"Os Lusíadas"

Luís Vaz de Camões

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A Epopéia / Resumo dos Cantos

A Epopéia

 Epopéia é o gênero poético de maior prestígio da Antiguidade, em que pese a opinião de Aristóteles, que considerava a tragédia superior. Naquele gênero, encontram-se os maiores monumentos literários do passado greco-romano: a Ilíada e a Odisséia, de Homero (séc. VII? a.C.), e a Eneida, de Virgílio (séc. I a.C.).

 Epopéia é poema narrativo de largo fôlego. A narração é feita em terceira pessoa, em linguagem elevada. Seu assunto é heróico. Os temas centrais da epopéia expressam valores da aristocracia guerreira: o culto da coragem e da honra; o desejo de glória e fama; a preocupação com o Fado (destino). A mitologia, indispensável na epopéia, representa a presença e a intervenção divina no mundo, confrontando a condição de mortalidade dos homens à de imortalidade dos deuses.

 Os Lusíadas são a mais importante epopéia de todo o Renascimento europeu, e está entre as maiores de todos os tempos. E, como epopéia marítima, só é inferior à Odisséia, de Homero.

 Os Lusíadas são um canto de louvor à glória do povo português, verdadeiro protagonista do poema, como sugere o próprio título, que significa "os lusitanos". Apresentam-nos inúmeros heróis individuais que, no conjunto, constituem um herói coletivo.

 Sem dúvida o tom patriótico que exalta a superioridade lusitana é muito forte, mas os portugueses representam a cultura ocidental renacentista, o que dá ao poema um valor universal.

 Os Lusíadas somam 1.102 estrofes, em oitava-rima. Essa estrofe é formada de oito versos, sendo que o primeiro rima com o terceiro e o quinto, o segundo rima com o quarto e o sexto, e o sétimo e oitavo versos rimam entre si. Esquematicamente: abababcc. Ao todo, são 8.816 versos decassílabos.

 Esta obra segue a tradicional divisão da epopéia em cinco partes, como seguem:

 

 I - Proposição

 Exposição do assunto do poema. Ocupa as três primeiras estrofes da epopéia camoniana. O poeta declara que seu canto espalhará por toda a parte a fama dos heróis lusitanos que fizeram a grande viagem de descobrimento da Índia; diz, também, que cantará a glória de reis conquistadores de África e Ásia, para onde levaram a fé cristã.

 II - Invocação

 É o pedido de inspiração às Musas. Na religião grega antiga, as Musas são nove deusas, filhas de Zeus e Memória. São elas que inspiram os poetas e artistas.

 A Musa da poesia épica chama-se Calíope. Invocando a presença da deusa, os poetas esperam que seus cantos sejam inspirados e se imortalizem. Camões, mais de uma vez, em Os Lusíadas, dirige-se a Calíope; mas na invocação incial, que ocupa a quarta e quinta estrofes do poema, Camões dirige às Tágides. Trata-se de uma invenção do poeta. Tágides seriam ninfas do rio Tejo; com isso, ele indica sua inspiração nacionalista. O poeta pede às Tágides "um som alto e sublimado / um estilo grandíloco e corrente", que rivalize com aqueles inspirados pelas Musas antigas, que conquiste fama universal e esteja à altura de seu tema.

 III - Dedicatória

 Camões dedicou sua epopéia a D. Sebastião, rei de Portugal quando o poema foi publicado. Dirige-se ao jovem monarca, da sexta à décima oitava estrofe, chamando sua atenção para o canto patriótico que celebra os heróis nacionais; enumera algumas personagens e episódios ilustres do país, incitando D. Sebastião a estar a altura da glória passada e a cumprir um grande destino: "Tomai as rédeas vós do reino vosso: / dareis matéria a nunca ouvido canto". Dá então início à narração.

 IV - Narração

 Canto I

 A partir da estrofe 19. Concílio dos deuses sobre a ousada decisão dos portugueses: devem favorecê-los ou impedi-los? Júpiter é favorável; Baco, ferrenhamente contrário; também são a favor Marte e Vênus, que vê nos Portugueses a raça latina descendente de seu filho Enéias. Baco, derrotado na assembléia divina, põe em ação a sua hostilidade contra os lusitanos, procurando impedir que cheguem à sua Índia, e para isto se valendo da gente africana, que lhes arma ciladas.

