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Os Mapas na Idade Média e no Renascimento    Revisada em 06/10/2007
Os Mapas na Idade Média e no Renascimento
Mapa do Salmo, 1250
Mapa-Múndi de Hereford, c. 1300
Mapa-Múndi de Hidgen, XIV
Atlas Catalão
Portulanos
Al-Idrisi, XIV
Fra Mauro,1459
A Redescoberta da Tradição Ptolomaica
Mapa-múndi de Cantino, 1502
Martin Waldseemüller, 1507
Dürer-Stabius, 1515
Peter Apian, 1530
Antônio Saliba, 1582
Os Mapas e a Literatura, ou a Literatura e os Mapas
Os Mapas e o Figurativo
Piratas do Tietê (Laerte) (Personagens Piratas do Tietê)
Bibliografia

Os Mapas na Idade Média e no Renascimento

Entre os séculos II e o VI a representação do mapa-múndi desapareceu de cena, retornando numa forma muito diferente, redefinido de acordo com o Cristianismo. A Bíblia passou a ser o padrão para a reinterpretação da História e do Mundo, e os mapas-múndi obedecem à descrição do Gênesis da divisão do mundo entre os três filhos de Noé, daí três continentes.

A imagem do mundo tripartido foi a base para a representação mais comum na Idade Média: os três continentes no padrão T-O ou as cinco zonas "climáticas" da época Clássica.

Os mapas "padrões" - os de Orosius, de Isidoro e de Beatus - foram produzidos na atual Espanha - onde a fé cristã e a lei visigoda perpetuaram a sub-cultura romana. Há quem arrisque uma influência do modelo cartográfico circular romano ao mapa-múndi de Isidoro.

Os mapas num segundo período medieval (século VIII-XIII) mantiveram o seu contexto não-geográfico e foram mais instrumentos de ilustração das enciclopédias recheadas de elementos maravilhosos tomados de empréstimo de Plínio, Solinus e Mela.

Não existe evidência de que o pensamento medieval acreditasse numa terra plana, pois não havia qualquer interesse acerca do formato da Terra. Este não era um problema intelectual, e sim um mistério religioso (Mapa do Salmo).

A partir do século XIII o mapa deixa de ser apenas um complemento ao texto escrito e ganha uma liberdade para conter idéias, imagens, criaturas maravilhosas, cenas da Bíblia, povos distantes, animais e plantas, todos sob o poder de Deus (Mapa de Hereford). Não havia ainda o interesse da pesquisa empírica e da incorporação destes elementos nos mapas. Nesta época a Imagem do Mundo (Imago Mundi) era muito subjetiva e os mapas eram produzidos pelos eruditos eclesiásticos que davam importância às sedes religiosas como: Roma, Jerusalém, Egito e o Éden (Paraíso terrestre).

Os mapas foram símbolos complexos que representaram visões muito bem definidas, mais exercícios de teologia e literatura do que de geografia, e diferentes tipos de mapa-múndi coexistiram durante vários séculos.

Antes de menosprezar estes mapas medievais devemos recordar de que tudo estava voltado para o objetivo religioso e que a estrutura dos mapas era controlada pelas autoridades do passado (Padres da Igreja). Assim podemos relativizá-los se os comparamos com os mapas árabes da mesma época (Idrisi).

Se os mapas são uma fiel representação do que se pensava, da imagem que se tinha do mundo a cada época, os mapas medievais são de uma fidelidade extrema. Mesmo não sendo totalmente geográficos, eles são obras de arte:

