OPINIÕES
O
Direito Ambiental e as Enchentes
.O
grande e rápido crescimento da civilização moderna, as antigas
concepções de desenvolvimento e a falta de reflexão e de conhecimento
sobre os direitos fundamentais do Homem, influenciados por
desmedidos interesses econômicos, cada vez mais ávidos por
novas fontes de lucro e de poder, encravados numa sociedade
progressivamente imediatista e consumista, onde a concentração
de riquezas faz aumentar o abismo entre as classes sociais,
determinam a destruição dos ambientes naturais e consequentemente
do humano, sob o pretexto de um desenvolvimento dito irremediável.
Ocorre, porém, que o desenvolvimento, nos moldes em que está
sendo imposto, demonstra a sua fragilidade e insustentabilidade.
Infelizmente, observamos não só nos municípios de Campinas
e São Paulo, mas também em outros (São Carlos - SP, etc.),
uma certa tendência politico-administrativa
favorável à canalização dos córregos e cursos d’água urbanos
ou rurais como solução rápida, fácil e definitiva para se
evitarem enchentes, mau-cheiro, desbarrancamentos,
proliferação de insetos e doenças, bem como outros efeitos
da má conservação, proteção e preservação do meio ambiente(
rural ou urbano).
Nesse contexto, são atribuídos aos cursos d’água sinônimos
equivocados, que acabam por iludir a massa populacional
menos atenta, fazendo com que ocorra a inversão de valores,
substituindo-se a realidade pela ilusão.
Embora quase sempre desconhecida do povo menos instruído (rico
ou pobre materialmente), as áreas de preservação permanente
possuem uma importância ambiental muito significativa, seja
qual for sua localização (área urbana ou rural). No
ambiente urbano, em especial, estas áreas protegem o equilíbrio
paisagístico caracterizado, de um lado pela frieza e morbidez
dos cenários de cimento e, de outro, pelas cores, tranqüilidade
e beleza dos cenários naturais, além de ser fator determinante
para o equilíbrio da temperatura, para a diminuição dos ruídos
e da poluição atmosférica, dentre outros.
Hoje, professores e especialistas em Hidrologia, Hidráulica,
Engenharia Sanitária e em Geografia, são unânimes em reconhecer
que a canalização de córregos não resolve o problema das enchentes
urbanas.
O objetivo das obras de canalização é tentar mitigar ou resolver
os vários problemas ambientais que ocorrem nos rios, córregos
e cursos d’água, provenientes da ocupação de áreas impróprias
(áreas de preservação permanente, dentre outras) nas cidades.
Tal ocupação decorre do crescimento urbano desordenado, da
inexistência de planos diretores nas cidades, da falta de
administração pública, da carência de ONGs ambientais, da
educação deficiente da população, da falta de provocação do
Judiciário e, principalmente, do representante do Ministério
Público – o Promotor de Justiça, etc.
Os problemas ambientais decorrentes das obras de canalização
de córregos, cursos d’água e da retirada da cobertura vegetal
(áreas de preservação permanente, etc.) caracterizam-se por
enchentes, assoreamento de rios, córregos e cursos d’água,
alterações no balanço hídrico, alterações no clima (regime
de chuvas; ilhas de calor; elevação na umidade do ar; mudança
na direção e velocidade do vento), perda de bens e vidas,
comprometimento do abastecimento de água potável e da saúde
da população.
O inadequado planejamento e projeto de drenagem urbana, aliado
à canalizações de córregos, aumentam em cerca de sete vezes
a entrada de escoamento na macrodrenagem urbana.
As obras de canalização são caras, demoradas e provocam inúmeros
impactos ambientais, além de serem de eficiência decrescente
à medida em que a degradação ambiental avança na região em
que são implantadas.
Com efeito, os que detêm o poder canalizam os córregos (bens
ambientais de valores culturais, históricos, turísticos, paisagísticos,
educacionais, dentre outros.) que também pertencem às futuras
gerações. Os pobres (materialmente), especialmente, sofrem
mais o efeito desta degradação ambiental.
A geração atual não possui legitimidade para "enterrar"
um recurso natural de valor ambiental destinado às futuras
gerações.
O Direito Ambiental não permite isto, aliás, se assim o permitisse,
estaria "enterrando" o futuro das próximas gerações.
