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"Alergias por Fungos" Duvidosas

Stephen Barrett, M.D.

Candida albicans (algumas vezes chamada de monília) é um fungo normalmente presente na pele e na boca, trato intestinal e vagina. Sob certas condições, pode se multiplicar e infectar a superfície da pele ou de mucosas. Tais infecções normalmente tem pouca gravidade, mas podem ocorrer infecções graves e mais profundas, especialmente em pacientes cuja resistência foi enfraquecida por drogas imunossupressoras ou por doenças graves como a AIDS. Entretanto, alguns profissionais alegam que mesmo quando há ausência de sinais clínicos de infecção, problemas relacionados com os fungos podem causar ou disparar sintomas múltiplos como fadiga, irritabilidade, constipação, diarréia, intumescimento abdominal, mudanças de humor, depressão, ansiedade, tonturas, ganho de peso inesperado, dificuldade para se concentrar, dores musculares e articulares, um grande desejo por açúcar ou por bebidas alcoólicas, psoríase, urticária, problemas respiratórios e nos ouvidos, problemas menstruais, infertilidade, impotência, infecções urinárias, prostatite e "um sentimento de mal-estar geral". A lista de sintomas é similar aquela da sensibilidade química múltipla (SQM).

De acordo com seus promotores -- alguns dos quais praticam a "ecologia clínica" -- um em cada três americanos sofrem de doenças relacionadas com fungos, as quais eles referem como candidíase crônica, hipersensibilidade a cândida, complexo relacionado a cândida, a síndrome da levedura, alergia por fungos, supercrescimento de fungos ou simplesmente "Cândida" ou "problema de fungos". Muitos ecologistas clínicos vêem este alegado problema como uma causa de base na SQM. Também é aventado como um fator importante na AIDS, artrite reumatóide, esclerose múltipla e esquizofrenia, bem como  "hipoglicemia," "toxicidade pelo amálgama de mercúrio" e pelo menos outros vinte problemas. Nos últimos anos, os proponentes tem sugerido que a síndrome da fadiga crônica e as infecções por cândida estão intimamente relacionadas [1]. Este artigo usa o termo "hipersensibilidade por cândida" entre parênteses para indicar que nem a infecção tampouco a alergia real estão presentes. 

Os principais promotores da "hipersensibilidade por cândida" tem sido C. Orian Truss, M.D., de Birmingham, Alabama e William G. Crook, M.D., de Jackson, Tennessee. Truss espalhou seus conceitos com uma série de artigos que começaram em 1978 no Journal of Orthomolecular Psychiatry, uma publicação excêntrica que é entregue aos médicos que prescrevem grandes quantidades de vitaminas aos pacientes com distúrbios emocionais. Em 1982, ele mesmo publicou um livro chamado The Missing Diagnosis. [2].

Crook declara que começou a tratar e a comunicar sobre problemas com fungos em 1979 após ler um dos artigos de Truss. Em 1983, ele publicou a primeira edição de seu livro The Yeast Connection [3], no qual ele diz ter sido inspirado por uma apresentação sua na televisão que obteve 7.300 pedidos por maiores informações. Dois anos mais tarde, ele estabeleceu a International Health Foundation para ajudar a responder os pedidos que ele continuou a gerar. Os objetivos da fundação eram "trabalhar para obter credibilidade na relação da Candida albicans com grupos diversos de desordens de saúde" e "ajudar as crianças com infecções repetidas de ouvido, hiperatividade, déficits de atenção e problemas ligados ao comportamento e a aprendizagem." (Ele também patrocina diversas teorias não convencionais sobre alergias que estão na raiz destes problemas.) Durante o início da década de 90, um livreto descrevendo estes objetivos listava Tipper Gore como membro da comissão de 33 pessoas de conselheiros da fundação [4]. Em 1998, Truss e Crook fundaram uma organização chamada Candida and Dysbiosis Information Foundation.

The Yeast Connection declara: "Se um check-up cuidadoso não revelar a causa de seus sintomas, e sua história médica [como descrita no livro] é típica, é possível ou mesmo provável que seus problemas de saúde estejam relacionados com fungos." O livro também declara que exames como culturas não ajudam muito no diagnóstico porque "Os germens cândida habitam o corpo de todas as pessoas . . . Deste modo suspeita-se do diagnóstico pela história do paciente, confirmado-o por sua resposta ao tratamento."

Crook alega que os problemas surgem porque "os antibióticos matam os 'germens amigos' ao mesmo tempo que estão matando os inimigos, e quando os germens amigos são nocauteados, os fungos se multiplicam. Dietas ricas em carboidratos e fermentos, pílulas anticoncepcionais, cortisona e outras drogas podem também estimular o crescimento dos fungos." Ele também alega que os fungos produzem toxinas que enfraquecem o sistema imunológico, que também é afetado adversamente por deficiências nutricionais, consumo de açúcar e exposição aos bolores e substâncias químicas do ambiente. Para corrigir estes alegados problemas, ele prescreve extratos alergênicos, fungicidas, suplementos de vitaminas e de minerais, e dietas que evitam carboidratos refinados, alimentos processados e (inicialmente) frutas e leite. 

