil, tornando-se um homem público e um político
reconhecido, defendendo, até o fim dos seus dias, seus ideais.
Em 1854, aceita o título de
Visconde com Grandeza (Grande do Império), fazendo-se nobre com o Decreto
Imperial de 2 de dezembro daquele ano, registrado nas páginas da história
brasileira como Visconde de Jequitinhonha, mas, além da comenda já citada,
foi ainda comendador da Ordem de Vila Viçosa e condecorado com a medalha da
Guerra da Independência.
Em 15 de fevereiro de 1870,
aos 76 anos, morre no Rio de Janeiro o Senador e Conselheiro de Estado
Visconde de Jequitinhonha, advogado distinto e parlamentar ardoroso, bem como
autor de várias obras, cuja história de homem público e talento reconhecido
na oratória será retratada no item subseqüente.
1.2
Sua vida pública
Consultando
os registros do Senado Federal, constata-se que Francisco Gê Acaiaba de
Montezuma foi Advogado, Servidor Público, Jornalista, Diplomata e Magistrado,
exercendo cargos importantes no Governo brasileiro. Foi Embaixador em Londres,
Conselheiro de Estado, Presidente do Banco do Brasil, Ministro da Justiça e
Ministro dos Estrangeiros.
Retomando o que foi dito no
item precedente, entremeando sua história pessoal, nasce o homem público e
político ardoroso quando, retornando ao Brasil, depois de se tornar Bacharel
em Direito em Portugal, ruma para a Bahia e torna-se defensor da sua independência.
Em 2 de setembro de 1822, presta juramento, afirmando fidelidade à causa do
Reino do Brasil.
Ao lado de Francisco Corte
Imperial, funda o jornal “O
Constitucional”, que passa a ser o porta-voz dos interesses dos
baianos face ao partido dito “português”.
Quando a situação na capital torna-se insustentável para os brasileiros,
toma parte ativa nas lutas pela Independência da Bahia – grande orador que
era – junto ao Governo Provisório que então se formara na vila de
Cachoeira.
Segundo registros do
Instituto dos Advogados do Brasil, em 6 de setembro de 1822, instala-se em
Cachoeira o Conselho Interino do Governo da Bahia, presidido por Francisco
Elesbão e secretariado pelos representantes da cidade. Encarregado da pasta
da Guerra, Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, foi eleito seu primeiro secretário.
Este governo sucederá à Junta Interna de Defesa, que tinha aderido ao
governo do Príncipe Regente Dom Pedro, e que estava revoltada contra o
governo do General Madeira na Bahia.
Em novembro daquele mesmo
ano, é encarregado pelo governo de Cachoeira de ir à Corte para pedir providências
a Dom Pedro, e só quando chega ao Rio de Janeiro é que toma ciência da
Proclamação da Independência. Poucos dias depois de sua chegada, recebe a
Ordem do Cruzeiro do Sul, no grau de Dignatário, e recusa o título de Barão
de Cachoeira, como já comentado em linhas anteriores.
Em 3 de maio de 1823, é
nomeado, por Dom Pedro I, Deputado pela Província da Bahia na Assembléia
Constituinte, cargo no qual toma posse em 21 de julho do mesmo ano e nele
permanece até 12 de novembro, quando o Imperador dissolve a Assembléia
Constituinte e manda prender Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, juntamente
com os irmãos Andrada aos quais se tinha aliado, enviando-o, oito dias
depois, ao exílio.
Em 1831, de volta ao Brasil,
é eleito para a Assembléia Geral Constituinte de 1831, ocupando lugar de
destaque. Ali, torna-se o primeiro deputado da história brasileira a lutar
contra o tráfico negreiro, sendo, portanto, um dos pioneiros do movimento
abolicionista – idéia que defendia com ardor, mesmo que isto então fosse
considerado ilegal.
Desde
então, acompanhando a política de José Bonifácio, torna-se, na Câmara dos
Deputados e na Imprensa, um dos mais fortes adversários da Regência e partidário
ferrenho da restauração de Dom Pedro I, até que, em 24 de setembro de 1834,
a morte deste põe fim ao movimento restaurador no Brasil.
Em
1836, Francisco Gê Acaiaba de Montezuma é reeleito Deputado pela Província
da Bahia para a quarta legislatura, que vai de 1838 a 1841, e em 1837, a 16 de
maio, ocupa, no último gabinete do Regente Feijó, as pastas da Justiça e
dos Estrangeiros, até 19 de setembro, quando a Regência é entregue a Araújo
Lima e outro gabinete é formado.