 Canto II

 Chegada a Mombaça, onde continuam as hostilidades de Baco na traição dos Mouros: os navegadores seriam sacrificados se cedessem ao convite do rei para desembarcarem. Vênus, porém, de novo os salva, intercedendo junto a Júpiter. [36 "Os crespos fios d'ouro se esparziam / pelo colo (...)"]. Júpiter profetiza os gloriosos feitos lusíadas no Oriente (44 e ss.) e envia Mercúrio a Melinde, a fim de predispor os naturais desta cidade a bem acolherem os Portugueses, o que se cumpre. O rei de Melinde pede a Vasco da Gama que lhe narre a história de Portugal.

 Canto III

 Invocação à musa da eloqüência e da epopéia, Calíope, e logo a narração do Gama ("Entre a Zona que o Cancro senhoreia..."): geografia e história de Portugal (destaque para a batalha de Ourique, a guerra contra os mouros, a batalha do Salado e, sobretudo, o episódio de Inês de Castro "Que depois de ser morta foi Rainha" — 118-35).

 Canto IV

 Prossegue a narração do Gama, com relevo para Nuno Álvares Pereira e as batalhas contra os castelhanos, sobretudo a de Aljubarrota (28. "Deu sinal a trombeta Castelhana, / Horrendo, fero, ingente e temeroso"), as conquistas na África, a batalha de Toro, o reinado de D. Manuel e seu sonho do domínio das Índias, a partida para o Oriente e as famosas imprecações do Velho do Restelo (95. "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça"), 94-104, que em clímax inspirado encerram o canto.

 Canto V

 Partida da expedição de Vasco da Gama. A tromba marinha (19-23). Na Ilha de Santa Helena; aventura de Fernão Veloso. O gigante Adamastor (38-60). Conclusão da narração de Gama.

 Neste episódio de Os Lusíadas, no momento em que Vasco da Gama narra a sua viagem de Lisboa até ao Canal de Moçambique ao Rei de Melinde, Adamastor surge de uma nuvem com uma figura "robusta e válida", como um monstro horrendo de tamanho descomunal, "De disforme e grandíssima estatura"; rosto severo e barba suja, desalinhada; olhos "encovados" e negros; cabelos "cheios de terra e crespos"; "boca negra" e "dentes amarelos". Apresenta uma "cor terrena e pálida", tem uma " postura medonha e má" e a sua voz é horrenda e grossa, " pesada" e amarga: "E da primeira armada, que passagem/ Fizer por estas ondas insofridas,/ Eu farei de improviso tal castigo,/ Que seja mor o dano que o perigo!" ( est. 43, vv.5-8)

 Todavia, Adamastor deixa transparecer uma certa admiração e espanto, por este povo aventureiro que ousou o que jamais algum ser humano o fizera: "Ó gente ousada, mais que quantas/ No mundo cometeram grandes cousas,/ (...) Pois os vedados términos quebrantas/ E navegar meus longos mares ousas" (est. 42, vv.1-6)

 É de notar igualmente a presença de funestas profecias por parte do Adamastor e que contribuem para intensificar o momento de terror que está a ser vivido pelos argonautas portugueses: "Antes, em vossas naus vereis, cada ano,/ (...)/ Naufrágios, perdições de toda a sorte, / Que o menor mal de todos seja a morte!" ( est.44, vv. 5-8 )

 Contudo, no final deste episódio, o Adamastor deixa de lado a figura assustadora e medonha para dar lugar a um ser sofredor e castigado, mostrando assim uma faceta muito humana. Se por um lado representa uma figura causadora de sofrimento, por outro assume-se como um ser vítima de um fracasso amoroso: "Da mágoa e da desonra ali passada,/ A buscar outro mundo, onde não visse/ Quem de meu pranto e de meu mal se risse." (est.57,vv.6-8) e " Comecei a sentir do fado immigo,/ Por meus atrevimentos, o castigo." (est.58, vv.7-8)

 Adamastor, embora associado à representação do denominado Cabo das Tormentas, é personificação do medo e do receio que os navegadores revelavam ao enfrentar o desconhecido e o nunca antes navegado. Simbolizam também as histórias fantásticas relacionadas com seres monstruosos que habitavam os mares e que destruíam todos aqueles que tivessem a ousadia de entrar nos seus domínios, histórias essas em que os navegadores da época acreditavam.

