Eclipse Lunar Total de 3 de Março de 2007

 

Projeto Observacional da REA

 

Helio C. Vital

 

Circunstâncias Globais

 

O primeiro eclipse de 2007, que será lunar e total, poderá ser observado no Brasil no início da noite de 3 de março. Visível, mesmo que parcialmente, de todos os continentes, ele privilegiará os observadores africanos e europeus. Durante o evento, a Lua, na constelação de Leão, cruzará a metade norte da umbra (parte mais escura da sombra terrestre) numa trajetória moderadamente profunda, de Noroeste para Leste. No instante de eclipse máximo, às 20:21 (Hora de Brasília = TU-3h), o limbo lunar sul estará 2,4 minutos de arco ao Norte do eixo da umbra, enquanto que o limbo norte distará 6,9 minutos de arco da borda norte da umbra e a 32,2 minutos de arco do centro da sombra, conforme ilustra a Fig. 1 (cortesia de Fred Espenak/NASA).

 

 

Figura 1 – Circunstâncias do Eclipse (Fred Espenak)

 

A Tab.1 lista, em Tempo Universal (TU = Tempo Legal do Leste brasileiro acrescido de 3 horas), os horários (expressos em hora, minuto e décimos de minutos) das fases do eclipse (cálculos do autor).

 

 

Tabela 1 – Horários das Diferentes Fases do Eclipse

 

Evento

Hora

Início da Fase Parcial (U1)

21:30,2

Início da Fase Total (U2)

22:44,2

Meio do Eclipse

23:20,9

Fim do Fase Total (U3)

23:58,1

Fim da Fase Parcial (U4)

01:11,8

Última Percepção da Penumbra

≈01:28

 

 

A Tab. 2 fornece alguns dos parâmetros mais relevantes previstos para o meio do eclipse. A previsões para a magnitude da Lua e Número da Danjon baseiam-se em correlações desenvolvidas pelo autor.

 

 

Tabela 2 – Características do Eclipse

 

Evento

Hora

Magnitude do Eclipse Penumbral

2,345

Magnitude do Eclipse Umbral

1,238

Magnitude Prevista para a Lua no Meio do Eclipse

-2,0±0,4

Brilho Previsto no Meio do Eclipse (Lua Cheia =1)

1 / (2±1)x104

Número de Danjon Previsto

L=2,6±0,3

Cores Predominantes Previstas

Vermelho, laranja e amarelo

Condições de Observação para o Leste Brasileiro

Razoável (SE e S); Boa (NE)

Profundidade Relativa do Eclipse Total

0,27

Eclipse não-central, pouco a moderadamente profundo, que sondará a metade norte da umbra,
e cujo brilho não deverá ser significativamente afetado por erupções vulcânicas recentes.

 

 

Circunstâncias Locais

 

No Brasil, o eclipse apresentará melhor visibilidade na região Nordeste, seguida do Sudeste. A fase total e a segunda fase parcial sejam visíveis desde todo o território nacional. No Leste brasileiro, a fase umbral estará próxima de seu início quando a Lua nascer (com exceção do Nordeste, onde ela nascerá antes). Em contraste, a sombra da Terra já terá avançado bastante quando o nosso satélite se elevar sobre o horizonte nas regiões Norte e Centro-Oeste. No Acre, por exemplo, a Lua já nascerá totalmente eclipsada. A Tab. 3 informa a posição aparente da Lua para algumas capitais.

                

Tabela 3 - Posição Aparente da Lua nas Diferentes Fases do Eclipse

 

 

Cidade\Contato

 

Nascer da Lua

Início (U1)

Meio

Fim (U4)

hh:mm

(TU)

Az

o

Alt o

Az

o

Alt

o

Az

o

Alt

o

Az

o

Belo Horizonte

21:15

82

3

81

27

70

50

51

Brasília

21:30

82

0

82

25

74

49

59

Florianópolis

21:41

82

0

82

21

70

42

50

Porto Alegre

21:53

82

0

82

18

70

38

51

Recife

20:31

82

13

80

39

74

64

55

Rio de Janeiro

21:13

82

3

81

27

68

48

48

São Paulo

21:30

82

0

82

24

70

46

51

 

 

Atividades Observacionais Recomendadas

 

Em ordem decrescente de prioridade, são as seguintes as atividades sugeridas para monitoração e registro da evolução do eclipse:

  • estimativa da magnitude da Lua;
  • cronometragem dos contatos;
  • registros fotográficos da evolução do evento (principalmente da totalidade);
  • estimativa do número de Danjon;

 

 

Estimativa da Magnitude da Lua

 

Um eclipse lunar total é um evento muito belo, dinâmico e cientificamente interessante, no qual a Lua se comporta como uma tela muito sensível, que pode se apresentar tão brilhante quanto o planeta Vênus, ou tão escura, que praticamente deixe de ser percebida a olho nu. Dois fatores principais contribuem para essa variação tão grande: a trajetória da Lua na umbra e a ocorrência de grandes explosões vulcânicas na Terra até dois anos antes do fenômeno.