Pelos
próximos três anos, combaterá os Ministérios do novo Partido Conservador,
durante a Regência de Araújo Lima, contribuindo para a revolução
parlamentar da maioridade.
Como
Ministro dos Negócios da Justiça permaneceu no cargo de 16 de maio a 19 de
setembro de 1837.
Como
intelectual, foi um dos
membros-fundadores do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, a 21 de
outubro de 1838, considerado a mais antiga e tradicional entidade de fomento
da pesquisa e preservação histórico-geográfica, cultural e de ciências
sociais do país.
Em
dezembro de 1840, Francisco Gê Acaiaba de Montezuma é reeleito deputado pela
Província da Bahia, mas, antes disso, nesse mesmo ano, ocupa por alguns meses
o cargo de Ministro Plenipotenciário do Brasil, deixando as funções diplomáticas
em agosto do ano seguinte.
Em
1841, desatrelado de qualquer ligação partidária, apóia e/ou combate os
gabinetes dos dois grandes partidos constitucionais, atacando os importadores
de escravos africanos, sendo, assim, um dos precursores do movimento
abolicionista. Ainda neste mesmo ano, torna-se Presidente da Assembléia da
Província do Rio de Janeiro.
Como
Advogado, foi também fundador e primeiro presidente do Instituto dos
Advogados do Brasil, de 1843 a 1851.
Em 1850, na Câmara dos
Deputados, pugnava pela criação da Ordem dos Advogados do Brasil, mas nessa
empreitada não logrou êxito.
Em sua
atuação política, foi Vereador, Deputado Provincial, Deputado, Deputado
Geral e Senador, este último no período entre 1850 e 1872, da oitava à décima
quarta legislatura.
Em 1865, apresenta ao Senado
vários projetos para a extinção gradativa da escravidão, recomendando a
alforria, para os escravos maiores de 15 anos de idade, ao fim de dez anos e
de quinze anos para os demais, indenizando-se aos seus senhores os serviços a
que seriam obrigados os escravos durante aquele período.
Em 1866, assume a Presidência
do Banco do Brasil, em meio da grande crise que atinge o sistema bancário.
Abre-se, aqui, um parêntese,
para esclarecer que a prefalada crise foi motivada pelo próprio Governo
Imperial, quando, em meio à retração econômica, afastou o ministro
papelista Souza Franco da pasta da Fazenda e colocou em prática os princípios
metalistas através da promulgação da Lei n.º 1.083, de 22 de agosto de
1860. A nova legislação limitava a liquidez monetária determinando que
nenhum banco privado poderia emitir vales, enquanto não se mostrasse capaz de
reembolsá-los em ouro. Apenas o Banco do Brasil e suas filiais tiveram essa
autorização, o que demonstra que incapaz de eliminar a pluralidade o Governo
procurou cerceá-la.
A “Lei dos Entraves”, como ficou conhecida, abalou o sistema bancário
carioca. Os bancos Comercial e Agrícola e o Rural e Hipotecário perderam
seus direitos de emissão e o Banco Comercial e Agrícola, fundado durante a
administração de Souza Franco, foi liquidado. Houve uma forte retração da
liquidez, seguida da alta das taxas de juros e da falência de casas bancárias.
O Banco do Brasil tentou intervir na crise e concedeu empréstimos à Casa
Souto que acumulou uma dívida de 22 mil contos de réis, o que correspondia
à metade do capital do Banco do Brasil.
A impossibilidade do Banco do Brasil de continuar a rolagem das dívidas
da Casa Souto, levou-a à falência e espalhou um verdadeiro pânico nos
comerciantes da Corte, ameaçando o Banco do Brasil de graves prejuízos, como
principal credor da mencionada casa, como também pelo ataque sobre seu fundo
disponível. Após a crise de 1864, saíram fortalecidos os bancos
estrangeiros e o Banco do Brasil.
Retomando a narrativa da vida
pública de Francisco Gê Acaiaba de Montezuma,
registra-se, também, em razão de sua atuação pública, importantes
trabalhos publicados, elencando o Senado Federal os seguintes:
q
A
oposição de 1831 & 1832 justificada, ou Os crimes da administração
actual. Rio de Janeiro: Typographia do Diário, 1832. 115p.;
q
Protesto
do Senador Visconde de Jequitinhonha contra a intervenção dos alliados no sítio
e rendição na cidade de Uruguayana. 2. ed. Rio de Janeiro: Laemmert, 1865.
