Rádio Base - Escritos Radiofônicos

Luiz Fernando Magliocca:"o elo de ligação com minha carreira é a música, o som"
Por Enio Martins, Da Rádio Agência

Quem trabalhou em rádio e TV nos últimos 30 anos, sabe da enorme importância que ele tem para o meio. Também com certeza ouviu histórias saborosíssimas sobre esse importante homem de comunicação (e idéias). Quase uma lenda - ele deve ficar bravo comigo por escrever assim sobre ele -, Luiz Fernando Magliocca tem essa fama toda não à toa: sua vida profissional é marcada por inovações até mesmo quando ele erra. Dono de um currículo "matador", imprimiu sua marca pessoal por sempre buscar entender e tornar diferente as emissoras por quais passou. Extremamente ético e sincero, ele ainda segue seu caminho em busca do próximo desafio, da próxima novidade. Pela riqueza de detalhes e importância histórica, o RA publica em duas partes uma só entrevista. Nessa primeira, que publicamos agora, Magliocca fala do começo da carreira até seu desligamento da Jovem Pan. Na segunda parte ele contará tudo sobre a criação da 89 FM, a passagem pela Cidade, Bandeirantes, Transamérica, Capital e tantas outras.

Aproveite, leitor. Com vocês,
Luiz Fernando Magliocca.

RA - Como foi que tudo começou?

Luiz Fernando Magliocca - Olha, é muito curioso dizer o que eu vou dizer, mas é a pura verdade. Eu gostava de música. Todo meu elo de ligação com minha carreira hoje é a música. E, se eu ampliar um pouco mais, posso dizer "som". Eu acho que é um pouco mais amplo que música. Eu estava no interior de São Paulo, lá pros meus 15, 16 anos e minha prima namorava um rapaz evangélico, que apareceu lá pelos anos 60 com uma caixinha de plástico vertical com duas rodinhas nas laterais, isso era tudo que eu entendia daquilo. E ele apertou um botão e saiu uma música. A música era Exodus, do Martin Gold, tema do filme, eu nunca me esqueci disso. Eu fiquei maravilhado e perguntei o que era aquilo. Ele disse, "Eu uso isso pra fazer fundo na minha palestra na igreja". É gozado, porque às vezes você sabe que você é um cara criativo e que você é uma pessoa que pega as coisas no lance, eu acho que eu tinha disso. Dalí não surgiu nada que eu pudesse inventar, mas surgiu tudo que eu fiz de lá pra frente. Nesse momento, eu levei essa idéia pra casa, terminaram as férias, eu voltei pro ginásio e comecei a pensar o que dava pra fazer com aquilo. Pensei, "vou fazer um jornal".

Enquanto todo mundo fazia um jornal mimeografado, rodado ali na gelatina, eu fiz um jornal gravado. E eu fiz uma coisinha de 8 minutos que demorou acho que umas 10 horas para ser gravado. Meu pai me deu de presente um "geloso" (aquele gravador de plástico, um dos primeiros gravadores internacionais que entrou no Brasil) em 1º de maio, que eu me lembro que foi comprado na Mesbla quando o Jango estava caindo, se não me engano. Daí veio a idéia de fazer esse jornal falado. Eu fiz esses 8 minutos gravados num sábado à tarde, em casa, e dois dias depois o diretor do colégio me chamou. Ele me perguntou, muito brando, muito calmo, se tinha sido eu que tinha feito aquele programinha gravado e tal. Eu falei, "A culpa é minha, meus colegas não têm culpa - eu peguei 4 companheiros para fazer comigo - a idéia é minha, tudo meu". Ele falou, "Não se defenda porque eu não estou te acusando de nada. Só quero te avisar que a professora de português gostou da idéia e vai te dar uma hora por mês para você fazer isso". Então, ele só fez uma advertência, de que era preciso fazer uma coisa séria, não podia ser brincadeirinha. Por exemplo, eu colocava lá, "Filmes da Semana": A volta dos que não foram, com o professor tal, fazia essas brincadeiras comuns de ginásio. E quando ele me deu essa hora inteira, e eu, pela primeira vez, sem saber o que era, fiz a sonosplatia, a radiofonização e a transcrição de narração pra diálogo, de Singularidades de uma Rapariga Loira, de Eça de Queirós. Esse foi o meu primeiro trabalho. Tudo isso empírico. Eu não tinha anotação, não tinha nada. Fiz meu primeiro programa de rádio, inteiro, de uma hora, e aquilo virou rotina, ficou o ano inteiro no ar.

RA - Que cidade era essa?

LFM - São Paulo, Colégio Estadual da Penha. A cidade em que ouvi o rádio pela primeira vez foi Aguaí, no interior, onde eu passava as férias. Quando terminei o colegial, minha família me deu três opções: direito, engenharia ou medicina. Como eu era muito falante, acharam que eu faria direito. Eu também achava. Entrei na faculdade de direito no Mackenzie mas ao mesmo tempo prestei vestibular pra ECA, porque no tempo do cursinho eu fiquei sabendo de uma escola nova que ia ainda ser lançada no final do ano, que era a ECA, que na época era chamada de Escola de Comunicações Culturais, na USP. Ia ter Rádio e TV, e eu achei que esse era o caminho. Tive que escolher 3 opções, coloquei Rádio e TV na primeira, Jornalismo na segunda e Relações Públicas na terceira.

