Vida e Obra de Bernardo Guimarães
  poeta e romancista brasileiro [1825-1884 - biografia]

 
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Filhos de BG
Pedro B. Guimarães
Horácio Guimarães
Afonso Guimarães

Netos
Alphonsus de Guimaraens  (sobrinho)
José Guimarães Alves
Armelim Bernardo Guimarães

Bisnetos
Alphonsus de Guimaraens Filho (sobrinho)
Mª Ap. Guimarães A. Palma [Mariah]
Isabel Teresa Guimarães Alves
Lívia Alves Guimarães
Rúbio Gama Alves

Trinetos
Maria Fernanda Alves Guimarães
André Nigri
João Bernardo Guimarães
Juliana Rennó Bernardo Guimarães
Marcelo Guimarães


Parentesco dos Guimarães
com os Guimaraens




Depoimento de descendente
Horácio da Silva Guimarães (1870-1959), filho      

Impossível, tantos anos lá se vão, dar impressões muito nítidas a respeito de meu pai. Só posso dizer que era um homem fundamentalmente bom.

À fazenda onde nasci, propriedade de minha avó materna, vinham ter então, pela sua situação especial à beira da estrada que ligava a ex-capital da Província à Corte, com era conhecida a capital do Império, senadores, deputados, prelados (lembro-me que o santo bispo D. Viçoso lá se hospedou várias vezes), cometas, estudantes, enfim viajores de todas as classes. A primeira pessoa por quem perguntavam invariavelmente esses hóspedes, de todas as categorias, era por meu pai.

Simples e bonachão, não denunciava, pelos trajes, a sua qualidade, o que deu origem a qüiproquós engraçados, acontecendo perguntarem muitas vezes por ele próprio, tomando-o por empregado da fazenda. Certa ocasião, mesmo, um viajante ilustre, a julgar pela luzida comitiva e pelos ares de importância que se dava, vendo-o a divagar pelas imediações, a ele dirigiu-se, indagando:

- O Bernardo Guimarães está?

E à resposta afirmativa, entregou-lhe o seu cartão, acrescentando:

- Pois diga-lhe que está aqui alguém que deseja muito conhecê-lo.

Vinte minutos depois, se tanto, meu pai, envergando solene sobrecasaca, de gravata branca e não sei se também de luvas, fazia sua entrada na sala. Pode-se imaginar a cara desse figurão, ao reconhecer nele o mesmo indivíduo a que momentos antes se dirigia, de modo arrogante e impertinente.

Um dia chegou à fazenda um imenso canudo de folha, enviado de Goiás. Vinha todo coberto de ferrugem, e não sem alguma dificuldade que se conseguiu arrancar-lhe a tampa, extraindo-se-lhe um pergaminho amarelado, de que pendia uma fita vermelha e grossa medalha de prata. Era a sua carta de bacharel, que meu pai esquecera em Catalão, e que mão amiga lhe remetia pelo Correio, na ingênua persuasão de que ele ainda viesse dela a precisar. Isto, porém, não se deu, não sei se feliz ou infelizmente para a magistratura, com a qual não tardou muito a se incompatibilizar: - tinha coração demais para que pudesse ser juiz.

O que dele se diz, a propósito da soltura dos presos da cadeia de Catalão, não deixa de ter seu fundo de verdade, mas não se passou como contam. Tratava-se de uma cadeia úmida, sem as necessárias condições de higiene. Basta dizer que nela nunca entrara o sol. Os infelizes que lá se achavam, estavam atacados de beribéri, uns, tuberculosos, outros. Pelo que são ainda hoje os presídios do interior de Estados, mesmo os de mais recursos, pode-se calcular o que seria nessa época longínqua a cadeia de Catalão. Compadecido da sorte dos reclusos, meu pai (e que, em seu lugar, tendo um pouco de coração, não faria o mesmo?) deu-lhes licença para tomarem um pouco de ar, sob condição, porém, de regressarem à cadeia. Em se vendo soltos, aqueles detentos não cumpriram a palavra, o que, por ser humano não se lhes deve exprobar, embora comprometessem com isso o juiz.

Foi um chefe de família exemplar e carinhoso, não só para os seus, como para os que com ele conviviam, inclusive os próprios escravos da fazenda. Minha avó materna, Felicidade Gomes de Lima - fato quase virgem em sogras - tinha por ele uma verdadeira adoração, e ele, correspondendo à afeição da boa velhinha, costumava dizer, pilheriando, que era o homem mais feliz do mundo:

- Pois não era genro da Felicidade?!

Em S. Paulo, para onde foi com uma mesada de 20$000, e um negro para servi-lo (esse moleque cavava, não como servo, mas como companheiro), deixou ele, com Aureliano Lessa e Álvares de Azevedo, a tradição de suas magníficas boêmias.

Certa vez, de "pindaíba franciscana", encontraram um meio de arranjar dinheiro, estendendo na sala, cujas janelas enlutadas escancararam para a rua, o corpo esquálido e pálido do genial Álvares de Azevedo. Um dos jornais noticiou, em sentida nênia a morte prematura do bardo, terminando com o pedido de um óbolo que permitisse fazer-lhe um enterro condigno. Todo mundo queria ver o rosto do morto, cuja cabeça mergulhava, muito de propósito, numa penumbra que tornava a palidez do moço poeta mais lívida e fantástica. Diante de toda a Academia, caloiros e veteranos, que tinham corrido a ver os despojos mortais do autor da Noite da Taverna, Bernardo Guimarães passeava impressionado, mudo, do quarto para a sala, e Aureliano Lessa declamava, não se conformando com a fatalidade. A coleta foi magnífica, dando para um funeral ou antes, bródio macabro, nos fundos esfumaçados da garconnière dos boêmios. Na longa mesa improvisada, da qual Bernardo Guimarães ocupava o pé, a cabeceira estava vaga. Era o lugar vago e insubstituível de Álvares de Azevedo.

Com estas, contam-se inúmeras anedotas de meu pai, autênticas algumas, inverossímeis outras.

Dele só sei dizer que era um bom e um desambicioso. Tendo concorrido para enriquecer o seu editor, morreu, entretanto, paupérrimo. Residiu algum tempo em Queluz de Minas, como professor de latim, contando-se entre seus alunos o Vidigal famoso, que hoje contribui por aí à justiça como juiz de direito ou municipal. Transferindo-se para Ouro Preto, sua popularidade aí era espantosa. A ex-capital era por essa época uma vasta e bulhenta confederação de repúblicas de estudantes, e à convivência destes, entregava-se meu pai - examinador perpétuo de preparatórios no Liceu Mineiro - preferindo-a dos políticos, que evitava sempre que podia. Os estudantes adoravam-no, disputavam-no, e não só os estudantes como o povo, grandes e pequenos. Quando morreu, em um afastado arrabalde, e o seu funeral foi uma apoteose.

Era tão bom, tão bom que, segundo um contemporâneo que o biografou, levou para o túmulo o segredo de ter vivido 59 anos sem ter feito um só inimigo.

Belo Horizonte, 12-8-1925 - Horácio Guimarães

(Esse depoimento foi publicado no Correio da Manhã)

 

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