AMLERS / PATRONOS  
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Duque de Caxias, maçom honrado, limpo e puro

                                                       Fernando Mariani
                         CIM 194222

Porto Alegre, RS, 9 de março de 2 001.

  

A. INTRODUÇÃO:

  No cumprimento de um dever estatutário, o objetivo deste trabalho é justificar a escolha do patrono vitalício para a cadeira de número seis da AMLERS. O nome escolhido foi o de Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, nascido em 25 de agosto de 1 803 e falecido em 7 de maio de 1 880, filho do brigadeiro Francisco de Lima e Silva e de D. Cândida de Oliveira Belo.

  Uma redação laudatória exigida para esse fim requer uma pesquisa prévia tão aprofundada quanto possível; a redação, porém, deve se circunscrever a alguns aspectos relativos à pessoa do patrono, o suficiente para atender aos requisitos básicos. Desta forma, muito do que já se sabe de ouvido a respeito do Duque de Caxias, não será aqui mencionado; muito do que foi investigado na respeitante literatura biográfica, será omitido. Explica-se por ser este um trabalho para fins laudatório e não biográfico ou científica.

Da mesma forma, não se pretende reescrever a história do Duque de Caxias. Quando muito, procura-se desvendar um ângulo menos explorado de sua vida com objetivo adicional de incentivar o aprofundamento de novas pesquisas sobre temas de maior interesse para a Ordem Maçônica, deixando de lado, na medida do possível, o que normalmente já é amplamente sabido.

  Todos os dados objetivos que serão apresentados foram encontrados em diversos autores e, algumas vezes, as transcrições diretas para enfatizar a prova com isenção ou divulgar os seus nomes. Significando, também, que tal critério se sobrepõe sobre qualquer pretensão de originalidade.  Ainda assim, foi feito um esforço, embora frustrado, para resumir o caminho que leva ao objetivo pretendido. Na verdade, o autor das linhas que se seguem rendeu-se, na prática, ao que à beira do túmulo de Caxias, o Visconde de Taunay em seu discurso pronunciou:

  “Há muito que narrar! Só a mais vigorosa concisão, unida à maior singeleza, é que poderá contar os seus feitos. Não há pompas de linguagem, não há arroubos de eloqüência capazes de fazer maior essa individualidade, cujo principal atributo foi a simplicidade na grandeza”.

  Em consonância, pois, com a citação do Visconde de Taunay, está presente a renúncia a toda pretensão de narrar todos os feitos de Caxias, bem como às pompas de linguagem e a qualquer arroubo de eloqüência supérflua. Por outro lado, baseado na finalidade deste trabalho estabeleceu-se um roteiro tomando como ponto de partida o que é a Maçonaria, faz-se uma referência sobre a omissão sistemática quanto à condição de Caxias como maçom, procura-se apontar as causas imediatas e remotas dessa omissão, dá-se ênfase ao episódio da “questão religiosa” no qual ele foi um de seus involuntários protagonistas e de suas conseqüências na sua biografia.

B. DESENVOLVIMENTO

1. Em sentido geral, a Maçonaria tem sido definida como: “um sistema de moral, velado por alegorias e ilustrado por símbolos”. Essa definição, embora sendo uma das mais simples, tem uma vantagem insuperável: destaca o ponto central, isto é, a característica distintiva do objeto da Maçonaria em relação à ocupação prioritária de outras instituições. Além disso, satisfaz aos propósitos do presente trabalho, motivo pelo qual deixamos de lado outras definições mais abrangentes.

2. Tomando-se por base que a Maçonaria é um sistema de moral, foge ao escopo deste trabalho discorrer sobre características particulares não essenciais que fazem parte do acervo de práticas tradicionais da Maçonaria. Algumas delas fluirão naturalmente através dos argumentos a seguir, como de resto, sempre acontece nos discursos e apresentações realizados por maçons.

3. É mais importante ter em mente que, em Maçonaria, esse sistema de moral é coletivamente exercitado por homens previamente selecionados e organizados em uma Ordem. Entenda-se, aqui, por Ordem: “a união de pessoas que fazem voto de viver sob a autoridade de certas regras”. Tomando por base essas proposições, a Ordem Maçônica  pode ser explicada como sendo “uma associação de homens esclarecidos e virtuosos, que se consideram Irmãos entre si e cujo fim é viver em perfeita igualdade, intimamente ligados por laços de recíproca estima, confiança e amizade, estimulando-se, uns aos outros, na prática da virtude”.

4. O vocábulo virtude, em sentido geral, significa a disposição firme e constante para a prática do bem. Essa prática implica ações que visam objetivos humanitários, no seu mais amplo sentido, sem nenhuma outra restrição a não ser as condicionadas pelas próprias circunstâncias. Quando as condições são favoráveis, a Maçonaria se esforça para concretizar os seus ideais de modo indelével, como inclusive de fato aconteceu nas Américas no século XIX, conforme registra a História. 

5. Diversos movimentos sociais foram inspirados pelos ideais maçônicos naquela oportunidade, inclusive no Brasil. Até mesmo porque os seus principais protagonistas eram maçons. Naquela época, ainda que o número de maçons fosse inexpressivo comparado com os efetivos atuais, não o foram às façanhas que os distinguiram entre seus contemporâneos. Muitos se tornaram exemplos a serem seguidos pelas futuras gerações.

6. O modo como os maçons se houveram, tanto no plano pessoal como no plano social, ilustram uma seqüência de lições de bons costumes, de devoção aos nobres ideais da humanidade e de virtudes. Tudo isso em plena harmonia com os valores estimulados pela Maçonaria, a fortaleza inexpugnável, salvaguarda da moral, da evolução, do progresso e da verdade, cujos fins supremos são: liberdade, igualdade e fraternidade para todos os povos.

7. Os maçons, naquela época, como ainda hoje,  costumam agir frente à sociedade norteados pelos princípios da Ordem. Entre outros tantos relacionados à própria Maçonaria, os seguintes princípios doutrinários e ações correspondentes vêm traçando o caminho dos maçons: a investigação constante da verdade, o cumprimento inflexível do dever e a prática desinteressada da beneficência; ter como deveres essenciais a fidelidade e devotamento à Pátria, o amor à família e obediência à lei; o combate à ignorância, a superstição, a tirania e, terminantemente, o recurso à força e à violência para a consecução de quaisquer objetivos; enaltecimento do mérito da virtude, da inteligência e da prestação de serviços à Pátria e a Humanidade; a Maçonaria condena a exploração do homem, os privilégios e as regalias; defende a plena liberdade de expressão do pensamento, como direito fundamental do ser humano, admitida a correlata responsabilidade; repele o sectarismo político, religioso ou racial por serem incompatíveis com a universalidade da filosofia maçônica; proclama que a tolerância constitui o princípio cardeal nas relações humanas como condição para o respeito à liberdade, às convicções e a dignidade de cada um, bem como, a igualdade de direitos; e, divulga a doutrina da Ordem pelo exemplo e pela palavra. 

8. Naquele período de intensa atuação de maçons, o Brasil saiu da condição de colônia escravocrata européia e se transformou em um país americano independente e republicano. Embora, sob o ponto de vista científico, os múltiplos interesses econômicos nascentes no país possam explicar as causas dos conflitos sociais, a luta pelo poder e a conseqüente necessidade de mudanças nas antigas relações na sociedade brasileira emergente, elas não explicam o modo como estas foram conduzidas a bom termo no Brasil. Para esse mister, não se pode excluir a participação de uma galeria de homens ilustres, mutuamente identificados entre si, sintonizados com os mesmos princípios por eles sustentados e pela Maçonaria, a principal fonte organizada de ideais libertadores e progressistas da época.

9. “Lendo-se a história de sua vida, tem-se a impressão de que ele não é uma criatura, como nós outros, e sim uma dessas figuras prodigiosas que vêm a terra para missões divinas.” Com essas palavras Viriato Corrêa confirma ser o Duque de Caxias um destacado representante dessa época que se transformou em um símbolo da nacionalidade brasileira. Por acaso, um vulto nacional dessa expressão foi iniciado na Ordem Maçônica? Para a maioria das pessoas essa particularidade não parece despertar interesse. Para os investigadores superficiais, ela desperta dúvida sem supor que esta é o resultado de interesses político-sectários, que tudo faz para envolver seu interesse em uma cortina de fumaça. Como conseqüência, uma legião de pessoas idôneas reluta em aceitar a verdade detendo-se diante dos obstáculos para o encontro de provas. Persistindo a dúvida, preferem agir como inocentes úteis colaborando inconscientemente com um estratagema secular. Até mesmo os militares de nossa geração, que elegeram o Duque de Caxias como Patrono do Exército Brasileiro, e que anualmente comemoram a data do seu nascimento, promovendo ou participando de palestras e boletins alusivos à data, ocasião em que seus feitos de cidadão e soldado são esmiuçados, e os exemplos que emanam de sua personalidade, de sua conduta, e de seus valores morais são enaltecidos como modelos a serem seguidos pelas futuras gerações, abstém-se de informar sobre a condição de maçom de Caxias e muito menos de o mesmo ter se destacado, também, como um grão-mestre da Ordem, que passou à História como “O Grande Oriente de Caxias” (Os Maçons e a Questão Religiosa, de José Castellani. Londrina, Editora Maçônica “A Trolha” Ltda., 1 996.)  Sem dúvida omissões dessa natureza se justificam como conseqüência de um movimento que no decorrer deste trabalho, pelo menos em parte, será esclarecido. 

10. A omissão sistemática dessa particularidade vem de longe e tem sua explicação.  Seguem alguns exemplos de diferentes épocas. O monsenhor Pinto de Campos, contemporâneo de Caxias, brilhante escritor e orador, político de rara cultura, sendo seu primeiro biógrafo em 1 878, não fez nenhuma referência, sobre a condição de maçom do ilustre Duque. Os boletins do GOB, por ocasião do óbito de Caxias em 7 de maio de 1 880, também nada noticiaram sobre o ocorrido, embora o tenham feito, na mesma ocasião, pelo falecimento da filha do Visconde do Rio Branco e o do próprio Visconde em 1/11/1 880. O Marechal Augusto da Cunha Magessi, convidado de honra e ilustre militar, que não era maçom, em magnífica palestra proferida para maçons em 25 de agosto de 1 965, não fez nenhuma referência a possível vida maçônica de Caxias. Por último, para não se estender nesta enumeração, o padre jesuíta Valério Alberton, admirado e respeitado, inclusive por numerosos maçons, foi ainda mais longe. Ele publicou, segundo consta, nas colunas de O Globo, do Rio de Janeiro, em 13/09/1 971, uma matéria em que afirma: “... o Duque de Caxias não foi Grão-Mestre e nem sequer maçom, como já foi provado exuberantemente...”. Esta notícia foi transcrita no jornal “Lar Católico”, de Juiz de Fora – MG, com o título: “Caxias nunca foi maçom...”; e como subtítulo, “A Maçonaria abusa do nome do Duque de Caxias, patrono do Exército Nacional, excelente católico e que nunca foi maçom”, seguida da transcrição do artigo publicado em primeira mão em “O Globo”. (Duque de Caxias, Sua vida na Maçonaria, de Kurt Prober. Rio de Janeiro, Academia Maçônica de Letras do Rio de Janeiro, 1 972.). Haveria alguma explicação para que um estudioso representante da Igreja publicasse uma inverdade dessa natureza? 