29p.;
q
Reflexões
sobre as finanças do Brasil: operações de crédito do thesouro e o empréstimo
contrahido em Londres de cinco milhões de libras esterlinas no corrente anno.
Rio de Janeiro: Laemmert, 1865. 85p.; e
q
Direito
administrativo, importância e necessidade do seu estudo. Revista de direito
administrativo, vol. 1, n. 1, p. 303-310, jan. 1945.
2.
SUAS LUTAS E SEU LEGADO
O presente capítulo examina, com mais profundidade, as lutas
empreendidas, no Brasil e fora dele, por Francisco Gê Acaiaba de Montezuma,
durante sua existência, e seu legado, que está diretamente vinculado às
“batalhas” que empreendeu pela construção de um país livre.
Na primeira parte, analisa a sua luta pela abolição da escravatura, que
como bem se demonstra é a razão de sua existência, em prol da qual
desatrelou-se da militância partidária para atacar os importadores de
escravos.
Mais adiante, na sua parte final, aborda a trajetória da vida de Francisco
Gê Acaiaba de Montezuma na Maçonaria, desde 1828, quando, exilado na Europa,
entra para a Ordem do Templo.
2.1
Suas lutas
No Brasil, a década de 1830, período denominado por alguns historiadores
de “agitados tempos da Regência”, registra o nascimento do anti-racismo
– proclamado por uma primeira geração de brasileiros negros ilustrados
–, denunciando o preconceito de cor, repudiando o reconhecimento público
das raças e reivindicando a concretização dos direitos de cidadania, que já
eram protegidos pela Constituição Imperial de 1824.
O movimento era constituído, como já dito, por negros e divulgado em
jornais específicos de luta, repudiando o reconhecimento público das “raças”
e reivindicando a concretização dos direitos de cidadania já contemplados
pela Constituição de 1824.
Como refere Marco Morel, pouco se sabe sobre os tais anos incertos da Regência,
mas o que importa captar nesse período é o sentimento de indeterminação e
de instabilidade de todas as instituições, perpassando todo o cenário político
e social de um país tornado independente há apenas uma década, no que ele
definiu como “o momento de explosão da palavra pública em suas múltiplas
(e nem sempre tranqüilizadoras) possibilidades”.
Entre os muitos temas perceptíveis na supradita explosão
da palavra pública destaca-se a disputa em torno do reconhecimento público das “raças”. Mais de três séculos
de dominação portuguesa haviam concorrido para erigir uma estrutura social
de racialização explícita
na forma de regimentos militares de pretos, pardos e brancos, de irmandades
religiosas segregadas, de cemitérios separados, de estatutos clericais de
pureza de sangue e também das restrições ao acesso de cargos públicos
impostas àqueles com “defeitos de cor”.
Na opinião de Célia Maria Martinho de Azevedo, o fato da “miscigenação”,
tão alardeado pela tradição historiográfica, não parece ter criado
barreiras para a construção de uma sociedade segregacionista com amparo em
leis das mais diversas. Assim, pode-se aventar, com base em inúmeras evidências
dispersas em estudos históricos do período colonial, que os
afro-descendentes, libertos ou já nascidos livres, encontravam diversos
impedimentos legais de teor abertamente racista diante de seus esforços para
galgar os degraus superiores da escala social.