"Deixe que alguém compare o Mapa de Hereford com o Romance de Alexandre e ele não deixará de ver a semelhança aproximada no espírito e mesmo nas características entre os dois documentos. Em resumo, um mappamundi medieval, para ser devidamente apreciado, deveria, num grau considerável, ser visto como um romance ilustrado."(1) Porém, a tarefa de guardar e reproduzir referências da Antigüidade Clássica pelo Ocidente Cristão e pelos Árabes medievais está representada nos mapas de alguma forma. Apesar de nenhum mapa-múndi anterior ao século VI a.C. ter sobrevivido, uma ou outra concepção sobre a forma da Terra e a extensão da área habitável (oikoumene - ecúmeno) daquela époocca remota está presente nos mapa-múndi medievais. Em vários deles estão presentes as teorias dos antigos gregos (Homero e Anaximandro) por mostrarem a forma da terra como uma superfície plana sem projeções, na forma de um disco, cercado por todos os lados pelo "rio Oceano", uma concepção corrente antes da época de Plínio (Mapa de Maurino Sanuto). Se recuarmos ainda mais, esta concepção está na Ilíada de Homero, sob a forma do Escudo de Aquiles. Embora seja muito mais um mapa cosmográfico que reúne elementos do mundo natural e humano, a sua influência adequou-se aos relatos dos Périplos. A influência clássica está ainda mais clara na utilização de criaturas da mitologia grega e romana popularizada por Hesíodo, Homero, Plínio e outros: os Sciapodae (homens de pés enormes), os Monoculi (os homens de um olho só) e os Cynocephale (homens com cabeça de cachorro) (Mapa de Walsperger).

Porém, a grande ausência é a influência do mapa-múndi Ptolomaico no Ocidente cristão medieval, reintroduzida através de um exemplar produzido por um árabe, Al Idrisi (c. 1154), como cartógrafo na corte da Sicília. Um outro mapa-múndi ptolomaico conhecido data do século XII ou XIII, de autor desconhecido. Os exemplares atualizados mais famosos deste tipo de mapa são: Martellus (1489 - 1490) e o de Girolamo Ruscelli (1561).

Um outro tipo de mapa produzido no período medieval, originalmente desligado do aspecto religioso, foram as cartas portulanos, uma contrapartida gráfica dos antigos périplos, itinerários escritos compilados pelos marinheiros da época clássica e elaborados a partir das observações feitas ao longo das costas navegadas. Não eram as cartas ptolomaicas, pois não tinham um sistema de coordenadas latitudinais e longitudinais, mas uma rede de loxodromas (linhas de rumo) como uma rosa-dos-ventos. Muito práticas, elas eram usadas como cartas de navegação e eram melhoradas pelas informações obtidas dos diários de bordo e da determinação de distâncias e posições através da leitura da bússola. As mais antigas cartas portulanos existentes são de origem italiana, feitas em Gênova e Pisa. Mas as mais belas foram produzidas em Maiorca, ilha da Catalunha (região da atual Espanha). Novamente, é na Espanha que a cartografia dá novos frutos, sendo o mais famoso o Atlas Catalão (1375) por já delinear uma Ásia que o Ocidente via ressurgir naquela época pelo comércio, mas mantendo a característica de representar reinos reais ou imaginários.

Os descobrimento de novas terras trouxe uma nova imagem do mundo e novas formas de representá-lo, e muitas vezes esta imagem era criada como uma utopia. Pouco a pouco, mas não de uma vez por todas, os monstros e os povos estranhos deixaram de povoar os mapas, mas não sem antes serem transferidos de um continente para outro.

Atualmente os mapas ainda exercem uma atração sobre as pessoas: o ícone do navegadores (browsers), nas propagandas, até nos chocolates.
 
 


Mapa do Salmo, c. 1250
Este mapa é uma peça importante na transição dos mapas T-O às iluminuras das enciclopédias medievais do século XIII. Pequeno, faz parte do Livro dos Salmos e traz os elementos básicos do mappaemundi medieval: Outro elemento fundamental neste mapa, data da Antigüidade, é o entorno d'água, o "rio Oceano".

Um pequeno detalhe mas não menos importante é o pequeno globo T-O que Cristo segura. A comparação é inevitável: a simplicidade do globo T-O com a riqueza de detalhes do mapa do Salmo.
 
 



Mappa Mundi de Hereford, c. 1300










Ele reúne dois elementos aparentemente incompatíveis num mappaemundi medieval: um mapa de referências detalhadas da Europa medieval e uma carta de enciclopédia. Nele a história e a teologia estão projetadas na imagem física do globo. Coexistem acontecimentos do passado e do futuro: a Queda, a Crucificação e o Apocalipse. Eles estão localizados num mundo real, entre Paris e Londres, a Espanha e o Egito. Em seu redor estão representadas as forças demoníacas. Acima (Oriente) Deus parece protegê-lo, ladeado de anjos.