11. Em primeiro lugar, convém recordar que o sigilo maçônico na época de Caxias era bem mais rigoroso do que na atualidade. Havia muito escrúpulo, por parte dos maçons, em revelar esta condição a quem quer que fosse, a não ser a um outro maçom. Ainda hoje, muitos segredos só podem ser revelados em Loja Aberta, não sendo admitidos em nenhuma outra ocasião. Naquela época, portanto, a condição de maçom não deveria ser confirmada facilmente. Da parte de Caxias, como é sabido entre maçons, sequer se deixou retratar vestindo paramentos maçônicos apesar de ter sido Grão-Mestre. (Kurt Prober, 1 972). Logo, com toda probabilidade de acerto, pode-se legitimamente inferir que muitos contemporâneos de Caxias, pela primeira vez, associaram o seu nome a esta condição quando este tema veio à tona, por iniciativa da Igreja, quando esta o puniu com a expulsão da “Irmandade da Cruz dos Militares”, por ser um “maçom pestilento”, conforme o publicado em uma charge na “Revista Illustrada”, Rio – nº 27 de 15 de julho de 1 876. Fato que se deu  após o desfecho da “Questão Religiosa”, na qual Caxias esteve envolvido, por dever de ofício, quando ocupava pela terceira vez tanto a pasta de Presidente do Conselho de Ministros como, cumulativamente, a de Ministro da Guerra, quando o Imperador encontrava-se ausente do Brasil e Caxias era a personalidade de maior autoridade e prestígio no país.

12. Como se pode depreender, o rigor do sigilo maçônico tem sua utilidade, mas também favorece o oportunismo de adversários eventuais ou, doutrinariamente, contumazes. Aqueles que renunciaram ao privilégio de usar suas próprias cabeças para pensar ou refletir livre e abertamente, ou que estão privados da possibilidade de extrair conclusões de sua própria experiência, encontram o prato feito para se realizarem. Sem alternativa, frente às poucas oportunidades de que dispõem para se exprimirem dentro dos estreitos limites em que estão autorizados, aproveitam-se quando elas surgem para reforçarem pontos de vistas sectários próprios ou daqueles a quem lisonjeiramente se subordinam. Quanto mais autorizados se acham para agir impunemente, maior é a ousadia diante de uma possibilidade de desforrarem suas limitações através da perseguição, de aplicação de punição injusta, de retaliação, de vingança torpe ou de mostrar serviço, com ou sem publicidade, visando a promoção pessoal frente aos seus pares ou superiores, ainda que denegrindo irresponsavelmente pessoas ou instituições imaculadas. Não são poucos os que souberam e sabem se promover dessa forma. [1] 

13. Em segundo lugar, também fica claro que todos que relutam em aceitar o fato de Caxias ter sido maçom ou tendem a omitir ou negar esse fato, tanto pode ser por escrúpulo em face da falta de divulgação das provas por parte da Maçonaria, como também pela certeza de tê-las muito bem escondidas ou destruídas por onde ele passou, com o propósito de atender questões doutrinárias, quando não exclusivamente, por motivos particulares.

14. Os motivos particulares, em grande parte, ficam por conta dos que aspiram ao ingresso na Ordem, mas têm certeza ou suspeitam de não possuírem as qualificações mínimas exigidas ou se sentem vitimados pelas proibições impostas por supostas condições de fé.  Daí decorre uma das vantagens em não se declarar maçom diante de profanos. É justamente esta: envolver-se com aqueles que não entendem o motivo pelo qual, apesar de terem manifestado simpatias pela Ordem perante conhecidos maçons, nunca foram convidados para dela participar. Sentem-se rejeitados. Não raro, mudam de opinião e até mesmo se tornam críticos, adversários ou inimigos da Maçonaria. Embora mantenham a pele de cordeiro, criam ou ampliam as imperfeições de maçons conhecidos dando vazão as invejas e passam a agir de modo a causar descrédito nos feitos da Maçonaria ou de que pessoas destacadas possam a ela ter pertencido. No fundo, agem de modo semelhante à raposa na célebre fábula de La Fontaine: “A Raposa e as Uvas”. Outro motivo particular, nada desprezível, é o de não se envolver em polêmicas temendo as severas retaliações da Igreja.

15. Convém levar em conta que, a Maçonaria comportando-se de modo secreto ou muito discreto, nem sempre tem facilitado o acesso aos investigadores sobre seus documentos. Não raro devido à falta de uma definição clara, do que realmente é secreto e do que não o é. Os chamados arquivos mortos, via de regra, não são valorizados como deviam e não são poucos os exemplos divulgados de incúria, negligência e imprudência que têm prejudicado ou inviabilizado investigações mais acuradas sobre os verdadeiros fatos, ainda que levadas a efeito pelos próprios maçons. Infelizmente, muitos maçons ainda se comportam como se fosse mais vantajoso criar lendas do que comprovar fatos. É a persistência de um ranço religioso totalmente desatualizado prevalecendo sobre a lógica e a racionalidade científica dos novos tempos. É a inconseqüência fazendo prevalecer à criação de mitos sobre a exposição de provas.

16. Algumas provas, por exemplo, da condição de maçom do Duque de Caxias estão sob a guarda de um ilustre irmão e não onde se supõe que deveria estar para consulta pública. Kurt Prober transcreveu, em seu trabalho anteriormente citado, inúmeras cópias e transcrições dessas provas. Embora elas não sejam numerosas, são incontestáveis. Não respondem todas as questões relativas a vida do Irmão Caxias na Maçonaria, porém, quanto ao ponto central da controvérsia, isto é se foi ou não maçom, ele apresenta documentos conclusivos e irrefutáveis comprovando a condição de Caxias como maçom e lançando uma pá de cal sobre essa questão. Ele contesta frontalmente as declarações atribuídas ao padre jesuíta Valério Alberton. Naturalmente o padre Valério Alberton nunca encontrou o documento da Igreja que anunciou a penalidade de Caxias bem como a exposição dos motivos pelo qual ela assim agiu. Seja como for, por motivos doutrinários ou por razões piedosas, cabe o aviso de que a sabedoria popular sempre fez pesar sobre os jesuítas a advertência de que para eles “os fins justificam os meios”. De qualquer modo, esse episódio não parece ser um fato isolado.

17. Entre os documentos que comprovam a condição de maçom do Duque de Caxias destaca-se a patente original do Supremo Conselho da Inglaterra enviado ao GOB e que por motivos que justificam as observações antes mencionadas, foi extraviado e mais tarde encontrado no arquivo do Supremo Conselho Behring. Ele foi reproduzido na Revista Astréia, de agosto de 1 969, págs 4/5 em fac-símile reduzido. Kurt Prober considerou essa cópia ilegível, motivo pelo qual ele a transcreve em seu texto original no seu trabalho. Não será aqui novamente reproduzido, é suficiente tomar conhecimento da existência do documento. Ele foi assinado por Charles John Vigne, Soberando Grande Comendador, George Philips Grande Tesoureiro Geral e Alexander Willian Adair, Grande Secretário Geral do Supremo Grande Conselho do REAA da Inglaterra nomeando o Duque de Caxias como o Representante da Amizade da Inglaterra ao seu Supremo Conselho correspondente no Brasil no Vale do Lavradio, em 13 de outubro de 1 869. Ele comprova muito mais do que simplesmente afirmar a condição de maçom de Caxias.

18. Esse documento atesta que Caxias foi o representante da mais elevada instância do Rito Escocês Antigo e Aceito da maçonaria inglesa no Brasil.  Dito de outra forma, ficou implícito ser ele reconhecido pessoalmente como maçom pela Maçonaria Inglesa, incontestável mãe de toda Maçonaria Universal. Tal reconhecimento exclui qualquer dúvida sobre a condição de maçom regular de Caxias por qualquer Obediência Maçônica legitimada pela Inglaterra e seus integrantes. Não gozaria do mesmo privilégio os filiados as autoproclamadas “Potências Maçônicas” que não são reconhecidos pela Grande Loja Mãe da Maçonaria Universal. Não é a Igreja, portanto, a mãe que gerencia as questões maçônicas ou estabelece critérios a respeito da legitimidade de seus descendentes e da condição de maçom de quem quer que seja, muito menos a de Caxias. Toda afirmação em contrário, em tese, é mal informada ou tendenciosa. No caso presente, há outras razões ainda ocultas que esclarecem melhor os fatos ligados a esse tipo de pretensão. 

19. Os comprovantes da condição de maçom de Caxias não ficam por aí, porém, diante da prova mais expressiva, as demais, se evidenciam supérfluas. A seguir, vamos enumerar sucintamente algumas entre as arroladas pelo Irmão Kurt Prober:

·        Discurso pronunciado em 20/03/1 848, comemorando a passagem da data pelo Irmão José Caetano de Oliveira Rocha, impresso pela “Typographia Nictheroyense”, consta o seguinte trecho: “. , aquelle que marca o 1º anniversario da Posse do M\Il\ Ir\Conde de Caxias, como Sob\ Gr\ Com\ do Rit\ Esc\ Ant\ e Acc\, e Gr\ M\ do Gr\ Or\ Braz\. É aquelle, em que empunhando com sua vigorosa dextra o 1º malhete, sustenta, e sustentará com seu potente braço os destinos da Maç\ Braz\”. É finalmente aquelle, que tem de assignalar para o futuro, o da regeneração da Maç\ na Terra de Santa Cruz, e com ella a da sua maior prosperidade...”. Esse trecho comprova que Caxias além de maçom foi Grão-Mestre e simultaneamente Grande Comendador do REAA.

·        Folheto impresso no Rio de Janeiro, pela Typ. DO Ir BINTOT, rua do Sabão nº 70, contendo peças D’Architectura recitadas  em 26/07/1 847 e offerecidas ao Sob\ Gr\ Comm\ Gr\ Insp\ G\ 33\, CONDE DE CAXIAS.