A historiografia tem se referido à emergência de um novo tipo de
imprensa – a “imprensa mulata” – nos primeiros anos da década de
1830, destacando seus intuitos nativistas em defesa da população negra e
mestiça livre. Contudo, ainda se conhece pouco o conteúdo
textual desta série de jornais cujos títulos são expressivos de um
sentimento de auto-afirmação racial e de uma vontade de se contrapor à
tradicional hierarquia racial pública associada com a colonização
portuguesa. Entre eles, pode-se citar: “O Crioulinho” e “O
Homem de Cor”, tendo este último assumido o nome de “O
Mulato ou o Homem de Cor” já em seu terceiro número, talvez para
melhor expressar a figura do brasileiro capaz de integrar em si as “cores”
da população, em vez de uma só cor. A denúncia do
tratamento desigual conferido aos cidadãos livres “pretos” e “pardos”
destaca-se como uma preocupação central nas páginas de “O Homem de Cor” e “O
Crioulinho”, os primeiros jornais dessa imprensa cidadã
anti-racista, fundados respectivamente em setembro e novembro de 1833,
exaltados e críticos das manobras do governo dos moderados, a quem acusam de
procurar restaurar a antiga hierarquia pública de raça. É interessante que
o editor de “O Homem de Cor”,
Francisco de Paula Brito (1809-1861), tenha escolhido para estampar na capa de
seu primeiro número duas colunas contrapostas: a primeira, à esquerda,
reproduzia o texto da Constituição Política do Império em que se definiam
os direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros – “Todo o Cidadão
pode ser admitido aos cargos publicos civis, politicos, e militares, sem outra
differença que não seja a de seos talentos, e virtudes” – e a segunda,
à direita, reproduzia um trecho do ofício de 12 de junho de 1833 do
presidente da província de Pernambuco, Manoel Zeferino dos Santos, no qual se
afirmava a heterogeneidade do “povo do Brazil” e a inviabilidade da
mistura de “classes”.
“O Crioulinho” também
denuncia os intentos racistas dos chamados “moderados-jacobinos”, os
quais, após a abdicação de D. Pedro I, passaram a usar o poder em favor de
seus interesses e em detrimento das expectativas geradas pelo movimento
conjunto de brasileiros brancos, pretos e pardos que culminou no movimento de
7 de abril de 1831. Entre essas expectativas nutridas pelos “crioulos” –
assim chamados os pretos e pardos nas páginas desse jornal – e traídas
pelos moderados ou “liberaes” brancos, destaca-se o direito ao trabalho.
Os “chimangos” haviam-nos convidado a se unir às suas fileiras, “com o
prazenteiro nome de Irmãos, e Cidadãos dignos de tudo; dizendo e protestando
que marchavão firmemente a franquear-lhes a entrada para os primeiros
Empregos Nacionaes”, mas, desde então, “nunca mais appareceu hum Emprego
para hum crioulo, e nem hum crioulo para hum Emprego. Contra factos não ha
argumentos”, concluía taxativamente o redator. Não bastasse o fechamento
dos postos de trabalho, presumivelmente em cargos públicos, aos cidadãos
negros e pardos, havia ainda o tratamento jurídico desigual a que eles eram
submetidos.
Esses comentários iniciais servem para se ter noção do quadro que se
delineava no Brasil, importantes porque, como bem anota Célia Maria Martinho
de Azevedo, além das experiências históricas locais, deve-se também ter em
mente a circulação dos relatos de experiências históricas recentes, ou
mesmo contemporâneas àqueles que viveram os incertos tempos da Regência,
quando as opções políticas moldavam-se também pelos modos como as histórias
de outros povos eram apreendidas e assimiladas às questões políticas
imediatas.
Assim foi com Francisco Gê Acayaba Montezuma, deportado em 1823, cuja
trajetória permite visualizar como o aprendizado da história viva ou
aprendida em livros traduzia-se em suas opções políticas. Após fugir do
navio no qual viajava prisioneiro, Montezuma conseguiu chegar à França,
tendo vivido nesse país e também na Inglaterra, Bélgica e Países Baixos,
até voltar ao Brasil em 1831, por coincidência, na mesma data da abdicação
de seu inimigo, o imperador.
Reconhecido herói da Independência e na sua qualidade de exilado, vítima
do despotismo real, integrou-se rapidamente à comunidade política do Rio de
Janeiro, atuando como deputado na Câmara menos de dois meses após seu
retorno. Assim como outros homens de letras afro-descendentes – na época
chamados de pardos ou mulatos –, Francisco Gê Acayaba Montezuma não
demorou muito para se associar às proposições políticas da corrente de
exaltados favoráveis à monarquia constitucional, muito embora ele se
definisse politicamente como “independente”. Em seu livro “A
Liberdade das Repúblicas”, publicado em 1834, ele recorre
profusamente à história passada e presente para persuadir o leitor de que a
cidadania e a liberdade acabam fatalmente sufocadas pelo regime republicano. A
começar pela epígrafe tirada do livro de Edmond Burke, “Reflexões
sobre a Revolução na França”, publicado em 1790, pode-se
visualizar a adoção de uma postura respeitosa da tradição monárquica, porém
não avessa a mudanças que trouxessem melhoria para o país. Nas palavras de
Burke: “Uma disposição para preservar, e uma habilidade para melhorar,
tomadas juntas, seria a minha posição em relação à Revolução na França”.