 Canto VI

 Festas aos Lusos em Melinde e partida da frota para Calecute. Novas insídias de Baco, junto a Netuno, no fundo dos mares. Descrição do reino de Netuno (8-14). Fernão Veloso narra o episódio dos Doze de Inglaterra (42-69) para distrair a monotonia de bordo. Tempestade provocada pelo insidioso Baco (70 e ss.), com nova intervenção de Vênus (85 e ss.), que amaina o furor dos ventos. Chegada a Calecute (92), ação de graças do Gama (93-4) e elogio da verdadeira glória — a dos que enfrentam "trabalhos graves e temores", " tempestades e ondas cruas".

 Canto VII

 Chegada à Índia. Elogio de Portugal pelo Poeta. Descrição da Índia. Encontro com o mouro Monçaide, que descreve a Índia (31-41). Portugueses recebidos pelo regente dos reinos — O Catual, o Samorim. Troca de gentilezas e informações. O Poeta novamente invoca as musas (78 ess.) para prosseguir no canto.

 Canto VIII

 Paulo da Gama, irmão de Vasco, narra ao Catual a história dos heróis portugueses (Luso, Ulisses, Viriato, Sertório, D. Henrique, Afonso Henriques, Egas Moniz, etc.). Baco insiste na perseguição, instigando em sonhos os chefes dos nativos. Hostilidades, retenção do Gama em terra, que só se liberta a poder de dinheiro (93-6): o poder corruptor do metal (96-9).

 Canto IX

 Retenção de Álvaro e Diogo, portadores da "fazenda", mero pretexto para deterem-se os descobridores europeus. Por fim, libertados, recolhem às naus que preparam a volta à pátria. Vênus resolve premiar os heróis (18 e ss.) com prazeres divinos: a Ilha dos Amores (51-87) e seu simbolismo (88-95).

 Canto X

 Banquete de Tétis aos Portugueses, na Ilha dos Amores. Canta uma ninfa profecias de Proteu. Nova invocação do Poeta a Calíope (8-9), que permita condigna conclusão do poema. Relembrança das profecias da Ninfa; glórias futuras de Portugal no Oriente (10-73). Tétis mostra ao Gama a máquina do Mundo, como a viu Ptolomeu (76-142) — céus e terras, com destaque para a Ilha de São Tomé (109-19). Partida da Ilha dos Amores e regresso a Portugal. Desalento do Poeta (145. "No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho / Destemperada, e a voz enrouquecida") por "cantar a gente surda e endurecida". Fala final a D. Sebastião e conclusão do poema

 

Considerações sobre a Obra

 O estilo épico utilizado tem um certo conteúdo próprio (devido à utilização de perífrases, comparações, hipérboles, latinismos, etc. A ação com que o Poeta se ocupa, divide-se em dois mundos: o mundo material - que abrange os grandes fenômenos mundiais - e o mundo moral - que reúne os estados psicológicos das pessoas participantes na ação.

 Escolheu a viagem de Vasco da Gama como ação principal para a sua obra, baseando-se em relatos detalhados. Mas na viagem de Vasco da Gama, o Poeta não encontrou um enredo e sim uma seqüência cronológica e isso não bastava para escrever uma epopéia. Por isso, utilizou um enredo mitológico que lhe forneceu protótipos de um intriga entre deuses apaixonados; portanto, em paralelo à viagem de Vasco da Gama, decorre um outro plano de narrativa que corresponde à intervenção dos Deuses no Olimpo.

 O dinamismo aparente na obra reside nas dificuldades e obstáculos que os portugueses têm de superar e nas rivalidades que Vênus, protetora dos portugueses, opõe a Baco, inimigo dos mesmos. Desta intriga resultam os obstáculos para os portugueses, pois Baco, disfarçado, arranja mau ambiente onde pode lançar a desconfiança e levar os deuses marítimos a desencadearem tempestades. Por outro lado, Vênus, com o auxílio de Júpiter, tenta ajudá-los, servindo-se de ninfas para acalmar os deuses marítimos e fazer com que estes acalmem as ondas.

 Os deuses, tal como os homens, choram, amam, desejam, lutam, ou seja, parecem ser de carne e osso. Nesta epopéia tudo acontece como se fossem os deuses a ter poder sobre todas as forças que movimentam o mundo. No entanto, a ficção mitológica dissolve-se um pouco no desenlace da epopéia.