RA - E seu pai, gostou das suas opções?

LFM - Meu pai é contador e professor, minha mãe faz prendas domésticas. A "ovelha negra" da família sou eu. E de apoio eu só tive minha vó, mãe de meu pai, que em uma certa época disse "Graças a Deus que ele vai fazer televisão, porque ele vai resolver o problema da antena da TV Tupi, que não pega"(risos).
Isso é tudo que eu me lembro de apoio, na época. Nunca ninguém impediu, apesar de ser uma coisa muito ruim na época, era sempre mal falado e tal, mas ninguém criou nenhum obstáculo. E eu, por mim mesmo, na dúvida, fiz um ano de direito e um ano de comunicação.Isso na época da guerra de ovos! O pessoal do Mackenzie levava ovo do pessoal da USP porque era do CCC, Comando de Caça aos Comunistas, e à tarde eu levava ovo dos mackenzistas porque eu era comunista, estava na USP. Optei pela ECA, me formei em 70, fui da primeira turma. Em 69, eu acho, eu ganhei um estágio na TV Cultura. Eles fizeram um levantamento dos trabalhos dos alunos e escolheram quatro, que foram agraciados com estágio. Escolheram pelo resultado dos trabalhos e eu estava entre eles. Em 70, antes de me formar, no segundo semestre, eu fui chamado para dar aula de técnica de som e sonoplastia. Porque como era a primeira turma, não tinha professor para dar aula dessa matéria. Porque quem conhecia som, até muito mais do que eu, pela prática, era operador, tinha um nível baixo, não tinha nem ginásio. Não tinha estrutura para dar aula. Eu já mexia com isso por vontade, ou dom, sei lá. E dei aula pro pessoal.

RA - Como foi a experiência na TV Cultura, o que exatamente você fazia lá?

LFM - Na Cultura, a gente entrava como assistente de produção. A gente fazia tudo, menos ser responsável pelo programa. Mas a carga maior era do estagiário, do estudante. Porque até você se formar, você é estagiário, depois de se formar você já é profissional, mas assim mesmo eles te consideram um neófito, você não sabe nada. Enquanto no jornalismo é "foca", no Rádio e TV é "minhoca". E eu tive uma sorte incrível de ser escolhido pelo Walter Sampaio, que na época era o maior diretor de jornalismo existente na face da Terra e que tinha parado, saiu das TVs. Como todo mundo, depois de 20, 25 anos na profissão você já não aguenta mais e vai fazer alguma coisa que goste. E ele foi começar o jornalismo na TV Cultura. Eu entrei como assistente dele. Ele me escolheu para isso. E aí eu aprendi muita coisa de jornalismo. Fiz o primeiro telejornal da TV Cultura. A Cultura nasceu em 15 de junho de 69, e no dia 31 de dezembro, ela tinha que apresentar a Resenha do Ano, como chamavam. E não tinha nada, sequer a história. Saímos nós dois correndo pra buscar filme, levantar acontecimentos da época, bater na porta de agências de notícias. E montamos um programa chamado 1969: Positivo e Negativo. É até muito interessante, porque não tinha nada, eu trabalhei até o dia 31. Na passagem do ano a gente estava lá na edição fazendo as últimas montagens pro programa. Aí me deram um curso de francês pra fazer, o que me ajudou bastante, porque eu sempre gostei de francês, o que me permitiu ter uma segunda língua. E eu fiz 90 programas, que ficaram acho que 8 anos no ar.

RA - E como você foi parar na Excelsior?

LFM - Em 72, em fevereiro pra março de 72, um amigo meu, que era divulgador de rádio, levava discos pra rádio e tal, ele me falou "Olha, veio junto com um pacote de LPs que a gente recebeu, um rolinho de filme tal, você não quer dar uma olhada? Você gosta de música, pesquisa...". Eu olhei. Me lembro até que naquele dia a gente chamou o Marquinhos, que depois virou programador de rádio, que na época era o office boy do departamento.
Ele montou num carretel e colocou pra rodar. Começou a parar gente pra ver, que parecia cinema cheio, com o pessoal em pé. Eu gostei, eram fimes musicais. Até hoje eu me lembro, era Rita Coolidge, My Crew, uma música da época; um filme que me fez conhecer muito bem o trabalho de Carole King, Ten Years of Music, ela estava completando ali dez anos de música; Shawn Phillips, que na época era um guitarrista totalmente desconhecido, e pela primeira vez eu vi uma guitarra com dois braços; depois tinha Joe Cocker, no célebre filme em que ele chega no microfone, bate pra ver se tem som, e fala "Shall be the Lecture?", e aí ele canta The Letter. Aquilo se chamava "filme-clipe". Não existia video clipe porque não existia video tape, eles pegavam o musical inteiro e cortavam os pedaços. Neste momento surgiu um idéia! Eu pensei, eu não tenho câmera colorida, nem cenário porque não tenho dinheiro pra isso. Mas eu preciso fazer um programa com isso.
Como eu tive aula de table top com Maurice Campovila, se não me engano, eu pensei, vou lá na área de arte e vou pedir pra fazer no rotex deles, eles tinham um rotex grande, que a gente usava pra fazer nomenclatura. A gente fez o nome Carole King, eu juntei tudo aquilo num pacotinho, fiz uma filmagem de 10 segundos, e depois fui tirando letra por letra, "c", "a", "r", "o", formou o nome Carole King. E daquele bolinho, as letrinhas foram correndo, se animaram, e eu consegui emendar dois filmes, o primeiro ao segundo. Porque não tinha transição, não tinha nada. Eu tenho orgulho, mas isso não tem nenhuma criatividade, é o básico, mas foi tudo que eu aprendi no meio do caminho, e eu pensei, tenho que buscar esse recurso pra fazer. E fiz um programinha com 28 minutos e custou meses para ser aprovado. Eu fiz o projeto e todo mundo dizia, "Mas, música pop?". Num belo dia, a Silvinha Cardoso, filha do Sérgio Cardoso, ouviu falar dessa idéia e eu perguntei pra ela "Você conhece o Joe Cocker? Ela me disse "Eu adoro!". Eu perguntei "Já viu um filme dele?"; "Nem imagino onde", ela respondeu. Eu falei "Eu tenho", e emprestei o "programinha"para ela.