Em 1830, ainda no exílio, teve a oportunidade de acompanhar a sublevação
popular de Paris que expulsou os Bourbons do poder, abrindo caminho para um
novo regime monárquico – a monarquia constitucional de Orléans. É possível
que a nova Revolução Francesa de 1830 tenha reforçado neste antigo
constituinte o horror ao despotismo monárquico, bem como a esperança de que
o percurso constitucional interrompido pelos jacobinos há cerca de 40 anos
pudesse ser retomado. As expectativas de Francisco Gê Acayaba Montezuma com
relação à nova monarquia francesa, revigoradas certamente pela leitura do
antijacobino Burke, segundo Célia Maria Martinho de Azevedo:
[...] devem ter contribuído para alimentar suas reflexões sobre o cenário político revolucionado que ele encontrou em sua volta ao
Brasil. Havia certamente alguma semelhança no fato de que também em seu país um reinado despótico terminara abruptamente sob pressão de um amplo
movimento popular. Contudo, ao invés de um monarca constitucional, três regentes detinham o poder de Estado e já se distinguiam por seus atos tirânicos,
conforme Montezuma denunciava enfaticamente, associando-se desse modo à oposição na Câmara e às vozes dos exaltados, onde quer que eles atuassem.
Mas longe estava ele de querer se confundir com o movimento popular que já
desenhava nas ruas a opção pela república, que, em sua opinião, acabaria
no mesmo beco despótico da monarquia absolutista. Como ele explicava com base
em inúmeros exemplos históricos tirados das repúblicas existentes desde a
Antiguidade e até a era moderna, república e monarquia absolutista padeciam
do mesmo mal, ou seja, de uma incapacidade de definir limites precisos ao
poder executivo.
Francisco Gê Acayaba Montezuma referia, em sua obra, que:
[...] a Constituição da Monarchia Representativa do Brazil nenhuma distincção faz do homem branco, e do Homem de cor: todos são filhos
do Pai: todos são igualmente Cidadãos do Estado; todos gozão dos mesmos Direitos. Se a Stabilidade daquela Republica exige que a Classe de cor seja
opprimida e considerada verdadeiramente coisa, sem direitos nem politica consideração: a Monarchia Brasileira sufficientemente solida em
suas instituições nada recea da mais illimitada IGUALDADE perante a Lei.
Para ele, em sua condição de homem livre “de
cor”, podia compreender que se o preconceito era uma invenção dos brancos,
sua reprodução dependia do fato dos negros continuarem submissos àqueles.
Contudo, em sua defesa da monarquia constitucional, onde não haveria lugar
para distinções públicas de cor e, portanto, para o preconceito que fere o
cidadão publicamente, descartou o caminho da insurreição dos escravos. Na
análise de Célia Maria Martinho de Azevedo:
É certo que a escravidão não combinava com quem acreditava
na igualdade natural de todos os seres humanos, mas o que fazer em país de
escravos, onde até mesmo Montezuma, assim como tantos outros homens brancos e
negros de elite, tinham ou faziam uso de escravos?
Além da preocupação com seus interesses econômicos, os
quais iriam à ruína na falta do trabalho escravo, esses zelosos proprietários
padeciam do medo do ‘haitianismo’. A possibilidade de que o exemplo
recente da vitoriosa revolução dos escravos do Haiti incendiasse a imaginação
dos seus próprios escravizados já se fazia sentir em diversos focos de
insurgência, os quais se agravariam ao longo da década de 1830, deixando
entrever a perspectiva de fragmentação do império em diversas repúblicas.
A saída para o problema da escravidão adotada pelos homens negros de
elite que atuaram nesses primeiros anos da Regência encontra-se em esquemas
graduais de emancipação, como foi o caso dos projetos apresentados por
Francisco Gê Acayaba Montezuma e Antonio Rebouças, outro deputado “de
cor” associado à oposição da Câmara ao governo da Regência.
Além disso, ao defender a Constituição de 1824, criava-se a expectativa de
que um número crescente de escravos pudesse adquirir por meios legais suas
“cartas de liberdade”, o que lhes garantiria a condição de cidadãos
brasileiros com direitos políticos restritos e, aos seus filhos, o apagamento
público de suas origens servis.
