Altieri defende o "ouvinte-repórter"

José Paulo Lanyi

Do Website Comunique-se

21/03/2003

Adhemar Altieri é um dos grandes do rádio e da televisão de São Paulo - seguramente, um dos maiores do País. É bom parar para ouvi-lo. Sobretudo quando ele não concorda com a gente. Suavizamos, assim, aquela velha e ingênua inclinação humana pela verdade definitiva e absoluta. 

Tenho graves restrições contra o chamado “ouvinte-repórter” (desse jeito mesmo, não por acaso entre aspas). Foi tema do artigo “O ‘ouvinte-repórter’ e o ‘repórter-ouvinte’ ”, nesta Link SP. Meus argumentos estão lá. O Adhemar discordou e sugeriu um bate-papo. Aqui estamos. 

Adhemar –  triste dizer isso, e refiro-me à maioria - é uma das exceções, no universo da indigênncia moral e intelectual que se está tornando o rádio paulista, há alguns anos, ao pulsar de grupelhos que se fazem e se desfazem, no fluxo e no contrafluxo do arrivismo premente.   

A vida desse jornalista tem três vértices: Brasil, Canadá e Estados Unidos - 17 anos de Canadá e quatro anos de Estados Unidos. Em maio, Adhemar completa 25 anos de carreira nos três países.

Começou no Canadá, onde sua família morava (e ainda mora). Ainda no primeiro ano (1978) do Humber College, em Toronto – faculdade em que se formou em jornalismo -, um professor convidou-o para estagiar na rádio 590/CKEY, cabeça-de-rede da maior cadeia de radiojornalismo do Canadá, a Newsradio, associada à CBS News americana– com a qual Adhemar colaboraria por dez anos (até mesmo com o lendário “60 Minutes”, jornalístico de maior audiência nos EUA).  

Em 81, veio para a TV Globo em São Paulo. Foi repórter dos principais noticiários. “E um dos primeiros a usar as UMs [Unidades Móveis], a entrar ao vivo”, diz, já naquela época ancorado em sua experiência no Canadá. Era o tempo do “Globo Cidade”, criado por Boni para enfrentar “O Povo na TV” (TVS), sem baixar o nível.

Um ano depois, Adhemar pôs os pés em sua primeira jornada como diretor de jornalismo da Rádio Eldorado. O diretor-geral, João Lara Mesquita, recém-chegara de Nova York. “Foi um período de construção da Eldorado. Estava abandonada, esquecida”. Precisou de uma reformulação total. “Ali nasceu um monte de conceitos que duram até hoje”- os horários dos jornais, programação, correspondentes, enfim, a linha da rádio. “Até ali, pegavam notas da Agência Estado, reescreviam e liam no ar, não tinha jornalismo de rádio”.     

Adhemar ganhou, em 87, uma bolsa para fazer mestrado em jornalismo na Northwestern University, em Chicago. “Essa universidade é ranqueada até hoje número um para cursos de pós-graduação em jornalismo falado. A Columbia é tida como a primeira para quem faz jornalismo impresso”. Escreveria, no curso, sobre o uso da informação em off. A dissertação nos faz lembrar de um caso recente do jornalismo contemporâneo brasileiro: a divulgação, na Revista IstoÉ, das - eufemisticamente - “maquinagens”; de ACM – reveladas em off

Antes de viajar para os EUA, Adhemar deixou a Eldorado e bolou, com Marcos Wilson, o projeto jornalístico do SBT. “Em março de 88, o Marcos foi contratado [como diretor de jornalismo] e me avisou. Quando acabei a pós-graduação, voltei para o Brasil e me integrei ao SBT”. Em outubro de 88, concluído o MSJ (Master of Science in Journalism), assumiu a direção de telejornais regionais da emissora. No primeiro ano do projeto, o SBT ganhou o Líbero Badaró. “Foi um susto no mercado, o SBT ganhar um prêmio desses. Incrível, porque foi dado por ser a maior contribuição do ano para a melhoria do jornalismo no Brasil”. Foi merecido, mas ninguém esperava. Vez em quando, Adhemar também ancorava o TJ São Paulo. “Eu fazia a folga do Ederson Granetto e do Arnaldo Duran”.  