RA - Ela assistiu como?

LFM - Naquela época era comum você ter um projetor de 16 mm em casa. Eu emprestei o filme. No meio da semana seguinte veio a autorização, para fazer um pilotinho e deixar lá. Porque pra certas pessoas, a TV Cultura era o "clássico". O "pop" não. Eu até entendo. Mas esse era o meu barato. Onde eu ia curtir?
E aí saiu. Esse programa foi ao ar no dia 14 de abril de 72, um dia depois do meu aniversário, num sábado, sem querer.

RA - Sem querer?

LFM - Não foi programado! O filme que veio para aquele horário pra TV Cultura era menor do que o que estava na grade. Tinha um buraco, e como naquela época não tinha comercial, eles tinham que se virar. Correram na fitoteca e o "seu Luís", da fitoteca falou "Olha o que eu tenho aqui é aquele tapa-buraco que o Luiz gravou, que está aí, sem pai nem mãe, e é legalzinho, nada sério". Colocaram no ar. Deu não sei quantos telefonemas, foi pro relatório. Até aí tudo bem, ninguém falou nada até porque não iam dar o braço a torcer. Mas no sábado seguinte, o caldo entornou: o mesmo locutor do horário - que era quem fazia o relatório - recebeu dezenas e dezenas de telefonemas de pessoas reclamando porque o programa que estreou no sábado anterior não apareceu no seguinte. Ninguém sabia que não era programa, que não tinha estréia! E aí eu fui chamado pra fazer um especial por mês.

RA - Esse era o lendário Som Pop?

LFM - Sim, virou o Som Pop. Chamou TV 2 Pop Show no seu nascedouro, durou 16 anos do ar e quando eu saí de lá eles mudaram o nome pra mudar a cara do programa.

RA - Ou seja, não teve chamada, não estava programado, entrou pra tapar um buraco e ficou 16 anos no ar???

LFM - Exatamente. E provou que música pop tambémm é cultura, pra quem gosta. Chegou a ficar no segundo lugar de audiência da emissora, perdendo apenas para o futebol. E era popular com um bom nível. Porque eu sempre achei que não se deve fazer nada gratuito, até porque o espaço não é meu. Numa emissora de rádio, que não é minha, que é uma concessão governamental, e eu preciso ser pelo menos honesto com o dono que me contratou, eu não faço nada gratuito; numa TV cultural, educativa, que é do governo, que nós mesmo subvencionamos, não podia ser meramente um tapa buraco pra tocar música. Então tinham várias seções que eu fazia com capa de disco... Era muito difícil a produção porque eu não tinha nada de colorido. E não tinha também aquele coisa kitsh de hoje, que você mistura branco e preto com colorido e é lindo. Aliás tem gente que até prefere o branco e preto. Na época não tinha isso, ero vergonhoso você misturar alguma coisa e passar a idéia de que você não estava "completo" pra coisa. Então eu fiz na base do improviso. Tinha a capa de disco, eu fotografava em vários ângulos, ela se mexia um pouquinho no ar e eu fazia uma divulgação sobre isso. Até que alguém achou que podia ter "jabá" nessa seção e tirou a parte de divulgação, dizendo que as gravadoras teriam quem pagar pra isso. Eu disse, "olha, eu recebo todos os lançamentos da semana, eu quero que o público conheça tudo que saiu, não estou preocupado se vai vender a, b ou c, não estou empurrando disco". Mas assim mesmo eu tive restrições.

RA - Já que você entrou no assunto musical, você falou do seu começo, de como você entrou no meio, e eu fiquei me perguntando o que você ouvia na época? Samba, Bossa Nova, Beatles?

LFM - Meus pais ouviam a Rádio Bandeirantes. Primeiro eu ouvia a Rádio Tupi, que tinha um noticiário muito forte de manhã. Eu sempre tive uma vida corrida, fazendo duas faculdades e tal, eu não parava muito em casa. Depois eles passaram o noticiário pra Bandeirantes, que tocava música, mas eu ouvia o que se tocava. Eu nunca tive um gosto muito específico nessa idade. Eu ouvia o que tocava. Aí meu pai me comprou uma vitrola Eletrobox Emerson, quadradinha, uma novidade na época. Ele passou em um sebo e comprou uns discos. Entre eles, eu me lembro perfeitamente, tinha Nelson Gonçalves; tinha Phil Bodner, um saxofonista com lindas músicas instrumentais; tinha o grande barítono da época, Vicente Celestino, O Ébrio e outras coisas mais, e dois ou três "Sid" não sei o que, alguém de uma gravadora que tinha gravado uma coletânea, grandes sucessos instrumentais e tal. Depois ele passou no Mappin e comprou uma coletânea do Mappin, que eles faziam, essas coisas bem feitinhas. A Seleções do Reader's Digest vendia discos instrumentais... aí comecei a conhecer música clássica. Na verdade eu absorvia tudo que vinha, em termos de som. E posso dizer dessa coleção, Música para ouvir e sonhar, do Mappin, que tinha os instrumentais da época, eu comecei a descobrir temas de filmes que me evocavam alguma coisa. Aí nasceu dentro de mim a vinheta, a abertura, a passagem, o BG, a sonosplatia.