No Mar Mediterrâneo, talvez uma referência à Odisséia, encontramos uma sereia. A África e a Ásia praticamente estão num só corpo contínuo, interrompido pelo Mar Vermelho (literalmente], uma caraterística da Antigüidade refutada apenas por um ou outro périplo.

Harvey acha que a base deste mapa pode ter sido o mapa do império romano na época de Júlio César (ano 44), tarefa que foi feita por Nicodemus e Dydimus durante 32 anos. Ao vermos este mapa poderíamos pensar que os eruditos do século XIII acreditavam que a terra tinha o formato de um disco plano. Mas não era nada disso: a terra era considerada como uma esfera, com a sua parte desconhecida e inabitada ao norte e separada da sua outra metade sul por um cinturão oceânico e pelo insuportável calor do trópicos. Há que acredite no contrário, como W. G. L. Randles, no livro "Da Terra Plana ao Globo Terrestre" (Campinas: Papirus, 1994).
 
 



Mapa-Múndi de Hidgen, século XIV










Este mapa ilustrava a obra de Ranulf Hidgen (monge de Chester), escrita no século XIV sobre a história universal - Polycronicon (7 volumes). Muito popular, teve várias versões entre 1330 e 1360. O mapa fazia parte do primeiro volume que tratava de história natural e de geografia. Nele vemos com clareza o desenho das "Colunas de Hércules" (antigo nome para o Estreito de Gibraltar) e destacava a ilha da Inglaterra em vermelho, o que somente era feito na Idade Média para o Mar Vermelho. Gales erroneamente era representado como uma ilha e o rio Nilo não aparece disposto de sul a norte na África, mas somente numa das especulações de um Nilo que corria paralelo às costas do Norte da África. Não se sabe por qual razão, o local do Paraíso no Oriente não está ilustrado, mas apenas aparece a fonte criadora dos três rios mais importantes do mundo, conforme a Bíblia. Ele repete o padrão do limite marítimo do mundo conhecido.
 
 



Atlas Catalão (Abraão Cresques?)- 1375









 Ver Detalhe:  em Português         em Inglês       (Alexandre o Grande, Satã e as estátuas de bronze)
 
 

Atlas Catalão c. 1450 (Anônimo)









A região catalã (o triângulo Barcelona-Valência-Maiorca), na atual Espanha, tornou-se um importante centro comercial e cultural onde elementos árabes e judaicos estavam em contato com a cultura cristã, origem das cartas catalãs e dos portulanos.

O que há de interessante e intrigante neste mapa é o fato do Paraíso Terrestre ter sido deslocado da Ásia para a África, abaixo do Mar Vermelho, na Abissínia. Mais do que as cartas marítimas, este Atlas apresenta não só novidades como o Cabo Verde na Costa africana, descoberto pelos portugueses em 1444, mas elementos da narrativa de Marco Polo sobre a Ásia de 200 anos antes. O estranho é o formato da África, onde o golfo da Guiné (Oceano Atlântico) é separado do Oceano Índico por um rio. No interior deste continente, surpreendentemente, não há cidades, mas estão presentes os sultãos islâmicos e pela primeira vez um mapa cristão representa a presença islâmica na região mediterrânea. No Oceano Índico podemos observar barcos e sereias.
 
 



Portulanos









Ou cartas marítimas (ou de marear) foram uma forma específica da representação cartográfica que utilizava as loxodromas e sucederam os mapas mais simples no registro dos litorais. Eles são uma espécie de "pais" das atuais cartas marítimas. A Escola de Maiorca foi um importante centro de produção destes mapas e as suas informações baseavam-se no relato dos marinheiros e navegadores, sendo úteis aos comandantes e pilotos, além dos comerciantes marítimos. Eles não tinham informações sobre o interior das terras, pois este não era o seu propósito, apresentando alguns rios maiores, como o Nilo, e bandeiras para indicar os reinos e países.
 
 

Portulano Mediterrâneo de Bartolomeu Olives, 1538
Carta do Mediterrâneo Oriental de Martinez, 1556-1591
Portulano do Mediterrâneo do Atlas de Francisco Oliva, 1658



Al- Idrisi, (do original do século XII).