·        Documento existente no Museu Maçônico do GOB, referenciado no Bol. de julho de 1 959, em cujo texto é transcrito; “Nós, o Sob\ Gr\ Com\ Gr\ M\ do antigo Grande Oriente do Império do Brasil, attendendo... 17/04/1 849 ... assinado CONDE DE CAXIAS Gr\ C\ c Gr\ M\. Esse documento, no entender do Irmão Kurt Prober demonstra a pouca importância dada por Caxias ao simbolismo, pois cogita tão somente da fusão do seu Supremo Conselho estando explicito: “... sobre objecto da FUSÃO de mestres maçons do Muito Poderoso Supremo Conselho ...”. Na época, talvez por estar o Simbolismo do REAA subordinado ao “Filosofismo”. Uma vez que o Supremo Conselho de Caxias era o único reconhecido pela Inglaterra, essa fusão com o GOB proposta por Caxias ocorrida em 1 852, legitimou a criação de seu correspondente no GOB.

·        Documento assinado pelo Conde de Caxias, Gr\ C\ Gr\ M\ aos 16 dias do 7º m\ Ethanion do An\da V\L\ 5 850, concedendo a Loja Paulista “Piratininga” um Brêve Constitutivo, reconhecendo-a como regular a todos os Corpos Maçônicos espalhados na superfície do Globo.

·        Relação dos Membros Effectivos do Supremo Conselho do Brasil desde sua instalação em 1 854, em que o membro efetivo de número 35 figura o nome do Marques de Caxias.

·        Quadro Geral do GOB do Lavradio publicado em 1 871, pág 8, em que comprova ter Caxias recebido o título de Grão-Mestre Honorário do GOB.

20. A simples citação dos documentos autênticos acima arrolados são suficientes para refutar qualquer idéia em contrário. Uma delas, contudo, não foi enumerada embora mencionada anteriormente: a charge na “Revista Illustrada”, Rio – nº 27, de 15 de julho de 1 876, publicada após a expulsão de Caxias da “Irmandade da Cruz dos Militares”, como “maçom pestilento”. Esta publicação, em primeira página, bem demonstra, como ficará esclarecido, a inibição de atingir diretamente o Imperador, expondo Caxias, na ocasião, a figura pública da maior autoridade depois de S.M., a uma vexação pública imerecida. Além de externar ódio aos maçons e à Maçonaria, a Igreja surpreendeu pela manifesta desconsideração ao ilustre Caxias, um católico praticante de moral ilibada, num gesto farisaico, praticando um ato inominável de crueldade e de ingratidão, inteiramente indigno de qualquer Instituição que se promova pregando a palavra de Cristo. A igreja acreditando ser perfeita e infalível não dá explicações para fatos dessa natureza, quem contestar que corra o risco. 

21. Como pode a Igreja se autorizar a tomar uma atitude como a acima exposta e 95 anos depois,  publicar na imprensa que Caxias foi um “excelente católico e que nunca foi maçom” e “não encontrar” os documentos sob sua guarda que comprovam uma verdade pública e notória na época em que o fato se deu sem nenhum desmentido de sua parte? Por que motivo o argumento de ser um excelente católico está relacionado com a idéia de nunca ter sido maçom se inúmeros padres foram maçons? Essas atitudes, aparentemente contraditórias têm sua razão de ser, tem sua coerência interna com seus princípios doutrinários. Suas explicações se mantêm ocultas porque essa doutrina não é divulgada nem discutida com seus adeptos, normalmente tratados como ignorantes passivos e medievais. Como não há fenômeno sem causa, somente a investigação de suas causas imediatas e remotas pode esclarecer os fatos.

22. O motivo desencadeador foi a aprovação da Lei do Ventre Livre, em 3 de março de 1 872, que foi uma proposição do presidente do conselho de ministro Visconde do Rio Branco, grão-mestre da Maçonaria na ocasião, o que certamente contrariou interesses dos que investiam na escravidão. O padre Almeida Martins, maçom e orador do GOB, pronunciou um sermão “em termos tirados da linguagem maçônica” para saldar a aprovação da Lei. Esse sermão foi publicado pelos jornais no dia seguinte; transcrito no Boletim Oficial do GOB de março de 1 872; e, citado na íntegra por Castellani. (Os Maçons e a Questão Religiosa, de José Castellani. Londrina, Editora Maçônica “A Trolha” Ltda., 1996.). Como conseqüência, o bispo do Rio de Janeiro, Pedro Lacerda, proprietário de numerosos escravos, suspendeu o Irmão Almeida Martins de suas funções sacerdotais. Em maio do mesmo ano, o bispo de Olinda, Vidal de Oliveira, irritado com certas publicações contra o bispo Lacerda na imprensa do Rio, afastou de sua diocese dois sacerdotes que também se recusaram a abandonar a Maçonaria. Dom Vidal e, a seguir, proibiu que o monsenhor Pinto de Campos realizasse o casamento de um maçom. O conflito configurou uma generalização quando Dom Antônio Costa, bispo do Pará, interditou templos cujos padres eram maçons. Esse episódio foi o motivo desencadeador da chamada “questão religiosa”, cujas conseqüências a seguir serão narradas. 

23. Uma das condições prévias para compreensão dessa “questão religiosa” está na constituição brasileira outorgada por D. Pedro I em 1 824. Nela constava uma ligação entre o trono e o altar herdada da constituição de Portugal. Os padres viviam de prebendas pagas pelo Estado, como se fossem funcionários públicos. Era o regime do padroado em que o governo civil exercia legalmente autoridade sobre a igreja e esta lhe devia obediência. As bulas papais, por exemplo, só teriam aplicação no Brasil após o consentimento do imperador. O que explica, em parte, a razão pela qual inúmeros padres também eram maçons. Isto é, estavam a salvo das proibições do Papa.

24. Como decorrência do exposto, os bispos de Olinda e do Pará foram presos por ordem do Imperador e condenados a quatro anos de prisão com trabalhos forçados, em 1 874. Posteriormente, essa pena foi comutada para prisão simples. Acontece que o papa Pio IX, o famoso fomentador do dogma da infalibilidade papal, quando assumiu o Vaticano em 1 848, criticou as “liberdades modernas” e reafirmou a preponderância do poder da Igreja sobre o poder temporal. Embora esse papa ao tomar conhecimento dos fatos tenha inicialmente, pelo menos nas aparências, reprovado o procedimento dos bispos, em seguida, mudou de idéia, vindo a se configurar um problema de caráter internacional. A Igreja, obedecendo ao Papa e desafiando a lei, fazia sermões criticando a Maçonaria e o Imperador. A Princesa Isabel era a favor de uma anistia aos bispos, o Imperador era contra e a maioria dos maçons era a favor de aproveitar a oportunidade para cortar de vez o vínculo entre a Igreja e o Estado. No caso de se concretizar uma anistia aos bispos, o Barão do Rio Branco renunciaria a presidência do Conselho com todo seu gabinete para não assinar o documento. Premido pelas circunstâncias e por seus projetos pessoais, espontaneamente vem à mente do Imperador uma idéia, nessas alturas, nada original: pedir socorro, mais uma vez, ao Duque de Caxias, que se encontrava afastado de tudo gozando seu merecido descanso.

25. Na percepção do Imperador havia razões para investir nessa solução. Os seguintes fatos não podiam ser desprezados por sua inteligência. Caxias era um varão de 72 anos. Estava com a saúde abalada, muito velho para aquela época, abatido com a recente morte da esposa, um tanto desiludido e afastado da vida pública. Alguém, porém, com sua capacidade de liderança e com semelhante prestígio se fazia mais necessário do que nunca no governo. Ele possuía um currículo insuperável. Já havia recebido, progressivamente, vários títulos de nobreza até alcançar o mais elevado grau que, para alguém deserdado de sangue azul, poderia ser concedido. Como militar sua espada invicta havia batalhado em todas as lutas desde a Independência até a Guerra do Paraguai, além de ter pacificado o Brasil de norte a sul e garantido a integridade territorial da Nação. Jamais se revoltou ou foi revolucionário, o que fazia questão de dizer. Galgou todos os postos da hierarquia militar de cadete a Marechal-de-Exército Efetivo por seus próprios méritos e, por isso mesmo, sempre foi espontaneamente glorificado pelo Exército. Havia sido ministro da Guerra por duas vezes, presidente do Conselho de Ministros por duas vezes, Presidente da Província do Maranhão, Presidente da Província do Rio Grande do Sul por duas vezes, Vice-Presidente da Província de São Paulo, Deputado à Assembléia Legislativa pelo Maranhão, Senador pelo Rio Grande do Sul duas vezes, Conselheiro de Estado Extraordinário e Conselheiro de Guerra por duas vezes. Além disso, foi reconhecido pela cultura de sua época. Era Membro Honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Presidente de Honra do Institut D’Afrique, Sócio Honorário do Instituto Politécnico Brasileiro e Sócio Efetivo da Sociedade dos Veteranos da Independência da Bahia. Por todos esses títulos, o Imperador necessariamente haveria de concluir que ninguém conhecia todos os meandros do poder melhor do que Caxias. Além disso, tratava-se de um militar honrado, leal, disciplinado e esclarecido. Era católico praticante, membro da Irmandade da Cruz dos Militares na qual foi Provedor de 1 871 a 1 872 e, posteriormente, Membro da Mesa Administrativa. Foi Grão-Mestre e Grande Comendador do Vale do Lavradio, Grão-Mestre Honorário do GOB. Havia sido veador de S.M. Pedro II, desde 2/8/1 840, quando estava completando 37 anos e era coronel. Sua folha de serviços indicava que desde os 15 anos, como alferes, havia servido no 1º Batalhão da Corte; aos 18 anos, como 2º Tenente, foi nomeado ajudante do Batalhão do Imperador Pedro I. Logo, a muito entrosado com toda a casa real, o Exército, a Maçonaria, a Igreja e com os políticos, principalmente os conservadores. Com todas essas credencias, ninguém poderia estar mais bem habilitado a contornar os problemas candentes da ocasião. Caxias, embora não mais na condição de militar na ativa, em que devia obedecer às ordens desde que legais, poderia fora do serviço ativo, como era o caso, aceitar qualquer missão como homem honrado, desde que a consciência do dever assim o determinasse, estivesse em condições físicas compatíveis e a tarefa não envolvesse situações que acarretasse algum prejuízo para sua dignidade. Para o Imperador, enfim, valia a pena tentar extrair o máximo proveito desse insigne maçom enquanto ele estava de algum modo disponível, ainda que lhe negando o direito ao descanso pelos serviços anteriormente prestados. Esse homem, cuja verdadeira nobreza não a recebeu através do sangue ou dos títulos, mas que irradiava de sua personalidade evoluída e bem formada através de suas atitudes, era e continua sendo um símbolo nacional de autoridade, de fidelidade, de bravura, de heroísmo, de bons costumes, de moral e de ética. Quanto o mais não fosse, para um Imperador não faltaria pretexto para facilmente descartá-lo, se fosse o caso, antes de o inevitável, que se aproximava, acontecesse. Com toda a garantia que Caxias representava, nada o impediria de fazer tranqüilamente uma requintada excursão de uns dois anos pelo exterior ... Ainda, que tivesse de suplicar, coagir ou fraudar o velho Caxias, a perspectiva de tê-lo de volta era demasiado imperiosa para deixar de ser tentada.