RA - E você começou e passou a década de 60 ouvindo o quê, afinal de contas?

LFM - Pra começar, uma parte da minha família era mais rica do que a nossa e tinha chance de uma série de coisas. Eles compravam um compacto que tinha um buracão no meio, um 45, importado, que tinha rock. Aí o meu primo chegou pra mim e falou, "Você que é o mais organizado da família, não quer trabalhar com a gente? A gente vai montar um conjunto de iê-iê-iê". Então eu virei o que eles passaram a chamar de "empregário": metade empregado e metade empresário. Eu cantava fazendo backing-vocals! Beatles, Rolling Stones, Ottis Reding, The Hollies, aquelas coisas que apareceram na época. A gente fez inscrição no Primeiro Encontro Nacional da Jovem Guarda, que era produzido pela Record, um apêndice do programa Jovem Guarda e era organizado pelo José Carlos Romeu, que foi empresário do Roberto Carlos durante muitos anos. Nesta época a gente se chamava Marble Faces, ganhamos o terceiro lugar. Eu não entendia de música, de maneira instrumental, como não entendo até hoje. Eu aprendi tocar harmônica, a sanfona. E desisti na metade, não era o meu negócio. Eu queria piano, meu pai não tinha dinheiro pra comprar o piano e eu achava que não dava pra carregar nas costas. Então ele comprou uma sanfona de presente, eu toquei, toquei, até que uma hora eu parei. Achei mais fácil tocar o que já está pronto (risos).

E aí a gente fez alguns shows, em festas de 15 anos, pelo interior, conseguimos um pequeno sucesso. Mas todos mundo se dispersou, porque tínhamos que estudar, e eu era meio marginal, não ensaiava... E o que aconteceu de muito curioso é que eu tinha um salão de música, que todo mundo chamava de "porão", no fundo da minha casa. E num sábado à noite, o Zezo, que era o meu contabaixista, foi assistir ao show de um conjunto novo, argentino, que tinha acabado de chegar. No meio da apresentação, o amplificador de baixo pifou. Ele disse que era baixista e foi correndo buscar o baixo dele em casa pra continuar o show. E no dia seguinte, dois rapazes foram devolver o baixo na minha casa, e eu os conheci. Um deles até namorou a irmã do Zezo e ficou no Brasil. Eles eram problemáticos com o serviço militar argentino... Esse conjunto tem um nome muito parecido com um nome americano... Esse rapaz que ficou virou um grande amigo nosso , escreveu a música Cavaleiro de Aruanda, fez o comercial da C&A que rendeu até um prêmio...(numa pausa da entrevista, Maglioca puxou pela memória e lembrou: o conjunto era o Beatboys, que acompanhou Caetano Veloso em festivais; o autor da música, Tony Osanah)

RA - Mas e a Excelsior, Magliocca?

LFM - Voltando à Excelsior, o sr. Antônio Celso, era o diretor da rádio na época, da AM. Tinham duas rádios AM na época em São Paulo, musicais, portanto "mães" das FMs atuais. A Rádio Difusora era baseada no esquema da WABC de Nova York. Era muito americana, tinha muito som negro e tal. A Excelsior era baseada em um som mais europeu. Então ela aceitava tocar inglês da Inglaterra, música italiana, francesa, que era o diferencial que o Antônio Celso imprimia na rádio. E a Difusora só tocava isso se fosse sucesso estourado, ela não abria para esse tipo de música. Já a Rádio Bandeirantes um pouco antes, abria um espaço, tanto é que muita coisa que conheci de música francesa, da época áurea dos italianos, foi mais no AM da Bandeirantes. Aliás, outras rádios também tocavam, não se via uma rádio só jornalística, elas tinham o jornalismo como base, mas o resto vinha "no fundinho" com ilustração musical. Aí o Antônio Celso viu o trabalho do Pop Show e achou que deveria fazer isso na rádio. Ele me perguntou se eu não queria fazer uma transposição daquilo para a rádio. Em paralelo, ele apresentava um programa para o Estúdio Free, que era um estúdio montado pelo seu Walter Guerreiro, que tinha acabado de mudar a cara da Jovem Pan, e com o Estúdio Free ele achou uma maneira de ganhar muito dinheiro. Ele afiliava emissoras no Brasil inteiro, gravava 5 minutos com Chico Anysio, já ídolo, 5 minutos com Regina Duarte, a namoradinha do Brasil etc, e cada um falava sobre um assunto. E o Walter achou que deveria fazer um programa de música pop. Ele chamou o Antônio Celso para ser o apresentador, porque ele era a "imagem jovem" da época e chamou o cara do Pop Show pra fazer o texto.

