AÇÃO DIRETA- II
 
por Voltairine Cleyre
 
Voltairine Cleyre (1866-1912), anarquista americana, escritora feminista, teorica e ativista durante a revolta de Haymarket,  foi quem em resposta ao Senador norte-americano Joseph R. de Hawley, que ofereceu mil dólares de recompensa ao anarquista que lhe desse um tiro, escreveu:  " ...já que faz tanta questão em pagar $1000, então depois que lhe der o tiro, usarei o dinheiro na propagação da idéia de uma sociedade livre na qual não haverá nem assassinos nem presidentes, nem mendigos nem senadores". 
 
 

Certos jornalistas de Los Angeles, por ocasião da condenação de McNamara, sismaram em colocar na cabeça das pessoas que Ação Direta significa, "atacar violentamente a vida e a propriedade". Esta atitude ignorante ou desonesta por parte desses profissionais provocou em muita gente a curiosidade em saber o que realmente significava Ação Direta. 

Qualquer um que sempre pensou por si próprio, que usou seu direito de livre expressão, e corajosamente reafirmou isto juntamente com outros que compartilham de suas convicções, foi um praticante da ação direta. Uns trinta anos atrás eu recordo que o Exército de Salvação era um vigoroso praticante da ação direta na manutenção da liberdade de seus sócios para falar, reunir e orar. Muitos foram presos, multados e encarcerados; mas eles continuaram exercendo o direito de cantar, orar e marchar, e de tal forma que seus perseguidores acabaram finalmente por deixá-los em paz. Os trabalhadores nas indústrias estão administrando a mesma luta agora, e tem, em vários casos, compelido os patrões a os deixar em paz pelas mesmas táticas diretas. 

Toda pessoa que planejou fazer qualquer coisa, e foi e fez, ou pôs o plano dele em execução antes de outros, e ganhou a cooperação de outras pessoas para fazer junto com ele, sem ir para autoridades ou para pedir licença ou para agradá-los, foi um praticante da ação direta. Todas as experiências de cooperação são essencialmente ação direta. 

Todo indivíduo que em sua vida teve uma diferença com qualquer outra pessoa, e diretamente procurou outras pessoas para envolvê-las, através de um plano pacífico ou não, colocou a ação direta em prática. Greves e boicotes são exemplos de tal ação; muitas pessoas ainda lembram da ação das donas de casa de Nova Iorque que boicotaram os açougueiros, o que acabou provocando a queda do preço da carne; ou do boicote à manteiga, como uma resposta direta aos fabricantes de manteiga. 

Estas ações geralmente não são levadas a efeito simplesmente por causa de argumentos de um ou de outro, ou em função de leis, mas é a resposta espontânea daqueles que estão oprimidos por uma situação. Em outras palavras, todas as pessoas acreditam, quase sempre, no princípio da ação direta e a pratica. Porém, a maioria das pessoas também é ativista indireto ou político. E eles são ao mesmo tempo ambas estas coisas. Há, todavia, um número limitado de pessoas que evitam a ação política sob quaisquer circunstâncias; mas não há ninguém, nenhuma pessoa, que jamais praticou alguma forma de ação direta. 

A maioria dos intelectuais tendem ao oportunismo e ao apoio, alguns mais à direita, outros mais à esquerda, mas sempre prontos para usar quaisquer meios quando chegar o momento. Quer dizer, há aqueles que crêem que colocar governantes no poder é essencialmente uma coisa errada e tola; mas que, diante da tensão de determinadas circunstâncias, passam a considerar isto como uma coisa sábia a fazer, e acabam votando em algum indivíduo naquele momento em particular. Há, também, aqueles que acreditam que, em geral, o modo mais sábio para as pessoas adquirirem o que querem está no método indireto da votação. Uma vez no poder os eleitos farão leis favoráveis; ainda que, mais adiante, no mesmo documento coloque uma greve ocasionalmente debaixo de condições excepcionais; e uma greve, como eu disse, é ação direta. Ou eles podem fazer como os agitadores do Partido Socialista (que estão declinando, nos últimos tempos, para uma postura contrária à ação direta) fizeram no verão passado, quando chamaram a polícia para dar segurança às suas reuniões. 