Em 90, Sílvio Santos resolveu “popularizar” a emissora. Adhemar saiu para não fazer o “Aqui Agora”. Voltou para o Canadá e ingressou na CTV (Canadian Television), a principal rede privada do país, “a Globo de lá”. Foi editor de especiais do “Jornal Nacional deles”. Depois, editor de internacional. “Coincidentemente, fui editor de ‘inter’ da CTV durante a Guerra do Golfo. O Canadá mandou aviões, soldados, participou daquela guerra ativamente”. 

Mais um ano e meio e ele recebeu uma proposta para trabalhar na CBC (Canadian Broadcasting Corporation), a grande rede pública canadense. “É um clone da BBC”. No início, foi editor de internacional do programa “Sunday Morning”, o principal dos documentários da rede. Três anos de experiência, orçamento generoso, repórteres para o mundo inteiro, Adhemar migrou, em 94, para o novo canal de jornalismo 24 horas da CBC, o NWI (Newsworld International). Hoje, o maior número de assinantes desse canal está nos Estados Unidos. Os próprios americanos deram preferência ao jornalismo canadense, mais equilibrado, à distância do ufanismo. “O NWI está lá dentro da CBC mas foi comprado pela Fox”.

Adhemar voltou para a Eldorado em 97. Dirigiu, uma vez mais, o jornalismo da emissora. “Foram 14 prêmios. A rádio ganhou o APCA duas vezes, ganhou Líbero Badaró, ganhou Vladimir Herzog, ganhou Embratel... Todos os principais prêmios de radiojornalismo a Eldorado ganhou”. Ele ainda se orgulha. “Porque era comparável ao jornalismo que eu fiz quando estive fora do Brasil esses anos todos”.

Ele saiu da Eldorado em 2001. Resolveu tocar a sua empresa, a MediaLink Projetos em Comunicação. “Não é uma assessoria, desenvolve projetos, conteúdos”. Pode ser uma rádio inteira, como foi com a Kiss FM 102, 1 (linha “Classic Rock”), do projeto físico à gestão.

Ficou na Kiss por pouco mais de um ano. Hoje, além da MediaLink, produz o “On The Rocks”, programa dedicado ao rock, exibido na allTV às terças-feiras, das 20h às 21h. O “On the Rocks” é apresentado por Paulo Zappa e Tarcísio de Carvalho, com reportagem de Kiko Agostinho.

Adhemar também é editor-especial da América Economía, a única revista pan-americana de negócios, fechada em Santiago, no Chile, com distribuição regional em duas línguas: português e espanhol. “Você não vai ver nada assinado por mim, eu trato com o diretor da revista, alerto, escrevo alguma coisa que é incorporada por matérias de outros”. O jornalista também tem, há quatro anos, o site Infobrazil, de análise e opinião de temas brasileiros. É um espaço para estrangeiros, feito em inglês. Apenas 5% da visitação vem do Brasil. “Há dois anos e meio, o site é o número um do Google entre os sites sobre o Brasil”. No ranking Alexa (ênfase em qualificação), o Infobrazil, na internet inteira, “que tem bilhões de sites”, é o número 96 mil. “Está na frente de um monte de sites de grandes jornais”. 

Como se vê, a briga aqui na coluna será duríssima... Fazer o quê? Vamos para o ringue:               

José Paulo Lanyi - Adhemar, me convença do “ouvinte-repórter”.

Adhemar Altieri - Eu acho o “ouvinte-repórter” uma bela sacada. Eu acho. Agora, ele tem seus problemas. Você não está errado em levantar a questão do risco. É claro que existe um risco. Mas aí é que entra a postura que você tem que ter ao tomar a decisão de usar uma ferramenta dessas. Não serve para qualquer rádio, não. Isso eu te afirmo desde já sem nenhum medo de errar. Tem emissoras que se botarem algo nessa linha para funcionar vão se dar muito mal.

JPL - Por quê?