26.Fosse possível perguntar ao ilustre Duque o motivo pelo qual aceitou esse último sacrifício, privando-se do recesso da família depois de uma vida inteira dedicada à Nação, a sua resposta estaria pronta. Caxias não era homem de duas palavras. Daria a mesma resposta transmitida por meio de carta à sua filha carinhosamente chamada de Anicota, Viscondessa de Ururaí, a seguir transcrita de Affonso de Carvalho, (Caxias, de Affonso de Carvalho, Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército – Editora, 1 976). Além disso, expõe o expediente adotado pelo Imperador para consegui-lo:

“Minha querida filha. 17 de Julho de 1875. Só hoje que he domingo me deixarão um instante disponível para responder a sua carta de três do corrente.

Estou, minha cara filha, apesar de todos os meus protestos em contrário, outra vez Ministro da Guerra e Presidente do Conselho: Você deve fazer idéia dos apuros em que me vi para cahir nesta asneira e creia que quando me metti na sége para ir a S. Chistovão a chamado do Imperador, hia firme em não acceitar; mas elle assim que me vio me abraçou e me disse que não me largava sem que lhe dissesse que acceitava o cargo de Ministro e que si me negasse a fazer-lhe esse serviço, que Elle chamava os liberaes e que havia de dizer a todos que eu era responsável pelas conseqüências que d’ahi resultacem, mas disse tudo isso tendo-me prezo com seus braços. Ponderei-lhe as minhas circunstancias, a minha idade, e incapacidade, a nada cedêo. Para poder me livrar d’elle, era preciso impurral-o, e isso eu não devia fazer; abaixei a cabeça e disse que fizesse o que quizesse, pois eu tinha consciência que Elle se havia de arrepender, porque eu não seria ministro por muito tempo, porque morreria de trabalho e de desgostos, mas que não o abandonasse, porque Elle então também nos abandonaria e se hia embora!

Que fazer, minha querida Anicota? ... senão resignar-me a morrer no meu posto, e de mais, tendo já arriscado tantas vezes a minha vida por Elle, que mais huma na idade em que estou pouco era.

......................................... Seu pae que muito estima ... LUIZ”.

 

27. O objetivo dessas considerações foi o de reconstruir em linhas gerais o contexto em que Caxias assumiu suas últimas funções públicas. Ele foi instado a prestar serviços à Nação, acedeu, seguindo sua estrela, sem imaginar que uma ingratidão se armava contra ele dentro de uma das trincheiras em que ainda pelejava. Se este fato, porém, com ele não tivesse acontecido, não haveria motivo para dele se ocupar e trazer luz sobre verdades que todos maçons deveriam estar a par. Caxias caiu no epicentro de um terremoto em que o Imperador, afastando-se do mesmo, mantinha o poder decisivo.

28. O objetivo das considerações que se seguem é o de mostrar a situação embaraçosa em que Caxias involuntariamente foi envolvido. Ele ficou “entre a cruz e a caldeirinha”, em um dilema que dividia, inclusive, a própria casa real, pois o Imperador queria a punição para os bispos e a Princesa Isabel, a anistia. O próprio Caxias que com todo zelo se dedicava tanto à causa pública como a Igreja e a Maçonaria, assim como muitos sacerdotes que também eram maçons e sabiam perfeitamente que Maçonaria não é religião, não angariava fundos da população, não vendia indulgências e não vivia de prebendas. Caxias, porém, é caxias e acompanhado por seu gabinete, ciente das circunstâncias, procurou servir a sua nação, não aos caprichos do Imperador, ou à Maçonaria vacilante. Caxias que nunca se acovardou, viu-se entre a maré e o rochedo desempenhando o papel de marisco. Qualquer que fosse sua posição na disputa entre as partes ele sairia sempre perdendo. Após historiar os fatos, eis a conclusão da exposição de motivos enviada ao Imperador:

 

“..................

Esta, portanto a situação:

Grande perturbação nas consciências, anarchia no regimen ecclesiastico, o scisma em começo de manifestação, desordem entre a Igreja e o Estado. As conseqüências podem ser funestas. Sem falar na tendência inconveniente para a separação dos dois Poderes, continúa a fornecer aos aventureiros e especuladores matéria para desvairarem a população, máxime em uma quadra climaterica tal como a das eleições, aggravada pela reforma do processo e especialmente pelo novo systema do alistamento militar, pelo recenseamento. Urge pôr termo a esse estado de cousas; e o meio mais profiquo, conforme dita-nos a consciência da própria responsabilidade, é a amnistia. O bem do Estado e a humanidade aconselham o emprego de tão salutar providencia.”

29. O imperador de forma alguma concordou e viajou para S. Paulo. Ao regressar, Caxias impõe: ou a anistia ou a demissão do Conselho de Ministros. Eis a resposta do Imperador:

 

“Senhor Caxias

.........................

Tudo disse no sentido da minha opinião contraria á do Ministério, porém, entendi que este não devia retirar-se.

.....................

Essa questão é grave, e por isso reservo ao menos o meu modo de pensar sobre ella. Faço votos para que as intenções do Ministério sejam compensadas pelos resultados do acto de amnistia, mas não tenho esperanças disto.”

30. Como se depreende do texto, o Imperador sentindo-se constrangido aquiesceu. Perder Caxias naquela ocasião era, no mínimo, perder uma longa viagem de recreio. Na mesma data da carta é assinado o decreto da anistia em 17 de setembro de 1 875. Assim, Caxias pensou haver posto um ponto final na “questão religiosa”. Ledo engano.  

31. Caxias não tinha bola de cristal. Os Imperadores, porém, desapareceram com o regime monárquico. A Maçonaria emasculou-se politicamente ao compartilhar o mesmo espaço com segmentos irregulares gerados por vanglória, ou seja: para mitigar a sede de poder ou a necessidade de atrair admiração e homenagens para caciques regionais de prestígio limitado. O motivo real das dissensões, sempre os mesmos: perda de eleições ou pouco prestígio para concorrer em nível nacional. A geração de Instituições daí advindas comporta-se, com freqüência, de modo contraditório. À medida que o tempo passa, aumenta a dificuldade para se justificar os efeitos da exclusão do GOB engendrada por seus antecessores. Tanto que, devido à dificuldade de expor o que de útil se produziu para o bem comum em suas respectivas jurisdições, desde a época de suas respectivas criações, preferem comemorar as proezas pertencentes ao patrimônio histórico do GOB, instituição maçônica regular da qual voluntariamente desertaram por motivos injustificáveis. Contribuindo dessa forma, com a idéia de que Maçonaria é seita: “se praticamos os mesmos rituais, somos todos iguais”, como se fazer Maçonaria fosse apenas obedecer a protocolos, realizar cerimônias e angariar pequenos donativos em prol de necessitados. A Igreja, por sua vez, viu despencar o seu antigo prestígio e perde, cada vez mais, freguesia para as chamadas seitas evangélicas. A opção de Caxias, a Pátria, permanece íntegra e mais vigorosa do que nunca. Portanto, Caxias, não veio ao mundo em vão. No entender de Rui Barbosa: “A austeridade que não conhece diferença de amigos e inimigos, é um dos mais raros dotes do caráter humano.” (Queda do Império, IV-80). Por isso mesmo, Caxias neste caso foi austero e previdente, priorizou o bem maior: o Brasil. Optou pela pacificação dos ânimos, porém pagou seus supostos “pecados” enfrentando incompreensões, ingratidões e injustiças de seus contemporâneos. Fizessem todos como ele, a Maçonaria não se enfraqueceria para que alguns egos vaidosos, infiéis à unidade e a coesão, se sentissem fortes e poderosos ao sobrepor seus anseios pessoais acima das vantagens internas e externas proporcionada pela unidade monolítica da Maçonaria brasileira, principalmente nessa era de globalização e, por via de conseqüência, dos interesses do bem comum.

32. Nenhuma das outras partes envolvidas demonstrou imediata conformidade com a decisão de Caxias, a saber a Maçonaria, o Imperador e a Igreja, sendo que a reação desta última foi, não só extremamente contrária, como ainda persistente, conforme análise a seguir. Por parte da Maçonaria, não se pode omitir que alguns maçons influentes, sentiram-se atingidos com o texto de sua correspondência dirigida ao Imperador no trecho a seguir, embora não fossem os únicos a esposarem a mesma aspiração: “Sem falar na tendência inconveniente para a separação dos dois Poderes, continúa a fornecer aos aventureiros e especuladores matéria para desvairarem a população, ...”. Isso custou a Caxias mais de sessenta anos de indiferença por parte da Maçonaria.

33. O Imperador, de sua parte, após engolir contrariado a sugestão de Caxias, acertadamente anteviu a incompreensão da Igreja, deixou isso bem claro em sua correspondência: “Faço votos para que as intenções do Ministério sejam compensadas pelos resultados do acto de amnistia, mas não tenho esperanças disto.”. Nem por isso, contudo, deixou também de externar sua suscetibilidade narcisista em duas ocasiões distintas ao desconsiderar Caxias. A primeira, quando o Imperador voltou de seu passeio. Caxias pediu demissão de suas funções uma vez que entendeu haver cumprido sua tarefa: garantir a tranqüilidade do Imperador enquanto este passeava.

34. O Imperador, por outro lado, ao que parece, sempre esperava algo mais que a boa fé de Caxias o impedia de captar. Afinal, “palavra de rei não volta atrás” e muito menos de Imperador. Quem sabe, desejava ele que Caxias na “questão religiosa” postergasse indefinidamente com evasivas uma solução até que os bispos cumprissem suas punições. Expediente político usual naquela época e ainda praticado com freqüência em nossos dias. A morosidade dispensada ao problema da escravidão naquele século é a mesma, às questões agrárias, dentre outras, na atualidade.

35. Além disso, ao que parece, o Imperador desejava que Caxias viesse servi-lo até a morte. O Imperador estava ciente do principal argumento para convencer Caxias a aceitar sua última incumbência. A saber, a ameaça de entregar o Ministério aos liberais. Agora, descontente com o atual pedido de dispensa de Caxias, sem o risco de perder algum projeto em vista, não só aceitou o pedido de Caxias,  como também, demitiu todos os seus Ministros, o que não era esperado. Além disso, entregou o governo aos seus adversários políticos: os liberais com João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu, Visconde de Sinimbu, à frente.

