Editor: Wolfram da Cunha Ramos  
PENA DE MORTE
 
 
 
Qual sua opinião sobre a pena de morte ?
 
Sou e continuo a ser pela pena de morte; eis as razões dessa convicção:
 
Considero-a uma arma de grande eficiência na luta contra o crime e na defesa da ordem social. Os defeitos e inconvenientes que se lhe opõem não lhe são específicos. São comuns a outras instituições penais. Nenhuma pode ter a virtude de impedir o crime; tão pouco a religião e a moral podem abolir o mal, transformar a natureza humana, mas nem assim jamais se pretendeu prescrevê-las.
 
O caráter irreversível não basta para justificar-lhe a rejeição. O erro é imanente a atividade humana e mesmo com outras formas de pena se pode cometer e se tem cometidos erros terríveis e de conseqüências irremediáveis. Tivemos entre nós dois casos de vítimas inocentes, que sofreram por mais de vinte anos na prisão, de onde saíram doentes, inutilizados, uma delas tendo perdido a vista e a razão. Seria o bastante para abolir-se a pena de reclusão? O risco existe em qualquer hipótese e temos de aceitá-lo, ou renunciar a todo sistema punitivo.
 
Objeções de fundo sentimental e religioso não me merecem pertinentes. A luta social contra o crime é um aspecto é da luta biológica pela sobrevivência, questão de vida ou morte, onde não resta lugar para o perdão e caridade. Luta-se contra o crime como se luta contra as feras, as doenças, as intempéries; a consideração dominante é aqui a da defesa social, que engaja todas as forças disponíveis, tornando secundárias as preocupações de ordem moral e pessoal. Em frente a uma cobra, um escorpião, um micróbio tetânico, a reação natural é eliminá-los, como impositivo da nossa própria defesa. Só almas de elite, como um Buda, um Cristo, um São Francisco, poderiam deter-se na consideração de que mesmo os piores bichos são criaturas de Deus e de que só Deus, que lhes deu vida, tem o poder de destruí-los. A humanidade, porém, é constituída de homens comuns, misto de besta e espírito, que seguem apenas as pulsões do "struggle" e nada sabem da lei do amor e da caridade.
 
As próprias religiões, em nome de quem se rejeita a pena de morte, usaram-na e dela abusaram no curso dos tempos. Quantos milhares não queimaram nas fogueiras da Santa Inquisição?  Mesmo em épocas recentes, até meados do século XVIII, ainda se queimavam feiticeiros na Inglaterra, na França e na Espanha. Onde estavam a esse tempo os adversários da pena de morte, os que a combatem sob o pretexto hipócrita de que atenta contra a santidade da vida e a dignidade da pessoa humana? É estranho que só apareçam a bradar quando se reclama a força para um desses grandes criminosos, desses degenerados que envergonham a nossa espécie e fazem descrer da sua procedência divina. Parece não terem olhos nem ouvidos para as tremendas injustiças sociais que se cometem a todo instante ao nosso lado. Não enxergam as crianças cobertas de jornais e a chorar de fome nas calçadas. Não sabem dos doentes que ficam abandonados e das mães forçadas a dar à luz na rua, por falta de leitos e boa vontade nos hospitais e maternidade públicas. Nem dos cadáveres que ficam ao léu, nas vias públicas, sob a indiferença das autoridades. Nem dos bandos de crianças que afluem nas ruas a pedir dinheiro e a catar restos de comida nos lixos, acaso não são também pessoas humanas, não tem dignidade, não tem vida doada por Deus, esses infelizes que se deixam abandonados a tais humilhações e desumanidades?
 
Compreende-se a supressão da pena de morte em alguns países, quando se comparam com as nossas as suas estatísticas criminais. Quanto aos delitos de trânsito, por exemplo, o índice do Brasil, o Rio especificamente é muito maior que o de Londres, Berlim e Roma e até do de Nova Iorque e Chicago. Mas lá esses crimes são punidos com as penas comuns de homicídio, inclusive a de morte, ao passo que entre nós a pena correspondente é no máximo de três anos de prisão simples - uma brincadeira ! Essa brandura escandalosa da lei, somada à tolerância, ao descaso e ao comodismo rotineiro das autoridades, explica porque somos o país onde mais crime se cometem contra a vida e onde menos se cumprem penas por tais crimes. Quantos condenados não existem em liberdade a dirigir veículos, boates, casas de jogo, etc. Quantos mandados de prisão não são cumpridos? A polícia tem mais que fazer, que prender sentenciados. E quando estes, por exceção, são detidos, ainda lhe restam grandes probabilidades de escapar à pena, pela porta larga da comutação e da fuga. Esta, de tão habitual, se vai tornando uma instituição, ao lado dos desfalques, das fraudes, do abuso dos carros oficiais; e apesar do alarde da imprensa e da promessa de inquéritos rigorosos, jamais se sabe da punição dos responsáveis.
 
De modo que sou levado à melancólica conclusão - mesmo adotada entre nós e apesar de seu valor e eficiência, a pena de morte pouca probabilidade teria de ser aplicada, e só por exceção algum juiz chegaria a decretá-la. Escrúpulos religiosos, preconceitos, injunções sociais, aliados à modéstia, ao senso de benignidade e à falta de confiança própria, inclinariam a balança em favor do acusado. E tudo ficaria no papel, como muitas outras coisas entre nós.



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