AA - Por causa do perfil da audiência que elas atendem. Aqui não vai nenhum desrespeito a nenhuma camada da sociedade, mas se você tem uma rádio num tom popularesco e jogar uma hipótese de “liga pra cá e conta as novidades”, o critério que essas pessoas talvez tenham do que é novidade, o que é interessante para o mundo saber é outro. Então você vai numa rádio como a Eldorado, você está falando de um público que há anos no Brasil é o mais qualificado. A Rádio Eldorado é a mais qualificada do Brasil, ela se comercializa com base nisso. Ninguém olha Ibope para anunciar na Rádio Eldorado. Olha a qualificação. Se você quiser a rádio que tem o maior índice de pessoas com nível superior é a Eldorado; classe AB, é a Eldorado; maior índice de ouvintes que viajam para o exterior, é a Eldorado; maior índice de ouvintes que tem carro importado, é a Rádio Eldorado... Ela ganha em tudo.
Você parte de alguns pressupostos. Você está falando com um público um pouco diferenciado das outras rádios, certamente da média brasileira. A Rádio Eldorado não é uma rádio muito Brasil no seu perfil e no tipo de público que ela atende. Ela é diferente. Então você pega uma coisa como ouvinte-repórter e gera outro tipo de reação. O ouvinte da Eldorado leva isso a sério. Enquanto que se você fizer algo assim em outra rádio, vai virar pentelhação, vai virar chateação, vai virar: “Pô, mas que coisa, os caras ficam ligando lá para falar isso!”. Você não via isso acontecer na Rádio Eldorado.

JPL - Mas na própria Eldorado havia os casos de trote também, o cara ligar e dizer “Ó! Quer saber? Vai todo mundo ‘para aquele lugar’ ”...

AA - Houve, houve sim, não vou dizer que nunca houve. Mas é tão raro, é tão isolado, e as pessoas que atendiam estavam escoladas. Tinha um sisteminha de cadastramento. A gente sempre sugeria que os ouvintes se cadastrassem e isso você tem que fazer com cuidado. Se o cara está te ligando do trânsito, está no celular... Ali não é hora de você dizer: “Ah, então me dá o teu nome e telefone”. O cara nunca mais vai ligar pra você. Então o que a gente fazia? Tinha o setor de marketing da rádio. Conforme as pessoas ligavam, a gente pegava esses nomes e telefones e mandava para o marketing. E o marketing, depois, ligava para pessoa: “Oi, aqui é da Rádio Eldorado. Quer fazer o seu cadastrinho com a gente?”. Qual a vantagem de ser cadastrado? Entre outras, você acrescenta confiabilidade ao esquema.
O pessoal que atendia os “ouvintes-repórteres” tinha [na época de Altieri] uma tela de computador aberta que tinha que ser atualizada pelo marketing. Você atendia: “Pois não”, “Aqui é o fulano”, “O senhor é cadastrado?”, “Sou”. Era na hora. Bater o nome do cara e aparecer ali. Na época que eu saí de lá, a rádio tinha uns quatro mil cadastrados. E as pessoas não se incomodavam, porque a própria postura da rádio inspira mais confiança. Se você tentar fazer isso em outros tipos de rádio, o cara já vai falar: “Ô, já tá perguntando coisa pra quê? Por que você quer saber isso?”. É outra resposta, é outra reação. Como o  cara percebia que aquilo ia para o ar de uma maneira séria, ele também não se incomodava em te dar algumas informações a respeito dele e estar no seu cadastro.


JPL - De forma geral, eu percebo que o “ouvinte-repórter” acaba gerando uma certa acomodação nas emissoras. Muitas vezes, mandam embora repórteres - ou simplesmente não contratam repórteres necessários para cobrir determinada área – vamos falar do trânsito em si - porque se valem do recurso do “ouvinte-repórter”. Você fez uma crítica ao meu artigo aquele dia dizendo que a mentalidade brasileira é a de não aceitar o trabalho voluntário...

AA - Ou de achar que é errado... Mas isso está mudando...

JPL - ...Mas acho que no caso de uma empresa, de uma emissora de rádio, principalmente emissoras grandes, a gente não pode dizer que isso é um trabalho voluntário. A gente pode falar de trabalho voluntário para instituições filantrópicas, ONGs, etc. A emissora tem obrigação de contratar gente qualificada que exerça um cargo jornalístico.

