Dentre os muitos diários que Merton escreveu em Getsêmani, dois foram publicados: O Signo de Jonas, que abrange os anos de 1942 a 1952, e Reflexões de um expectador culpado, que vai de 1956 a 1965. No primeiro, Merton se detém longamente naquilo que podemos chamar de “seu lugar na solidão”. O signo de Jonas, para Merton, é a verdade que, impressa no coração dos homens, nos leva a procurar a ressurreição e a vida. O que amamos é o efêmero e falso simbolizado pela baleia bíblica, porém, Jonas o profeta, nossa alma, braceja abandonada no fundo. Sem dúvida, enquanto a baleia morreu, Jonas é imortal. Tal a grande lição humana que se desprende deste diário magistral.

O segundo diário trás como tema central a diferença entre consciência e convencionalismo. Intimamente relacionado com a tradição cristã quanto com o dilema interior do homem moderno, Reflexões de um Espectador Culpado é um livro que toca a todos os espectadores culpados ainda vivos neste mundo afora.

Do universo dos diários escritos por Merton, cabe destacar O diário secular (você encontrará trechos dele na parte “Questiones”) que foi  escrito antes de dele ingressar no mosteiro. E O diário da Ásia, onde Merton escreve de maneira solta e deliciosa,  com seu velho bom humor de volta, sobre os incidentes da viagem e sobre as riquíssimas experiências com as pessoas que encontrou em Calcutá, no Himalaia, em Nova Deli, no Ceilão, em Madras e, finalmente, em Bancoc.

Você poderá encontrar uma seleção de trechos extraída dos vários volumes dos diário de Thomas Merton num livro recém lançado aqui no Brasil, sob o titulo Merton na intimidade, sua vida em seus diário.

Veja alguns trechos escolhidos:

*(Nesse trecho de fevereiro de 1962, pode-se ver que a sensação de "fim de mundo" era muito concreta naquele momento; e ela esteve para realizar-se na famosa "crise dos mísseis" que aconteceu em outubro daquele ano.)


"De um ponto de vista humano e racional, são grandes as probabilidades de uma guerra desastrosa nos próximos três a cinco anos. Embora seja quase impossível imaginar este país sendo exposto à devastação, muito provavelmente é isso que vai acontecer. Sem motivo sério, sem que as pessoas o queiram, e sem que sejam capazes de o impedir, porque, por sua incapacidade de usar o poder que adquiriram, elas têm de ser usadas por ele. Donde a absoluta necessidade de levar serenamente esse fato em conta, e viver nas perspectivas estabelecidas por ele tarefa quase impossível.

1. Preeminência da meditação e da oração, do auto-esvaziamento, de livrar-se do eu que impede de enxergar a verdade.

2. Preeminência da compaixão por todos os seres vivos, pela vida, pelos simples e indefesos, pela raça humana em sua cegueira.

3. Cansaço das palavras, exceto na amizade, no tipo mais simples e mais direto de comunicação, boca a boca ou por carta.

4. Preeminência da ação em silêncio e conclusiva - se alguma se apresentar -, do sofrimento significativo aceito no maais completo silêncio, sem justificação."

*(Thomas Merton não era um eremita isolado na sua "torre de marfim". Muitas passagens de seus diários contêm observações argutas sobre a sociedade americana, que já naquele início dos anos 60 ele via ameaçada pelo excesso de dinheiro e de poder. Mas o místico que havia em Merton de vez em quando alçava vôo, em textos como o seguinte do 13 de agosto de 1965)

“Que alegria por ser homem!  O fato de eu ser um homem é uma verdade e um mistério teológico. Deus tornou-se homem em Cristo. Tornando-se o que sou, Ele me uniu a Si e fez de mim sua epifania, estando eu assim destinado, agora, a revelá-lo. Minha própria existência enquanto homem verdadeiro depende disto: que eu obedeça, através da minha liberdade, à sua Luz, capacitando-o assim a revelar-se em mim. E o primeiro a ver essa revelação é o meu próprio ser.

Sou Sua missão para mim, e, por meu intermédio, para todos os homens. Como posso vê-lo ou recebê-lo se eu desprezar ou temer isto que sou — homem? Como posso amar o que sou — homem — se nos outros eu odiar o homem?

Minha simples condição humana já deveria ser deleite e alegria eternos. Alegrar-me com o que fui feito para ser por meu Criador é abrir meu coração à restauração por meu Redentor. É provar as primícias da redenção e da restauração. Tão pura é a alegria de ser homem, que aqueles cuja compreensão cristã for fraca podem até tomá-la pela alegria de ser algo que não homem — um anjo ou qualquer outra coisa.  Mas Deus não se tornou um anjo. Ele se tornou homem.