Os conceitos de Crook são um mistura de fatos e fantasias. É correto que os antibióticos, pílulas anticoncepcionais e algumas outras drogas podem estimular o supercrescimento de fungos, mais comumente na vagina. Entretanto:

Críticas Severas

A American Academy of Allergy, Asthma and Immunology tem criticado duramente o conceito de "síndrome da hipersensibilidade por cândida" e as abordagens diagnósticas e terapêuticas que seus proponentes usam. A declaração da posição do AAAI conclui: (1) o conceito de hipersensibilidade por cândida é especulativo e não comprovado; (2) seus elementos básicos seriam aplicados para quase todos os pacientes em alguma época porque seus supostos sintomas são essencialmente universais; (3) o uso exagerado de agentes antifúngicos orais pode levar ao desenvolvimento de germens resistentes que pode ameaçar os outros; (4) efeitos adversos dos agentes antifúngicos orais são raros, mas alguns inevitavelmente ocorrerão, e (5) nem os pacientes tampouco os médicos podem determinar a eficácia (descartando coincidências) sem ensaios controlados. Devido aos sintomas alérgicos poderem ser influenciados por muitos fatores, inclusive as emoções, os experimentos devem ser planejados para separar os efeitos do procedimento que está sendo testado dos efeitos de outros fatores [5]. Vários anos atrás, Crook contou-me que ele não tinha nenhuma intenção em conduzir um teste controlado porque ele era "um clínico, não um pesquisador."

As drogas antifúngicas mais freqüentemente prescritas pelos proponentes da "hipersensibilidade por cândida" é a nistatina (Micostatin, Nilstat), que raramente tem efeitos colaterais significativos. Entretanto, eles também prescrevem o cetoconazol (Nizoral), que tem um incidência de toxicidade hepática (hepatite) de cerca de 1 em 10.000. A lesão hepática normalmente reverte quando o uso da droga é suspensa, mas o cetoconazol tem sido responsável por muitas mortes. Por esta razão, deveria ser prescrito somente para infecções graves. Ambas as drogas são caras [6]. Em um ensaio duplo cego, a droga antifúngica nistatina não foi superior ao placebo para aliviar sintomas sistêmicos ou psicológicos da "síndrome da hipersensibilidade por cândida." [7] Um estudo com 100 pacientes de fadiga crônica consecutivos não encontrou nenhuma diferença nos achados de história, exames físicos ou laboratoriais entre aqueles que acreditavam que seus problemas estavam relacionados com fungos e entre aqueles que não [8].

Problemas Relatados 

Em 1986, dois médicos da Loyola University Stritch School of Medicine relataram ter atendido quatro jovens mulheres cujas queixas inespecíficas incluíam fadiga crônica, ansiedade e depressão. As quatro foram erroneamente levadas a acreditar que tinham candidíase disseminada e estavam usando nistatina ou cetoconazol, que tinha sido prescritos por seus médicos da família. Todas tinham lido The Yeast Connection e tinham levado o livro para o consultório durante suas visitas. Uma paciente que estava usando cetoconazol tinha hepatite, que se resolveu quando a droga foi suspensa [9].

Ainda pior foi o relato de um caso em que uma criança com uma grave candidíase disseminada que tinha sido consultada por um "médico da cândida" e recebido tratamento inadequado. O relato concluiu que "o conselho dos defensores da conexão fungo pode ser inapropriado mesmo para doenças nas quais a cândida está implicada." [10]

Talvez o relato mais triste foi uma carta em uma revista de alimentos-saudáveis de uma mulher apelando por ajuda e incentivo. Dizia que um ecologista clínico a tinha tratado por alergias e cândida por quatro anos, que os testes iniciais mostraram que ela "era alérgica a todos os alimentos" bem como a numerosas substâncias químicas e inalantes, e que até aquela época nada havia ajudado. 

Questionários Diagnósticos Dúbios 

The Yeast Connection contem um "questionário para cândida" com 70 ou 90 itens e uma tabela com pontos para determinar quão freqüente os problemas de saúde estão conectados aos fungos. Crook tem comercializado diversas versões para médicos que aceitam suas teorias. O documento declara, "se você alcançar uma pontuação superior a 180, a cândida quase certamente desempenha um papel na causa de seus problemas de saúde." Pontuações acima de 120 significa que "a cândida provavelmente desempenha um papel," 60 a 120 significa "possivelmente desempenha um papel," e pontuações abaixo de 60 significa que está "menos apta" a desempenhar um papel significativo.

