É preciso ler a descrição que o Irmão
Luís – assim se chamaria de ora em diante – nos faz de seu noviciado e de
toda a vida cisterciense: são páginas candentes de emoção, com a força da
primavera.
Ninguém se salva sozinho. O Irmão Luís teve a incomparável alegria de
contribuir para a conversão de seu irmão João Paulo, aviador, que esteve no
mosteiro em julho de 1942, aí foi batizado e fez a sua primeira comunhão. Em
abril de 1943, foi dado como desaparecido após um raide, e sua morte se
confirmou pouco tempo depois.
No dia de São Tomás, em 1942, o noviço pronuncia os primeiros votos
religiosos. Alegrias especiais lhe são reservadas: seu amigo Bob Lax, por sua
vez convertido e batizado, vai visitar “Tom”, seu velho companheiro. Recolhe
o livro de Thomas Merton, Trinta poemas, impresso em 1944.
O irmão Luís sente-se inquieto e cheio de escrúpulos: seu ouro
“eu”, o escritor, o terá seguido ao mosteiro? Mas o Abade considera a situação
de maneira diferente. Os dons de Deus devem ser empregados para a glória de
Deus. “Sua vocação é escrever” – diz ele a Thomas.
Os estudos para o sacerdócio continuam e, em 1949, o grande sonho de
Thomas se realiza: ordena-se.
A estrada para Deus, tão longa em seus dolorosos meandros, tinha sido
reta, apesar de tudo. A rocha escarpada que devia transpor exigia diversas
etapas: A montanha dos sete patamares fala sobre todas elas. Foram as igrejas de
Santo Antonino, de São Cosme e São Damião e de Corpus Christi; as leituras e
os amigos, o convívio com São Boaventura e com os Franciscanos, e depois o
retiro em Getesemâni; foram os diversos empurrões interiores que se sucederam,
todos diretos e pessoais, e que o conduziram, a ele artista, diletante delicado,
poeta, homem do mundo, para os Tabernáculos da Contemplação, do silêncio e
da Solidão em Deus.
E ele canta o seu reconhecimento a Nossa Senhora: “Senhora, na noite em
que deixei a Ilha que foi outrora a vossa Inglaterra, vosso amor me acompanhou,
embora eu não estivesse em estado de compreende-lo.
Ignorava aonde ia e o que faria, uma vez chegado a Nova York. Mas vós
enxergastes mais longe e mais claramente que eu. Preparaste para mim um lugar
que seria meu refúgio, meu abrigo e meu lar.
E enquanto eu pensava que não houvesse Deus, nem amor, nem misericórdia,
Vós me conduzistes ao centro de Seu amor, e da Sua misericórdia, à casa que
eu não conhecia e que me ocultaria no segredo de Sua Face...”
Sua alma poética exala seu pensamento em A semeadura de intenções, e
ele joga-o pelos caminhos do mundo, qual uma semente:
“Pois como grão de fogo
Que
germina no coração de toda essência viva,
Deus
planta a sua força indivisa,
Sepulta
seu pensamento, demasiado vasto para o Universo,
Na
semente e na raiz, na folha e na flor.
Até
que, nos estranho jogo de luz e sombras,
Dos
ventos de abril e de suas brumas
Ultrapassando
o silêncio religioso da Primavera,
A
criação acha por demais terrível carregar
O
peso de seu imutável segredo.”
Mas, acima de poeta, Thomas é padre, e tem consciência de sua
responsabilidade:
“Eu não tinha me tornado apenas um imitador de Jesus Cristo, seu
embaixador, ou vice-gerente; não transformara-se em algo mais, era realmente
seu “duplo”. É o único termo adequado, o único que exprime de verdade o
meu ser, o único que exprime com exatidão o que é padre. O padre é o
“duplo” do “Homem-Deus”. (A
Trappist tells of the God-Man’s Double).
Thomas Merton consagra daí por diante a sua vida à oração e à missão
de escritor, para maior benefício dos homens e para glória de Deus. Sua obra
é prodigiosamente fecunda, porque encontrou a paz em Cristo.