*(O texto seguinte de abril de 1965 fala de um problema que às vezes achamos ser coisa extinta, mas que nunca foi tão atual.)

"O grande pecado, a fonte de todos os outros pecados, é a idolatria.  Nunca ela foi maior, mais generalizada do que agora. Quase completamente irreconhecida  justamente porque é tão total e esmagadora. Nada mais escapa. Fetichismo do poder, máquinas, posses, medicamentos, esportes, roupas, etc, tudo isso mantido pela ambição de dinheiro e de poder.  A Bomba é apenas um aspecto acidental do culto. De fato, a Bomba não é o pior. Deveríamos ser gratos a ela como a um sinal, uma revelação daquilo para que todo o resto da nossa civilização aponta: a auto-imolação do homem à
sua própria ambição e ao seu próprio desespero. Por trás de tudo estão os principados e potestades a que o homem serve em sua idolatria. Os cristãos estão tão profundamente envolvidos nisso como quais quer outros."


*(Merton é um homem dominado por uma inquietação enorme em face da procura da verdade, ele escreve em outro trecho)

"Quão longe estive dia a dia da Verdade, perdendo tempo na vã procura de alguma coisa. O que eu procuro é apenas ser, como aqui tudo é. Aqui a pa- lha, aqui a chuva, aqui o silêncio. Oprimido por palavras, pela falsidade e desnecessidade da maioria das coisas que digo aos outros. O que espero encontrar nas palavras que lhes dirijo? O que, não encontrando, ressinto? Não tenho nada a dizer. Como eu seria feliz se admitisse isso na prática! Mas creio que todos os homens, em todas as épocas, esperam que se diga alguma coisa. Que tolo fiz de mim mesmo ao me tomar por sábio. E ago- ra não ouso ficar quieto, embora não tenha nada a dizer".

*(Merton possui destreza ao descrever seus sentimentos refletidos, como no trecho seguinte)

“Anoitecer: chuva, silêncio, alegria. Estou certo de que, onde o Senhor vê o pontinho de pobreza e extenuação e desamparo a que o monge é reduzido, o solitário e o homem de lágrimas, Ele então ”deve“ descer e vir e nascer, lá nessa angústia, e torná-la um ponto constante de alegria infinita, uma semente de paz no mundo. Esta é e sempre foi minha missão. Para mim, não há verdade nem sentido em nada que esconda de mim essa preciosa pobreza, esta semente de lágrimas e verdadeira alegria. Daí as distrações e demonstrações que me afastam disso serem tolas e inúteis, podendo constituir até mesmo infidelidades, se forem evasões.

 O que dizem os Salmos, senão isto? ”Em constante vigilância, verás que a ajuda do Senhor vem a ti!“ Quão profunda é essa verdade, que tremenda importância tem! Nós não esperamos por esse ”auxilium Domini“, essa ajuda do Senhor! Outros proclamam que ela chegou, mas sentimos que não! Vigilância constante: "constantes estote”. No momento devido, chegará para mim também, em segredo, na própria liberdade de Deus, além de todo o controle dos horários, mesmo os eclesiásticos! Este é um aspecto verdadeiro e profundo do mistério da Igreja: a liberdade de sua vida interior, que pode ou não corresponder às indicações exteriores do momento ritual“.

 *(No trecho seguinte, Merton escreve uma intuição que se revelaria profética. Merton morreu aos 53 anos quando participava, na Tailândia, de uma conferência ecumênica de monges. )

“31 de janeiro de 1960. Nunca pensei que uma coisa dessas, o aniversário dos meus 45 anos, fosse acontecer. No entanto, aqui está ele. Por que será que eu sempre andei meio convencido de que iria morrer jovem? Talvez por uma espécie de superstição — o medo de admitir uma esperança de vida que, se admitida, poderia ter de ser desfeita. Mas agora ”eu já vivi“ uma boa parte da vida, e, quer o fato seja importante quer não, nada pode alterá-lo. É certo, infalível — embora isso também seja apenas uma espécie de sonho. Se eu não chegar aos 65, importa menos. Posso relaxar. A vida é uma dádiva com a qual estou satisfeito: não maldigo o dia em que nasci. Pelo contrário, se eu não tivesse nascido, nunca teria tido amigos para eu gostar deles e eles gostarem de mim, nunca cometeria os erros com os quais se aprende, nunca veria novos países. Já o que eu possa ter sofrido é de somenos importância e, com efeito, parte do grande bem que a vida tem sido e, espero, há de continuar a ser. Afinal, subitamente me dou conta de que uma pessoa de 45 anos ainda é jovem”.

 

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