36. O Imperador devia estar ciente do episódio ocorrido em 1 870, quando Caxias, coberto de glórias voltou da Guerra do Paraguai e ocupou uma cadeira no Senado. Em um procedimento indigno, visando rebaixar o prestígio de Caxias, os liberais resolveram atacar a probidade profissional do ilustre militar. Acusaram-no de ter voltado da Guerra trazendo consigo animais para seu uso próprio em número maior do que deveria. Em 15/07/1 870, Caxias comparece ao Senado como se estivesse em um Tribunal. Relata sua participação na campanha. Em determinado momento, o senador Silveira Lobo deu um aparte para talvez aliviar o ar de mesquinharia reinante e o agravou ainda mais nos seguintes termos: “– Perdoe-me não foi pelos animais, foi pelo transporte ser caro.”. Caxias finalmente revela: “Eu tinha direito de trazer 6 cavalos e 12 bestas de bagagem; trouxe três cavalos e quatro bestas; creio que não fui além daquilo que poderia fazer; e ainda sofro em meu soldo o desconto do valor desses animais, por isso que não estive na campanha cinco anos”. Segundo Affonso de Carvalho, “não pode haver nos anais do Senado brasileiro episódio de mais aviltante mesquinharia”.  

37. Nessa oportunidade, portanto, a atitude do Imperador não deixou de demonstrar a Caxias que nada se deve negar aos poderosos. Estes, ainda que percam uma guerra, continuam usufruindo seus privilégios e poderes, como acontece com a freqüência de uma norma. Foi o caso de sei pai, D. Pedro I, que abdicou a coroa do Brasil em seu nome e foi gozar as regalias de seu sangue em Portugal, ainda que fosse um dos responsáveis pela Independência do Brasil perante Portugal. O mesmo aconteceu com Hiroíto no Japão e a alta burguesia de qualquer país que perdeu a II Guerra Mundial. Não só em nada foram prejudicados, como ficaram mais ricos e poderosos do que antes da derrota. Os que nada possuem e se colocam a serviço dos interesses dos poderosos o fazem por convicção ou em troca de migalhas e mordomias passageiras; desempenham poderes meramente eventuais, honorários e ficam sujeitos a serem os bodes expiatórios no caso de algum fracasso. Mussolini, Hitler, Pinochet, tantos outros ditadores ou militares golpistas geralmente desempenham o papel de meros bonecos de engonço nas mãos dos poderosos que ficam encobertos e, sem o apoio deles, nada representam. Quem paga o preço da vitória ou da derrota é o mesmo de sempre: o povo. Tanto o partido Liberal como o Conservador eram constituídos de senhores de escravos do café e do açúcar. Logo, para D. Pedro II não haveria diferença significativa entre os partidos, assim como continua não havendo para as elites brasileiras que, normalmente, através de suas empresas, contribuem formal ou informalmente para as campanhas políticas de todos os partidos com chance de vitória nos cargos executivos ou legislativos, sejam eles de direita, de esquerda ou de centro para gáudio dos possíveis prepostos e dos tesoureiros de campanha desonestos. O que interessa para as elites de qualquer regime político é garantir legalmente a preponderância de seus interesses e privilégios seja qual for o governo constituído desde que com elas comprometido. Suas simpatias pessoais por este ou aquele partido ou dirigente, sempre foram secundárias. O Imperador não fugiu a regra.

38. A segunda manifestação da insatisfação do Imperador foi entendida por sua ausência aos funerais de Caxias. Foi também, um recado não verbal aos demais súditos. Se Caxias não foi digno da presença do Imperador em seus funerais, por tudo que este lhe devia, quem mais ousaria cometer o mais leve crime de “lesa-majestade”... Desta forma, o Imperador fez uso da imagem de Caxias até depois de morto. Foi o último serviço que Caxias involuntariamente lhe prestou. Caxias morre em 7 de maio de 1 880. Assim, Affonso de Carvalho retratou seu funeral:

 

“... No dia seguinte, celebra-se na Fazenda Santa Mônica missa de corpo presente. Da Fazenda à Estação do Desengano, o ataúde é conduzido à mão. Às cinco e quarenta e cinco minutos da tarde do mesmo dia, o corpo chega à Estação Central do Brasil. Aguardam-no o Visconde de Tocantins, o Visconde da Gávea, ajundante-general do Exército com a oficialidade da Guarnição e algumas figuras da política.

O caixão é tirado do vagão por três soldados do 1º e três do 10º de Infantaria e posto num carro da casa imperial, que já havia servido em enterros de príncipes. O coche, acompanhado de dezesseis moços de estribeira e grande número de carruagens, parte para a velha residência do Duque, na Tijuca, e ali fica até o dia 10 pela manhã, quando é rezada nova missa de corpo presente e encomendação.

Às 9 e meia sai o enterro, sendo o caixão conduzido até à carruagem fúnebre por outras seis praças simples do Exército.

Este associa-se, inteiro às homenagens ao grande chefe.

O coche faz-se acompanhar de um carro que conduz, sobre pequena coluna, a coroa de Duque, velada de crepe, a espada, as dragonas, o talim, a banda e o chapéu.

Segue-se o cortejo fúnebre, uma fila tão grande de carruagens que, quando a primeira chegou ao cemitério do Catumbi, ainda havia carros que não tinham saído do palacete da Tijuca. É o maior enterro da época.[2]

O Exército não pode ter melhor representante, para falar à beira do túmulo, que o Visconde de Taunay, cujo discurso, eloqüente e comovido, assim termina:

                ‘Carregaram o seu féretro seis soldados rasos; mas senhores, esses soldados que circundam agora a gloriosa cova e a voz que se levanta para falar em nome delles, são o corpo e o espírito de todo o Exército Brasileiro. Representam o preito derradeiro de um reconhecimento inextinguível que nós, militares, de norte a sul deste vasto império, vimos render ao nosso velho marechal, que nos guiou como general, como protector, quase como pai durante quarenta annos; soldados e orador, humildes todos em sua esphera, muito pequenos pela valia própria, mas grandes pela elevada homenagem e pela sinceridade da dor.’

 

A sepultura de Caxias, como a do seu pai, o ex-Regente, muito tempo permaneceu esquecida e abandonada no Cemitério do Catumbi, até que por fim, o Exército tomou a si a condigna consagração do herói nacional.

 

Pobre sepultura! Nem ao menos, por piedade, o Império lhe colocara o aviso histórico das Temópilas: ‘Cuidado, viajante! Não vás pisar a cinza de um herói!’

 

Todas as classes estiveram presentes ou representadas no enterro de Caxias. Só faltou uma figura: o Imperador. E por que? – Difícil ou impossível explicação pode dar aqueles que se interrogam incompreendidos. Pouco antes ele fora ao enterro do Bispo de Crisópolis e acompanhou-o até a derradeira morada, segurando numa das alças do caixão. Mas o Bragança não perdoara a Caxias o decreto de anistia, como jamais perdoou ao ex-Regente a sua participação no 7 de Abril. .......”.

39. Essa longa citação não pode ser evitada por diversas razões. Em primeiro lugar para despertar atenção sobre o livro de Affonso de Carvalho, considerado um biógrafo “vibrante, colorido e sugestivo” no entendimento de Pedro Calmom (1 976). Sua alusão ao 7 de abril se refere ao ano de 1 831. Nessa ocasião, Caxias era major do Batalhão do Imperador, estava diretamente subordinado ao Coronel Manuel de Lima e Silva, comandante do Batalhão e seu tio, que por sua vez estava subordinado ao General Francisco de Lima e Silva, comandante da Guarnição e seu pai. Este por sua vez, subordinado, como qualquer outro militar, ao Imperador. Este último militar, seu pai, instado pela população e as circunstâncias deu um ultimato ao indeciso Imperador para reverter seu ministério obtendo como resposta à abdicação em favor de Pedro II. Não tendo, pois, Caxias, nenhuma responsabilidade sobre o ocorrido. 

40. Em segundo lugar, para comprovar que a realeza daquela época, assim como, as elites de hoje e seus prepostos, porque não, também, algumas autoridades maçônicas e membros da Igreja, não toleram ser contrariados. Quanto mais um ser humano reivindica superioridade e regalias sobre os demais, mais acentuadas são as suas demonstrações de narcisismo, de vaidade, de paranóias, de perseguições e de vinganças, quando, no exercício de algum poder, são contrariados. Por ação ou omissão inclusive os Papas se consideram oficialmente infalíveis para evitar contestações internas no âmbito da Igreja ou externamente entre seus adeptos. Como conseqüência, é sintomático da embriaguez pelo uso desmedido do poder, o não suportar que discordem de suas opiniões ou atitudes, ocorrência normalmente considerada uma insolência imperdoável. Por isso mesmo, a divisão republicana de poderes e a eleição democrática para a ocupação dos diversos cargos necessários ao exercício de parcelas de poder, ainda são, para a maioria da população, o melhor meio de se gerir o bem público. Não o é, entretanto, para os que preferem impor sua vontade sobre os demais e não estão mentalmente preparados para o diálogo e a busca do consenso. Estes, em última instância, reivindicam poderes ilimitados em suas mãos e a eliminação ou controle absoluto sobre seus adversários que, não raro, são considerados como inimigos.

41. A terceira participação envolvida na questão, a da Igreja, requer uma atenção amiudada. Ela, ao tentar impor no País a doutrina papal vigente, testou o zelo do Imperador pela Constituição do Estado Independente. Este, da posição de patrão do clero, não tolerou subordinar seus poderes aos do Papa e puniu os bispos executores da afronta. Quanto ao aspecto legal, sua posição é inatacável. Por proposta de Caxias, porém, ele acabou anistiando-os. Essa atitude de Caxias, no entanto, não foi suficiente para apaziguar a arrogância estimulada pela Santa Sé que nela persistiu, ficou insatisfeita com o desfecho dessa questão e continua insistindo, sob outras formas, até os nossos dias. Na ocasião, por certo, entendeu que Caxias pouco fez por ela no episódio e aplicou-lhe uma punição por um motivo ilegal no país. Reagiu, sobretudo, com uma demonstração de ingratidão que, de tão abjeta, de tão grosseira ou de tão extemporânea, tornou-se inqualificável. Desrespeitou todos os princípios de grandeza que ela prega ao expulsá-lo de uma instituição religiosa que, para o contexto das atribuições de Caxias, pouco poderia se ocupar naquele momento, enquanto, para a Igreja foi o pretexto para expor publicamente uma vingança infame contra Caxias, a Maçonaria e o Imperador. Certamente, a chance de atingir um objetivo de tríplice conseqüência e julgando-se infalível, estava dispensada de conceder direito de defesa. Esse episódio, contudo, não conseguiria enodoar a memória de Caxias. Pelo contrário, o feitiço voltou-se contra o feiticeiro, apequenando e enodoando o clero fiel ao Papa da época. O máximo que Caxias podia fazer era propor uma anistia, não tinha poderes para inocentá-los, até porque, embora os envolvidos estivessem de acordo com a doutrina vigente da Cúria Romana, violaram suas obrigações com o Estado. Diga-se de passagem, a bem da verdade, que Caxias na posição em que se encontrava não poderia emprestar ao fato empenho maior, ainda mais que a Igreja atirou em seu próprio pé, tanto que com ela não polemizou e ninguém conhece sua reação. Nove anos depois, surge a República com outro maçom à frente do movimento terminando de vez a aliança entre Estado e Igreja e a possibilidade de conflitos dessa natureza. No entanto, a doutrina papal que determinou esses episódios requer esclarecimentos. Sua importância é atual porque ainda está vigente.

