CARTAS
  Centralismo "Democrático"

Aos companheiros zapatistas,

Acompanhamos parte(*) do primeiro dia do "I Seminário de Preparação ao II Encontro Americano pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo" e para não sermos omissos queremos alertar os companheios para os seguintes fatos:

  1. Não foi um "Seminário Nacional" como estão divulgando, porque o Brasil possui 27 (vinte e sete) Estados e alí só estavam presentes 4 (quatro) Maurício do Rio, André do Ceará, a vereadora do Partido dos Trabalhadores de Belém e companheiros de São Paulo.
  2. O Sr. Gilmar Mauro, líder do MST, abriu o seminário às 11:OO horas do sábado para uma platéia de aproximadamente 40 pessoas (maioria anarcopunk). O que mais chamou atenção foi quando qualificou-se a si próprio de "centralista democrático", numa alusão diametralmente oposta à democracia direta e a autogestão zapatistas (**).
  3. Estamos empenhados em divulgar e defender o projeto zapatista, que nada tem a ver com partidos que querem nos governar nem com sindicatos pelegos.
  4. Nós, libertários, somos organizados, temos dezenas de grupos afins em todos os 27 Estados. Gente honesta mas que não possui a infraestrutura de organização do partido político e do sindicato (papel, internet, sede, etc), mas que mesmo sem recursos estamos avançando a passos largos em direção ao estabelecimento de uma Frente revolucionária no Brasil, e o que é melhor, sob as mesmas bases de acordo firmadas pela FZLN (Frente Zapatista de Libertação Nacional) no Congresso de Fundação da FZLN realizado na Cidade do México de 13 a 16 de setembro de 1997 com 2591 pessoas dos 31 estados mexicanos. Uma Frente revolucionária construída de baixo para cima, sem partidos políticos, sem grupos que lutam pelo poder, sem correntes. Aliás, aqui no Brasil, a maioria dos sindicatos são no mínimo suspeitos, e todos os partidos políticos são corruptos, PT e PCdoB não são excessão).
  5. Rogamos a vocês irmãos e companheiros zapatistas que tenham toda cautela com esses grupos ligados ao PT (escrevo como um dos muitos companheiros que, nas orígens do mesmo, defendeu a criação de um PT Revolucionário, não eleitoral) e ao PCdoB que estão articulando o II Encontro Americano pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo em Belém, pois não são confiáveis, como não o são os políticos em qualquer lugar do mundo.
  6. Não há qualquer base de acordo explícita dentro desses Comitês de Solidariedade de São Paulo, Belém, Rio, etc. Se há, que publiquem tudo com data e assinatura, juntamente com a convocatória para Belém! Se as bases de acordo são as bases zapatistas, então queimem publicamente seus diplomas de vereadores e de deputados e de quebra joguem no lixo suas filiações partidárias se é que pretendem ter um mínimo de coerência.
  7. É necessário, antes, fixar bases de acordo, para depois, se democráticamente aceitas, ousar usar bandeiras, cartazes e símbolos zapatistas para arrecadar dinheiro para a luta. Numa democracia direta, regulamentos não são impostos de cima prá baixo em cima de 27 Estados. Devem ser acordados de baixo para cima pelos 27 Estados. Leiam o confuso "Relatório do I Seminário de Preparação do II Encontro..." assinado pelo Comitê de Solidariedade às Comunidades Zapatistas de São Paulo e tirem suas próprias conclusões.
  8. O zapatismo está em alta em toda a América Latina, Estados Unidos e Europa, entre as pessoas honestas, entre os grupos que não lutam pelo Poder e pessoas que não confiam em partidos políticos. A esmagadora maioria da população!
  9. É aquela explosiva concentração de descontentes que irá honrar, proteger e elevar bem alto a bandeira zapatista e mantê-la limpa das mãos sujas de políticos rasteiros!
  10. Tanto a imprensa como os partidos políticos no Brasil sejam de direita ou de esquerda odeiam os zapatistas, porque o seu exemplo aparece como a única saída para a crise Iberoamericana. Causa espanto essa estranha "solidariedade" por parte de políticos oportunistas do PT e do PCdoB num momento em que partidos e sindicatos estão, na opinião pública, abaixo dos policiais?
  11. "Mas para triunfar em sua luta libertadora, a américa latina precisa de uma nova doutrina econômica, política, social e cultural, que una a revolução social continental latino-americana a uma profunda revolução científico-tecnológica, a um resgate da reforma ou revolução religiosa no sentido da teologia da libertação, mas superando as velhas ideologias importadas com a democracia direta, a autogestão, a cooperação e a confederação de repúblicas latino-americanas formando uma Nação-continente, capaz de desafiar e de triunfar sobre os Estados Unidos em uma guerra revolucionária sem frentes nem batalhas, sem exércitos de linha, em todo o continente e não em um só país" Abrahan Guillén, Socialismo Libertário.

(*) Um senhor, durante debate no plenário do "I Seminário..." sobre questões vinculadas à presença ou não do caráter político partidário nas bases zapatistas, citou nosso nome insinuando que estávamos "fazendo confusão entre o EZLN e a FZLN". Diante disso, visando esclarecimentos, perguntamos ao tal senhor se ele conhecia os Princípios Zapatistas, ao que se calou recusando-se terminantemente responder a uma pergunta direta e simples. Diante de nossa insistência, transferiu sua palavra à mesa. A mesa por sua vez qualificou tal assunto como "pendenga". Diante da falta de seriedade da mesa ao adjetivar uma discussão básica sobre os Princípios Zapatistas como sendo "pendenga" e por considerar tal atitude uma ofensa, não a nós, mas aos ideais zapatistas, não restou outra alternativa aos delegados do Unificação Terra, (desempregados da Zona Leste que se preparam para se juntar aos acampados de Nova Canudos) que não fosse a de se retirar, em protesto, das instalações onde se realizava o dito Seminário.

(**)Pontos 1, 2, 11, 12 dos Princípios Zapatistas, "Representar e não suplantar"; "Propor e não impor"; "Coordenar respeitando"; "Obedecer mandando". Pontos 28 e 49 dos estatutos: "Estrutura circular-piramidal ou circular-horizontal de baixo para cima. Do organismo de base se nomeiam representantes às estruturas de coordenação"; "Desenvolver projetos produtivos autogestivos".

São Paulo, segunda-feira, 12 de Abril de 1999

Comitê de Diálogo e Ação Unificação Terra

v o l t A r

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railtong@g.com

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