Diário de Notícias   6 de Maio 2002   Regional
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Victor de Aquino : consagração de um vidreiro

Lapidário da Marinha Grande ganhou reconhecimento a 

partir da Alemanha, que o recebeu em 1962. Quatro

 décadas depois, as ameaças dos "skinheads" fizeram-no 

decidir regressar

JACINTA ROMÃO


Victor de Aquino nunca esperou ser homenageado na sua terra. Os "cabeças rapadas" e as saudades fizeram-no voltar 38 anos depois de chegar à Alemanha. Um regresso que completa, de algum modo, o destino de quem nasceu numa terra do vidro. Em Setembro, a Marinha Grande vai tornar público que também reconhece a mestria de um dos seus vidreiros internacionalmente consagrados. A realização da Bienal de Artes Plásticas e do Salão do Vidro é o pretexto para distinguir "em casa" quem já o foi por diversas cidades do mundo.

Aquino tem agora 72 anos, 38 vividos na Alemanha. Foi a partir de lá que alcançou as "honrarias", por norma atribuídas aos melhores, mas atingiram-no igualmente, desde cedo, os efeitos da inveja dos seus pares, depois as intempéries e o ódio de gente racista e xenófoba.

Porém, assegura: "Eu sempre quis voltar." Não será apenas um sentimento de saudade do País, pois o apego de Victor de Aquino à Marinha Grande vem dos seus tempos de criança e de juventude. Aos 13 anos já trabalhava. Nessa altura foi para Lisboa para casa do pai, José de Aquino, que Victor recorda como "um grande mestre vidreiro que trabalhava na Fábrica das Gaivotas". Aos 15 anos estava de volta à Marinha. Teve como posto mais fixo a Fábrica de Vidros de António Marques Oliveira, seu tio, onde passou a chefiar os lapidários.

Eram tais a destreza e perfeição que mostrava no seu trabalho, que os outros mestres foram convidados pelo tio a observá-lo. Os mesmos que o alcunharam de "o Filho do Diabo", por essa capacidade inata, semelhante a um cunho do destino. Era impossível fazer melhor, por isso usaram a expressão que lhes era comum para "baptizar" o que lhes parecia inexplicável; eles que se consideravam mestres na arte de trabalhar o vidro. Não precisava de medidas nem de marcações. Pegava - tal como continua a fazê-lo - nas peças e, em frente da roda, indiferente ao peso e à forma colocada entre as mãos, os "desenhos" saíam perfeitos.

Quando o DN o visitou, preparava-se, na sua pequena oficina, para lapidar uma jarra, semelhante a outra já concluída e avaliada em nove mil euros (1800 contos).

O percurso como criador está ligado à cidade de Antuérpia desde 1976. Nesse ano, um amigo alemão pediu-lhe para conceber uma peça "digna do maior apreciador de lapidação. Andei cerca de seis meses a pensar no pedido", recorda, explicando que lhe haviam dado o prazo de um ano. Criou então "A Taça dos Zackenrand". A palavra significa, mais ou menos, dos bicos à beira: um efeito de cristal recortado que exige uma perícia absoluta. O presente destinava-se então a um professor da academia de diamantes de Antuérpia que "achou a obra extraordinária", lembra.

Foi essa a origem da sua consagração - e igualmente "das invejas". Tinha começado a fazer peças suas numa oficina que instalara em casa. Ao conhecê-las, o director da firma Villeroy Boch, onde trabalhava desde 1962, convidou-o a representar a empresa com elas numa exposição.

Isto serviu para os jornalistas perguntarem "se era necessário ser um estrangeiro a representar a Villeroy Boch?". A partir daí, "todos os dias encontrava, de manhã, um letreiro junto da bancada com o seguinte escrito: O grande artista português!"

Saiu da Villeroy em 1980 e estabeleceu-se com uma pequena oficina e uma loja. Depois abriu uma galeria maior em Saarbruken. Foi esta que os skinheads destruíram. "Partiram tudo com paralelos da calçada", conta com tristeza. Depois, também as inundações causaram prejuízos irrecuperáveis. "Perdemos à volta de 50 mil contos", lamenta. Desde 1990 que os problemas de racismo e xenofobia o começaram a atingir e à sua mulher, Maria Aquino. Em 1998 "resolvi vir embora", conclui Victor de Aquino, que não desiste de uma ideia: "Vou fazer tudo para ter os meus netos comigo em Portugal."

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