Filamentos Vítreos
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A utilização de varetas e filamentos de vidro remonta a tempos distantes. Constituiu mesmo uma das mais reputadas técnicas arcaicas de fabricação, desenvolvida pelos egípcios antes da descoberta do vidro soprado. Contudo, a aplicação sistemática desta técnica no fabrico de objectos mais complexos só se verificou na época imperial romana. Como aconteceu com muitas outras técnicas, só alcançou o seu máximo desenvolvimento com a vidraria veneziana (Murano), a partir de finais do século XVI. A técnica de base, que tem conhecido muitas aplicações, é a utilização de varetas, tubos e fios de vidro. Estas fabricavam-se da seguinte maneira: com a cana de soprar ou o pontel recolhia-se uma porção de pasta vítrea fundida, a qual se fazia rodar sobre a marma (prancha geralmente metálica) para se aproximar da forma cilíndrica. Uma vez recolhida a quantidade necessária, as varetas podiam ser ocas (por exemplo, para contas de colares), e então soprava-se a bola de vidro, ou podiam ser maciças. No caso das varetas ocas, de seguida, procedia-se à fixação, com um pontel do cilindro de pasta pelo lado oposto ao da sua união com a cana. O artesão e o ajudante, um na cana recuando e o outro sustentando o pontel ao ombro e resistindo à tracção, iniciavam a estiragem (ou tracção) da pasta que, progressivamente, ia adoptando uma forma tubular. O tubo ia diminuindo de diâmetro à medida que o artesão recuava, cabendo ao aprendiz verificar as dimensões e dar o sinal para terminar a estiragem. Depois de esfriar, o tubo era cortado em porções variáveis, segundo as aplicações a que se destinavam. Com este sistema podem-se fabricar tubos com diâmetros que oscilam entre os 2,5 mm e os 15 cm, e com um comprimento que pode ir até aos 45 metros. Naturalmente, o êxito de todo o processo depende quase exclusivamente da destreza dos operários. Pelo mesmo processo podem fazer-se varetas maciças, nas quais, caso se pretenda, podem introduzir-se motivos, figurados ou não. «O processo para as fazer consiste em deitar uma porção de esmalte numa forma de ferro aquecida, tendo no fundo gravado o desenho que se deseja, uma estrela por exemplo. Logo que esfria, retira-se a estrela de esmalte assim formada, a qual se rodeia de vidro ou cristal. Então caldeia-se no forno, e pelo processo de estiragem faz-se uma vareta tão comprida quanto necessário para ter o diâmetro que se deseja. O esmalte acompanha o vidro na sua distensão sem perder a forma de estrela com que estava, de modo que, se depois de esfriado cortarmos a vareta, a secção apresenta-se com a forma de uma estrela branca de esmalte, cercada por um círculo de vidro ou cristal que pode ser colorido». (C. Maltese, Las tecnicas artísticas) As varetas, ocas ou maciças, têm sido usadas em larga escala para fins decorativos. É o caso das contas e missangas para colares e outros objectos de adorno, para trajes, etc. Um tipo especial destas contas apresenta dois estratos de vidro, um dos quais pode ser opaco (o do interior, falda) e o outro transparente (coberta). A este tipo pertencem as chamadas cornalinas , que possuem um estrato interior branco leitoso e um exterior rubi transparente. As varetas de vidro estirado, cortadas em secções, podem servir para muitas decorações policromas de objectos de vidro, como pratos, vasos, etc. As pequenas rodelas de vareta são designadas murrine. Os murrine têm normalmente motivos concêntricos, geométricos ou figurativos minúsculos, de cores e formas muito variadas. Os millefiori, por exemplo, são fragmentos com motivos inspirados na linguagem floral, muito utilizados por exemplo para a decoração de pisa-papéis. A decoração millefiori, no entanto, estendeu-se a toda a espécie de objectos e conhece hoje um novo incremento como recurso decorativo. Nos chamados vetri sommersi, onde se incluem os millefiori, o processo geralmente consiste em colocar os fragmentos na vertical, ao lado uns dos outros, numa superfície plana (um disco de barro), e de seguida cobri-los com uma camada de vidro fundido. Os "palitos" de vidro ficam assim dentro da pasta de vidro, e quando este depois de caldeado é soprado pela cana (para um molde ou não), os "palitos" já integrados acompanham a dilatação e a forma dada ao objecto, resultando num autêntico mosaico policromático. Utilizou-se muito esta técnica para fabricar pesa-papéis, que se tornaram típicos das cristalarias Baccarat (onde começaram a fabricar-se em 1840) e de Murano, durante o século XIX.
Esta técnica tem conhecido um grande desenvolvimento na
actualidade, sobretudo, na manufactura de objectos artísticos, sendo também
associada ao glass fusing. Um dos
vidreiros da Marinha Grande que mais se tem empenhado na aplicação destas
técnicas é Júlio Liberato dos Santos.
Vinculados às baguettes (varas ou varetas), estão
os chamados vidros de filigrana, uma variedade
decorativa. Existem vários tipos de filigrana, mas o mais característico é
talvez o chamado reticular. Trata-se de um
vidro transparente em que se introduziu fios de vidro branco que formam uma
rede ou uma espiral. O efeito decorativo pode ser modificado fazendo rodar o
objecto durante o sopro. Do século XVI, Vannuccio Biringuccio (Pirotecnia,
1550) deixou-nos um precioso testemunho desta técnica: |
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