 A certa altura, Vasco da Gama substitui Netuno no amor de Tétis, senhora das águas, e neste ponto Tétis declara que "os Deuses só servem para fazer poemas", esclarecendo que "a mitologia é meramente alegórica"; todavia, este poema sem a mitologia, perderia o encanto.

 Os planos da narrativa são constituídos por: narração histórica - História de Portugal; narração da viagem de Vasco da Gama; narração mitológica - intervenção dos Deuses.

 

 Sobre o Herói - Personificação do Povo Português

 Vasco da Gama

Vasco da Gama, nasce em Sines em 1468 e morre em Cochim no ano de 1524.

 Em 1497, Vasco da Gama partia para a Índia, sendo escolhido por D.Manuel para comandar uma pequena armada. Eram três naus e uma barca: a nau "S. Gabriel", que tinha como capitão Vasco da Gama e o piloto era Pêro Alenquer; a nau "S. Rafael" que tinha como capitão Paulo da Gama (irmão de Vasco da Gama ) e o piloto João de Coimbra; a nau "Bérrio", quem a comandava era Nicolau Coelho e quem a pilotava era Pêro Escobar e a barca de mantimentos, cujo capitão era Gonçalves Nunes. A tripulação era composta por cerca de 160 homens.

 A armada de Vasco da Gama não foi pelo Golfo da Guiné, como era costume. Quando chegou às alturas da Serra Leoa, o Capitão-Mor mandou fazer rumo para sudoeste, passou o Equador e navegou pela "volta do mar" durante três meses.

 Foi no dia 22 de Novembro que a expedição dobrou o Cabo da Boa Esperança, até aí conhecido pelo Cabo das Tormentas.

 A viagem de Vasco da Gama rasgara o caminho para a terra onde existia riquezas sem fim. Vasco da Gama pouca riqueza conseguiu trazer na sua primeira viagem. A sua expedição foi o arranque de um processo que iria estabelecer relações afortunadas entre o ocidente e oriente. Portugal conseguiu, finalmente, abrir à Europa o mercado das especiarias, entre as quais, a pimenta era a mais ambicionada. Mas havia ainda o marfim, as porcelanas, as faianças, as sedas e outros produtos que o comércio ocidental muito apreciava.

 A seguir ao regresso de Vasco da Gama, o rei D. Manuel mandou abrir uma feitoria na cidade de Antuérpia, para onde se dirigiam as naus da Índia.

 Em 1502, Vasco da Gama recebe o comando de uma esquadra de vinte navios, entre as quais dez naus bem guarnecidas de canhões. Bombardeou Calecute e destruiu a armada Hindu. De seguida, navegou até Cochim, onde carregou muitas especiarias e montou um estabelecimento comercial..

 Em 1504, tinha Vasco da Gama 55 anos quando voltou de novo à Índia, a bordo da nau "S. Catarina de Monte Sinai", comandante de uma grande armada. Desta vez, investindo nas funções de vice-rei , assim o nomeara D. João III.

 Em 1524, estava Vasco da Gama em Cochim, quando adoeceu gravemente e morreu na madrugada do dia 25 de Dezembro, longe de casa e da família. Doze anos depois, chegou a Lisboa uma nau com os restos mortais do vice-rei.

 

 Este trabalho é parte integrante do elaborado e apresentado para o Curso de Letras das FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas, em maio de 1998.

Maria de São José Tavares Dias

 Bibliografia / Fontes de Consulta

 Camões, Luís Vaz, "Os Lusíadas", Porto Editora, 2a edição, 1974

 Coelho, António Quaresma, e outros, Língua Portuguesa 9, Constância editores, Alfragide, 1ª edição, 1997

 Lopes, Óscar, Saraiva, A.J, História da Literatura Portuguesa, Porto Editora, Porto, 16ª edição, 1995

 Ramos, Emanuel Paulo, Os Lusíadas, Porto Editora, Porto, 2ª edição, 1994

 Reis, A. do Carmo, Vasco da Gama, Edições Asa, Porto,1990.

 Souto, José Correia de, Dicionário da História de Portugal, Vol. III, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1965

 Revista Superinteressante

 P. Commelin, Mitologia Grega e Romana, editora Martins, São Paulo, SP, 1993.

 Sites na Internet - ref. "Os Lusíadas" / "Camões" / "Renascimento / Humanismo"; Imagens. 

 


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