Noções Gerais de Direito (Cap. IV - fim)

 

§ 2º – Direitos Reais

1 – Natureza dos direitos reais

Dissemos já que o direito das coisas ou direitos reais corresponde a um aspecto importante da vida económica. As necessidades materiais são de satisfazer mediante a fruição e disposição de coisas ou bens com valor económico. As coisas podem ser produtivas de nova riqueza (meios de produção) ou servirem directamente para consumo.
Ao distinguir na sua essência as relações jurídicas de obrigações e as relações jurídicas de direitos reais, verificamos também que, nas primeiras se observa uma relação directa entre pessoas, e nas segundas entre uma pessoa e uma coisa. Esta característica é, porém, aquela que a construção jurídica dessas diferentes espécies de relações jurídicas faz sobressair.
Mas não deve esquecer-se o significado e alcance dos direitos reais, do ponto de vista económico, isto é, o substracto de facto das relações jurídicas dos direitos reais.
É que o direito real de valor primacial é a propriedade, e em especial a propriedade privada.
Ao longo da história nunca deixou de haver críticas ou ataques à propriedade privada, mas, porventura, nunca toda a sociedade. O direito de propriedade existe em todos os regimes jurídicos e em todos se verifica a existência de propriedade colectiva e de propriedade individual; por isso os direitos reais enquanto conceito jurídico se encontram em todos os sistemas jurídicos; só é mais ou menos lato o objecto possível da propriedade privada consoante os sistemas.
Os direitos reais são tão somente os que a lei enumera ou regula. As obrigações podem ser, em princípio, acordadas pelos interessados e por isso são em número indefinido ou limitado.

2 – Classificação dos direitos reais

Costumam distinguir-se os direitos reais de gozo e os direitos reais de garantia. Os primeiros são os direitos reais em sentido estrito. Os direitos reais de gozo correspondem à distribuição ou repartição dos bens, e consistem, como direitos reais de gozo, na fruição directa, na utilização dos bens para satisfação dos próprios fins ou interesses.
Os direitos reais de garantia, em que se verificam as mesmas características de inerência às coisas e de sequela, são, no entanto, aqueles direitos reais em que o poder sobre as coisas se limita ao fim de garantir, através do seu valor, o cumprimento duma relação de crédito.
São direitos reais de gozo, na enumeração do Código Civil: a posse, a propriedade, o usufruto, uso e habitação, a enfiteuse, o direito de superfície e as servidões (mantêm-se os direitos reais preexistentes ao Novo Código Civil do compáscuo e quinhão).
São direitos reais de garantia: a hipoteca, o penhor, os privilégios creditórios, a consignação de rendimentos, o direito de retenção.

I – O direito de propriedade

3 – Noção de propriedade

A propriedade é o direito real de mais amplo conteúdo. Designa o poder sobre aquilo que é nosso, que nos pertence.
O Código Civil de 1867 (art. 2167º), definia a propriedade, a faculdade que o homem tem de aplicar à conservação da sua existência e ao melhoramento da sua condição tudo quanto para esse fim legitimamente adquiriu e de que portanto pode dispor livremente.
O actual Código de 1967 diz no art. 1305º que o proprietário goza de modo exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
Mais do que uma definição é uma enumeração do complexo de poderes que abrange o direito de propriedade: faculdade de uso da coisa, compreendendo todos os actos de aplicação ou utilização directa das coisas; o poder ou faculdade de fruição, compreendendo a utilização de todos os frutos ou produtos das coisas objecto de propriedade; e o poder ou faculdade de disposição, compreendendo o poder de transformação e o poder de alienação das coisas.
Nestes três poderes ou faculdades, uso, fruição, disposição, se resumem todas as faculdades que entram no âmbito do domínio jurídico do dono sobre as coisas de sua propriedade.

4 – O objecto do direito de propriedade

O Código Civil só considera como objecto do direito de propriedade, em sentido próprio, as coisas corpóreas. As coisas corpóreas podem, porém, ser móveis ou imóveis. Haverá propriedade de coisas móveis ou de coisas imóveis.
Em sentido lato e vulgar, porém, emprega-se a expressão propriedade, para abranger o conjunto de direitos patrimoniais duma pessoa. Em sentido jurídico, mais amplo, admite-se ao lado da propriedade de coisas corpóreas, a propriedade intelectual (direitos de autor), e a propriedade industrial (patentes) às quais se aplicam subsidiariamente as disposições que regem o direito de propriedade das coisas corpóreas (art. 1303º). Os direitos de autor são regidos hoje pelo Decreto-Lei n.º 46980, de 27 de Abril de 1966 e a propriedade literária pelo Decreto n.º 4141, de 17 de Abril de 1918; a propriedade industrial pelo Decreto n.º 30679, de 24 de Agosto de 1940.
O regime da propriedade sobre coisas móveis ou imóveis é diferentemente estabelecido; quanto à propriedade de imóveis, as regras aplicáveis constam dos arts. 1344º e segs..

