Talvez por isto tenha tido sempre a curiosidade de conhecer mais sobre a vida
deste ilustre brasileiro e grande maçom.
Tendo sido indicado para a Academia, foi-me sugerido
pelo meu padrinho, escolher como patrono ninguém mais que Gaspar Silveira
Martins. Surgiu então, a oportunidade de conhecer o “Sansão do Império”
como o chamava Joaquim Nabuco.
Pelotas 11 de setembro de 1920.
O Congresso dos Veneráveis das Lojas da Jurisdição do Grande Oriente do Rio
Grande do Sul, reunido em Abril do corrente ano, tendo tomado conhecimento de
que se cogitava da repatriação dos despojos do Ilustre e Poderoso Irmão Dr.
Gaspar Silveira Martins, Grau 33, o qual em 1883 exerceu o alto cargo de
Grão Mestre da Ordem, deliberou por unanimidade, que as Lojas das localidades
por onde passassem tão venerados despojos, prestassem à memória do ilustre maçom
e patriota as homenagens que costuma a Maçonaria tributar aos seus vultos de
destaque.
“O Templário”, órgão oficial da Maçonaria rio-grandese, honrou suas páginas
com o retrato do Poderoso Irmão,e como
homenagem à sua memória, transcreveu da “Aurora Escosseza”, a comunicação
de sua posse no Grão Mestrado.
A Maçonaria gaúcha é fértil em nomes de relevo. Entretanto, nenhum atingiu
as alturas em que viveu Gaspar Silveira Martins.
Nasceu na Serra do Aceguá, município de Bagé, antiga Província Cisplatina, a
5 de agosto de 1834, nas vésperas da Revolução Farroupilha. Filho de Carlos
Silveira de Moraes Ramos e de dona Maria das Dores Martins, foi batizado na Paróquia
N.S. do Pilar em São Rafael do Cerro Largo, hoje cidade de Melo, no Uruguai. Freqüentou uma escola primária em Cerro Largo, estudando, em seguida, em
Pelotas.
1844 - Com a permissão dos pais, aos dez anos de idade, Gaspar segue para o
Maranhão, onde cursa um colégio. Naquele tempo o Maranhão detinha o
“primado intelectual”.
Aos treze
anos, está no Rio de Janeiro, em busca de um educandário para continuar seus
estudos, matriculando-se no Colégio
Vitório. Perguntando-lhe o Professor Vitório o que pretendia ser na vida,
respondeu que queria ser Ministro de Estado e que, então, faria o Professor
Conselheiro de S. M. o Imperador.
1852 - Completando o curso de humanidades, segue para Recife, matriculando-se na
Faculdade de Direito, onde cursou até o segundo ano.
1854 - A conselho médico, Gaspar segue para São Paulo, matriculando-se na
Faculdade de Direito daquela cidade.
1856 - Formando-se Bacharel em Direito, foi trabalhar no Rio de Janeiro, no
escritório de advocacia do Dr. Júlio de Freitas Coutinho.
Neste ano, Gaspar casa-se com D. Adelaide Augusta de Freitas Coutinho, filha do
Dr. Júlio. Tendo feito amizade com o Visconde de Muritiba, este oferece a
Gaspar o cargo de juiz municipal.
1861 - Eleito Deputado Provincial pelo Rio Grande do Sul, abandona a
magistratura, onde a sua consciência de juiz íntegro o colocava constantemente
em choque com os poderosos, inclusive os próprios ministros. Disse certa vez:
“Perante nós, o réu, o potente e o ilustre desaparecem para surgir apenas o
portador do direito. A nomeação do juiz é como a ordenação do sacerdote”.
1872 - É eleito Deputado na Assembléia Geral pelo Partido Liberal da Província
do Rio Grande do Sul. Em 26 de dezembro daquele ano, estréia no parlamento
brasileiro, respondendo ao discurso que o Barão de Rio Branco pronunciara, na véspera,
em revide ao orador fluente que era Paulino Soares de Souza, do Partido
Conservador. A sua sinceridade incomum, aliada aos arroubos de uma eloqüência
agressiva, à qual não faltava uma lógica implacável, faziam dele um adversário
temível.
1875(25/6) - Dirigindo-se ao Marechal Caxias, no dia de sua posse como Presidente
do Conselho de Ministros, Silveira Martins o adverte com a sua desassombrada
franqueza: “Vossa Excelência tem todos
os títulos ao nosso respeito e à nossa consideração; mas não é o homem próprio
para resolver os problemas cuja solução o país instantemente reclama, para
poder elevar-se a altura de um povo livre”. O Duque de Caxias pertencia ao
Partido Conservador.
