Considerações em Torno
do Bem e do Mal

Frater Vicente Velado, OSB

O bem do lobo é comer o cordeiro.

Caríssimos: Saudações em todas as pontas do Sagrado Triângulo!

Vivendo como vivemos, no plano da dualidade, estamos todos sujeitos às noções de bem e de mal. De uma forma geral todas as religiões nos ensinam que Deus, o Criador e Mantenedor da Vida, é intrinsecamente bom, na realidade o Bem Supremo (o Summum Bonum) e que todo o mal provém da queda do homem. A própria personificação do Mal como entidade autônoma e regente das condições adversas, artífice de todos os infortúnios, nos é apresentada como o Demônio. Na religião Católica Apostólica Romana os males do mundo são atribuídos a um anjo decaído, Lúcifer, que na origem da Humanidade, teria tentado - e vencido - o casal inicial (Adão e Eva) na forma de uma ardilosa serpente. Assim nos é apresentado o Mal, no Ocidente, pela Bíblia, a história do povo judeu. No Oriente, os livros sagrados do Budismo também nos apresentam como permanente Tentador, que necessita ser vencido para que se vislumbre o Nirvana, a figura de Mara, aquele que tentou o Buda. Igualmente na antiguidade a personificação do Mal, Arimã, se opunha ao Deus Bom, Aura Mazda, na Pérsia. E o Livro dos Mortos, no Egito dos faraós, contém todo um ritual exorcista post mortem para garantir ao morto o direito de se manter íntegro ante os ataques terríveis de Apopis, a Serpente-Demônio.

Ao longo das eras as noções de bem e de mal foram habilmente manipuladas pelos sumos-sacerdotes de diversas religiões, em conluio com dirigentes políticos, para controlar as massas e promover a exploração dos mais fracos pelos mais fortes, tanto nas relações de trabalho como nas relações internacionais baseadas na opressão de um povo para dali ser extraído o alto nivel de qualidade de vida de outro, o opressor. Foi assim que o Império Romano se constituiu, se solidificou, se expandiu e finalmente caiu, e é exatamente assim que os Estados Unidos, seu clone na era moderna, operam em relação ao Terceiro Mundo, manipulando o FMI e governantes que sequer conhecem o significado das palavras dignidade e caráter. Ontem, Satanás sentado na cátedra de São Pedro ordenava as atrocidades da Santa Inquisição para tentar desmoralizar a Igreja e locupletar os cofres de seus associados; hoje, o mesmo Satan ordena em nome da Democracia - ou do Socialismo - que se despejem toneladas de bombas sobre civis indefesos, como se viu recentemente nos lamentáveis episódios de guerra localizada, na Síria, na Iugoslávia e na Chechênia.

O Mal tanto é visto em ação em escala maior, nas guerras e na espoliação de nações inteiras, como em escala menor, em episódios segmentados, dos quais um, muito recente, ocorrido no Brasil, tocou fundo as pessoas. Em um circo armado junto a um templo do consumo, no Nordeste, um menino foi agarrado e devorado por leões, que o puxaram para dentro da jaula quando ele por ali passava com seu pai, um garçom desempregado. Aqueles animais haviam sido deixados propositalmente famintos, para que sua fúria durante as apresentações "levasse o público ao extase", conforme explicava o anúncio do número, na Internet. A polícia interveio durante aquela tragédia e matou os leões a tiros. Assim, vimos mais uma vez o Mal em ação, destruindo as vidas de uma criança, de seu pai, do dono do circo e dos leões, que haviam sido arrancados de seu habitat, sequestrados pelos homens para servirem de distração, com sua fome acirrada. Como se vê, a priori todas essas vítimas são inocentes e o Mal operou sobre elas com a permissão de Deus, seu Criador.