Nessa simbiose, onde eu apareci depois (porque custaram a me achar, pois na Cultura eu não era ninguém, era novo, não tinha nome, demoraram a descobrir que era eu), eles já tinham combinado de fazer isso com o Antônio Celso, qualquer que fosse o produtor. Eles me ofereceram um cachê ínfimo, e eu achei ótimo poder fazer mais alguma coisa, e aceitei. Na mesma hora o Antônio Celso falou, "Agora vamos fazer isso em rádio, em São Paulo". Porque isso que eles fazem, o tal do sindicate, idéia copiada dos EUA, só vai pras rádios brasileiras que não são daqui de São Paulo, tem um pacote de rádios no interior e nos outros estados, e vende bem. Então eu fechei um contrato com a Excelsior, virei um "produtorzinho" entre outros tantos da rádio.

RA - O que era ser um "produtorzinho" na época?

LFM - "Produtorzinho" era um cara que ia lá, fazia o programa, entregava e ia embora. Não tinha força, nem conhecimento, nem nada. Mas por ir lá, ficar lá um poquinho, começar a mexer... eu acho que eu tenho um dom de demonstrar fácil quando eu gosto de alguma coisa... E também de me apaixonar pelas coisas, de falar mais do que devo... E nessa eu entrei fazendo um trabalho de pesquisa. Eles gostaram e perguntaram, "Você não quer ficar aqui? Está saindo o chefe de discoteca, e a gente está precisando de alguém...". Eu assumi a produção, a chefia da discoteca e depois a assistência do Antônio Celso. E fiz a direção da rádio, sem que isso fosse notado, porque muitas vezes o Antônio Celso viajava e deixava tudo na minha mão, nas férias dele, eu assumia, obviamente sem ganhar e sem os louros da vitória.

Mas isso não quer dizer nada, eu aprendi muito ali, muito. Mas chegou um ponto em que já não dava mais conta de fazer tudo que eu estava fazendo. Eu tinha a faculdade pra dar aula, a pós graduação e a rádio. Se eu desse aula das 7 às 11 da manhã, 11 e meia eu entrava na rádio, a hora que desse pra eu comer eu comia, e lá ia até as 10 da noite. E depois ainda fazia trabalho da pós. E dois ou três dias por semana eu tinha aula. Começou a pesar muito, e eu resolvi pedir demissão. Logo depois a TV Cultura resolveu me dar mais um trabalho um pouco mais pesado, e eu achei que não aguentaria. Nessa hora veio a Difusora dizendo, "Nós acabamos de perder nosso diretor, estamos precisando de alguém". Eles fizeram uma pesquisa para selecionar. Mas é aquela coisa, sou apaixonado pela pela princesa Diana. Aí um dia ela te liga. E te chama pra passar uma noite com ela, não necessariamente de maneira sexual, apenas para jantar, por exemplo. É uma coisa que você aceita na hora mas depois pára pra pensar. Depois eu, como dizem os americanos, eu "realizei", e disse, "Nossa, o que é isso, a Difusora foi uma rádio que eu ouvi muito, até me eduquei através dela, como eu posso dirigir essa rádio, quem sou eu para isso?". Eu não tinha segurança para isso tudo, eu tinha acabado de sair de uma situação de chefia de discoteca. Depois veio o primeiro drama de consciência. Se eu fiz tudo isso na Excelsior, criei vários programas, fui redator e autor de várias idéias que continuaram lá...

RA - Dê uns exemplos para nós dessas idéias na Excelsior que te levaram à Difusora...

LFM - A gente recebia pacotes e pacotes, acho que uns 40, 50 compactos internacionais, que vinham das gravadoras, e não tinha como tocar. Aí a gente inventou uma coisa chamada Correspondência Musical, com abertura do Wellington de Oliveira. E o Antônio Celso, que era a voz padrão da rádio, era o "bam bam bam", era o que falava. O que eu fazia? Eu recebia os compactos. Se eu soubesse quem era o cara, eu ia atrás, pesquisava. Mas sem internet, computador, sem livro, sem nada, eu só tinha o selo. Em cima daquele selo, eu comecei a elaborar, pesquisar, descobrir, lia um monte de contracapa, quando via um encartezinho eu lia, porque disco com encarte eram os mais caros, nem sempre saíam encartes. Muitas vezes, o encarte saía no disco original americano mas não saía no Brasil porque aqui não compensava lançar uma coisa cara... enfim. Aí a gente começou a inventar, não no sentido de mentir. Mas a gente falava "ganhador do prêmio Grammy", e não tinha como checar quem tinha ganho o Grammy e eu comecei a fazer uma lista manual de quem era do Grammy, quem não era... Felizmente não eram tantas categorias como hoje, então dava pra você acompanhar e guardar muita coisa. Então eu passava tardes lendo e ouvindo. Via lá o "selão" do disco, anotava quatro ou cinco coisas e depois fazia a gravação à noite com o Antônio Celso. Ele simplesmente fazia a cabeça e às vezes o programa era montado no ar. Não tinha lá muita facilidade, tinha disco que pulava, cartucho que falhava... A gente procurava fazer tudo bem feitinho, mas ele ia ao ar como se fosse uma coisa feita na hora, que tinha acabado de chegar... Quando aparecia um sonzinho internacional, a gente anunciava "Correspondente Internacional, a notícia musical do momento...", era quando todo mundo aumentava o volume, porque só vinha novidade. Aos 15 minutos da nova hora entrava o Correspondente, então ficava todo mundo ligadão pra saber ia rolar.