1878(5/1) - Organiza-se o gabinete liberal, sob a presidência do Visconde de
Sinimbú, Gaspar é chamado para assumir a pasta da Fazenda.
“Na primeira reunião, de que era a maior figura, propôs que fosse concedido
o título de Conselheiro ao Professor Vitório da Costa e foi, pessoalmente,
levar ao antigo mestre o título que havia lhe prometido quando estudante”.
1878(16/11) - Um decreto imperial regulariza o serviço de loterias da Corte,
permitindo que os bilhetes pudessem ser divididos em décimos, com os mesmos
dizeres e características dos bilhetes inteiros, de onde surgiu o vocábulo
popular “gasparino”.
1879(8/2) - Acompanhado pelo Barão de Vila Bela, apresenta a sua renúncia, em
caráter irrevogável, de Ministro da Fazenda, porque o ministério pôs de lado
o compromisso assumido da elegibilidade dos acatólicos.
Em 5 de julho de 1880, toma posse de sua cadeira no Senado pela Província
do Rio Grande do Sul. O ambiente de desinteresse e melancolia na Câmara vitalícia
lhe faria dizer mais tarde: Parece-me ter vindo cedo demais para o Senado.
1882(1/4) O Senador Gaspar Martins, Grau 33 do Grande Oriente Brasileiro
primitivo, filia-se na Loja Aurora Escocesa do Gr.:Or.: do Brasil Unido, pois não
se conformava com a união dos Grandes Orientes dos Beneditinos e Lavradio
realizado pelos Conselheiros Saldanha Marinho e Francisco Cardoso Junior. Encabeçou
movimento que resultou na fundação do Gr.:Or.: Irregular pois o primitivo
deixara de existir. O novo grêmio instalou-se no Rio de Janeiro, oferecendo o
cargo de Gr.: Mestre ao Senador Gaspar e, tinha como programa a extinção da
escravidão no Brasil. Depois do juramento, discursou:
“Satisfeito de mim e de meus caríssimos irmãos, passarei o Primeiro
Malhete deste Gr.: Or.: a outras mãos mais dignas de empunhá-lo, no dia em que
no Império do Brasil ficar abolida a escravidão”.
“Temos independência política, mas não se pode considerar livre um país
onde há uma raça escrava. Prossigamos, pois, nos esforços patrióticos dos
nossos antecessores, envidemos todas as nossas forças para a conclusão desta
grande obra, começada pela sabedoria, patriotismo e denodo dessas brilhantes
colunas de Maçons leais, dignos, merecedora da mais saudosa recordação...”
A Loja Aurora Escocesa filiou-se ao Gr.:Or.: do Brasil em 21 de dezembro de
1887, extinguindo-se o Gr.: Or.: Brasileiro, fundado de maneira tão irregular.
Em 1º de maio de 1889 Silveira Martins é distinguido, por decreto, com o título
de Conselheiro de Estado Extraordinário.Tendo recusado com altivez o título de
Visconde, recusa também este.
Naquele ano, em 12 de julho, foi nomeado Presidente da Província do Rio Grande
do Sul.
Mas, em 6 de novembro, passa o governo ao 1º vice-presidente, embarcando para o
Rio, a fim de ocupar sua cadeira no Senado. A sua popularidade era algo fora do
comum, sendo designado rei do Rio Grande do Sul e cantado pelos poetas.
Três dias depois, ao chegar a Desterro, recebe um telegrama do Visconde de Ouro
Preto, convidando-o para assumir a presidência do Conselho de Ministros. Ao
mesmo tempo o Governo Provisório da República mandava ordem para prendê-lo.
Chegando ao Rio, a bordo da corveta Parnaíba, é preso, sob palavra, em sua
residência.
O Outro Lado da Proclamação da República
Em 15/11/1889, sem qualquer participação popular ou da grande parte da elite,
proclama-se a república.
Desde o período colonial, nenhuma ordem do Papa vigoraria no Brasil sem a
aprovação do Imperador. Os Bispos D.Vidal e D.Macedo, de Olinda e Belém,
resolvem seguir as ordens de Pio IX, punindo religiosos ligados à Maçonaria.
D.Pedro II, influenciado pelos Maçons, solicitou aos Bispos que não
fizessem tais punições. Com a recusa destes, o Imperador os condenou a 4 anos
de prisão em 1872. Com a intervenção do D. de Caxias, os Bispos receberam
perdão imperial. Contudo, houve estremecimento entre a Igreja e o Império.
Hoje, melhores relatos históricos, contam que naqueles dias confusos, Deodoro
da Fonseca, tido como fiel a D.Pedro, pretendia derrubar o Visconde de Ouro
Preto, chefe do Gabinete Imperial (o equivalente hoje a um ministro).