É ai que entra a importância do exercício integral da cidadania,
do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Poluir um curso d’água ou omitir-se
na sua despoluição, seja em área urbana ou rural, é condenar
a espécie humana à morte. Canalizar um córrego d’água
(que não possui a vocação para ser um condutor de esgotos!)
poluído é fugir da obrigação legal de tratar os resíduos nele
despejados e de reflorestar, de proteger, de preservar e de
conservar suas áreas ciliares; é tentar esconder a própria
incompetência e os próprios erros, é enterrar o valor ambiental
(histórico, paisagístico, turístico, cultural, educacional,
etc.) dos córregos urbanos ou rurais, negando-os à presente
e futuras gerações; é alterar e desvalorizar a cultura, a
educação e o comportamento de uma sociedade; é aniquilar a
esperança de um futuro melhor para jovens e velhos, enfim,
é exterminar o direito da presente e futura geração ao meio
ambiente sadio, essencial à boa qualidade de vida (art. 225,
“caput” da Constituição Federal de 1988).
Rodrigo Andreotti Musseti
Advogado em São Paulo/SP
Coordenador de Assuntos Jurídicos da Assoc.
para Proteção Ambiental de São Carlos – APASC/SP
Extraido
http://www.ambito-juridico.com.br/aj/damb0002.html
PRESERVAR,
CONSERVAR, RENATURALIZAR
Especialista alemão
mostra que é possível recuperar rios e córregos impactados
A ocupação das terras pelo homem sempre foi norteada pela
presença dos rios e córregos. A água que eles forneceram foi
indispensável neste processo, já que oferecia transporte,
energia, abastecimento e irrigação para a organização dos
agrupamentos humanos. No entanto, o crescimento "desordenado
" fez com que, mais tarde, os rios se tornassem entraves à
constante necessidade de avanço territorial. Durante muito
tempo, a estratégia adotada pelas engenharias hidráulica e
fluvial consistia em regularizar o curso de rios e córregos
para que seu trajeto se tornasse o mais curto possível. Estas
modificações eram feitas para ganhar novas terras e diminuir
os efeitos locais das cheias. A realização destas obras causou
impactos ambientais não considerados no planejamento.
Rompeu-se a interação
natural entre rio e baixada e isso ocasionou grande empobrecimento
do ecossistema. A variedade de vida animal e vegetal foi reduzida
e as cheias hoje causam prejuízos cada vez maiores A velocidade
da corrente aumenta, causando erosão e assoreamento, o que
exige obras complexas para manter o rio retificado. Além disso,
os rios retificados e canalizados têm seu processo de renovação
natural muito prejudicado. Atualmente, existe uma consciência
muito maior do homem na sua relação com o meio-ambiente. Diante
dos impactos causados por séculos de ocupação "desordenada"
e do risco de esgotamento de alguns recursos naturais, surgem
novas alternativas para um desenvolvimento que considere as
alterações ambientais. É nesse contexto que aparecem estratégias
dirigidas à renaturalização de rios e córregos. O consultor
alemão Walter Binder, do Departamento Estadual de Recursos
Hídricos da Baviera, apresenta essas possibilidades em seu
estudo.
O desafio é recuperar
os cursos d'agua que sofreram modificações profundas sem colocar
em risco as zonas urbanas e vias de transporte, e sem causar
desvantagem para a população. Para isso, os engenheiros envolvidos
devem elaborar um plano que leve em conta as particularidades
de cada caso, e que se articule aos demais planos territoriais
e programas regionais. Na Alemanha, por exemplo, o plano de
renaturalização de rios foi implantado considerando os planejamentos
de urbanização e paisagismo, os programas de proteção do ecossistema
e o plano diretor de agricultura existente. Também deve ocorrer,
desde o início, a participação efetiva das pessoas envolvidas.
Associações de pescadores ou de agricultores das baixadas
afetadas, por exemplo, precisam ser informadas e consultadas
antes que as modificações sejam realizadas. É indispensável
obter a compreensão e a aceitação da população ribeirinha.
A elaboração de um plano como este exige profissionais que
tenham conhecimento dos novos conceitos de engenharia hidráulica
e planejamento territorial. Só assim é possível implantar
corretamente todas as etapas de renaturalização. Em zonas
urbanas, torna-se mais difícil a recuperação dos rios. É nas
cidades que eles sofrem as alterações mais profundas, havendo
grande comprometimento das relações biológicas. Nestes casos
as possibilidades de uma revalorização ecológica são limitadas,
mas existem, sim, formas de diminuir o impacto ambiental.