5 – Os limites da propriedade; a função social da propriedade

O moderno conceito de direito de propriedade desveste-a da sua feição mais egoísta. O direito de propriedade não é um direito absoluto, na sua extensão material, nem na consistência dos poderes que encerra. Enquadra-se numa função social, que o torna variável e limitado.
A ideia da função social da propriedade é muito antiga e está ligada à própria justificação do direito de propriedade que, mesmo quando privada, deve servir o interesse social.
Essa função social é hoje expressamente estatuída na Constituição Política de 1933 (art. 35º), que reza assim: a propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social em regime de cooperação económica e solidariedade, podendo a lei determinar as condições do seu emprego ou exploração, conforme com a finalidade colectiva.
Limites do direito de propriedade, serão primeiramente restrições de interesse público, particularmente a expropriação para fins de interesse público (e mediante justa indemnização) ou a requisição temporária de coisas do domínio privado (Cód. Civil, arts. 1308º, 1309º e 1310º). A expropriação ou requisição só podem ter lugar nos casos previstos na lei; sobre essa matéria há vasta legislação complementar dos Códigos. São ainda restrições de interesse público as resultantes da legislação sobre minas, águas medicinais, comunicações telegráficas ou telefónicas, etc. e servidões em benefício de higiene, urbanização, estética, etc...
Restrições do direito de propriedade de interesse privado, derivam sobretudo da coexistência com outros direitos de propriedade, nas relações de vizinhança, consistentes em servidões legais de aqueduto, de passagem forçada, de delimitação recíproca das propriedades, do direito de fazer plantações, etc..

6 – Titulares do direito de propriedade; modos de aquisição da propriedade

A propriedade pode ser individual, pública ou comum. À propriedade individual, privada ou particular, contrapõe-se a propriedade pública ou comum. Não significa esta distinção que a propriedade pertencente ao Estado ou a outras pessoas colectivas de direito público seja necessariamente propriedade pública ou comum; assim sucederá com o domínio público, por exemplo. Mas o Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem ser titulares de propriedade privada, sujeita à regulamentação do Código Civil.
Há bens corpóreos à disposição de todos, como bens comuns, ou bens do domínio público afectos legalmente a fins de natureza pública, e sujeitos a disciplina jurídica diversa no âmbito do direito público.
A propriedade, como já referimos, respeita a repartição de bens e consoante o sistema económico em vigor numa sociedade pode prevalecer a propriedade colectiva ou pública, ou a propriedade privada.
A propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei (Cód. Civil, art. 1316º).
Por ocupação podem adquirir-se animais ou coisas móveis abandonadas (art. 1318º). Por acessão, quando uma coisa propriedade de alguém, se une ou encorpora noutra coisa que lhe não pertencia; a acessão é natural quando resulta de forças da natureza (o acréscimo de terras que aumenta por aluvião uma terra) ou industrial quando é devida a facto do homem. O usucapião é a aquisição pela posse durante certo lapso de tempo do direito de propriedade (art. 1287º). A aquisição por contrato poderá ser a título gratuito ou oneroso (compra e venda, doação, ...). A aquisição por sucessão por morte tem lugar em virtude do direito das sucessões; da faculdade do proprietário dispor dos seus bens para depois da morte, ou do direito de suceder por sucessão legítima ou legitimária.