Segundo farta documentação, a decisão para a derrubada do Imperador,
aconteceu na madrugada do dia 15 de novembro, quando o Major republicano
Frederico Sólon Sampaio Ribeiro, comandante das tropas do cerco, convenceu
Deodoro a proclamar a república. Esse militar teria dito ao Marechal que o novo
presidente do Conselho de Ministros, supostamente indicado pelo Imperador, seria
Silveira Martins, seu inimigo mortal.
Deodoro e Silveira se rivalizavam na disputa amorosa pela Baronesa do Triunfo,
viúva muito bonita e elegante, que sempre preferiu Silveira Martins ao
Marechal. Na verdade o novo Presidente do Conselho seria José Antônio Saraiva.
Disse-lhe também Sólon que uma suposta ordem de prisão contra seu chefe havia
sido expedida pelo Governo, versão que convenceu o velho Marechal a proclamar a
República no dia 16 e a exilar a Família Imperial as sombras da noite.
O Decreto nº 71 da República, liberta o Conselheiro, com a obrigação de
residir em qualquer país do continente europeu. No dia seguinte embarcou para
Londres e, durante sua permanência visitou Paris, Berlim, Madri, Bruxelas, Roma
e Lisboa.
Em 19/11/1890, o decreto nº 1037, revoga o ato que desterrava Silveira Martins.
Ele ficou, porém, na Europa por mais um ano, em peregrinação pelas
bibliotecas e universidades.
“Não trazia ódios, nem ressentimentos. Quando retornou, trazia o sonho da
república parlamentar”.
Em 21/2/1892, chegando a Porto Alegre, Silveira Martins é recebido com uma
apoteose sem precedentes na história política do Rio Grande do Sul. Em março
daquele ano, o Congresso de Bagé declara que a constituição do Estado, que
era comtista, devia ser substituída por outra, calcada nos princípios
parlamentaristas. O Congresso, denominado gasparista, celebrou-se sob a
presidência do General Joca Tavares, de 78 anos, que aclamou Presidente do
partido federalista Gaspar Martins.
No mesmo ano, em 17 de junho, irrompe em Porto Alegre a revolução castilhista,
repondo Castilhos no governo, sob as vistas do governo federal.
Castilhos nomeia Vitório Monteiro com Vice-Presidente e passa-lhe o governo.
Pelotas telegrafa a Joca Tavares, em Bagé, transmitindo-lhe o governo e
nomeando-o segundo Vice-Presidente. Entre os castilhistas militavam correligionários
de Floriano, e, entre os federalistas, reuniam-se todas as facções contrárias,
sob a chefia de Silveira Martins.
Tavares reunira em Bagé ponderáveis elementos, mas aproximando-se a força
federal teve de ceder aos conselhos de Gaspar: “Como chefe do partido,
aconselho; como correligionário, peço; como riograndense, suplico: guerra
civil, não”.
Perdendo posições no Rio Grande, em janeiro de 1893, refugiado na cidade de
Melo, no Uruguai, Tavares telegrafa a Silveira Martins: ”Impossível conter
forças, amigos Estado reúnem-se. Para evitar imediata invasão, marquei dia 5,
dando tempo virem vossas instruções, Se puderdes, vindes...”
Pressionado pelos partidários, o General Tavares, lança proclamação,
concitando seus conterrâneos a pegarem em armas. Gaspar não pôde evitar o
movimento e foi por ele envolvido.
Com o
desenvolvimento da revolução anti-florinista, as forças revolucionárias
passaram a chefia ao Almirante Saldanha da Gama. Silveira Martins fixa residência
em Montevidéu não podendo se ausentar sem a permissão do governo Uruguaio.
Mas, em 28 de novembro, cercado pelos revolucionários, o General Isidoro
Fernandes, comandante das tropas do governo central, é aprisionado, julgado e
condenado à morte. Informado casualmente deste fato, Gaspar apresenta-se ao exército
revolucionário que sitiava Bagé, e salva do fuzilamento o General. Pelo gesto
humanitário e a falta do compromisso assumido, Silveira Martins é expulso do
Uruguai, e transfere sua residência para Buenos Aires.
Em 1895, assinada a paz entre o governo Central e os revolucionários, na presidência
de Prudente de Morais, Silveira Martins retorna a Montevidéu. No final do ano
volta pela segunda vez a Europa onde residia sua família.
No dia 23 de julho de 1901, tendo marcado uma entrevista com o General Hipólito
Ribeiro, Gaspar Silveira Martins deveria seguir para Paso de los Toros,
quando a morte o surpreendeu, fazendo-o faltar pela segunda vez ao compromisso
assumido. Desaparecia assim do cenário político do Brasil este
homem realmente extraordinário.
Porto Alegre, 25 de
novembro de 2006.