  

Um observador lunar hipotético, que olhasse para o nosso planeta no meio de um eclipse total da Lua, veria um anel, predominantemente avermelhado, circundando o disco negro da Terra. Esse anel luminoso, que poderia se mostrar completo ou segmentado, e cuja configuração luminosa variaria rapidamente, seria formado pela luz solar residual que, ao atravessar a atmosfera da Terra de forma rasante, seria atenuada, filtrada e refratada para o interior da região mais escura da sombra do nosso planeta. É por causa desse mecanismo que a Lua se mantém visível quando está totalmente imersa na umbra.

 

Estimar a magnitude da Lua nessas condições constitui a observação mais importante que pode ser realizada durante esse evento. Num período de 17 anos, a Seção de Eclipses da REA já coletou e analisou sistematicamente várias dezenas dessas estimativas para investigar o uso desse parâmetro como um sensor remoto de concentrações globais de aerossóis de origem vulcânica na estratosfera. Nossa análise mais recente, a qual abordou a possível influência da erupção do Monte Reventador sobre o brilho dos eclipses lunares de 2003 e 2004, deu origem a um artigo da Revista Sky&Telescope (Flanders, T., Lunar Eclipse Science, Sky and Telescope, 2005; 109 (3)), o qual descreveu essa linha de pesquisa da REA.

 

As estimativas da magnitude da Lua poderão ser realizadas usando-se o Método do Binóculo Invertido Aperfeiçoado, aplicado e divulgado por observadores da REA, como reconhecido em artigos da Sky&Telescope. Recomenda-se que sejam feitas várias estimativas visando à determinação da curva de luz da Lua, fundamental para a identificação de assimetrias ou outras peculiaridades no comportamento do brilho do disco lunar, quando totalmente imerso na umbra terrestre. O método consiste em observarmos a Lua totalmente eclipsada através do binóculo em posição invertida com um olho (olhando-se pela objetiva ao invés da ocular), simultaneamente comparando-a em brilho com as estrelas próximas, vistas com o outro olho, desprovido de instrumento. A magnitude da Lua será igual à estimada, corrigida da perda de luz decorrente do uso do binóculo invertido, cujo valor precisará ser determinado empiricamente pelo observador. Para determinação da correção, pode ser usado, por exemplo, um planeta brilhante - Vênus ou Júpiter. Um exemplo de determinação da correção de perda magnitudinal seria: um observador notou que Júpiter (mag=-2,5 na época), quando observado pela objetiva de seu binóculo 7x50, apresentou o mesmo brilho que uma estrela de magnitude igual a 2,4, observada à vista desarmada. O valor da correção seria então: -2,5 - 2,4 = -4,9 magnitudes. Se, no meio do eclipse total,  foi observado que a Lua, ao binóculo invertido, apresentou brilho igual ao de uma estrela de magnitude 3,0 (vista a olho nu), isso significa que a magnitude da Lua será mag= 3,0 - 4,9 = -1,9.

 

Durante a totalidade, os observadores poderão comparar o brilho da Lua ao binóculo invertido com o de Júpiter e buscar estrelas de referência nas constelações de Leão, como ilustrado na Fig. 2. Em seu relatório, o observador deverá informar: as características do binóculo; a perda em magnitude associada ao seu uso na posição invertida; a identificação das estrelas de comparação usadas e suas magnitudes e/ou os cálculos usados para chegar à estimativa citada (opcional). Um exemplo hipotético válido de estimativa seria: “Ao binóculo invertido, o brilho da Lua, às 23:21 TU, se situava entre os das estrelas ε Leo (mag = 2,97) e η Leo (mag = 3,48), observadas a olho nu, estando em relação à primeira, a 1/3 da diferença de brilho entre as duas estrelas.” Informo ainda que usei binóculos 7x50, cuja perda magnitudinal quando usado em posição invertida, estimei em 4,9 magnitudes. A magnitude estimada da Lua no caso seria igual a -1,8.

