Editor: Wolfram da Cunha Ramos   
Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal
- art. 76 da Lei 9099/95 -
 
 
César Henrique Alves
Juiz de Direito Substituto
do 2º Juizado Especial
Cível e Criminal.
Boa Vista - RR
 
 
    Estas linhas não tem a pretensão de entornar uma pá de cal sobre o assunto e torná-lo definitivo, apenas por à discussão um tema que me parece não ter sido suficientemente abordado pela doutrina mais autorizada. Assim colocado, partamos para sua análise.
 
    Efetivamente o art. 76 da Lei nº 9099/95, trouxe ao mundo jurídico um instituto que até então era totalmente estranho ao campo de atuação do direto processual penal que é a possibilidade de transação entre o Ministério Público e o autor do fato. Tem-se dito, inclusive, que por conta deste novo instituto atribuiu-se ao Promotor de Justiça a chamada discricionariedade regrada.
 
    De fato o artigo retro citado prevê a possibilidade de o órgão ministerial propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa que, aceita pelo autor do fato, é levada ao Juiz que a apreciará e, sendo o caso, aplicará a pena proposta.
 
    A dúvida surge no exato momento em que feita a proposta de transação penal, aceita pelo autor do fato e aplicada a pena restritiva de direito ou multa pelo Juiz, o autor do fato vem a descumpri-la. Quais seriam as conseqüências deste descumprimento? O caminho a seguir seria a execução da pena imposta ? Ou seria o prosseguimento do feito com a instrução criminal ?
 
    Parece-me que a doutrina tem se inclinado no sentido da execução da pena, o que, em meu entendimento, com licença dos doutrinadores mais abalizados, não encontra respaldo na lei e, nem ao menos, na lógica jurídica.
 
             Partamos por etapa.
 
    A grande benesse ao autor do fato ao aceitar a proposta é, sem sombra de dúvida, a inocorrência de registro de antecedentes criminais, entendo, desde que venha a cumprir a transação.
 
    Aceita a proposta de transação, vindo a descumpri-la o autor do fato e, apenas para argumentar, admitindo-se a tese da execução, como ficariam os antecedentes criminais deste autor do fato, que não a cumpriu voluntariamente ? Penso que não poderiam ser negativos, todavia terão que ser, pois a lei assim determina.
 
    Seria, então, uma brecha para os transgressores oportunistas, por exemplo, ao aceitar a aplicação de uma pena de multa, não vindo a pagá-la e, não tendo patrimônio a garanti-la em execução, a multa ficaria inexecutável e, mais, o autor do fato seria brindado com a falta de antecedentes criminais.
 
    Anote-se, por outro lado, que a transação penal, executada ( para aqueles que assim entendem ) ou cumprida voluntariamente, não podem gerar antecedentes por um fato que é de uma simplicidade franciscana : até então o autor do fato não foi acusado formalmente, o que existe é tão somente uma notícia da delegacia ( termo circunstanciado ).
 
            Este é o primeiro aspecto.
 
    Outro ponto que entendo ser importante que se levante é o fato, como dantes já dito, de o autor do fato, até então não se defender, pois, não existe denúncia contra ele, logo, não existe processo, o que existe é tão somente um procedimento criminal que visa, a posteriori, à instrução de processo penal.
 
    Logo, como é que se pode pensar em executar, na forma da lei de execuções penais - como querem fazer crer alguns autores -, se ainda não existe nem condenação, e, mais, não se pode nem ao menos falar em culpa, já que a própria constituição federal assim assegura no art. 5º - LVII, me parecendo ser intuitivo que a execução de uma pena no juízo criminal pressupõe a formação de um juízo anterior de culpabilidade.
 
    A execução da pena imposta na fase de transação, a meu ver vai de encontro frontal ao devido processo legal, previsto no artigo 5º - LIV da Constituição Federal. Entender-se, como querem fazer crer alguns doutrinadores, que a Lei 9099/95 "criou" um novo sumário de conhecimento, que seria então o devido processo legal é, "permissa vênia" , um entendimento não condizente com a sistemática processual pátria que prevê ( em uma simplória síntese ) : acusação - defesa - condenação/absolvição.
 
    Na fase de transação penal não encontramos nenhum destes elementos, senão vejamos. Não há acusação, o que existe é uma notícia da delegacia ( termo circunstanciado ) que muitas vezes é levada a efeito por manifestação da própria suposta vítima. Não há defesa, porque nesta fase não se discute culpa, mais, o suposto autor do fato não pode se defender de algo que nem foi acusado. Não há condenação/absolvição, pois, não havendo denúncia, não havendo defesa, como é que poderíamos falar em condenação ou absolvição. Como é que poderíamos falar, então, em execução se não existe sentença condenatória. Perdoem-me a insistência, mas o que há é uma decisão meramente homologatória da transação entre autor do fato e Promotor de Justiça, que poderíamos perfeitamente classificar como decisão interlocutória.
 
    Afora os aspectos levantados, um outro de igual relevância me aflora a mente, novamente apenas a título de argumentação, admitindo-se a tese da execução da proposta de transação, como executaríamos a proposta aceita, e não cumprida, de prestação de serviços à comunidade, converteríamos em privativa de liberdade ( art. 45-II do Código Penal ), pelo tempo da prestação ? Por esta tese a resposta seria afirmativa. Pergunto - me, o autor do fato seria privado de sua liberdade sem ao menos ter sido denunciado pela prática de algum crime ? E mais, sem ter uma sentença condenatória em seu desfavor ?
 
    Não podemos nos furtar em afirmar que, por vezes, o suposto autor do fato, mesmo ciente de sua não culpabilidade, aceita a proposta de transação, apenas para ver-se livre de um procedimento criminal que, é inegável, causa transtornos a qualquer pessoa ( sobremaneira àquelas inocentes - quer seja pela contratação de advogados, quer pelo comparecimento às audiências, quer pela colheita de provas,... ).
 
    Assim sendo ao encararmos a possibilidade de transação penal como um benefício ao autor do fato, não o cumprindo, revoga-se o benefício e aí então dá - se início ao processo penal propriamente dito, onde irá se analisar a culpabilidade do até então autor do fato ( que após o recebimento da denúncia recebe a denominação de réu ).
 
    Devemos, pois, ter a decisão que homologa a transação penal como uma decisão interlocutória, não podendo ser tida como sentença de mérito ( absolutória ou condenatória ), visto que nem ao menos examina aspectos de materialidade do crime, que dirá de culpabilidade.
 
    Poder - se - ia falar que a decisão em realidade é sentença pelo fato de a lei ( § 2º da Lei 9099/95 ) dispor que cabe apelação contra esta sentença.
 
    Entendo, todavia, que a referência a sentença é imprópria, quando em realidade dever - se - ia falar em decisão interlocutória, ou simplesmente decisão.
 
    Por estas razões acima expostas, que nem de longe pretendo tê-las como verdades absolutas, é que entendo que descumprida a proposta de transação penal deve-se abrir vista ao órgão ministerial para, tendo elementos, oferecer denúncia ou requer a remessa ao juízo comum ( arts 76 e 77 da Lei 9099/95 ).
 
     Em assim sendo, coloco meu posicionamento à análise e crítica dos ilustres leitores.
 
 
César Henrique Alves
Juiz de Direito Substituto
do 2º Juizado Especial
Cível e Criminal.
Boa Vista - RR

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