Quem são esses que, pela essência das suas convicções, são os praticantes da Ação Direta? Por que não adotam a não-resistência? Porque alguns não acreditam em não-violência? Agora, não cometa o engano de confundir ação direta com não-resistência. A Ação direta pode ser o extremo da violência, ou tão calma quanto as suaves águas dos rios de planície. O que quero dizer é que a real não-resistência ocorre sempre pela ação direta, nunca pela ação política. Para a base de ação toda política é coerção; até mesmo quando o Estado faz coisas boas o faz atraves do exercício do poder, e isto se aplica também a um clube, uma arma, ou uma prisão. 

Logo após a chegada dos Quakers em Massachusetts, os Puritanos os acusaram  de "aborrecer todo mundo com suas orações". Eles não aceitavam jurar submissão a qualquer governo e nem admitiam que a igreja pagasse impostos. (Fazendo essas coisas eles eram praticantes da ação direta, coisa que poderíamos chamar de ação direta negativa.) Assim, os Puritanos, sendo ativistas políticos, aprovavam leis para excluir, deportar, multar, encarcerar, mutilar, e finalmente, até mesmo para enforcar os Quakers. Todavia, os Quakers continuaram chegando (que era ação direta positiva); há registros da história que depois do enforcamento de quatro Quakers e de arrastarem Margaret Brewster presa ao para-choques de um carro pelas ruas de Boston, "os Puritanos desistiram de tentar silenciar os missionários; a persistência e não-resistência quacre acabou prevalecendo". 

Um outro exemplo de ação direta no começo da história colonial, naquele tempo de modo algum pacífica, era o movimento conhecido como a Rebelião do Toucinho. Nesse caso, apesar de ser um caso de ação direta violenta contra autoridades legalmente constituídas, todos nossos historiadores são unânimes em concordar com a ação dos rebeldes, e com razão. Para quem não conhece essa história, àquele tempo os plantadores de Virgínia estavam com medo de serem atacados pelos índios; e não era para menos. Ativistas políticos pediram a Toucinho, seu líder político, que solicitasse ao governador autorização para a formação de um grupo armado de voluntários para se defenderem. O governador temeu que um pelotão de homens armados fosse uma ameaça a ele e a seu governo; com razão. Ele recusou a autorização. Mesmo assim os plantadores tomaram a iniciativa. Sem a permissão formaram o grupo de voluntários e derrotaram os índios.  O governador declarou traidores tanto Toucinho como os que estavam com ele, todavia, teve medo de atacá-lo. No fim, porém, a coisa foi tão longe que os rebeldes acabaram por incendiar Jamestown; e se não fosse a morte intempestiva de Toucinho, muito mais poderia ter ocorrido. Claro que a reação foi terrível, como  normalmente ocorre quando uma rebelião se desmantela ou é esmagada. Todavia, apesar do breve período de sucesso, teve a qualidade de corrigir muitos abusos. Tenho certeza que os defensores da ação política, depois que a reação retomou o poder, devem ter dito: "Veja que males essa ação direta nos trouxe! Veja como o progresso da colônia atrasou em vinte e cinco anos"; esquecendo que se os colonos não tivessem recorrido à Ação Direta, os seus escalpos seriam de propriedade dos índios no ano anterior. 

Nos períodos de agitação e excitação que precedem às revoluções, há todo tipo de ação direta, da mais pacífica à mais violenta; quase todos estudantes acham, por conta destes desempenhos, que é exatamente aí que se situa o que há de mais interessante da história dos Estados Unidos e o que mais facilmente grava na memória. 

Entre os movimentos pacíficos, destaca-se os acordos de não-importação, as ligas das indústrias de tecidos e os "comitês de correspondência". A ação direta violenta acabou por se desenvolver em função do inevitável crescimento da hostilidade; exemplos cássicos foram o caso da destruição das rendas estampadas e a ação relativa aos navios carregados de chá, que quando não eram proibidos de descarregar, os descarregavam em armazens úmidos ou no chão do porto, como ocorria em Boston. Em Annapolis obrigavam os donos dos navios de chá a incendiarem suas própiras embarcações. Todas estas ações estão registradas em nossos livros escolares, nem de modo condenatório, nem de modo apologético, mas são todos casos de ação direta contra autoridades legalmente constituídas e contra a propriedade de bens. Menciono estes e outros casos semelhantes para provar que a ação direta sempre foi usada, e tem a sanção histórica dos mesmos que hoje a reprovam. 