42. A vigências da doutrina papal aludida e sobretudo seu tratamento injusto para com a Maçonaria pode ser comprovada a partir de um estudo recente de um professor no Instituto Superior de Direito Canônico e ex-Diretor do Departamento de Teologia da PUC-Rio, ele foi taxativo ao afirmar em suas deduções:

“De tudo o que acabamos de escrever, deduz-se muito claramente que não é possível aderir consciente e plenamente à fé católica e, ao mesmo tempo, ser um maçom autêntico, que aceita os princípios doutrinários que se encontram na base dos rituais da “Ordem”........... Em qualquer hipótese, porém, devemos deixar bem claro que o ser católico e o ser maçônico são duas realidades diversas, verdadeiramente incompatíveis entre si.” (Maçonaria e Igreja: conciliáveis ou inconciliáveis?, de Jesus Hortal, S.J., São Paulo, Estudos da CNBB 66, Paulus, 1993.).

43. Essa  suposição é de um religioso de inegável cultura, porém, por isso mesmo, propositadamente baseada em premissas impróprias. Em vez de procurar os princípios doutrinários da Maçonaria nas Constituições de Obediências regulares, onde se acham explícitos, e são de conhecimento público, ele preferiu produzi-los ao seu arbítrio, aludindo a rituais espúrios praticados por instituições irregulares. Seria o mesmo que avaliar os princípios da doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana generalizando, equivocada e intencionalmente, dados extraídos de catecismos ou missas de uma das igrejas católicas dissidentes, e não através da conduta da Igreja Romana através da sua história, documentos executivos oficiais emitidos pelos Papas e as interpretações de outras autoridades da hierarquia. A conclusão acima citada está, portanto, totalmente invalidada sob o ponto de vista lógico.[3] Sendo desnecessário analisá-la em suas minudências. Ela fornece, porém, mais um exemplo dos métodos utilizados pela Igreja para induzir em erro os incautos e para reafirmar a vigência de uma doutrina anacrônica, atrás da qual se esconde a cega submissão intelectual à hierarquia institucional e às infalíveis bulas papais de eterna vigência.

44.Os princípios da Igreja Católica não são expostos de modo claro como o são os da Maçonaria. Esta não tem pejo de expor os seus abertamente.  Além disso, é preciso mais do que ousadia para combater ostensivamente qualquer dos princípios maçônicos na atualidade. O ilustre jesuíta afirmou haver incompatibilidade entre os princípios doutrinários da Maçonaria e a fé católica. No entanto, ele não aponta os princípios da Maçonaria que são incompatíveis com os princípios da Igreja, normalmente ocultados de seus próprios fiéis. Ele  preferiu se passar por espertalhão afirmando, segundo seu dissimulado entendimento, que os princípios doutrinários da Maçonaria estão supostamente expressos nos rituais. Compara esses imaginários princípios maçônicos, por ele mesmo concebidos e ocultado, com a ‘fé católica’, resultando no seu parecer, de haver incompatibilidade entre o ser maçônico e o ser católico. Logo, em seu raciocínio metafísico, conclui por comparar dois seres abstratos e separados um do outro, apresentados como se fossem dois seres reais diferentes ou ‘duas realidades diversas’, supostamente incompatíveis entre si, produzidos de encomenda para se conformarem com os princípios elaborados pelos ditames papais.

45. A ‘fé católica’, portanto, difundida pela guarda pretoriana romana, difere da ‘fé’ no Deus que cada uma das diferentes religiões existentes professa. A ‘fé católica’ é uma fé diferenciada; é uma fé supostamente superior a qualquer outra; é uma fé expandida; é uma fé abençoada por uma Igreja perfeita, é uma fé aditivada, porquanto, além do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mateus 28: 19), que configuram um só Deus para os cristãos, a ‘fé católica’ adiciona mais uma figura: o deus papa, em carne e osso, redator de novas e infalíveis escrituras na forma de dogmas e bulas. Essa fé é a única validada pela Igreja Católica, a única aceitável, segundo parecer do jesuíta. O que for diferente disso, pela lógica não é fé, para ele é ‘não-fé’, em outras palavras é heresia. Ao concluir pela incompatibilidade entre o ser maçom e o ser católico, deu a entender que todo ser católico adere consciente e plenamente à ‘fé católica’, possivelmente, por ocasião do batismo, segundo seu entendimento. Porém, na vida real, na prática, que é o critério da verdade, os que se julgam católicos nascem vivem, e morrem desconhecendo as características e implicações dessa denominada “fé católica”, logo, sem a adesão plena e consciente por ele aludida.

46. Essa fé católica inclui, evidentemente, a adesão irrestrita a idéia de que a Igreja é perfeita e que todos os seus atos devem ser obedecidos como provindos de Deus. Ela é a única certa, que nunca errou e jamais errará. Se realmente isso é, grosso modo, o que o ilustre teólogo tenta impor veladamente, para justificar a incompatibilidade de princípios doutrinários da Igreja com os correspondentes da Maçonaria, não haveria necessidade de especificar a Maçonaria, pois tais princípios doutrinários são incompatíveis com o bom senso até mesmo dos próprios fiéis da Igreja e, por isso mesmo, deles são encobertos. A Maçonaria, uma instituição não sectária, respeita cada um de seus membros e assegura-lhes o direito de professar qualquer religião segundo o critério de sua consciência. O próprio jesuíta acima citado, se na prática tivesse condições de se comportar como um homem livre e de bons costumes, não necessitaria renunciar a sua ‘fé católica’ para habilitar-se ao ingresso na Maçonaria, bastaria renunciar aos meios escusos[4] que, embora aprovados pela Igreja, são contrários aos bons costumes na Maçonaria, para estar em compatibilidade com o ser maçônico. Para a Maçonaria o homem é uma coisa e a Instituição a que ele pertence é outra.

47. Um dos postulados universais da Maçonaria é a existência de um princípio criador: O Grande Arquiteto do Universo. Cada maçom é um homem livre e de bons costumes e o concebe segundo sua consciência determina, isto é, conforme a religião ou a filosofia que adota. Se algum maçom entender que, para ele, o papa é este princípio criador, em nada a Maçonaria interfere, ainda que nele nada mais veja do que uma criatura em lugar de um princípio criador. Mesmo assim, respeita o seu direito de escolher o seu Deus. A Maçonaria avalia o homem por suas ações e não por suas palavras ou deuses. Falar é fácil, fazer é que é difícil. Logo, ela prioriza os homens que fazem. Para uma alusão ao código civil, ela como Instituição representa uma pessoa jurídica e o maçom uma pessoa física. O que a Maçonaria como Instituição não aceita é importar ou submeter-se a um princípio qualquer que seja incompatível com os princípios por ela defendidos, como também, no cumprimento de seus deveres, omitir-se diante da tirania, das injustiças e das trevas de qualquer origem. Como dito, Maçonaria não é religião mas também não combate, não adere e nem privilegia nenhuma entre as centenas de religiões e seitas existentes no mundo. O seu objeto, em linhas gerais, é o aperfeiçoamento moral do homem, o objeto da Igreja é a salvação do homem. Como diz o provérbio popular: “Cada macaco no seu galho”. A Maçonaria procura ligar o homem ao homem sem nenhuma ingerência de religião. As religiões quando saudáveis, por sua vez, procuram ligar o homem ao Deus que cada uma delas concebe, independentemente se algum homem em particular é, ou não é, maçom.[5] Adotando este ponto de vista maçônico onde predomina a tolerância, eximida de qualquer sectarismo, maçonaria e religiões, sem pretensões hegemônicas, sempre podem coexistir pacífica e harmoniosamente e, de mãos dadas, cooperarem mútua e reciprocamente uma com as outras rumo aos objetivos comuns quando for o caso.

48. Para evitar o cometimento dos mesmos equívocos dos padres da Igreja, faremos uso dos testemunhos de uma autora americana, também  do século XIX. Ela nada tem haver com a Maçonaria nem com a Igreja Católica, porém, os princípios ocultos desta última são por ela identificados. Sua leitura faz as coisas se encaixarem perfeitamente na compreensão do episódio Caxias. Ela revela as verdadeiras causas dos conflitos da Igreja Católica com outras Instituições pelo mundo afora. As proposições da autora ainda são atuais porque a Igreja não alterou a essência de seus princípios nem revogou os dogmas papais. Eis aí uma seqüência de citações extraídas de sua obra que faz sentido com tudo o que até agora foi apresentado. Suas observações lançam luz sobre o comportamento dos sacerdotes, quando tentam confundir princípios doutrinários com fé, encobrindo com subterfúgios os objetivos temporais da Igreja:

“A Igreja Católica Romana, com todas as suas ramificações pelo mundo inteiro, forma vasta organização, dirigida da sé papal, e destinada a servir aos interesses desta. Seus milhões de adeptos, em todos os países do globo, são instruídos a se manterem sob obrigação de obedecer ao papa. Qualquer que seja a sua nacionalidade ou governo, devem considerar a autoridade da igreja acima de qualquer outra autoridade. Ainda que façam juramento prometendo lealdade ao Estado, por trás disto, todavia, jaz o voto de obediência a Roma, absolvendo-se de toda obrigação contrária aos interesses dela. (Objetivos do Papado, em O Conflito dos Séculos, de Ellen G. White, Santo André, Casa Publicadora Brasileira)”.

“A história testifica de seus esforços, astutos e persistentes, no sentido de insinuar-se nos negócios das nações; e, havendo conseguido pé firme, nada mais faz que favorecer seus próprios interesses, mesmo com a ruína de príncipes e povo. No ano 1204, o papa Inocêncio III arrancou de Pedro II, rei de Aragão, o seguinte e extraordinário juramento: “Eu, Pedro, rei dos aragoneses, declaro e prometo ser sempre fiel e obediente a meu senhor, o papa Inocêncio, a seus sucessores católicos, e à Igreja Romana, e fielmente preservar meu reino em sua obediência, defendendo a fé católica, e perseguindo a corrupção herética.” – História do Romanismo, de Dowling. Isto está em harmonia com as pretensões relativas ao poder do pontífice romano, de que “lhe é lícito depor imperadores”, e de que “pode absolver os súditos, de sua fidelidade para com os governantes ímpios”. – História Eclesiástica, de Mosheim. [Ver: Ditames de Hildebrando (Gregório VII). – Ver Baronius, Annales Ecclesiastici, ano 1076 (ed. de Antuérpia, 1608, volXI, pág. 479).”