Muitas vezes, essas melhorias também favorecem as condições
de vida da população ribeirinha, como no caso da criação de
parques municipais nas margens recuperadas. Outra vantagem
da renaturalização é a economia. De acordo com Binder, os
custos para manter a evolução natural do rio são pequenos
em comparação aos de obras hidráulicas tradicionais e de manutenção.
Na Europa o interesse
e a expectativa da população quanto à renaturalização de rios
e córregos são imensos, mas a descrença dos proprietários
das terras afetadas ainda persiste. A conscientização de engenheiros
hidráulicos foi um processo bastante demorado, mas hoje a
engenharia ambiental faz parte do currículo da formação de
profissionais ligados a recursos hídricos. Enquanto na Europa
já começa a se estabelecer esta consciência quanto à remoção
de canais, os rios brasileiros passam por uma intensa canalização.
No Brasil, ainda existe a crença de que rio canalizado significa
avanço, progresso. De acordo com Edézio Teixeira de Carvalho,
geólogo, outro fator que caracteriza os rios europeus é que
eles chegaram a um ponto de poluição que programas como os
de renaturalização tornaram-se urgentes. Ele não tem conhecimento
de nenhum rio ou córrego brasileiro que tenha passado por
esse processo, mas acredita que num futuro próximo isso poderá
acontecer. "O Brasil tem o costume de copiar bons exemplos
com 30 anos de atraso", diz ele, "acredito que estas medidas
de renaturalização podem ser adotadas, sim, em nosso país."
Flávia Mantovani
(Estudante de Comunicação Social da UFMG).
CANALIZAR
CÓRREGOS?
O Projeto Manuelzão propõe uma nova
visão para as cidades, no que se refere à gestão dos seus
cursos d'água, especialmente no que diz respeito à canalização
dos mesmos.
Canalizar córregos e fazer avenidas sobre eles, além de muita
falta de imaginação, é estar de mal com Deus e com a natureza.
É como propor encarcerar os meninos de rua e os mendigos,
em vez de eliminar as causas de sua existência. É uma primeira
reação irracional diante de um problema que aflige a sociedade.
A solução é ter políticas que eliminem a transformação dos
córregos em esgotos e lixões difusos, implantando projetos
paisagísticos nestas áreas, conservando as características
naturais dos córregos, necessárias à sua autodepuração.
Queremos rios vivos.
Apolo Heringer Lisboa
Extraido da cartilha:
http://www.manuelzao.ufmg.br
bibliografia:
No início de 1997, o Projeto Manuelzão foi apresentado para
a sociedade por Manuel Nardy - "Manuelzão", figura
que inspirou nome ao Projeto e a Guimarães Rosa ao escrever
"Manuelzão e Miguilim".
FONTES
DE RISCO PARA RIOS MULTIPLICAM-SE NA ÁREA URBANA
Estão sendo multiplicadas
no espaço urbano de Campinas as fontes de risco para os rios
e recursos hídricos em geral. As fontes de risco são as diversas
modalidades de ameaça à integridade e ao equilíbrio dos recursos
hídricos, em especial dos rios que garantem a maior parte
do abastecimento de água na cidade e região. As fontes de
risco se multiplicaram com o avanço da urbanização e com o
processo de metropolização. Duas das principais fontes de
risco para os rios de Campinas e região são a ocupação desordenada
do espaço urbano, levando por exemplo à canalização dos rios,
e a derrubada de matas ciliares. A área da Região Metropolitana
de Campinas (RMC), formada por 19 Municípios, foi de fato
uma das maiores vítimas da urbanização desenfreada no Brasil
nas décadas de 1950 a 1980. Na década de 1950 a população
na Região de Governo (RG) de Campinas (que tem uma configuração
de Municípios semelhante à da RMC) cresceu a uma média de
4,59% ao ano, contra a média brasileira de 3,17%. Em Campinas
o crescimento populacional, de 3,70% ao ano, já foi superior
à média brasileira. Na década de 1960 a taxa de crescimento
demográfico foi de 4,74% na RG de Campinas e de 2,76% no Brasil.