Todo mundo sabe que George Washington foi o líder da liga de não-importação dos plantadores da Virgínia; em nossos dias, ele provavelmente seria julgado por um tribunal por formar tal liga e se ele persistisse, seria exemplarmente multado e punido. 

Quando a grande disputa entre o Norte e o Sul estava em ebulição, foi novamente a ação direta que precedeu e precipitou as ações políticas, que sem a ação direta nunca entrariam em cena ou nem sequer seriam contempladas. As mentes sonolentas são as primeiras a serem despertas pelos atos diretos de protesto contra as condições existentes. 

A história do movimento anti-escravidão e a guerra civil constituem os maiores paradoxos, embora a história por si só seja uma cadeia de paradoxos. 

Politicamente falando, os Estados mais autônomos e detentores de maior liberdade política eram justamente os que possuíam uma maior quantidade de propriedades escravocratas, enquanto que nos Estados onde existiam menos propriedades escravocratas havia uma tendência a um forte governo centralizado. Tanto que, secessionistas defendiam formas mais tirânicas de govêrno. O que acabou acontecendo. No fim da guerra civil houve uma concentração do poder federal em detrimento dos Estados. 

Éticamente  falando, os Estados não escravocratas defendiam maior liberdade humana, enquanto que os secessionistas defendiam a escravidão racial. De um modo geral, a maioria de nortistas não estavam acostumados à presença real da escravidão do negro. Os Abolicionistas embora relativamente poucos, eram eticamente genuínos, para eles, a escravidão em si - não a secessão ou a união - era a questão principal. 

Entre os que defenderam a abolição da escravidão, havia todo tipo de gente com todo tipo de temperamento. Havia Quakers como Whittier (adepto da "paz acima de tudo". Os Quakers eram favoráveis à abolição desde os tempos de colônia); havia ativistas políticos moderados que defendiam a compra de escravos como o modo mais barato de libertá-los; e havia pessoas extremamente violentas. 

A herança deixada pelos políticos foi um amontoado de "lenga-lenga", um registro de trinta anos de compromissos mal alinhavados, pechinchas, tentativas de manter o que era como sempre foi e dar calmantes a ambos os lados quando condições novas exigiam atitudes imediatas. O sistema estava demolindo por dentro, e o ativista direto contribuia para isso. 

Entre as várias expressões de rebelião direta estavam inúmeras organizações secretas. A maioria das pessoas que pertenceram a elas acreditava em ambos os tipos de ação. Meu avô era sócio de um grupo secreto; e foi através dele que ajudou a seu modo muitos escravos fugitivos a escapar para o Canadá. Ele era paciente, sempre comportou-se como um homem obediente à lei, entretanto acho que ele a respeitava porque tais leis nunca fizeram muita diferença em sua vida; como pioneiro, a lei geralmente estava longe dele, a ação direta era um imperativo. Do jeito que podia, respeitava a lei, todavia, no que se referia a leis de escravidão ele não possuia nenhum respeito por elas, não importa se as transgrediu por uma ou por dez vezes; ele escrupulosamente as ignorava. 

Havia tempos em que, na operação da organização "secreta", a violência era requerida, e era usada. Eu recordo uma velha amiga, como ela e a sua mãe ficaram de guarda toda a noite na porta, enquanto um escravo que um destacamento estava procurando escondeu-se no porão; apesar deles serem quakers propensos a condolências, havia um espingarda na mesa. Afortunadamente não teve que ser usada naquela noite. 

Quando a lei do escravo fugitivo foi votada com a ajuda dos ativistas políticos do Norte que quiseram oferecer um calmante novo aos proprietários de escravos, os ativistas diretos levaram a salvo os fugitivos recapturados. Havia o "salvamento de Shadrach", o "salvamento de Jerry", os resgates posteriores conduzidos pelo famoso Gerrit Smith, e um bom número de tentativas bem sucedidas e outras fracassadas. Enquanto os políticos continuavam divagando e tentando levar as coisas em banho-maria os Abolicionistas eram denunciados pelo pacificadores extremistas que defendiam a permanência da lei. 