No final do século IX os geógrafos árabes haviam traduzido a obra Geografia de Ptolomeu e a partir dela produziram mapas coerentes e mais completos. Um deles foi Al-Idrisi, membro da família real, nascido em 1100 e viajante pela Europa e Norte da África. Em 1140 foi contratado pelo rei normando da Sicília - Rogério II - e 15 anos mais tarrdde produziu a obra conhecida como o Livro de Rogério, composto de 70 mapas, formando o conjunto do mais detalhado mapa-múndi da época.

O mapa exposto mostra o mapa do mundo e, observamos a influência de Ptolomeu quanto às fontes do rio Nilo (uma delas nascendo na parte oriental da África e a outra nas "Montanhas da Lua" e os seus lagos), mas diferente daquele, Idrisi não liga a África à Ásia, mantendo aberto o Oceano Índico.

Diferente dos "mapas cristãos" não há cidades, castelos ,animais, legendas, monstros ou santos. Ele não apresenta uma dimensão religiosa, enciclopédica ou simbólica, sendo o mais possível "geográfico" e secular. Este mapa foi copiado por cartógrafos árabes até o século XVII, quando foi substituído por modelos ocidentais.

Uma curiosidade: os cartógrafos árabes sempre invertiam o padrão moderno de colocarmos o Norte no topo e o Sul abaixo. O mapa de Idrisi exposto, de acordo com a cartografia árabe está "de cabeça para baixo", mas esta posição é mais familiar para nós.
 
 



Fra Mauro, 1459









O estilo do mapa de Fra Mauro pertence à escola dos mappaemundi medievais porém ele tem uma história surpreendente. Ele foi uma encomenda feita pelo rei Afonso V de Portugal, e dele recebeu informações atualíssimas das cartas marítimas portuguesas (sobre a costa do Senegal e as Ilhas de Cabo Verde). Tinha como ajudante um cartógrafo de cartas marítimas - Andrea Bianco.

Dada a sua precisão, este mapa formou uma aura de mistério em torno de si pois depois de pronto em 1459 foi enviado para Portugal mas este original não foi encontrado. No ano seguinte Fra Mauro morreu, quando trabalhava numa cópia para o Senhor de Veneza, e Bianco ou outro cartógrafo terminou-a, sendo descoberta no mosteiro de Murano e enviada para o Palácio Ducal de Veneza. E ainda mais porque a sua orientação colocou o sul no topo do mapa, um padrões dos mapas islâmicos (Ver Mapa de Al-Idrisi). Fra Mauro rompeu com o conteúdo dos mappaemundi medievais retirando dele as imagens religiosas e da mitologia pagã. Não vemos Sciapodae (homens de pés enormes), os Monoculi (os homens de um olho só) e os Cynocephale [homens com cabeça de cachorro) e Jerusalém não é o centro do mapa. O Paraíso Terrestre está fora do mapa, no canto inferior esquerdo.

As legendas explicam os povos e as terras, e a sua fonte para a Ásia foi Marco Polo. Ver os detalhes em preto e branco expostos: Pérsia/Assíria;  Ásia/TibetÂnglia/Scotia (Inglaterra/Escócia).
 
 



A Redescoberta da Tradição Ptolomaica










Ptolomeu e o seu modelo de mapa (ver texto) ficaram adormecidos na Europa Ocidental, e o seu despertar começa com a compra de um manuscrito pelo monge bizantino Maximos Planudes (1260-1310) sem os mapas. Outros bizantinos fazem esta redescoberta que somente no século XV chegaria à Europa Ocidental. Ptolomeu sobreviveu graças aos islâmicos e aos bizantinos.
 
 

Mapa Ptolomaico - Século XII/XIII (Anônimo)
Henricus Martellus, c. 1490










Entre 1480 e 1510 o panorama da cartografia mudou bastante e um exemplo é o mapa de Henricus Martellus, responsável por várias edições da obra Geografia de Ptolomeu. Esta época foi a da "redescoberta" de Ptolomeu embora o seu modelo de mapa baseado nas coordenadas de latitude e de longitude não fosse observado fielmente por Martellus (não há a "rede" de meridianos e paralelos). As novidades são as costas do Mediterrâneo e da Europa Ocidental registrarem as informações das cartas marítimas, mas as informações sobre a Ásia ainda se baseiam em Marco Polo. Também não aparecem pigmeus, sereias, gigantes, homens com cabeça de cachorro ou os canibais. Este mapa é o ultimo testemunho de um mapa-múndi que mostra apenas o hemisfério oriental, o Velho Mundo, quase na aurora dos descobrimentos Atlânticos. Ver projeção esférica de Ptolomeu modificada por Girolamo Ruscelli (1561).
 