No Município de Campinas foi de 5,54%, o dobro da média nacional.
O crescimento demográfico continuou maior em Campinas e região
nas décadas de 1970 e 1980 do que a média nacional. Na década
de 1970 a média de crescimento populacional foi de 2,48% ao
ano no Brasil, de 5,86% m Campinas e de 6,21% ao ano na Região
de Governo de Campinas. Na década de 1970 um município da
RMC, Sumaré, teve uma média anual de crescimento demográfico
de 13%, uma das maiores do Brasil. Em todo Brasil o crescimento
demográfico começou a declinar na década de 1980, mas ainda
assim as taxas de Campinas e região foram maiores do que a
média nacional. A média brasileira foi de 1,93% ao ano, contra
2,24% em Campinas e 3,40% na Região de Governo. O mesmo ocorreu
na década de 1990. Entre 1991 e 1996 a média nacional foi
de 1,38% ao ano, em Campinas de 1,43% e na RG de Campinas
de 2,37% ao ano. Com um crescimento populacional dessa magnitude,
era fundamental uma política de planejamento do uso do território
urbano, o que não foi observado em Campinas e em toda região.
O resultado foi a proliferação de favelas e de loteamentos
clandestinos e a devastação dos recursos naturais, principalmente
da vegetação nativa e dos rios. Uma das conseqüências desse
processo insustentável de crescimento foi a canalização dos
rios que deram origem ao núcleo urbano de Campinas, como o
córrego Proença (canalizado ao longo da avenida Princesa D´Oeste
e da Norte-Sul), o córrego da Orosimbo Maia (antigo córrego
do Serafim) e o córrego Tanquinho, hoje totalmente sepultado
ao longo da rua Barão de Jaguara. Com a canalização, o contato
direto da população com os principais cursos d´água da região
central foi reduzido, o que contribuiu para atenuar a preocupação
coletiva com o destino dos recursos hídricos. A falta de tratamento
do esgoto urbano tornou-se outra fonte de risco para os rios
nesse período. Outro efeito negativo do crescimento desenfreado,
sem planejamento, ao longo das décadas de 1950 a 1980, foi
a aceleração da destruição da vegetação nativa, o que gerou
uma nova fonte de risco para os rios. Um exemplo foi a diminuição
em quase pela metade da mata de Santa Genebra no período,
conforme se pode verificar em fotos aéreas e de satélite.
No início do espaço urbano a área correspondente ao atual
município de Campinas era em 90% coberta por matas nativas.
O crescimento desordenado das últimas décadas foi fatal para
a devastação do que restava da vegetação natural. Entre 1946
e 1984, período correspondente ao boom populacional e de urbanização,
o total da área ocupada pela cidade aumentou de 16.246.000
metros quadrados para 114.437.712 metros quadrados, quase
dez vezes mais. Depois desse surto de expansão urbana, restaram
no início do século 21 somente 2.033,6 hectares de vegetação
nativa em Campinas, segundo o estudo desenvolvido pela agrônoma
Dionete Santin para sua tese de doutorado na Unicamp. O estudo
revelou que apenas 2,55% do município de Campinas, que tem
794,6 quilômetros quadrados de território, são ainda cobertos
por matas nativas. Um dado especialmente grave da pesquisa
foi a constatação de que somente 7% dos 445 quilômetros correspondentes
à extensão de rios, ribeirões e córregos que cortam o município
de Campinas ainda são relativamente cobertos com árvores nas
margens. A situação mais inquietante é a do rio Atibaia, que
fornece 90% da água consumida em Campinas. Dos 62 quilômetros
do rio que atravessam o território municipal, somente 6% são
cobertos com fragmentos de mata ciliar. E a destruição das
matas ciliares significa um dos maiores riscos aos rios de
Campinas e região, o que exige a aceleração dos programas
de reflorestamento ciliar. Uma estimativa do Consórcio Intermunicipal
das Bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí indica
que seria necessário o plantio de 200 milhões de mudas de
árvores nativas para reflorestar as matas ciliares da região.
A destruição da vegetação nativa, incluindo as matas ciliares,
confirma a necessidade de uma consistente política de planejamento
do uso do território em Campinas e região, para evitar que
as atuais fontes de risco aos rios não proliferem ainda mais.
fonte: José Pedro
Martins, especial para o Correio Popular
|