E, convém lembrar, Roma jacta-se de que nunca muda. Os princípios de Gregório VII e Inocêncio III ainda são os princípios da Igreja Católica Romana. E tivesse ela tão somente o poder, pó-los-ia em prática com tanto vigor agora como nos séculos passados. ....”

49. O desaparecimento dos documentos de expulsão de Caxias da Instituição religiosa a que pertencia, estão associadas as seguintes citações da mesma autora:

“......Antigos escritos foram forjados pelos monges. Decretos de Concílios de que antes nada se ouvira foram descobertos, estabelecendo a supremacia universal do papa desde os primeiros tempos. E a Igreja que rejeitara a verdade, avidamente aceitou estes enganos”.[6]

“Fraudes e falsificações para promover o poderio e prosperidade da igreja têm sido em todos os séculos consideradas lícitas pela hierarquia papal.”

50. No que respeita a falta de humildade da Igreja que se apresenta como infalível, intitula o papa de Deus, o juramento de subordinação, o combate à liberdade de consciência e o termo ‘pestilento’ usado contra Caxias, esclarece a autora: [Negritos são deste autor]

“Uma das principais doutrinas do romanismo é que o papa é a cabeça visível da igreja universal de Cristo, investido de autoridade suprema sobre os bispos e pastores em toda as partes do mundo. Mais do que isto, tem-se dado ao papa os próprios títulos da Divindade. Tem sido intitulado: Senhor Deus, o Papa, e foi declarado infalível. Exige ele a homenagem de todos os homens”. [7]

 “Maior ainda se tornou à presunção papal quando, no século XI, o papa Gregório VII proclamou a perfeição da Igreja Romana. Entre as proposições por ele apresentadas uma havia declarado que a igreja nunca tinha errado, nem jamais erraria, segundo as Escrituras. Mas as provas escriturísticas não acompanhavam a asserção. O altivo pontífice também pretendia o poder de depor imperadores; e declarou que sentença alguma que pronunciasse poderia ser revogada por quem quer que fosse, mas era prerrogativa sua revogar as decisões de todos os outros.”

“...A pretensão de infalibilidade sustentada há oitocentos anos por esse altivo poder, longe de ser abandonada, firmou-se esta pretensão no século dezenove de modo mais positivo que nunca dantes. Visto como Roma assevera que a igreja “nunca errou; nem, segundo as Escrituras, errará jamais” (História Eclesiástica de Mosheim), como poderá ela renunciar aos princípios que lhe nortearam a conduta nas eras passadas?”

“A igreja papal nunca abandonará a sua pretensão à infalibilidade. Tudo que tem feito em perseguição dos que lhe rejeitam os dogmas, ela considera estar direito; e não repetiria os mesmos atos si a oportunidade se lhe apresentasse? Removam-se as restrições ora impostas pelos governos seculares, reintegre-se Roma ao poderio anterior, e de pronto ressurgirá a tirania e perseguição.”

“A Constituição dos Estados Unidos garante liberdade de consciência. Nada se preza mais ou é de maior transcendência. O papa Pio IX, na encíclica de 15 de agosto de 1854, disse: ‘As doutrinas ou extravagâncias absurdas e errôneas em defesa da liberdade de consciência, são erro dos mais perniciosos – uma peste que, dentre todas as outras, mais deve ser temida no Estado.’  O mesmo papa, na encíclica de 8 de dezembro de 1864, anatematizou ‘os que defendem a liberdade de consciência e de culto’ e também ‘todos os que afirmam que a igreja não pode empregar a força’.”

“O tom pacífico usado por Roma nos Estados Unidos não implica mudança de coração. É tolerante onde é impotente. Diz o bispo O’Connor: ‘A liberdade religiosa é meramente suportada até que o contrário possa ser levado a efeito sem perigo para o mundo católico’. .... O arcebispo de São Luiz disse certa vez: ‘A heresia e a incredulidade são crimes; e em países cristãos como a Itália e a Espanha, por exemplo, onde todo o povo é católico, e onde a religião católica é parte essencial da lei da nação, são elas punidas como os outros crimes’.”...

“Todo cardeal, arcebispo e bispo da Igreja Católica, presta para o papa um juramento de fidelidade em que ocorrem as seguintes palavras: ‘Combaterei os hereges, cismáticos e rebeldes ao dito senhor nosso (o papa), ou seus sucessores, e persegui-los-ei com todo o meu poder’. – Our Country, do dr. Josias Strong.”

51. A “questão religiosa”, portanto, ficou associada às incompreensões, ingratidões e desventuras sofridas por Caxias em sua velhice. A maioria de seus biógrafos se ressentiu de mencionar a condição de maçom de Caxias. Optaram pela omissão pelas razões anteriormente expostas, ou para contornar uma verdade, que requer uma explicação lógica e racional, o que desagrada aos malfazejos encobridores. Os possíveis desabafos de Caxias relativos a essa questão, se ocorreram, foram-no nos círculos mais íntimos de seus amigos e familiares: não vieram a público. Cristo foi vítima do sectarismo dos fariseus que eram seus inimigos e Caxias com maior gravidade foi vítima da Igreja a que serviu com toda lealdade. Ambos algozes atiraram a primeira pedra e ficaram sozinhos, isolados, padecendo o desconforto de assistirem as honras cumuladas a suas vítimas: sofrimento próprio dos contaminados pela pestilência sectária. Caxias sempre fez por merecer o prestígio alcançado. Foram conseqüências naturais da liderança, generosidade, educação e das virtudes que testemunhos de diversas épocas o atestam. Eis algumas referências ao Duque de Caxias: (Duque de Caxias, de Virgílio Pereira da Silva Costa, Editora Três, 1 974.)

·         “... Não sei o que a Providência reserva nos campos do Paraguai ao feliz soldado, bafejado pela vitória. Tenho a fé robusta de seu alto senso e perspicácia militar: creio que as trepidações propícias de sua estrela não se apagarão nas margens do Paraná. Enfim recolho-me, como o Brasil inteiro, na profunda esperança de saudar breve o tríplice vencedor das campanhas do Sul”. (José de Alencar, em O Marquês de Caxias, 1867.)

·         “Acresce uma circunstância que tenho dito muitas vezes e peço licença ao senador para repetir: o nobre marques de Caxias, por sua longa vida militar, por sua elevada posição social e, sobretudo por suas maneiras, possui o dom de cativar a vontade dos militares: onde ele domina desaparece a intriga entre os chefes”.(Zacarias de Góis, discurso no Senado, de 23 de junho de 1868)

·         “Pouco a pouco a história do Império amiúda páginas com seu nome até chegar a ponto de escrever com seus feitos as mais grandiosas datas e colocar sua honra como nação dependente do tino, estratégia e valor militar de seu general”. (Eudoro Berlink, em Apontamentos Para a História Militar do Duque de Caxias, 1877.)

·         “Os conservadores, por seu lado, orgulharam-se – e com razão – da sombra protetora que sobre eles derramava o totem da sua tribo: Caxias”. (Oliveira Viana, em A Queda do Império.)

·         “Um dos mais belos exemplos que legou à posteridade e que deveria ser sempre seguido por aqueles que são encarregados de extinguir as lutas africanas, é o cuidado de evitar o sangue de irmãos, o anelo constante de procurar meios de congraçamento, de modo que ao terminar uma luta intestina não restarem vencidos nem vencedores”. (Ernesto Sena, Rascunhos e Perfis.)

·         “Para nós, soldados do seu exército, o marques de Caxias não era um homem como os outros. Tal prestígio envolvia-o que ninguém podia vê-lo senão através de uma auréola de glória. Quem não acreditava na sua onipotência? Quando passava no seu uniforme de marechal do Exército, ereto e elegante, apesar da idade, todos nós perfilávamos reverentes e cheios de fé. Não era somente o respeito devido à sua alta posição hierárquica; havia mais a veneração religiosa e a admiração sem limites. Poderia fazer dos seus soldados o que quisesse – desde um herói até um mártir”. (Dionísio Cerqueira – Reminiscências da Campanha do Paraguai.)

·         “... nenhum brasileiro pode aspirar o mais alto nome entre os servidores da pátria”. “Estou persuadido que do luto que se apodera, hoje, de todos os membros desta Casa, não participa, somente, o partido em que o ilustre duque ocupou lugar proeminente, mas, sem dúvida, todos os partidos do Império (Apoiados gerais). Nos tristes dias de lutas fratricidas, foi ele sempre tão benévolo para com os adversários, como generoso para com os vencidos”.  (Senador Manuel Francisco Correia, na sessão em que se soube da morte de Caxias.)

·         “Sessenta anos de luta, sessenta anos de esforços norteados todos por um ideal, o ideal supremo da independência, da integridade, da unidade nacional. Inteligência certa e clara do problema, vontade honesta e enérgica em ação para o solver, eis o que ele no céu, hoje nublado, das aspirações do desavisado Brasil, é – duca, maestro e signore...” (Silvio Romero, em O Duque de Caxias e Integridade Nacional.)

·         “Ninguém o excedeu em patriotismo e abnegação, quando seu dever o chamava ao posto que lhe era destinado”. ( Deputado Souza Andrade, sessão da Câmara, do mesmo dia, 8 de maio de 1880.)

·         “Fora do serviço e nas relações com os seus ajudantes de ordens e de campo, no seu círculo mais chegado, era Caxias muito meigo, condescendente e jovial”. (Alfredo d’Escragnolle Taunay, visconde de Taunay, Memórias.)

·         “Dispensou as honras militares. Fez bem! As armas que ele tantas vezes havia conduzido à vitória teriam tido pejo talvez de não terem podido liberta-lo da morte”. (Capistrano de Abreu.)

·         “Soldado que amou a ordem, respeitou a lei, pacificou províncias, anistiou vencidos, venceu ditadores, acabou a ‘questão religiosa’ e, nunca rebelde, mesmo nas eras de tempestade coletiva, manteve a unidade nacional...”. (Odylo Costa Filho, na Enciclopédia Verbo.)