Questionários menores tem aparecido em artigos de revista, anúncios de produtos vendidos através de lojas de alimentos-saudáveis e folhetos usados por quiropráticos. O mais notório foi utilizado como mecanismo de marketing pela Nature's Way, de Springville Utah, cujo produto Cantrol, era uma mistura de cápsulas contendo acidófilos, óleo de onagra, vitamina E, óleo de linhaça, ácido caprílico, pau d'arco e várias outras substâncias.

Sob a lei federal dos EUA, qualquer produto usado com intenção de prevenção ou tratamento de doenças é uma droga, e é ilegal vender drogas novas que não tenham a aprovação do FDA. Em 1989, o Departamento de Fraude na Saúde do FDA publicou instruções e uma amostra de carta reguladora indicando que era ilegal vender produtos de vitaminas com a intenção de tratar infecções por fungos. Em 1990, a Nature's Way e seu presidente, Kenneth Murdock, colocarão fim a uma queixa do FTC [Federal Trade Commission] através da assinatura de um acordo em que deveriam parar de fazer alegações não substanciadas que o Cantrol é útil contra infecções fungícas causadas por Candida albicans.

Nature's Way promoveu o Cantrol com várias versões de um auto-teste -- uma dos quais está na figura abaixo -- baseado em sintomas comuns o fabricante alegava que estavam associados com problemas por fungos. O FTC acusou que o teste não era válido para este propósito. A companhia também concordou em pagar 30 mil dólares para o National Institutes of Health para apoiar pesquisas sobre infecções fungícas.

1-Você se sente cansado a maior parte do tempo ou tem dores musculares com atividades normais; 2-Você sofre de desconforto intestinal:empachamento, constipação e/ou diarréia; 3-Você não consegure ficar sem açúcar, pães, cervejas ou outras bebidas alcóolicas; 4-Você sofre de mudanças de humor, irritabilidade, ansiedade ou depressão; 5-Você já teve tonturas, delírios ou dificuldade para se concentrar ou para pensar claramente; 6-Você já usou antibióticos, anticoncepcionais ou corticóides.

Este questionário fazia parte de uma demonstração em uma loja de alimentos-saudáveis da Nature's Way distribuído em 1986. 
Quantas pessoas você conhece que não responderiam "sim" para ao menos três destas perguntas?

Esta ação e diversas outras tem conduzido a maioria dos preparados "anti-cândida" para fora do mercado e interrompido sua promoção direta ao público. Entretanto, os ingredientes destes produtos ainda são vendidos individualmente como "suplementos alimentares" e os profissionais ainda os prescrevem para seus pacientes. 

Em 1990, o Procurador Geral do Estado da Nova Jersey conseguiu acordos impedindo Linda Choi, M.D., e Pruyakant Doshi, M.D., de diagnosticar e tratar "síndrome de supercrescimento da Candida albincas." Ambos foram taxados em 3 mil dólares pelos custos de investigação e tiveram suas licenças médicas suspensas por um ano. Entre outras coisas, a investigação do comitê médico estadual concluiu que "o supercrescimento da Candida albicans' não foi em geral reconhecido como uma entidade clínica e não foi estabelecido como a causa das condições que os médicos trataram. Acredito que os profissionais que diagnosticam "problemas com fungos" inexistentes deveriam ter suas licenças revogadas. Alguns aplicam este diagnóstico para quase todos pacientes que consultam. 

Referências

1. Yeast-related illness: three interviews. The Human Ecologist, Winter 1992, pp. 9­11.
2. Truss CO. The Missing Diagnosis. Birmingham, The Missing Diagnosis, Inc., 1983.
3. Crook, WG. The Yeast Connection-A Medical Breakthrough. Jackson, Tenn., Professional Books, 1983, 1984, 1986.
4. Crook W. There Are Better Ways to Help These Children (booklet). Jackson, Tenn., International Health Foundation, undated, circa 1991.
5. Anderson JA and others. Position statement on candidiasis hypersensitivity. Journal of Allergy and Clinical Immunology 78:271­273, 1986.
6. Tabor E. Potential toxicity of ketoconazole. Journal of Infectious Disease 152:233, 1985.
7. Dismukes W and others. A randomized double-blind trial of nystatin therapy for the candidiasis hypersensitivity syndrome. New England Journal of Medicine 323:1717­1723, 1990.
8. Renfro L and othjers. Yeast connection among 100 patients with chronic fatigue. American Journal of Medicine 86:165-168, 1989.
9. Quinn JP et al. Ketoconazole and the yeast connection. JAMA 255:3250, 1986.
10. Haas A and others. The "Yeast Connection" meets chronic mucocutaneous candidiasis. New England Journal of Medicine 314:854­855, 1986.

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Este artigo foi revisto no site original em 14 de agosto de 1999.

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