Como deve um membro da Ordem Rosacruz se posicionar ante um fato como este, acima narrado? Como deve interpretá-lo? Obra do Diabo? Evento cósmico que o homem poderia ter controlado, impedindo-o? A Ordem Rosacruz, pelo menos a AMORC, ensina nas monografias iniciais que o Mal não existe como realidade e atualidade intrínsecas, pois que é apenas a ausência do Bem, sem a qual não haveria condições de comparação para que se pudesse aquilatar e perceber corretamente tais valores (o que de certa forma é a verdade). Porém mais adiante, no decorrer dos estudos, já em um Grau bem mais adiantado, a AMORC explica que o ser individual é dual, e que na mesma medida em que o Mestre Interior cresce no bem, sua contraparte negra se desenvolve. Essa forma de instrução, gradual, é muito apropriada, principalmente se levarmos em consideração que um grande número de membros da Ordem Rosacruz, nos dias atuais, provêm do espiritismo, em suas várias gradações, sendo que em muitas delas as noções de Mal são fortemente enfatizadas e se afiguram atemorizantes para essas pessoas, na forma de entidades todo-poderosas; assim, se lhes fosse dito, logo de chofre, que o Mal não só realmente existe como está dentro delas, levariam um choque de conseqüências imprevisíveis e poderiam ficar desestruturadas. Até onde se sabe, Aleister Crowley foi o único místico na era moderna a se autoproclamar a Besta 666 sem ficar desestruturado com isso - pelo menos aparentemente, mas mesmo assim deve-se levar em conta que ele tinha muito de Salvador Dali e que tudo poderia simplesmente não passar de uma performance para épater les burjois. Dali, como se sabe, desfilou de escafandro em plena rua.

O estudo Rosacruz, como foi claramentre explicado pelo Imperator Harvey Spencer Lewis, de feliz memória, não é um estudo acadêmico, algo que possa ser assimilado pela leitura mecânica associada ao raciocínio lógico, como uma matéria tecnológica. Trata-se de um estudo místico, altamente subjetivo. Seria como alguém se pretendesse ler o Ulysses de Joyce em outro idioma que não aquele peculiar irlandês de Dublin, ou seja: sem entender o irlandês de Dublin seria simplesmente impossível captar as sensações literárias que Joyce ali colocou; ou ainda, pura e simplesmente ler de forma acadêmica monografias da Ordem seria como olhar para um quadro de Paul Cézanne sem estar preparado para isto (por um mínimo de background artístico-pictórico). Cézanne inovou a pintura de uma tal forma que introduziu nela a "sensação pictórica": ao se apreciar uma tela sua pode-se não apenas ver a obra pictórica mas também "sentí-la". Resumindo: quando uma pessoa preparada olha para um quadro de Cézanne pode sentir exatamente a mesma sensação que Cézanne estava sentindo ao pintar aquela obra. Spencer Lewis introduziu esse tipo de coisa no estudo místico ordenado. Ou seja: subjetivamente, você ao estudar uma monografia poderá sentir o que o autor estava sentindo quando a escreveu e, conseqüentemente, terá acesso à mesma fonte inspiração. Eis porque Spencer Lewis recomendou que as monografias fossem estudadas sempre no Sanctum, ritualisticamente, e não lidas como meras apostilas de filosofia. Você pode formar um filósofo, não um místico, porque este tem de ser autogerado.

Desta forma, nas monografias da Ordem Rosacruz AMORC os ensinamentos são ministrados duplamente: a) de forma objetiva e interativa, incluindo experimentos que visam ao desenvolvimento de certas condições psíquicas, as quais, justamente, vão permitir a abertura daquilo de Aldous Huxley chamou de "as portas da percepção" (só que aqui isto é feito sem o uso de drogas) e b) de forma altamente subjetiva, com uma leitura antes nas entrelinhas do que nas linhas - e é justamente esta sofisticada forma que caracteriza como único o estudo Rosacruz, porque mesmo o estudo teológico mais profundo, malgrado os dogmas, é essencialmente objetivo, e é precisamente neste particular que a Ordem se diferencia visceralmente das religiões. O próprio São Tomás de Aquino era marcantemente lógico, e somente em São Bento vemos exposições subjetivas, de efeito subliminar, tanto assim que há numerosos comentários à Santa Regra; note-se, ainda, que Bento não era apenas um homem de vida santa, que a Igreja houvesse decidido canonizar, mas a sua santidade independia disso; tanto que operava milagres comprovados e sobre suas palavras foi constituída uma Ordem que há mais de 1740 anos vem se mantendo íntegra como na origem; pai dos monges do Ocidente, Bento sempre combateu - e venceu - o Mal.