52. Até aqui foram expostos, de modo genéricos múltiplos aspectos de um homem verdadeiro que, em nossos dias, cada vez mais parece à figura idealizada de um herói mitológico. No entanto, Caxias foi um homem real que se destacou e ficou conhecido como um homem de ação. Sobressaiu-se em todas ocupações nas quais exerceu alguma atividade. Não só ocupou as mais altas posições como militar, estadista, administrador e maçom, como também fez parte de inúmeras sociedades culturais. Embora o objetivo deste trabalho seja laudatório ao homem Caxias e não as letras por ele produzidas, teria ele, também, a par de tantas virtudes, alguma inclinação para as Letras para que melhor justificasse sua escolha como “Patrono Vitalício” da cadeira número seis da AMLERS?

53. Inicialmente, referindo-se as letras, cabe como curiosidade notar que o modo de agir de Caxias foi até mesmo responsável pela introdução no dicionário de um substantivo e um adjetivo de dois gêneros e números, ou seja: caxias. “É o que se diz de, ou pessoa extremamente escrupulosa no cumprimento de suas obrigações. Idem de, ou pessoa que, no exercício de sua função, exige dos subordinados o máximo rendimento no trabalho e extremado respeito às leis e aos regulamentos”. Como se vê, a personalidade de Caxias através da ação, do exemplo, contagiou o vocabulário do povo brasileiro e conseqüentemente o dicionário de nossa língua. Somente para exemplificar: “alguém duvida que este Brasil seria muito melhor se na atualidade estadistas se é que houve algum, políticos, militares, maçons, empresários e trabalhadores fossem caxias?”. (Aurélio, Terceira edição)

54. Em segundo lugar, Caxias foi admitido no Instituto Literário Luisense, como Sócio Honorário, em 1 877. Houve, portanto o precedente para o reconhecimento de Caxias como um bom comunicador ou com pendor literário, o que demonstra suas incursões no domínio das letras. Se assim não fosse, não teria ele chegado legalmente ao topo, galgando todos os degraus por onde passou. Ele nunca precisou, para isso, de se insurgir contra a lei, fechar o congresso, amordaçar a imprensa; como também, nunca foi rebelde, revolucionário, torturador, puxa-saco, dedo-duro, carreirista, golpista ou ditador para ocupar um lugar ainda que indigno na História.  Não foram poucas as vezes em que Caxias no Senado se revelou orador empolgante e irrespondível. Não raro, satírico, quando achava conveniente. Suas proclamações como militar durante suas campanhas não foram obras de ficção: além de oportunas foram dotadas de concisão e de energia própria dos grandes comunicadores. Suas Ordens do Dia, cartas e correspondências oficiais confirmam essas assertivas e podem ser encontradas nas inúmeras transcrições em suas biografias. Concorre para isso a surpreendente descoberta sobre Caxias, o militar austero, também poeta. Uma vez que o orador se faz e o poeta nasce, a sensibilidade de Caxias foi além do cultivo das boas letras e atingiu o patamar dos privilegiados pelo talento. No álbum de recordações de uma jovem adolescente uruguaia de nome Paulita, em cujas folhas se encontram autógrafos de diversas personalidades da época, consta uma poesia redigida de próprio punho por Caxias, o seu autor, inspirada na jovem e que se encontra transcrita na íntegra pelo seu biografo Affonso de Carvalho. Com essas referências adicionais, pode-se considerar que o seu nome está plenamente justificado para ser lembrado como Patrono Vitalício da cadeira de número seis da AMLERS. 

C. CONCLUSÃO

Para concluir, basta considerar que sendo o objetivo deste trabalho avaliar o nome do Duque de Caxias como Patrono Vitalício da cadeira número seis da AMLERS, é o momento de se perguntar: o que foi apresentado sobre o homem, o maçom, o militar, o pacificador, o estadista é, ou não é, suficiente para justificar seu nome como Patrono Vitalício? No entendimento do autor destas linhas, nada melhor do que se reportar ao Visconde de Taunay mais uma vez:

“Não há pompas de linguagem, não há arroubos de eloqüência capazes de fazer maior essa individualidade, cujo principal atributo foi à simplicidade na grandeza”.

Com essa idéia em mente surge uma resposta: justificar o nome do Duque de Caxias como Patrono Vitalício de uma das cadeiras da AMLERS, sendo ele um símbolo da nacionalidade brasileira é uma tarefa praticamente desnecessária em face de sua grandiosa biografia; homenageá-lo de forma laudatória, por outro lado, mais parece uma pretensão bem intencionada do que viável, pois a simples eleição de seu nome traz  um honroso retorno para a AMLERS muito maior do que esta pode proporcionar ao ilustre homenageado. Por tudo que foi exposto, o autor da proposta é de parecer que o nome do Duque de Caxias é honrado, limpo e puro.

 

BIBLIOGRAFIA

  1. Caxias, de Affonso de Carvalho, Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército – Editora, 1976.
  2. Dicionário de Filosofia, de Walter Brugger, São Paulo, Editora Pedagógica e Universitária LTDA., 1987.
  3. Duque de Caxias, Sua vida na Maçonaria, de Kurt Prober. Rio de Janeiro, Academia Maçônica de Letras do Rio de Janeiro, 1972.
  4. Duque de Caxias, de Virgílio Pereira da Silva Costa, Editora Três, 1974.
  5. Maçonaria e Igreja: conciliáveis ou inconciliáveis?, de Jesus Hortal, S.J., São Paulo, Estudos da CNBB 66, Paulus, 1993.
  6. O Conflito dos Séculos, de Ellen G. White, Santo André, Casa Publicadora Brasileira.
  7. O Manual dos Inquisidores, de frei Nicolau Emérico (1320-1399), Lisboa, Edições Afrodite – Fernando Ribeiro de Mello, 1972.
  8. Os Maçons e a Questão Religiosa, de José Castellani. Londrina, Editora Maçônica “A Trolha” Ltda., 1996.

[1] A recente história do Brasil registrou fatos semelhantes quando, em plena ditadura militar, com freqüência, emitiam-se informes irreais ou se rotulava qualquer um de subversivo ou comunista sem medir as conseqüências imediatas ou futuras. Foi o que demonstrou muitas fichas do extinto SNI divulgadas pela imprensa, após o restabelecimento da democracia, o que chocou a opinião pública pelas evidentes inverdades nelas contidas e pelo baixo nível de seus manipuladores. Do mesmo modo tem acontecido, sempre que a reação da mídia se manifesta, quando notórios torturadores do regime militar são premiados com promoções ou designados para cargos ou comissões que requerem honradez, normalmente por eles ou seus aliados interpretado como revanchismo. 

[2] Pela descrição, nenhum dos presidentes do período de ditadura militar obteve tamanha consagração em seus funerais.

[3] O jesuíta fez uso de alguns trechos de um ritual praticado por um dos ritos da Maçonaria, o Rito Escocês Antigo e Aceito, que foi esboçado em 1758 e dado por concluído na sua atual feição em 1801. No entanto, antes da existência do dito ritual, o papa Clemente XII, em 28 de abril de 1738, através da encíclica “In eminenti” já havia condenado a Maçonaria por outro motivo, ou seja, por razões eminentemente de Estado ou  política e estabelecia a pena de excomunhão para os Maçons. Apesar de, em última instância, estar o teólogo sugerindo a mudança no mencionado ritual para se conformar aos limites estabelecidos pela Igreja, tal pretensão é absurda porque este não é o único rito existente e o motivo real da suposta incompatibilidade de princípios doutrinários, por ele encoberta, não está nos rituais da Maçonaria e sim nos sonhos acalentados pela sede de poder da Igreja Católica. Enquanto a causa real for encoberta, pretextos como o apresentado, desta vez, pode ser renovado pela Igreja indefinidamente: rituais, conceito do princípio criador, etc. Contudo, os tempos são outros, não mais se vive em um mundo onde até a realeza era assustada e analfabeta. A Idade Média, de triste lembrança, já passou. Agora, quando as trevas surgem de um lado, a luz aparece ou se intensifica de outro. Para isso, existe Maçonaria: suscitar a luz, a pedra no sapato da ala reacionária da Igreja e de toda tirania.

[4] Meios escusos: eis um exemplo de outro feitio. “Capítulo V - Sobre a tortura – Tortura-se o acusado, com o fim de o fazer confessar os seus crimes. Eis as regras que devem ser seguidas para poder ordenar-se a tortura. Manda-se para a tortura: 1.......2. Aquele que, tendo tido reputação de herege, e estando já provada a difamação, tenha contra si uma testemunha (mesmo que seja a única) a afirmar que o viu dizer ou fazer algo contra a fé; ......” (O Manual dos Inquisidores, de frei Nicolau Emérico (1320-1399), Lisboa, Edições Afrodite – Fernando Ribeiro de Mello, 1972).

[5] Dito de outra forma, na linguagem da filosofia escolástica, o objeto é tudo aquilo a que se dirige o ato consciente de um sujeito, de um saber ou até de uma Instituição que representa um conjunto de sujeitos. O objeto material é o ente concreto a que se dirige o sujeito, e o objeto formal, a característica peculiar, o aspecto especial (“forma”) que neste todo se considera, ou sob a qual este todo é considerado. Assim o homem é o objeto material tanto da Igreja como da Maçonaria, porém, enquanto o objeto formal da Maçonaria é a fraternidade, ou seja, a ligação do homem com o homem, o objeto formal da Religião é a ligação do homem com Deus. Religião é um termo proveniente do latim religione de re-ligare, isto é, ligar novamente. “Do ponto de vista do ser, todas as coisas procedem de Deus e para Ele tendem.”. Nada impede que num mesmo homem real possa conviver esses dois aspectos, católico e maçônico. Impossível um teólogo ignorar tais trivialidades. (Dicionário de Filosofia, de Walter Brugger, São Paulo, Editora Pedagógica e Universitária LTDA, 1987.)

[6] Escritos Forjados. – “Entre os documentos que no presente se admitem geralmente como falsificações, a Doação de Constantino e as Decretais Pseudo-isidorianas são de primeira importância....”

[7] Títulos. – “Em uma passagem que faz parte da lei canônica romana, o papa Inocêncio III declara que o pontífice romano é “o representante sobre a terra, não de um mero homem, senão do próprio Deus”; e em uma interpretação da passagem se explica que isto é porque ele é o vigário de Cristo, que é o ‘mesmo Deus e o mesmo homem’. (Ver Decretal. D. Gregor. Pap.IX. lib. 1. de translat. Epis. tit. 7 e. 3. Corp. Jur. Canon. ed. Paris, 1612; tom. II. Decretal. col. 205.). em relação ao título – “Senhor Deus o Papa”, ver uma interpretação na Extravagantes do papa João XXII, título 14, cap. 4, “Declaramus”. Em uma edição de Antuérpia das Extravagantes datada de 1584, as palavras “Dominum Deum nostrum Papam” (Nosso Senhor Deus o Papa) ocorre na coluna 153. Em uma edição de Paris, datada de 1612, ocorrem na coluna 140. Em várias edições publicadas desde 1612, a palavra “Deum” (Deus) foi omitida.”

 

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