AA - Não discordo de você. Acontece que você não é capaz de contratar jornalistas suficientes para fazer tudo o que você pode fazer com o artifício do “ouvinte-repórter”. É impossível. Não adianta sonhar isso. Você não vai conseguir. É completamente inviável pensar isso. Quando tracei o paralelo com o trabalho voluntário, eu estava falando da postura da pessoa, que é essencialmente a mesma. Se você vê um acidente que está parando a [avenida] 23 de Maio e não tem ninguém ali, você sacar um telefone e ligar para uma rádio, você ajudou um monte de gente. Essa é a sensação que a pessoa tem. Agora, é humanamente impossível você se programar e ter gente suficiente para estar lá na 23 de Maio na hora daquele acidente. Não dá para você pôr um repórter em cima de tudo.

JPL - Mas será que o conceito não está equivocado? Será que a fonte não virou repórter e as emissoras acabaram abraçando esse conceito de que o ouvinte é repórter quando na verdade é fonte?

AA - Eu acho que é um a mais. Você não pode considerar isso favas contadas, achar que isso vai te render “x” notícias. Não. Se vier alguma coisa que for útil, legal. Se não vier nada, tudo bem. Você tem que funcionar do mesmo jeito. (Enfático) Era assim que eu tratava a coisa na Eldorado, eu não fazia nenhum plano para depender do “ouvinte-repórter”. Quando a gente montava os esquemas de cobertura – o que gerou tudo isso [a discussão no Comunique-se] foi um problema na baixada [leia “Band e CBN furam a fila da balsa”].

Tradicionalmente, o esquema de cobertura de verão da Eldorado no litoral é o maior. Teve um ano que a campanha publicitária do projeto da Eldorado de verão tinha uma foto de quatro helicópteros, e estava lá: “Força Aérea Eldorado”. Porque tinha momentos em que a gente voava simultaneamente com quatro helicópteros. Você nunca viu isso. Ninguém poderá alegar – será mentira se alegar- que a Eldorado podou recursos porque dependeu do “ouvinte-repórter”. É mentira. Eu falo isso na cara de qualquer um. Porque nunca aconteceu. A gente sempre se equipou para fazer o trabalho. O “ouvinte-repórter” é um a mais. Esse é um argumento furado que às vezes é usado também com relação ao pessoal que é videógrafo, faz video-reportagem solo. “Ah! Isso aí as tevês fazem para não contratar cinegrafista”. Balela. Esse é outro estilo de trabalho. Se uma emissora pega e faz só isso, ela está contratando gente para fazer isso. Teve já casos no passado... Até diria que quando isso surgiu no Brasil, não foi original.
Aliás, o nascimento da video-reportagem foi no Canadá, não foi no Brasil. Foi em Toronto mesmo. Aqui, a primeira vez que foi feito foi na TV Gazeta, com os repórteres-abelha. E eles disseram abertamente que aquilo era o que eles tinham condição de fazer. Já que eles tinham condição de fazer só daquele jeito, dar uma camerinha na mão do abelha, sai e faz a matéria, porque eu não tenho condição de contratar um monte de equipe... Ora, eu, como jornalista, penso que é melhor fazer isso do que não fazer nada. Então para mim esse argumento é furado, não tem essa de substituição.

JPL - Há emissoras que oficializaram o profissional como motorista, repórter. O repórter não é só repórter. Ele é repórter e motorista. Isso é uma evidente decisão de corte de custo questionável.

AA - Isso afeta a qualidade. Eu penso que a gente no Brasil foge muito das conseqüências das coisas e acha que as conseqüências não significam nada. Eu sinto muito, se uma emissora pega o repórter e diz: “Você agora também vai dirigir o carro”... Ora, ela pode tomar essa decisão empresarial e fazer isso. Só que a qualidade dela vai sofrer e ela vai pagar por isso lá na frente. Porque o ouvinte vai notar. Em algum momento, aquilo vai ter um efeito no trabalho final dela e ela vai pagar por isso. A gente não pode descartar esse efeito. Ele é forte.
A quem devemos satisfações como jornalistas? A quem nos ouve, a quem nos lê, a quem nos vê. Em primeiro lugar. Nós somos prestadores de serviço. Nada mais. Não estamos aqui para fazer fama, para ter carinha bonita. Jornalista é um prestador de serviço. Nós existimos para servir a sociedade. Se você servir mal, a sociedade tem opções. Cada vez mais. Hoje, os veículos não competem mais rádio com rádio, tevê com tevê. É tudo contra tudo. Porque tem um bicho chamado Internet que mudou tudo. (...) As pessoas têm “trocentas” opções para se informar , se entreter... Então, se elas param num canal e [o canal] não está atendendo, elas vão para outro. Esse é o risco que você corre quando corta as rebarbas com atitudes assim.


