Antigo Santuário dos Guaianazes |
Alguns argumentos explicando porque Belém do Pará não é adequado para o II Encontro Americano: |
Aos companheiros zapatistas, Uma atenta observação no Mapa Geográfico do Brasil é suficiente para perceber a enorme distância que separa Belém das 12 cidades brasileiras com mais de um milhão de habitantes. Pelas atuais condições econômicas, os mais interessados em participar, os pobres, os desempregados e grande parte dos grupos organizados localizados nas grandes capitais do Brasil, terão sua participação inviabilizada se for mantido Belém como local do II Encontro Americano pela Humanidade e contra o Neoliberalismo. Ao contrário do I Encontro em Chiapas, o II Encontro, pela inadequação do local, corre o risco de transformar-se em um mero seminário com participação restrita de grupos detentores de relativo poder econômico, partidos políticos, igreja e delegações estrangeiras. Porque propomos Zona Leste de São Paulo, São Paulo, Brasil? As populações de Poá, Itaquaquecetuba, Guaianazes, Itaquera, Itaim, Tatuapé, Cangaíba, Morumbi, Jabaquara, Ipiranga, Jaraguá, Mauá, Butantã, Jaguaré, Cambuci, Tremembé, Guarulhos, Mooca, Iguatemi, Baquirivú, Tietê, Jacú, chamam por seus irmãos de Chiapas. Na Zona Leste da Capital mais outros
nove municípios da Grande São Paulo, a saber:
Guarulhos, Itaquaquecetuba, Poá, Suzano, Mogi das
Cruzes, São Caetano do Sul, São Bernardo do Campo,
Santo André, Ribeirão Pires, extende-se um
quadrilátero que, cortado pelos rios Jacú e Tietê, em
seu passado remoto, acolhia um grande santuário
indígena. "Formada pelos nativos Guaianazes por
volta de 1560, a região foi logo transformada pelos
jesuítas em um modelo de aldeia, de acordo com as
propostas contidas nas Regras de Governo. Em 1580, os
jesuítas obtiveram uma sesmaria para a aldeia de mais ou
menos 270 quilômetros quadrados, transformando a área
numa reserva oficial de índios cristianizados. Suas
intenções eram não só separar os convertidos e
demarcar as terras necessárias à agricultura -
fundamental para o ensino civilizatório - como também
obter a garantia legal da Coroa para que a concessão
protegesse os índios da escravidão e suas terras da
invasão por colonos da vila de São Paulo, que
rapidamente se expandia. Intenções somente não
bastaram: os índios acabaram perdendo tanto sua terra
quanto sua liberdade" (Propriedade e Usurpação no
Brasil, James Holston, Revista Brasileira de Ciências
Sociais 21, ano 8, 1993. Em Inglês: "Comparative
Studies In Society and History" volume 33, number 4,
october 1991, Cambridge University Press). O Governo
Federal não apenas reconhece a região como um antigo
aldeamento indígena como também a reivindica para si.
"Como os índios sumiram do mapa dessa região em
meados do século passado, os barnabés a serviço do
Planalto Central argumentam que a posse da terra, segundo
a Lei 1.114/1860, voltou à União desde aquela
época" (José Antonio Leite, Revista Já, n.103, 25
de outubro de 1998). "A extensa área... teria
constituído o Aldeamento Indígena de São Miguel e
Guarulhos, nos idos de 1850... segundo o Serviço de
Patrimônio da União (SPU), pertence ao governo federal
por força do decreto-lei 9760 de 1946" (Diário
Popular, 28 de outubro de 1998). "Supremo decidiu
que terras são da União"(O Estado de São Paulo,
27 de outubro de 1998) "Ação contra União
questiona posse de área indígena" (O Estado de
São Paulo, 2 de outubro de 1998). "Povo briga para
União não tomar São Miguel Paulista e Guarulhos,
áreas identificadas pelo Governo como pertencentes a
extinto aldeamento indígena."(Diário Popular, 17
de setembro de 1998). Hoje, marcada pelo preconceito, a
região, tradicionalmente esquecida pelo poder público,
caracteriza-se por uma descomunal aglomeração de
famílias vindas do nordeste em busca de melhor qualidade
de vida. Tornou-se berço de movimentos sociais que se
espalharam por todo o Brasil em finais da década de 70,
como o "panelas vazias", o "Movimento
Contra o Custo de Vida" e as primeiras greves
fabrís que desafiaram e enfrentaram o regime militar,
culminando com a derrocada de uma ditadura que já se
prolongava por vinte anos no país. Além da crescente
miséria e intenso tráfico de drogas, divide com a
baixada fluminense o triste troféu dos maiores índices
de desempregados e de mortes violentas. A partir do
genocídio que se iniciou no Pátio do Colégio, onde foi
fundada a cidade de São Paulo, foi o último grande foco
de resistência ao extermínio indígena na Capital da
antiga Província. Hoje, com uma população de 3
milhões de pessoas, com várias Universidades
recém-criadas, a Zona Leste dá início a intenso debate
sobre o tema do desemprego. Símbolizando 500 anos de
resistência, a realização, às vésperas da passágem
do milênio, do II Encontro pela Humanidade e Contra o
Neoliberalismo, no local onde se situava o santuário dos
índios guainazes, pela semelhança da história passada
com a atual, torna-se de uma histórica conveniência.
Reconhecido pelo governo central como inviolável mas que
depois, atravez de suas várias encarnações - colonial,
imperial e federal - legalizou sua usurpação, ou
melhor, o roubo, que é uma das principais forças
motrizes da ocupação territorial brasileira
implementada pelos poderosos, tanto que a própria lei se
desenvolveu, em grande medida, a partir da necessidade de
legalizar invasões promovidas pelas classes dominantes.
O que ocorreu nessa região, ocorreu em todo o contexto
brasileiro: a lei assegura a manutenção do privilégio
para aqueles que possuem poderes extralegais para
manipular a política, a burocracia e a própria
história. E é uma prova de que o campo jurídico
modifica-se, não através de reformas legais, mas
através de movimentos sociais populares. Ações
coletivas provocam o crescimento generalizado da idéia
do direito a direitos... aprender a gerar irresolução
legal a seu favor é utilizar-se de um recurso antes
exclusivo das classes dominantes... a força da ética e
da razão fala mais alto quando leva as complicações da
lei para intrincar os conflitos de terras a favor dos
pobres e oprimidos (RCBS, n.21, fevereiro de 1992). A
realização do II Encontro Americano pela Humanidade e
Contra o Neoliberalismo na região poderá se tornar,
após esses 1.500 anos de massacres e resistências, o
marco de uma nova era na luta pela liberdade, justiça e
paz, não apenas no Brasil, mas em toda a América
Latina. |
v o l t A r |