7 – Compropriedade; propriedade horizontal

Quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, existe propriedade em comum, ou compropriedade (Cód. Civil, art. 1403º).
Desta contitularidade no direito de propriedade resulta a necessidade de coordenar os direitos iguais dos vários comproprietários.
E assim, quanto ao uso da coisa em compropriedade, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diverso daquele a que a coisa se destina, não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito (art. 1406º).
A administração da coisa comum é exercida por todos, cabendo a decisão à maioria; cada um dos comproprietários pode, porém, alienar a sua quota parte na propriedade comum, preferindo na aquisição os demais comproprietários.
A compropriedade é uma forma de comunhão; é uma comunhão no direito de propriedade. Mas pode haver comunhão em outros direitos.
E por isso o Código Civil determina que à comunhão em quaisquer outros direitos se aplicam, em princípio, as regras sobre a compropriedade (art. 1404º).
Algo diferente da comunhão, ou da compropriedade, em que a cada comproprietário cabe uma quota ideal da coisa comum, é a propriedade horizontal (Cód. Civil, arts. 1414º e segs.). Na propriedade horizontal, as fracções de um edifício (mormente andares ou pisos), em condições de constituírem unidades independentes podem pertencer a diversos proprietários; a parte de cada um apresenta-se, ao contrário do que sucede na compropriedade, materializada, determinada em relação a uma parte material da coisa. A propriedade horizontal tem hoje larga difusão ainda que o instituto seja de criação recente, precisamente porque facilita a aquisição de habitação própria em grandes edifícios nas cidades. Há na propriedade horizontal sectores do edifício que são comuns. Daí a necessidade duma coordenação dos proprietários na administração e conservação das partes comuns do edifício e a coordenação do exercício dos direitos de cada um com os dos outros. Partes comuns são o solo em que foi edificado o prédio, a entrada, o telhado, instalações de água, electricidade, etc.. A forma da administração das partes comuns é regulada nos arts. 1430º e segs.

II – Posse e outros direitos reais de gozo

8 – A posse

O Código Civil trata, mesmo antes da propriedade, da posse. É que a posse é o "poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real" (art. 1251º).
A situação de facto de exercer os poderes que correspondem ao exercício de um direito, direito real de gozo, ainda quando tal direito não exista efectivamente, é causa da tutela da ordem jurídica. A aparência do direito pode produzir efeitos, e são esses efeitos que importa referir ao tratar da posse.
Como se deduz da noção legal, a posse consiste na realização material de um direito real, independentemente da existência deste; essa realização material (o "corpus" da posse) deve ser acompanhado do "ânimo" de agir como titular do direito. Quer dizer, a posse, a que nos referimos, é a posse em nome próprio; podem exercer-se os poderes de facto contidos em um direito, não como se exercesse um direito próprio, mas em nome de outrém. A posse, então, é posse em nome alheio, e não produz efeitos na esfera jurídica daquele que age em nome do próprio titular do direito (art. 1253º).
A posse em nome próprio, pode ser de boa fé ou de má fé. Sempre, na posse em nome próprio, o possuidor age com ânimo de dono, de titular do direito, mas pode saber da falta do direito correspondente, ou ignorar o direito de outrém, que lesa ao exercer os poderes desse direito, como se fossem próprios; no primeiro caso a posse é de má fé; no segundo a posse é de boa fé (art. 1260º). Outros caracteres pode ainda apresentar a posse em nome próprio (única que aqui interessa e se opõe à mera detenção ou posse em nome alheio – art. 1253º): pode ser titulada ou não titulada, pacífica ou violenta, pública ou oculta.
Posse titulada é a fundada em qualquer título legítimo de aquisição, independentemente de ter o transmitente o direito que transmitiu, ou a validade substancial do negócio jurídico da transmissão; se o possuidor adquiriu efectivamente o direito real, a posse ulterior não é mais do que a realização de facto do direito adquirido, mas se a transmissão do direito se não efectuou, o título de transmissão, embora válido, faz presumir a boa fé do possuidor.
Posse pacífica é a adquirida sem violência; a posse adquirida com violência presume-se sempre de má fé.
Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados.
Os principais efeitos da posse, são a presunção de propriedade ou de titular dono do direito possuído (art. 1269º) e o usucapião.
O possuidor de boa fé faz seus os frutos da coisa possuída, enquanto ignora o direito de outrém; o possuidor de má fé deve restituir os frutos da coisa e indemnizar o titular do direito real pelos frutos que poderia ter obtido um proprietário diligente (arts. 1270º e 1271º).
A posse de direitos reais de gozo, quando, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação; é esta a noção legal de usucapião, de modo a adquirir o próprio direito que se exerce, sem ser dele titular (art. 1287º).
A aquisição do direito real, por usucapião, é admissível pela continuação da posse por certo tempo. Os caracteres da posse que indicamos, determinam um prazo mais ou menos longo para que se verifique o usucapião, isto é aquisição do direito real. Só contam os prazos de usucapião desde que a posse é pública; e o prazo de usucapião é muito mais longo na posse de má fé do que na de boa fé, etc..

