A maçonaria e a política
(Da
Idade Média ao Século XXI - Resumo)
Raul Quevedo*
O
Estado Social da Europa até o período da Idade Média pode ser comparado a uma
pirâmide, cuja base estava sustentada pelo braço escravo, sujeito à
autoridade de um senhor feudal. Sobre este, os príncipes, e acima, o rei. No
topo da pirâmide, como potentado absoluto, o papa, supremo legislador.
Essa
arquitetura social, construída etapa a etapa, através de conspirações dinásticas,
conflitos tribais e religiosos e guerras entre Estados, manteve-se à margem de
qualquer ameaça ou conflito popular, por mais de 1.500 anos.
Durante
esses 15 séculos, a Igreja, altíssima majestade, acomodada sobre um pedestal
construído para atravessar os tempos, jamais pensou que a solidez de sua
construção entraria em plano inclinado. Manutenção de velhos costumes, gosto
desmedido pelo poder e predileção exagerada por riquezas, começaram a minar
sua base de sustentação, dando ensejo ao surgimento dos
"iluministas". Todos, ou quase todos, oriundos da Maçonaria e dos
quadros eclesiásticos da própria Igreja.
Naquele
momento, Martinho Lutero foi o mais radical dos reformadores. Sucedeu a John
Huss, morto numa fogueira inquisitorial, levado num auto-de-fé por defender
reformas na base da Igreja. Consciente
do perigo, Lutero tomou algumas importantes precauções que não somente
salvaram-lhe a vida como deram-lhe sustentação política, alicerce poderoso
para a criação da sua própria Igreja, a Luterana.
Foi
a Reforma Luterana o alicerce construtor das doutrinas liberais que foram
nascendo e se consolidando ao longo da segunda metade do século XVII, e que se
alastrou na Europa e norte da América durante o século XVIII. Ao colocar o
homem em contato mais direto com Deus, sem a interferência de nenhum intermediário
poderoso e "infalível", foi estimulado no indivíduo seu grau de
responsabilidade no convívio social. Surge no cenário humano, a partir da
Reforma, o homem responsável, analista, livre pensador, êmulo dos filósofos
da antiguidade clássica. Porém, pendente do materialisrno dialético.
É
a Era dos filósofos-economistas. E começa a cair por terra o milenar conceito
dos soberanos por direito divino. Já não proclamara a Bíblia nas palavras de
Cristo, "a César o que é de César, a Deus o que é de Deus"? Toma
forma a idéia de divisão entre os poderes eclesiásticos e os políticos. John
Locke questiona no ensaio sobre Governo Civil, os direitos naturais do homem,
ressaltando que, "os governos nascem de contratos jurídicos e morais com a
sociedade". E em matéria religiosa estabelecia que as crenças pertenciam,
exclusivamente, a vida de cada ser. Foi um empirista que fez escola. No campo
econômico a fisiocracia de François Quesnay revelou a necessidade de mudanças
radicais, questão que a classe dominante jamais discutia
Na
seqüência, Montesquieu, Voltaire, Rousseau, Diderot, Condorcet, produziam
verdadeira revolução no campo filosófico. O primeiro, in "O Espírito
das Leis", reclama pela divisão de poderes, protegendo a independência do
Estado, pois somente assim será assegurada a liberdade do indivíduo. Voltaire
promove campanha questionando as instituições, em discursos temáticos que
envolvem religião, economia e princípios éticos, "ciência"
praticamente esquecida desde Sócrates e Aristóteles, na Antiguidade; e Erasmo
e Thomas Morus no século XV. Rousseau, no "Contrato Social", assegura
que todos os homens são iguais e livres para a organização política, pois só
o povo é soberano.
Aos
filósofos juntam-se os economistas. No estudo das leis de produção começam a
ter sentido mais amplo o termo, "valor". O que é valor? O que é
"mais valia" ? Os fisiocratas abrem caminho para os questionamentos de
tema até então tabus, como direitos individuais; trabalho remunerado, descanso
semanal, etc. Quesnay, Mirabeau, Turgot, mostram que o progresso organizado,
isto é, com participação do coletiva, é mais útil para o progresso e
felicidade das nações.
Por
fim, Adam Smith, já no final do século XVIII, com "A Riqueza das Nações",
consolida, numa mesma linha, as teorias econômicas segundo a ótica do
capitalismo. Teoria essa que só iria ser comparada, ou contestada uns 50 anos
depois, por Carl Marx, ao teorizar a temática do socialismo. O Século XVII foi
dos grandes pensadores, dos filósofos- fisiocratas, que resultou no
enciclopedismo. Mas as teorias precisavam ser divulgadas, levadas ao público
para que delas tivesse conhecimento. Na prática, isso era impossível, pela ausência
de veículos adequados, e do evidente desinteresse das classes superiores
dominantes ante povos escravos e sem nenhuma instrução.
As
elites, encasteladas entre as muralhas de seus castelos fortificados,
julgando-se "divinizadas" pelo nascimento, puniam com a morte quem
ousava levar ao conhecimento das ruas qualquer pensamento que desviasse os súditos
da linha do poder absoluto por graça divina. Era esse o "status" da
vida humana, num mundo estratificado entre a pompa e circunstância do poder
real, aristocrático, feudal-clerical, e a plebe, que somava a quase totalidade
das populações.
Não
havia imprensa, e o conceito de "praça" para o povo, que iria ser
reclamada pelo poeta e maçom, Castro Alves, ainda no século XIX, nem mesmo era
ainda conhecido. O único reduto existente, espécie de areópago para debates e
choque de idéias libertárias entre as camadas cultas, era a Maçonaria.
Ali,
os debates eram livres. Resguardada pelo sincretismo da própria filosofia e silêncio
jurado de seus membros, gentis-homens, escolhidos da flor da intelectualidade,
eram as Lojas clubes políticos, círculos fechados constituídos de arquitetos
de idéias, cada um levando em si a missão de construtor da liberdade. Por isso
era secreta. Só assim sobreviveu, num mundo dominado pelas iniqüidades.
A
Maçonaria é, por origem e formação desde a mais remota antiguidade,
perdendo-se na noite dos tempos, uma instituição política Não no sentido
partidário de grupos a almejar o poder pelo poder. Mas a sã política, no
sentido mais amplo e universal de luta pela paz e melhoramento de
"status" para os povos no universo, sem distinção de raça, cor ou
credo religioso.
Por
isso que, inibir a Maçonaria em geral ou qualquer Loja, desse desiderato, que
é a própria essência de sua existência, como alguns pretendem, seria castrá-la
em seu valor mais caro, até sublime: o esforço pela elevação social e
cultural dos povos. Pior, seria trair a memória dos milhões de irmãos que já
viajaram para o Oriente Eterno, e outros milhões que estão prosseguindo na
luta por esse sublime ideal.
Presumo
ser urgente que a Maçonaria atual reviva, revigorando aqueles valores do
passado que a engrandeceram e dignificaram-na perante a consciência do mundo,
pois sua existência só terá sentido se prosseguir, como no passado, primando
pelos caminhos da sã política filha da moral e da razão.
* Adido do GORGS
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