JPL - Mas há emissoras que, pelo jeito, gostam de correr esse risco, porque a gente está vendo distorções...

AA - Mas além de você apontar o dedo – o que eu acho correto - para emissoras que fazem isso de fato, de caso pensado, você tem que apontar o dedo também para a sociedade, que, como consumidora da informação e do entretenimento, tem que aprender a diferenciar. A gente sofria um pouco na Eldorado, porque a gente sabia que trabalhava com um padrão de qualidade que não era o mesmo das outras. Isso muitas vezes passava batido, não era reconhecido. Isso doía. Eu sei que estou pondo dinheiro ali, estou fazendo o melhor possível... E nem sempre isso refletia no resultado. Isso é doloroso.

JPL - Resultado de audiência?

AA - Sim. Quando falo em retorno, falo em retorno amplo. Uma decisão de um anunciante de não fazer você e fazer outra emissora, numa área que você sabe que faz melhor do que aquela emissora... Dói isso. A mim me incomoda, como profissional me incomoda. Eu tenho autocrítica. Se eu fizer um negócio que não ficou legal, eu também não vou ficar querendo defender para você que foi bom, eu admito para você que não foi legal. Não tem essa de querer ficar tapando sol com peneira. Porque não adianta, nós estamos expostos, o que a gente faz é para o público. Então, alguém está vendo, ouvindo e vai chegar à sua conclusão, independente do que a gente acha.

 

JPL - Profissionalmente, então, você acha correto: tem um ouvinte, uma pessoa que não tem formação jornalística nenhuma; você não sabe quem é – a rigor não sabe quem é-  e dá a essa pessoa esse status, essa condição, esse estado de repórter. Isso não é um erro conceitual?

AA - Não, não é um erro conceitual porque você não deu status de repórter. Você deixou em primeiro lugar muito claro para quem está ouvindo que você pôs no ar um ouvinte...

JPL - Então não se devia chamar de repórter. É uma fonte.

AA - Mas está dizendo: o “ouvinte-repórter”. Você está qualificando. Eu não vejo problema com isso. A gente se atem muito a termos...

JPL - O que você acha desses casos que se proliferam por aí, de “ouvinte-repórter” desmentindo o profissional? Você sabe que isso acontece muito. Não fica mal para o repórter e para a própria emissora que contratou esse profissional? Ou será que o “ouvinte-repórter” é o ombudsman da emissora?

AA - Eu acho que isso daí é para pensar. Eu daria portas abertas a esse tipo de checagem. Eu quero meu trabalho conferido.

JPL - Assim, em público, antes de ouvir a palavra final do repórter?

AA - Eu nunca vi nem ouvi acontecer. Mas é preciso tomar cuidado. Quando eu disse lá na discussão [do Comunique-se] que esse esquema de “ouvinte-repórter” é mal copiado por aí é porque, de repente, esse tipo de coisa pode ser armado. Porque se você atende um ouvinte na redação e o cara diz que vai fazer isso e você põe ele no ar, você está procurando auê. Não está procurando informar, mais. Esse é um dos cuidados que você tem que tomar ao receber a ligação, e vê o que a pessoa está te dizendo.

JPL - Mas não precisa haver dolo nisso. O ouvinte liga e diz: “Não, eu estive lá agora e não é nada disso”.

AA - Isso aí é perfeitamente possível. Em São Paulo, por exemplo, informação de trânsito: até com helicóptero isso acontece. O helicóptero passa num lugar e diz: está livre. Daí a um minuto acontece um negócio e não está mais livre. Aí o ouvinte chega lá: “Pô, você não disse que estava livre? Não está, está tudo parado aqui”.