 

 

 

Figura 2 –  Aspecto da Região do Céu Mostrando a Lua no Meio do Eclipse a 27 Graus do Horizonte Leste-Nordeste (Previsão para o Rio de Janeiro)

 

 

Registros Fotográficos da Lua

 

Imagens da Lua totalmente eclipsada informam sobre a rápida evolução da distribuição do brilho na superfície lunar, podendo ser usadas para determinação de algumas propriedades globais da atmosfera terrestre. Cabe lembrar que o brilho da Lua estará tão reduzido (quatro ordens de grandeza em relação à Lua Cheia), que a tarefa de obtê-las demandará um planejamento prévio meticuloso.

 

Câmeras com filme poderão ser acopladas ao telescópio e usadas, por exemplo, no foco primário. Instruções relativas aos procedimentos e tempos de exposição adequados podem ser obtidas nas páginas de Espenak.

 

Câmeras digitais de grande zoom (20-50x) poderão ser usadas, mesmo quando não acopladas a telescópios. Recomendamos que elas estejam firmemente apoiadas em tripés; ajustadas para foco no infinito; com disparo de flash desativado; e com o tempo de exposição, sensibilidade (ISO) e abertura do diafragma, selecionados manualmente, de tal forma que se aproximem de seus limites superiores, visando à maior captação de luz possível. Uma redução no valor do zoom (≥ 7x) também pode se mostrar um valioso recurso para se evitar a obtenção de imagens excessivamente escuras no meio do eclipse.

 

Recomendamos que as fotos selecionadas da Lua, já na penumbra, nascendo no horizonte (por exemplo, junto ao Pão de Açúcar), ou totalmente imersa na umbra, sejam imediatamente enviadas para os portais do Space Weather e de revistas especializadas em astronomia.

 

Estimativa do Número de Danjon

 

Uma observação menos rigorosa (porém mais facilmente acessível ao observador pouco experiente), a qual também é usada para determinar a luminosidade de um eclipse lunar total, consiste em atribuir um valor para o brilho aparente da Lua. Esse valor, que se denomina Número de Danjon (L), varia de zero (eclipse extremamente escuro) a quatro (eclipse muito claro), conforme a escala da Tab. 4. Podem ser atribuídos valores fracionários a diferentes regiões do disco lunar. Um exemplo válido de estimativa seria: L = 2,1 (Metade Sudoeste) e L= 3,0 (Metade Nordeste) às 23:21 TU.

 

Tabela 4 – Escala de Atribuição do Número de Danjon

 

Número de Danjon

Características da Lua Totalmente Eclipsada

 

L = 0

Eclipse extremamente escuro: Lua, incolor, quase invisível no meio do eclipse

L = 1

Eclipse muito escuro: Lua cor cinzenta ou marrom e detalhes somente percebidos com dificuldade

L = 2

Eclipse de luminosidade intermediária: Lua vermelha escura ou cor de ferrugem e umbra interna muito escura e a externa relativamente clara

L = 3

Eclipse relativamente claro: Lua cor de tijolo e umbra com periferia brilhante ou amarelada

L = 4

Eclipse muito claro: Lua cor de cobre ou alaranjada e umbra com periferia bem brilhante e azulada

 

 

Cronometragem dos Contatos

 

O raio observado da sombra terrestre (umbra) seria cerca de 2% maior que o previsto, caso os cálculos levassem em consideração apenas a parte sólida do nosso planeta. Esse excesso aparente, já conhecido há mais de 3 séculos, é atribuído à influência da nossa atmosfera e parece variar de um eclipse para outro, sendo que ainda não existe um modelo que possibilite prever essas variações.

 

As análises de cerca de 5000 cronometragens acumuladas no banco de dados da REA têm indicado que parte dessas variações se deve a incertezas na modelagem da umbra. Contudo, nossos achados também sugerem que essa camada mais densa e opticamente mais ativa da nossa atmosfera (abaixo de 90 km), a qual é capaz de produzir sombra e desintegrar meteoros, satélites ou naves espaciais, parece apresentar pequenas oscilações em espessura, as quais podem alterar as dimensões da umbra de um eclipse para outro, ou mesmo durante um mesmo eclipse.

 

Em virtude desse fenômeno, os contatos de um eclipse lunar não podem ser calculados com precisão da ordem de ±1seg. ao contrário do que muitos acreditam. Na verdade, temos verificado que previsões de diferentes pesquisadores, os quais usam sistemas de cálculo e modelos diferentes para simularem a umbra, podem diferir em alguns décimos de minuto. Da mesma forma, as cronometragens de observadores experientes têm apresentado uma dispersão média (desvio-padrão) em torno de ±0,3-0,4 min., em virtude de dificuldades para a identificação precisa da posição da borda da umbra.