Ainda dentro desta abordagem é preciso exemplificar, com um quadro demonstrativo de Bem e Mal que a Ordem Rosacruz apresenta em uma monografia dos Graus iniciais. Relata esse quadro que as terras de dois fazendeiros fazem divisa e que sobre elas o Sol brilha igualmente. Mas eis que um planta café, já o colheu, e conta com o calor do Sol para secá-lo adequadamente; o outro é criador de gado e precisa do pasto vicejante, o que só se tornaria possível com uma chuva, a qual estragaria todo o café do outro fazendeiro. A Ordem, então, faz a pergunta ao estudante: A qual dos dois deve Deus atender? Eis aí, meus irmãos, perfeitamente definida, a posição do Rosacruz ante as manifestações do bem e do Mal.

No universo visível em que vivemos não existem sequer provas concretas de que seu Criador seja realmente a Suprema Personalidade de Deus. E se lermos a Bíblia como Rosacruzes, veremos que Jeová é um Deus com qualidades humanas, uma representação judaica da idéia de Deus em termos de entendimento humano. A alegoria de Adão e Eva apresentada no Livro da Gênese se afigura notadamente metafórica. Enfim, a Bíblia é antes de tudo um livro do povo judeu e de sua cultura. As noções de Bem e de Mal contidas na Bíblia são as noções judaicas. Essas noções, bem ou mal, têm servido para pelo menos tentar nortear a chamada sociedade cristã ocidental perdida nos meandros do hedonismo mais exacerbado.

De tudo o que foi dito, podemos inferir que Bem e Mal são condições da Dualidade, acima da qual está o verdadeiro Deus, o Criador de tudo o que existe, existiu e está por existir. Deus não é Bom nem Mau, nem Justo nem Injusto, porque esses conceitos são meramente humanos e só existem aqui, no Plano Terra. Porém aqui, deve haver um controle, um domínio sobre as circunstâncias, e é precisamente a isto que se propõe um Rosacruz que se assuma como tal. Neste termos, deve haver parâmetros. E um deles, é que o bem coletivo se sobreponha ao bem individual, e todo Rosacruz sincero deve lutar por isso, inclusive assumindo posições atuantes, mesmo que elas sejam momentaneamente políticas. Somente assim, com esse discernimento, é que poderá ser tentada a criação de uma sociedade humana mais justa e mais próspera em criações espirituais, culturais e artísticas, que realmente elevem o ego humano a um plano superior em relação ao do simples animal racional.

Se você é Rosacruz você não pode permanecer indiferente aos problemas que afligem a sociedade em que você vive. Você tem de lutar por princípios, por convicções; tem de se posicionar contra manipulações, tem de identificar o Mal e lutar contra ele. Um ótimo passo inicial é tentar seguir o Código Rosacruz de Vida. Só assim poderá ser exercida a verdadeira Alquimia Rosacruz, que se destinna a mudar as coisas para melhor, para que as pessoas possam viver mais felizes, com paz mental, saúde e prosperidade. Estas condições não só são possíveis como é certo que se materializarão neste novo milênio. Os Rosacruzes terão um papel marcante nesta grande obra de transformação do homem e da sociedade.

Nota: O Frater Vicente Velado, eremita da Ordem Beneditina, integra a Hierarquia Esotérica da AMORC , da qual é membro vitalício. Este artigo representa opinião pessoal sua e não opinião oficial da AMORC

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