 



Mapa-múndi de Cantino, 1502








Este mapa é um dos raros que sobreviveram aos mapas portugueses que documentaram a expansão marítima deste povo. Ele é uma cópia de um outro mapa (um original real) que naquela época eram documentos secretos e que o rei de Portugal tentava manter monopolizado condenando à morte todos os marinheiros e navegadores que divulgassem informações sobre os lugares "achados" ou descobertos. Outra garantia do segredo: todos os diários e anotações de bordo eram documentos confiscados pelo rei na chegada aos portos lusitanos.

"É impossível ter uma carta da viagem", escreveu um italiano em relação à expedição de Cabral "porque o rei havia decretado a pena de morte para qualquer um que mandasse uma delas ao estrangeiro"(2) Não é por uma coincidência o fato de não terem sobrevivido os mapas produzidos por Portugal neste período das descobertas Oceânicas africanas e asiáticas. Por este motivo o Mapa de Cantino é um documento importante pois sobreviveu para mostrar como o Novo Mundo entrou na Cartografia. Apesar de ter este nome, o Cantino não foi o seu cartógrafo (desconhecido), mas um agente do Duque de Ferrara que o contrabandeou de Lisboa em 1502. Todo este ambiente misterioso era o resultado da questão política sobre a posse das terras recém-descobertas, cuja arbitragem papal em 1494 foi publicada no documento do Tratado de Tordesilhas, um acordo entre os reis da Espanha e de Portugal. Esta linha que distava 960 milhas náuticas das Ilhas de Cabo Verde aparece no mapa de Cantino, assim como as bandeiras e os "padrões", marcos de pedra instalados pelos navegadores portugueses. A costa brasileira é representada em verde, com florestas e papagaios, sem a presença de seus habitantes - os índios.


Martin Waldseemüller, 1507








Waldseemüller literalmente liberta o mapa das cópias feitas por um cartógrafo e dos detalhes de uma obra de arte. Com o tamanho de 2,5 metros de largura, ele era composto por 12 blocos de madeira e acompanhava a edição de um tratado geográfico - Cosmographiae Introductio de 1507.

Outro passo à liberdade é que ele foi o primeiro mapa que se estende até 360º de longitude, apesar de representar a distância Norte-Sul em apenas 130º.

É por sua causa que o nosso continente foi batizado com o nome de América. Waldseemüller havia lido os relatos de Américo Vespúcio publicados em 1503 (a carta Mundus Novus) e como Colombo não aceitava a idéia de ter encontrado outras terras que não fossem as "Índias" (veja o seu Testamento), Vespúcio foi novamente homenageado estando ao lado de Ptolomeu no topo deste mapa. O Oceano Pacífico já aparece, embora somente 15 anos depois Magalhães o descobriria, e por isto não há comunicação entre o Pacífico e o Atlântico.

O mapa exposto foi colorido posteriormente obedecendo o estilo da época em que foi feito.
 
 



Dürer-Stabius, 1515










Whitfield nos alerta de como a representação da esfera na questão da representação dos mapas foi um problema teórico para os eruditos cristãos na idade média. Se havia defensores de um mundo no formato de um baú, como Cosmas Indicopleustes, por outro lado havia um Roger Bacon (Opera Majorc. 1270) que o percebia.

O Mapa Dürer-Stabius restabelece de uma vez por todas a imagem de um mapa com meridianos e paralelos, numa representação cartográfica de hemisférios que nos lembra a imagem moderna do planeta Terra no espaço. Ela é quase profética se compararmos os "anjos" que representam os principais ventos com a circulação atmosférica.