O outro dia li um comunicado no Diário Socialista de Chicago redigido pelo secretário do Louisville, Partido Socialista local, dirigido ao secretário nacional, pedindo alguém para substituir Bohn que tinha sido determinado para falar lá. Explicando por que, o Sr. Dobbs faz esta observação a respeito de Bohn: "Se McNamara tivesse tido êxito defendendo os interesses da classe trabalhadora, ele teria tido razão, da mesma maneira que John Brown teria acertado se tivesse êxito livrando os escravos. Ignorância foi o único crime de John Brown, e ignorância foi o único crime de McNamara". 

E o Sr. Dobbs prossegue: "A tentativa para comparar a equivocada revolta de John Brown com os métodos secretos e assassinos de McNamara, além de superficial é altamente danosa". 

Evidentemente Mr.Dobbs conhece pouco da vida e do trabalho de John Brown. John Brown era um homem violento; ele teria desprezado qualquer pessoa que tentasse compeli-lo a agir de outra forma. Quando alguém adere à violência, ele só tem uma resposta em como lidar com os obstáculos. Isto só pode ser determinado por um conhecimento das condições e meios à disposição dele. John Brown era eficaz em seus métodos conspirativos. Aqueles que leram a autobiografia de Frederick Douglas e "Reminiscências" de Lucy Colman, recordarão que um dos planos desenvolvidos por John Brown era organizar uma cadeia de acampamentos armados nas montanhas de West Virginia, Carolina do Norte, e Tennessee. Enviar emissários secretos entre os escravos para os incitar a fugir para estes acampamentos e aguardar o momento adequado para induzir e despertar revolta entre o negros. Este plano falhou, mais que qualquer outra coisa, devido à fraqueza do desejo por liberdade entre os escravos. 

Mais tarde, quando os políticos em seus infinitos lengas-lengas inventaram uma proposição de "como não fazer as coisas", conhecido como o Ato de Kansas-Nebraska, deixaram a questão escravocrata ser decidida pelos colonos ativistas diretos em ambos os lados. Os homens a favor da escravidão tomaram a iniciativa e fizeram uma constituição que reconhece a escravidão e uma lei que castiga com morte qualquer um que ajudar um escravo a fugir. O Soilers Livre, fizeram uma segunda constituição, e recusaram a reconhecer estas leis. John Brown absorto pela violência conspirativa ou aberta; aos olhos de ativistas decentes, pacíficos, políticos ele era "ladrão de cavalos e assassino". Não há nenhuma dúvida que ele roubava cavalos e que matava homens que defendiam a escravidão. Só não usou dinamite porque não teve acesso. Apesar do Secretário Dobbs qualificar seus métodos de "assassinos", a história entendeu John Brown. Apesar de violento e das mãos sujas de sangue humano, foi uma grande, forte e desinteressada alma. Impossibilitado de suportar passivo o crime horroroso que mantinha 4 milhões de pessoas como bestas humanas, optou que fazer guerra contra esta situação era um dever sagrado, um chamado de Deus (John Brown era presbiteriano). 

É por causa dos atos diretos dos precursores das mudanças sociais, sejam de natureza pacífica ou bélica, que a consciência humana, da massa é despertada à necessidade de mudança. Seria muito estúpido dizer que a ação política não traz nada de positivo; às vezes elas provocam coisas boas. Mas nunca detrerminam a rebelião individual, seguida da rebelião de massa. A ação direta sempre é o grito, o chamamento, o clamor, o ponto de partida onde a grande soma de indiferentes se dá conta de que aquela opressão está se tornando intolerável. 

A opressão é presente tanto aqui nos Estados Unidos como em toda parte do mundo onde se desfruta as bênçãos da Civilização. Da mesma maneira que na questão da escravidão enquanto bem móvel, também esta forma de escravidão tem gerado ação direta e ação política. Um certo percentual de nossa população, (provavelmente bem menor daquele que os políticos tem o hábito de alardear em reuniões de massa). Está gerando a riqueza material na qual todo o resto de nós vivemos; da mesma maneira que 4 milhões de negros escravos sustentavam toda uma multidão de parasitas com seu trabalho, hoje isso é feito pelos trabalhadores da terra e pelos trabalhadores das indústrias. 

 
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