JPL - Mas recentemente, nessa situação da Baixada [Santista], aconteceu naquele exato momento. Quem salvou a emissora foi o “ouvinte-repórter”... [Leia “Band e CBN furam a fila da balsa”]

AA - Aí você precisa tomar cuidado. De repente, quem fez a coisa errada foi o entrevistado da Dersa que falou para a emissora que estava tudo bem. Se você está falando com um representante da empresa, parte do pressuposto de ele é confiável. É o tal negócio, por mais que você se cubra, não dá para ter repórter em todas, né.

JPL - Tá, mas num carnaval é aconselhável que você mande um repórter para a Baixada...

AA - Mais de um...

JPL - Pelo menos um...

AA - Na Eldorado, no último ano em que eu estive lá, no verão, a gente alugou um apartamento de quatro dormitórios no Guarujá para dormir toda a nossa equipe que ia para lá no fins de semana. Não era pouca gente. Eram dois carros que desciam, um helicóptero que ficava lá embaixo, voava lá de baixo... Iam repórteres, técnicos, mantínhamos um estúdio no shopping La Plage... Mas não adianta. Por mais gente que você ponha lá, vai ter alguns lugares que não vai dar para cobrir in loco com a tua pessoa. É aí que o “ouvinte-repórter” ganha importância, ele é um a mais.

JPL - Mas há emissora que simplesmente não está mandando repórter para a rua. E tem “ouvinte-repórter” “trabalhando”. Isso é uma distorção administrativa, de gestão.

AA - Você caiu numa situação que eu condeno. Não tem dúvida que está errado. Repito o que eu falei para você. Que eu tenha conhecimento, na Eldorado, não. Nunca houve uma mexida de pessoal, conscientemente, dizendo: “Ó, pode mexer aí, tirar isso, que tem o ‘ouvinte-repórter’”. Tem dias que entram pouquíssimos no ar. E tem dias que entra muito. Sexta-feira, por exemplo, tem gente a mais lá no atendimento. Porque sexta-feira é forte. O trânsito piora, saída da cidade... Então você já não trata aquilo como uma coisa que você tem. Trata aquilo como um a mais. Se você tratar assim, você nunca vai tomar uma decisão de pessoal, mais ou menos repórter, em função disso. (...) Não tenho conhecimento, mas se você está dizendo que tem, é errado, não tem a menor dúvida de que é para condenar. Isso é um mau uso de uma boa idéia. É um mero apoio e uma oportunidade que você dá. O ouvinte quer fazer isso. Se não quisesse, não dava o resultado que dá. E eles levam a sério.  

JPL - Qual é o controle ideal? 

AA - Em primeiro lugar: não pode haver nenhuma correlação entre fazer isso e quantos repórteres você tem, e quantos repórteres você manda para uma cobertura. Isso é um absurdo. Inaceitável. Se alguém faz isso, obviamente está menosprezando seu público, porque em algum momento vai machucar essa emissora. Segundo: não é uma solução por si só. É um extra. Apenas um extra. Se você tratar dessa maneira, vai acrescentar alguma coisa. Terceiro: não é para qualquer emissora. Não é mesmo. Tem rádio aí que vai achar “interessantinho” porque a outra faz, vai querer fazer... Calma, olha bem com que público você fala. De repente, a sua rádio tem um público forte, diurno, que fica em casa. Que informação de rua vai te passar esse público? Não vai funcionar. Tem que ver se isso se insere no tipo de programação. A Eldorado AM hoje é uma rádio só falada, não toca música.

JPL - De um modo geral, o que você acha do uso do “ouvinte-repórter” no Brasil?

AA - Eu não tenho noção de outras cidades que estão fazendo ou não. Nós estamos falando hipoteticamente. Aqui [São Paulo] eu sei que há rádios que adotaram, com resultados... [O “ouvinte-repórter” é] mal copiado por algumas rádios. Algumas rádios que não têm o perfil certo para trabalhar dessa maneira e que também não estão tendo o critério certo. Não pode tratar isso como um elemento da tua programação. Tem dias inteiros que não tem nada. Ninguém te liga. No fim-de-semana, ninguém te liga. Não tem nada acontecendo, os caras não estão na rua, o trânsito não está travado. Ele é reativo. Você tem que tratar isso como um a mais.