Dürer foi um dos maiores pintores e desenhistas do Renascimento e a ponto de não podermos escolher entre os seus trabalhos apenas um que receba o título de obra-prima. Também foi o autor, junto com Stabius, das cartas celestes dos hemisférios norte e sul. Ele não foi o único grande artista renascentista que se dedicou a desenhar um mapa, mas teve a companhia de Leonardo Da Vinci. Da Vinci brincou com a idéia de desenhar um mapa do mundo em segmentos que deveriam lembrar um globo. Veja "Faça seu Próprio Globo" em Português) (em inglês)
Para traduzí-lo use

  Babel Fish http://babelfish.altavista.com/translate.dyn
 
 



Peter Apian, 1530 (Cordiforme)










O mapa cordiforme de Apiano traz uma brincadeira ao fazer do coração um símbolo numa projeção cartográfica. Fiel ao modelo de Ptolomeu (no topo à esquerda), coloca-o ao lado de Américo Vespúcio (no topo à direita), com cada um com um modelo de mapa. É uma alegoria de como um novo mundo (América) e uma nova visão (Vespúcio) deveria ter uma nova projeção cartográfica. Apesar de não ser uma representação hemisférica como o de Dürer-Stabius, os paralelos e meridianos vão até 360º.

Este mapa é uma metáfora deliberadamente intelectual (da emoção?) de uma época em que o símbolo predomina diante do explícito, mas ele não é um desenho qualquer, sendo um produto do estudo do mapa de Waldseemüller (1507).

Podemos compará-lo com mapas cordiformes modernos e corretos, onde aparecem a América do Norte inteira, assim como a América do Sul.
 
 



Antônio Saliba, 1582










Ao contrário do que se pode pensar, no Renascimento não houve o predomínio da razão materialista, como uma espécie de precursor do Iluminismo. A retomada da Antigüidade clássica foi feita pelo Cristianismo e a cosmovisão fechada num mundo de três continentes rompeu-se e uma nova estava sendo construída. A observação, a experimentação e a dedução ainda são coisas do futuro.

É neste sentido que devemos compreender o mapa de Saliba. Embora o Purgatório fosse "oficialmente" reconhecido pela Igreja no século XIII e a literatura de Dante já o tivesse descrito e representado, faltava-lhe uma representação dentro do mundo, em termos cartográficos. Este mapa é uma carta cosmológica (e não geográfica) que tenta dar respostas às questões que a revolução Copernicana não havia dado:

O modelo cósmico de círculos concêntricos é uma herança de Aristóteles e de Ptolomeu (Almagesto). Este último compreendia 9 esferas em torno da Terra: os cinco planetas, o Sol, a Lua, as estrelas e o primum mobile. Se analisarmos a estrutura cósmica da Divina Comédia de Dante (ver representação exposta), de três séculos antes, veremos a sua representação na carta de Antônio Saliba. No interior da Terra estão, da superfície para o interior, nesta ordem, o Julgamento Final, a separação dos culpados e dos inocentes, o Purgatório, e o Inferno.


Os Mapas e a Literatura, ou a Literatura e os Mapas

Existe uma ligação intensa entre eles, embora se pense que um mapa mais "real" tenha de negá-la. Quando os gregos antigos especulavam sobre a forma do mundo quem os auxiliou foi a literatura, i.e. Eneida e a Cosmogonia. Um bom exemplo é o Escudo de Aquiles, que mesmo não sendo uma representação geográfica, serviu de base para responder como eram os limites do mundo - o "rio" Oceano que cercava o mundo conhecido (oikoumene). Outro tipo de gênero literário - périplo, também forneceu informações que foram cartografadas. Na Roma clássica, o gênero literário dos "contos de viagens e de coisas maravilhosas" ou os "bestiários" subsidiavam a discussão geográfica, quando não eram incorporados. Pode-se notar a influência deste gênero nos mapas medievais pela presença de monstros, animais e povos estranhos. O gênero "enciclopédia", ilustrado por Plínio, o Velho, teve seguidores importantes na Idade Média, como Isidoro de Sevilha, que incluíam as representações do mundo.

A Bíblia foi um livro chave, em especial o Gênesis e o Apocalipse, para as representações do mundo medieval que chegavam a misturar de maneira ecumênica lendas cristãs e pagãs nos mappaemundi.