 

Para aquisição de mais informações sobre esse interessante fenômeno, cuja complexidade se deve em boa parte às suas características muito dinâmicas, e dando continuidade a essa linha de pesquisa da REA, solicitamos aos observadores que registrem o horário em que a borda da umbra toca o limbo lunar, tangenciando-o interna (U2 e U3) ou externamente (U1 e U4). Essa fronteira corresponde à linha imaginária ao longo da qual o brilho da superfície lunar se reduz de forma mais brusca com o deslocamento  para o centro da sombra terrestre (gradiente radial máximo). Além dos contatos de limbo, os observadores deverão registrar os instantes em que a umbra cruzará o centro de algumas das crateras mais proeminentes. A monitoração das crateras deverá ser feita usando aumentos telescópicos de 40 a 70 vezes.

 

A Tab. 5 pode servir de guia para o planejamento adequado das cronometragens de crateras. Faz-se necessário o reconhecimento prévio (nas noites anteriores ao evento) das crateras. A Seção Lunar da REA disponibilizou uma foto que pode ajudar muito nesta tarefa. A baixa altura da Lua provavelmente prejudicará a observação das imersões por observadores situados no Sudeste brasileiro, degradando a imagem da Lua, reduzindo o seu contraste e tornando-a muito instável, escura e avermelhada. Recomenda-se, portanto, que seja feito um planejamento mais modesto para o registro dos contatos de imersões, selecionando apenas as crateras mais facilmente identificáveis e que serão cobertas pela sombra terrestre quando a Lua já tiver atingido uma altura razoável. Portanto, torna-se imprescindível para aqueles que desejem cronometrar os contatos de imersão, que escolham locais de observação que tenham o horizonte leste totalmente desobstruído.

 

Recomenda-se que observadores pouco experientes procurem cronometrar um número menor de crateras. A poucos minutos antes do contato, a cratera de interesse, prestes a imergir (entrar na umbra) ou emergir (sair da umbra), já deverá ter sido identificada pelo observador. O registro de décimos de segundos torna-se desnecessário na prática. Por outro lado, cronometragens arredondadas para o minuto mais próximo terão precisão insuficiente. Portanto, solicita-se que os registros de cronometragens sejam expressos em segundos, ou em décimos de minuto (precisão mínima aceitável). Obviamente, os relógios deverão ser acertados (pela Internet ou pelos sinais do Observatório Nacional), pouco antes do início do eclipse, para garantir a precisão dos registros.

 

As crateras imergirão em latitudes intermediárias e, conseqüentemente, as previsões dos horários em que ocorrerão serão muito sensíveis ao valor do achatamento da umbra usado nos cálculos. Por outro lado, os tempos das emersões, as quais ocorrerão próximas à projeção do equador, serão primariamente afetados pelo valor da ampliação do raio da umbra, apresentando pouca dependência do achatamento dela.

 

 

Tabela 5 - Horários (em TU) Previstos para os Contatos com Pontos Selenográficos Usando-se Fator

de Ampliação de 1,90% e Achatamento Umbral igual a 1/250 (cálculos do autor)

 

 

Imersões

Emersões

Limbo a SE

21:30,2

Limbo a E

23:58,1

Kepler

21:48,6

Grimaldi

00:06,4

Tycho

21:48,9

Aristarchus

00:06,7

Aristarchus

21:54,1

Kepler

00:13,7

Copernicus

21:57,0

Platô

00:17,5

Pytheas

22:02,0

Pytheas

00:19,7

Timocharis

22:08,5

Timocharis

00:22,1     

Dionysius

22:12,9

Copernicus

00:22,5      

Manilius

22:13,1

Campanus

00:26,5

Menelaus

22:17,2

Aristoteles

00:28,4    

Plinius

22:20,5

Eudoxus

00:30,7     

Goclenius

22:21,5

Tycho

00:36,3    

Platô

22:23,2

Manilius

00:38,1      

Taruntius

22:27,1

Menelaus

00:41,4      

Langrenus

22:27,2

Dionysius

00:45,7     

Eudoxus

22:28,1

Plinius

00:45,9      

Proclus

22:30,5

Proclus

00:56,7      

Aristóteles

22:30,5

Taruntius

00:59,8     

Mare Crisium     

22:34,3

Goclenius

01:01,6     

Limbo a NO

22:44,2

Mare Crisium

01:01,8      

 

Eclipse Máximo às  23:20,9

Langrenus          

01:07,2   

Limbo a NO

01:11,8

 

Os registros de observações, na forma de relatórios (incluindo cronometragens, estimativas de magnitude etc), fotos e/ou vídeos, deverão ser enviados para a coordenação das Seções de Eclipses Lunissolares ou Lunar da REA.


Vejam o relatório das observações do coordenador da Seção de Eclipses da REA.

 

Boas observações a todos!

 

 

 

 

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