JPL - Uma coisa que é importante destacar é aquele conceito de checagem da informação, conceito com o qual a gente trabalha no dia-a-dia jornalístico. No caso do “ouvinte-repórter”, isso não tem como checar, se o que ele fala é verdadeiro...

AA - Depende. Na minha época [como diretor de jornalismo da Eldorado], (...) se chegasse um negócio muito grave, opa, peraí: checa. Não punha o ouvinte no ar. Uma batidinha na esquina tal é uma coisa. O prédio tal caiu e está no meio da rua, opa, peraí, liga para o bombeiro... Se for verdade, já sabe.

JPL - Mas nessa soma de pequenas informações você está atirando no escuro. Podem ser pequenas para a rádio, mas para o cara que tem um compromisso e está confiando naquela informação...

AA - É como eu te disse, eu não vou negar para você que existe um elemento de risco. Ele é atenuado ou não de acordo com a forma como você usar esse sistema, e é atenuado ou não se a tua rádio não for apropriada para esse tipo de coisa. Se você insistir em fazer algo assim numa rádio que não tem esse perfil, que as pessoas não têm essa postura. Eu não vou negar para você: quando eu cheguei na Eldorado e vi isso acontecendo, eu botei um pé atrás. Isso daí ia contra a minha crença de como se faz.

JPL - Você disciplinou isso na Eldorado, como escreveu um colega [Marcelo Moreira] aqui no site?

AA - Eu criei normas e parâmetros e disse: olha aqui, isso aqui é muito bom, mas dentro desses limitadores aqui. Eu contei no pé da sua coluna que a rádio já deu vários furos jornalísticos porque as pessoas tomam a iniciativa de ligar. E é verdade. O maior, talvez, tenha sido o assassinato do [premiê israelense] Yitzhak Rabin. Um ouvinte da Eldorado estava em Israel e ligou de um telefone público para contar que o Yitzhak Rabin tinha sido baleado. Agora, é evidente que isso não foi para o ar com base no ouvinte. Abre umas agências, dá uma olhada: é verdade, morreu.

JPL - Afinal, como nasceu o “ouvinte-repórter”? 
[Nota do colunista: a criação do “ouvinte-repórter” “autocredita-se” ao ex-diretor de jornalismo da Eldorado e atual vice-presidente da Rede Bandeirantes de Televisão, Marcelo Parada]

AA - Eu perguntei isso quando cheguei à Eldorado. Já existia. O que me disseram foi o seguinte: era o início da telefonia celular – e por aí você vê, mais uma vez, como isso é adequado à Eldorado: poucas pessoas tinham, mas no universo da Eldorado muitas pessoas tinham. Teve um acidente, (...) aqueles negócios que viram uma reação em cadeia. Travou a cidade e estava chovendo. Então, você não podia voar com helicóptero para cobrir, para ver qual o problema, você não podia mandar repórter de carro porque o carro não andava. De repente, começa a tocar o telefone da Eldorado e eram pessoas ligando do celular, dizendo: “Olha, eu estou aqui na avenida ‘tal’, não ando, não saio do lugar há meia hora, vocês sabem o que está acontecendo”? “Sinto muito, nós não temos como cobrir, porque o helicóptero não pode voar, porque está chovendo...”. Na segunda ou terceira que ligou, parece-me que alguém virou e falou: “Pô, é a única informação que a gente tem, vamos botar esses caras no ar, pelo menos eles relatam o que está acontecendo lá onde eles estão”. A hora que você botou dois, três no ar, choveu [ligação]. Veio uma enxurrada. (...) Eles começaram a chamar no ar (...). Acenderam todas as linhas. Ovo de Colombo. Olha que sacada!

JPL - Foi espontâneo então.

AA - Que eu saiba, não houve um “vamos abrir a linha para quem tem celular”. Foi uma circunstância que causou. Isso é o que me foi explicado. Não criei isso. Cheguei na Eldorado e peguei pronto, peguei já acontecendo. Eu só normatizei. (...) Eu não abro mão, não [do ouvinte-repórter]...

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