RA - Como eram os locutores naquela época? Quem eram, você lembra?

LFM Bom, na Rádio Excelisor, na época era Ailton Silva, o Tostão, que fazia à noite o Cabine da Globo, e tinha uma voz muito bonita, por sinal. E ele ainda acumulava a coordenação de grade de São Paulo, era mesmo um sujeito multifacetado. Eu só lembro dos horários básicos... De 6 às 10, não me ocorre... De 10 às 14 horas era o César Fofá, das 14 às 18 era o Wellington de Oliveira, num desses horários, não lembro exatamente qual, era o Kaká, que hoje é uma das vozes mais requisitadas pra comerciais, campanhas políticas e tudo mais. Talvez o Wellington abrisse às 6 horas, e depois viessem o Fofá, o Kaká e a turma na sequência, não sei ao certo. À noite era o Tostão. E o Antônio Celso fazia os especiais, como o Supersônico...
Ele fez horário também, muitas vezes. Ele permeava a programação com umas gravaçõezinhas, com as novidades, para se poupar e ser realmente a voz que trazia a novidade. Sônia Abreu era a grande discotecária da época, que virou programadora e sabia tudo de música, até hoje sabe. Fazia Ondas Tropicais, era uma apaixonada por música. E quem eu substituí na época foi o Marco Antônio Galvão, que era o chefe da discoteca. E lá eu também aprendi outra coisa: como arquivar um disco para ficar fácil de se achar, porque tudo o que tinha lá era o nome da música e um número, só. Bom, eu me lembro de algumas coisas florescendo lá, pra mim era muita novidade...

RA - Aí você levou esse "pacotinho" para a Difusora?

LFM - Não, não. Absolutamente nada. O que aconteceu na Difusora é que eu peguei uma rádio pronta, que eu gostava de ouvir e que fazia muito sucesso, e eu achei que não poderia botar muito a mão. Eu mantive as coisas que existiam no começo e comecei a pensar na seguinte maneira: "Se eu deixei uma rádio em uma boa posição, como é que eu faço pra fazer a outra (porque não que ele estivesse abaixo, mas elas competiam), como eu faço para a minha ficar totalmente acima? Esse é meu desafio, eu vim aqui para isso". Então eu comecei a pensar em coisas que o rádio não fazia. Eu me lembrei que eu tinha esse salão de música, e que já começava a ter disquinhos, porque ganhava um pacotinho da gravadora e ficava lá no final de semana, ouvindo. Eu vi que a Difusora tinha um trabalho de "cruz" como a gente chama: hora cheia, noticiário, 15 minutos, intervalo comercial, comercial, comercial. Todo mundo faz assim? Eu vou fazer o contrário. A que horas a emissora concorrente entra com o comercial? Aos 15, e termina ao 18. Meu comercial vai ser depois disso.

Então, quando ela entrar com o comercial, o ouvinte vai mudar aqui pra minha e vai ouvir música, e vai ficar comigo. Isso eram idéias, não tinham sido implantadas ainda, estava fazendo os planos na minha cabeça. Eu pensei, "Eu preciso que o ouvinte saia de lá e encontre uma música que não vai parar, porque se eu parar aos 18, ele volta para a outra rádio". E aí a gente tem que brigar com o comecial, essas coisas. E o Cayon Gadia achava que era uma rádio que não podia ser falada, o comercial queria ganhar dinheiro e não sabiam como fazer pra ganhar. Então eles inventaram uma coisa muito legal: a rádio só tinha um anúncio, lá no comecinho das 4 músicas, (a gente pode dizer que era bem diferente de hoje, não tinha essa loucura de vida, as pessoas até ficavam 4 músicas, 15 minutos em uma rádio só, mesmo porque não tinha tanta opção). O Cayon criou junto com o comercial uns slogans, alguns famosíssimos, como o "Gente fina é outra coisa". O anunciante pagava mais caro para entrar em uma introducão de música em que não se falava outra coisa, só o slogan dele. Baseado nisso, eu pensei que tinha que inventar alguma outra coisa que seja diferente, que estoure. Criou-se na minha cabeça a necessidade de se inventar algo contrário, completamente contrário à Difusora.

RA - Que foi...

LFM- ...Que foi o Melhor de 3. Se eu tocava 4 músicas e não falava nada, eu passei a tocar 3 músicas, anunciava todas no começo e no final; depois da segunda eu falava "Toquei tal música, ainda vai tocar essa e essa", terminava a segunda eu falava "Toquei a primeira, a segunda, liga pra cá enquanto eu toco tal". Quando terminava a gente fazia uma computação rápida na mão, comercial de 30 segundos: "Coca-Cola oferece a melhor de três". A mais votada voltada em seguida. Aí nasceu a "Melhor de 3", que é o esquema mais copiado entre as minhas várias criações, com "n" nomes, "n" rótulos, e nunca ninguém me deu nenhum royaltie. Eu gosto de deixar isso claro porque saber copiar todos sabem, os donos de rádio, os "pais da pátria" inventam, inventam, inventam e estão sempre em cima das mesmas coisas...

RA - A coisa da vinhetagem surgiu nessa época também?