Mas se a vida imita a arte, a arte também imitava a vida: escritores humanistas brilhantes elaboravam uma representação do cosmos ou do mundo, ou mesmo de lugares inexistentes. Destacamos nesta exposição as de Dante (Divina Comédia), Thomas Morus (Utopia, ver mais sobre a Utopia e bibliografia) e o mais moderno Jonathan Swift (As Viagens de Gulliver - desenho c. 1910. Nesta gravura, o mundo de Liliput era redondo e plano(ver abaixo). Em outras edições, os mapas retratavam os espaços imaginados por Swift (ver exemplo em illustrations and decorations to Swift's Gulliver's Travels, Peter Pauper Press, Mount Vernon, New York, undated,10 x 18cms, )

Fonte: Original Jonathan Swift, Gullivers Reisen, Leipzig Edition, c. 1910. Em Alchemy & Mysticism - 30 postcards. Taschen, 1996 (ISBN: 3-8228-8859-1)

A Divina Comédia, Século XIV
Dante Alighieri










A cartografia do universo da Divina Comédia é uma cosmovisão rica e cheia de significados e influências. Como um mapa árabe, o sul está no topo, mas Jerusalém está na extremidade norte (no mapa está na parte de baixo), como que coroando o mundo.

O Inferno está na parte mais profunda da Terra (núcleo) e está ligado à superfície na cidade de Jerusalém por um eixo vertical, obedecendo a concepção aristotélico-ptolomaica de uma terra esférica, imóvel no centro do Universo, envolvida pelas órbitas da Lua, dos planetas, das estrelas fixas, do primum mobile e o Empírio (Céu). No hemisfério Norte (na parte de baixo do mapa) estão os continentes: Europa, Ásia e África. Cada círculo infernal representa o local de determinados "pecados", e quanto mais interior, maior a sua gravidade. Dante se utilizou com alguma liberdade do esquema aristotélico, incluindo situações morais cristãs, além de elementos da Bíblia, da Eneida (Virgílio 70 a.C. ? - 19 a.C) e da Metamorfosis (Ovídio 40 a.C. - 18 d.C.).

No hemisfério Sul (topo do mapa) apenas a água, cercando a ilha e montanha do Purgatório e Paraíso Terrestre. Sua parte mais interior mais superficial é chamada de Ante Purgatório, local dos arrependidos. A subida até o topo da montanha é o caminho para o Paraíso Terrrestre (que não estava no local tradicionalmente aceito na época - na extremidade do Oeste ou Oriente). AA ligação entre o Purgatório e o Inferno é feita por um eixo vertical interno à Terra. Ver imagem no artigo O Pensamento Geográfico Medieval e Renascentista no Ciberespaço (pdf)
 
 



Os Mapas e o Figurativo








Os mapas atraíram os artistas, como já vimos (Dürer, Da Vinci) e alguns trabalhos tornam-se verdadeiros ícones desta atração.
 
 

Espanha e Portugal
(mais detalhes ver: artigo de Darby Lewes)

O Mapa Rodoviário do Estado de São Paulo na Forma do Rosto Feminino

Mapa de Representações Gráficas das Geografias dos Novos Territórios
Eletrônicos da Internet e da WEB e outros Ciberespaços Emergentes

Mapas feitos de Chocolate: comendo  mappaemundi


Autor da Charge: Laerte (Piratas do Tietê). Publicada na Folha de São Paulo.
Bibliografia:

Carvalho, M. S. Geografia e Imaginário na Idade Média. RAE'GA. Curitiba: Ano 1. Vol. 1. Nº.1. p.45-60.

Harvey, P. D. A Mappa Mundi: the Hereford World Map. London: British Library, 1996.

Whitfield, Peter. The Image of the World: 20 Centuries of World Maps. San Francisco: Pomegranate Artbooks. 1994.

Whitfield, Peter. New Found Lands: Maps in the History of Exploration. New York: Routledge. 1998.

Whitfield, Peter. The Topography of the Sky. [On Line] http://www.mercatormag.com/205_toposky.html
 

Notas:
(1) W. L. Bevan e H. W. Phillot. Medieval Geography. Essay of the Hereford mappaemundi, cap. XXII. Apud. Kimble, George, H. T. Geography in the Middle Ages. London: Methuen and Co. LTD. 1938. Volta ao Texto
(2) L. P. Silva. História da Colonização Portuguesa do Brasil, Vol. II, p. 27. Apud Kimble, op. cit. Volta ao Texto

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