Em 1830, o deputado Antonio Rebouças
apresentou projeto de manumissão de escravos (com pagamento de seu valor ao
senhor). Em 1832, Francisco Gê Acayaba Montezuma pronunciou-se
contra o tráfico de escravos da África na Assembléia Nacional, o qual
continuava a se fazer a despeito da sua proibição em lei de 1831, votada sob
pressão britânica. Anos depois, em meados de 1850, já senador, membro do
Conselho de Estado e ostentando o título de Visconde de Jequitinhonha,
apresentou projetos de abolição gradual da escravidão. Ele também esteve
entre os primeiros políticos a exigir a abertura de debates sobre a abolição
da escravidão no Parlamento, a partir de 1865.
É interessante observar
que Francisco Gê Acayaba Montezuma era membro ativo da Maçonaria, a qual
recobrava visibilidade e se reorganizava rapidamente após anos de perseguição
político-policial. Se é certo que na sua condição de homem “de cor”,
era muito sensível à questão social do racismo, também se pode pensar que
a sua qualidade de Maçom o tornava especialmente empenhado em realizar o
sonho iluminista de transpor a concepção abstrata de igualdade natural para
uma política de cidadania em que as distinções individuais se fizessem tão-somente
em termos de mérito.
Durante o exílio na Europa
é que Francisco Gê Ataiaba de Montezuma passa a integrar a Ordem do Templo,
provavelmente em Paris. Em 12 de março de 1829 recebe do Supremo Conselho da
Maçonaria uma patente que autoriza a fundação, no Brasil, de um Supremo
Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria.
Em 12 de novembro de 1832, funda, no
Rio de Janeiro, o primeiro Supremo Conselho para o Império do Brasil do Rito
Escocês Antigo e Aceito do Grau 33º da Maçonaria, e em 9 de fevereiro do
ano seguinte dirige uma circular a todas as Potências Maçônicas do
Universo, comunicando a solene inauguração do Supremo Conselho do Brasil.
Tendo
conferido o grau 33º a José Bonifácio e a outros maçons do antigo Grande
Oriente que funcionava no Rito Moderno, o que era irregular, Francisco
Gê Acaiaba de Montezuma, que exercia as funções
de Soberano Grande Comendador da Maçonaria, provoca descontentamento do
Lugar-Tenente Soberano Grande Comendador, David Jewett, que se demitiu. Este
Capitão-de-Mar-e-Guerra norte-americano, depois Chefe de Esquadra da Marinha
Brasileira era possuidor de uma patente do Soberano Grande Consistório dos
Estados Unidos, em Nova York, para estabelecer no Império do Brasil um
Consistório do grau 32º, datada de 4 de novembro de 1826. Foi esta a razão
que levou Montezuma a convidá-lo para participar do seu Supremo Conselho como
Lugar-Tenente Soberano Grande Comendador.
Em 12 de novembro de 1835, Antonio
Carlos Ribeiro de Andrada sucede Francisco
Gê Ataiaba de Montezuma como Soberano Grande
Comendador da Maçonaria. Demitido do cargo, foram preservadas as honras de
Soberano Grande Comandante Honorário.
Em 2 de setembro de 1858, o Grande
Oriente do Brasil da Maçonaria dirige consulta ao Supremo Conselho para a Bélgica
relativamente aos poderes outorgados a Montezuma. Em 22 de dezembro, em
resposta ao Grande Oriente do Brasil, o Supremo Conselho para a Bélgica
confirma a data de 12 de março de 1829 da patente concedendo poderes a ele.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final do presente ensaio, registra-se a
imprecisão dos dados biográficos e os poucos autores que se dedicaram a
estudar a vida e a obra de Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, cuja história
vai além do próprio homem, confundindo-se, na verdade, com a história do
Império no Brasil.
São poucos os registros encontrados sobre a sua
vida pessoal e a sua obra na Maçonaria, mas o conhecimento adquirido sobre um
vasto período da história do país foi inestimável.
Igualmente, apesar das restrições literárias
apontadas, certo é que Francisco Gê Acaiaba de Montezuma como homem, como
herói e como maçom, cumpriu suas obrigações de cidadão e de obreiro da
Ordem, bem como cumpriu sua missão de escrever a história, tornando-se um
exemplo para as gerações que lhe seguiram e para as que ainda seguirão.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de.
Souto & Cia. In: Anais
da I Conferência Internacional de História de Empresas. Niterói:
Universidade Federal Fluminense, 1991.
AZEVEDO,
Célia Maria Martinho de. A recusa da “raça”: anti-racismo e cidadania no
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