LFM - Não, a vinhetagem foi uma cópia do que se fazia nos EUA, onde havia produtoras especializadas em fazer transição. Então quando tinha o que eles chamam de fast slow transition, quando por exemplo, terminava uma música em bateria e a outra vai começar em um vocal lindo, vai dar um choque. Aí eles faziam uma viradinha rápida de 3, 5 segundos, com um canto suave, um coralzinho bonitinho pra aparecer o nome da música. Eu não posso garantir quem fez primeiro, mas acho que primeiro a Jam fez, depois várias empresas que eram de jinglistas se especializaram em fazer isso para as rádios.

RA - Isso acontecia na Difusora?

LFM - Tinha, tinha sim. Todo mundo sempre foi muito copiador no Brasil. Eu não vou dizer pra você que eu nunca copiei ninguém, até porque, como já disse, não sou o cara mais criativo do mundo, mas eu tenho idéias a partir de coisas que estão "rodando" no ar. Mas eu odeio copiar. Eu acho que, se você copiar e não puser o nome do autor, além de ladrão, você está infringindo uma coisa sua, é eticamente deselegante. Mas as pessoas copiavam. Vinha um demo dos EUA, e quem era esperto, como o Carlão (que era muito mais esperto do que eu, porque ele estava no meio há muito tempo, enquanto eu fazia aulinha de francês, nem tinha muito malandragem de buscar coisa lá fora e tal), aproveitava. Tanto é que ele criou uma coisa de muito sucesso que foi a "Varig traz com exclusividade e a Rádio Difusora apresenta, sucessos de todo o mundo". Eles faziam pesquisas em revistas da época e colocavam, tal música é primeira colocada em tal lugar, etc. Às vezes não era primeiro lugar, mas tudo bem. Aí vinham as vinhetinhas: "Em ligação com a rádio tal", e entrava a vinheta, da WABC, por exemplo. E vinha de fora a "demo" com a vinhetinha. Eu não tinha acesso a isso, aliás, eu não conseguia nem verba com meus chefes para ir comprar material no exterior, nem disco. Fazia só o que dava com o nacional. Enfim, mas o que eu posso dizer que nasceu da minha cabeça e que alguns cantores até hoje xingam a minha mãe, inclusive a Rita Lee, que é uma grande amiga já fez isso por telefone - ela elogiou minha mãe. Ela disse que não sabia que tinha sido eu, senão teria a mandado castrar!(risos)
É, mas eu inventei foi quando eu trabalhava na rádio Jovem Pan, quando o Tutinha me chamou para coordenar uma equipe. E eu fui. Cheguei lá e comecei a ter idéias. E trabalhei com o Luis Henrique Romagnoli, que é um sujeito altamente criativo, esse sim a gente pode falar que é um talento. E eu e Luis Henrique fazíamos brincadeiras. A gente precisava botar um nome no nosso carro, que sempre mudava, uma dia era um Ford, outro dia era outro, era o carro que sobrava do AM. Surgiu nessa hora o nome Peruinha da Pan. Aquela coisa do adeviso, de perseguir quem tem o adesivo da rádio! Não foi invencão minha, mas eu fiz isso ainda na Difusora, por ordem e graça do Julinho Mazei, que me deu uma idéia do que se fazia nos EUA e eu assimilei aquilo e mudei, fazendo uma jogada que eu achei que daria certo.

RA - Explique melhor.

LFM - Pensei, vou distribuir adesivo para quem ouve a rádio, e depois vou atrás dela, atrás deste adesivo, sabendo se o cara está ouvindo a rádio ou não. E eu ia na louca, encostava o cara que estava com o adeviso, colocava o microfone na rua e perguntava, "O que você tá ouvindo?", essas coisas. Também não tinha problema de trânsito, era mais tranquilo... Hoje isso é até deseducativo.

RA - Voltando às vinhetas...

LFM - Começamos a gravar, eu já mais esperto, com conjuntos nacionais. O próprio César Camargo Mariano
fez um pacote de vinhetas para nós, o Roupa Nova fez duas ou três... Eles faziam para todas as rádios. Na Excelsior, na época era basicamente o Roupa Nova, Trio Esperança, Evinha, obviamente, que fazia solo, e os Golden Boys. O mais lindo de nacional a gente tinha, tudo baseado nos americanos. Isso da Excelsior. Na Difusora a gente fez com o César Camargo, Roupa Nova, o nosso Placa Luminosa e o Hélio Eduardo Costa Manso, que hoje é diretor da Som Livre, começou a fazer um pouco de locução. Ele me levou até um estúdio e começou a fazer uma brincadeira. E vieram umas idéias. Nós tínhamos nas promoções da Jovem Pan um convênio com os empresários. A gente ia entrevistar o cantor que eles pediam. A gente tinha sim a idéia de divulgar.E para não colocar o locutor fazendo, a gente pensou em começar a fazer umas coisas diferenciadas. Eu posso dizer que não tinha onde me basear, porque não tinha rádio que fazia isso, praticamente eu sou um dos iniciadores da promoção em rádio. Não tinha como ouvir rádio americana para ouvir o cantor falando ou não. Mas era um recurso fácil, o cantor estava na minha mão, ia lá pra conversar conosco. Então nós conseguimos em uma entrevista com Caetano Veloso no hotel Macksoud, que ele gravasse o nome da rádio, cantado. Ele me disse "Você me desculpe, mas eu não ouço a sua rádio, eu não sou daqui, eu moro em Salvador, não posso garantir que eu vá fazer uma coisa bem feita". E eu respondi, "Mas é simples, o logotipo da rádio é simples, assim (cantando) Jovem Pan 2". E ele me respondeu, "Nossa, você é muito desafinado"(risos).

RA - E você?

LFM - Brincando, eu disse que era óbvio, pois se eu tivesse afinação seria eu quem estaria dando a entrevista, não ele. Eu sou meio ariano demais para falar as coisas! Nesse momento uma menina viu que o clima não estava muito legal e pegou o violão, e cantou as 3 notinhas, (cantando) Jovem Pan 2. Caetano então gravou. E tudo certo.
Quando eu entro no estúdio, feliz por ter conseguido que Caetano Veloso gravasse o nome da Jovem Pan, Serginho Leite, nosso locutor da época, que tinha um ouvido de fera, disse "meu, tá no tom do Trem das Cores!". Colocou em áudio o Trem das Cores, e na hora que a música deu o breque, ele meteu o "Jovem Pan 2" cantado pelo Caetano. Deu certinho! Juro, eu me arrepio de novo lembrando. Peguei e montei. Coloquei no ar. Aí chega o diretor e diz pra mim: "Lá vem você com as idéias varzeanas da Difusora. Tira essa merda do ar". Eu tirei.

RA - Diretor?

LFM - Era o dono, Tutinha. É meu amigo, sabe que falo essas coisas, porque eu já contei várias e várias vezes, mas ele me deu chance de fazer outros sucessos nos momentos em que eu era pressionado a não fazer certas coisas. Eu acho que ele está é certo, ele é dono da rádio. Só lamento que, se ele tivesse me ouvido um pouco mais, o seu sucesso teria sido mais longo, naquela fase. Logo depois eu me desencantei com uma série de coisas, inclusive com algumas proibições, e pedi demissão. Depois do quarto chamado para trabalhar na Rádio Cidade eu sucumbi. Eu sempre dizia para o superintendente do JB que eu acho que casamento é uma coisa séria. Tem que ser fiel, pra valer. A partir do momento que você quer pular o muro ou sair com a secretária, é porque alguma coisa já não está bem. Então, na hora em que eu começar a flertar com você, é porque realmente o casamento terminou. Por enquanto é ótimo conversar, a gente senta pra almoçar e papear... 3 vezes foram assim. Na quarta vez eu topei, o casamento acabou mesmo. E me despedi na transmissão de um show do Roberto Carlos, em julho de 84, e fui pra Cidade na segunda feira. Cheguei lá, havia o mesmo problema do que na Excelsior e Difusora: eu tenho que começar a fazer alguma coisa muito melhor que fiz na Jovem Pan. Porque na época já tinha concorrência, já tinha muitas emissoras musicais, a rádio já tinha uma cara... Antes, rádio musical era rádio musical, todas elas eram um pouco musicais, tocavam vários tipos de música, mas não tinha uma rádio com cara. Rádio top 40, rádio rock, começou a haver uma separação.

RA - Você acha que nesse momento, depois de toda essa história, quando você entrou na Cidade, foi a hora em que você virou "maestro" de verdade?

LFM - Não... se você me perguntar qual foi o "auge" da minha carreira eu não sei. Na Difusora eu me senti seguro. Eu sempre tomei muito pé das situações. Lá, tinha uma coisa que não tinhas nas outras rádios: eu era responsável por pegar um disco, escutar uma faixa e tocar, independente do que estava acontecendo nos EUA, porque eu nem sempre tinha a pesquisa verdadeira. Quando a Cashbox, a revista, chegava aqui, já estava atrasada um mês e tanto, e também não era obrigado a tocar a mesma coisa que tocava lá. Como eu não gosto de jabá e não permitia que meus programadores aceitassem dinheiro de gravadora, eu pensava: Bom, quem tem o direito de acertar ou errar aqui sou eu, não pela minha fama, mas porque a responsabilidade final é minha. Mas eles eram 4 (programadores); se eu achasse que tinha que tocar uma música, e eles achassem que não, é porque alguma coisa estava errada. Ou é anti-jabá ou é jabá demais (risos). E quando os 4 achassem que tinha que tocar e eu achasse que não, alguma coisa estaria errada também... Algumas vezes eu acertei músicas, que a minha equipe tocou uma vez e estourou, e era coisa que a gente ia buscar lá fora. E quando eu comecei a poder viajar, eu ficava ouvindo música na salinha da discoteca, e pensava, "Nossa, mas não tem nada parecido com isso no Brasil, a gente precisa achar uma cara pra promover essa música". Simplesmente, música que não tinha pai nem mãe no Brasil. A gravadora da França, por exemplo, tinha levado o disco para o Midem, o mercado do disco, pra vender. Ninguém sabia quem ia comprar. Todo mundo ganhava amostras, levava para ouvir e decidir depois. Então eu consegui sair na frente. Quando eu fiz minha primeira viagem internacional, também vendo o trabalho que o Antônio Celso tinha feito antes, porque ele era fera nisso, eu comecei a ter os meus próprios domínios. Não tinha a cara da Excelsior mas teria a cara da Difusora. E aí eu lancei a Sheila B, que foi o primeiro Singin' in the rain discotheque, lancei o Silvester, que na época estava estourando, You make me feel e tudo mais...

(Continua.
Leia a segunda parte)

Transcrição & pesquisa: Cecília Lara
Fotos:
Décio Figueiredo

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