9 – Usufruto, uso e habitação (Cód. Civil, arts. 1439º e segs.)

Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância.
O conteúdo do direito de usufruto, quanto à fruição da coisa é idêntico ao da propriedade ou do direito usufruído.
O usufrutuário não tem, porém o poder de disposição da coisa ou direito, e o poder de transformação é limitado porque não pode ser exercido quando altere a forma ou substância da coisa.
Porque o usufruto é temporário, o usufrutuário deverá restituir as coisas ou direitos sobre que o usufruto recai.
Poderia, por isso, entender-se que nem todas as coisas – mormente as coisas consumíveis – podem ser objecto de usufruto.
Na verdade, porém, o usufruto pode recair sobre coisas consumíveis; em tal caso, o usufrutuário pode servir-se delas e também aliená-las, mas é obrigado a restituir o seu valor, se tiverem sido avaliadas, ou a entregar coisas do mesmo género; de todo o modo não pode proceder à transformação das coisas que altere a sua substância.
O usufruto sobre coisas consumíveis, em razão destas particularidades, costuma denominar-se quase-usufruto ou usufruto impróprio.
A indicação dos limites do poder do usufrutuário ao usufruir a coisa, torna-se conveniente nos casos dúbios. E assim:
– se as coisas são, por natureza, deterioráveis, só é obrigado a entregá-las como estiverem, após o seu uso "normal" (art. 1452º);
– se o usufruto tem por objecto árvores frutíferas deve restituir o mesmo número de árvores, devendo para tanto plantar as que tiverem perecido (art. 1453º);
– se o usufruto recai sobre matas de corte, plantas de viveiro, minas e pedreiras, poderá fazer os cortes normais que correspondem à fruição da própria mata (arts. 1455º e segs.);
– se o usufruto recai sobre a universalidade de animais (gados), deve substituir com cabeças novas as que vierem a faltar;
– se o usufruto recai sobre capitais a juros, tem o direito de perceber os juros enquanto dura o usufruto, mas não de dispor do capital, sem acordo do proprietário do capital;
– se o usufruto recai sobre acções de sociedades ou partes de quotas sociais, tem o usufrutuário direito aos lucros ou dividendos durante o usufruto e o direito de voto nas assembleias gerais, salvo quando se trate de deliberações que importem a alteração dos Estatutos ou a dissolução da sociedade; e o direito de usufruir dos valores que, pela liquidação da sociedade, caibam à quota parte social sobre que recai o usufruto.
Todas esta regras são uma explanação, em casos muito concretos, do limite do direito do usufrutuário, e da sua coordenação com o direito do proprietário da coisa usufruída.
Ao usufrutuário, como dissemos, cabe a fruição da coisa; mas não a disponibilidade da coisa, visto que esta deve, na sua substância, reverter, findo o usufruto, para o proprietário ou titular do direito usufruído. O usufrutuário pode usar, fruir, administrar a coisa ou direito, como o faria um bom pai de família (art. 1446º).
Para salvaguardar os interesses do proprietário deverá relacionar os bens usufruídos, para individualização dos bens que deve restituir e prestar caução, para restituição de bens consumíveis, ou pagamento de indemnizações, se a caução for exigida.
Não pode ser exigida caução se o usufruto é constituído pelo proprietário, quando transmite a propriedade, com reserva de usufruto, nem quanto ao usufruto legal pelos pais nos bens dos filhos menores.
O usufruto extingue-se (art. 1476º):
– quando seja vitalício, pela morte do usufrutuário;
– se não é vitalício, no termo do prazo estabelecido;
– pela reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa, seja qual for o título por que o usufrutuário adquiriu a propriedade ou o proprietário o usufruto;
– pelo não exercício do usufruto (prescrição) durante vinte anos;
– pela perda total da coisa usufruída (perda do objecto do usufruto);
– pela renúncia unilateral do usufrutuário ao usufruto.
Contra os abusos do usufrutuário pode o dono dos bens usufruídos tomar conta dos bens, administrando-os ele próprio e entregando os seus frutos ao usufrutuário, ou exigir que a administração deixe de ser do usufrutuário, arrendando-se os bens, ou que se ponham em administração, etc..
O uso e habitação (Cód. Civil, art. 1485º) é o usufruto restrito às necessidades quotidianas duma pessoa e sua família, referindo-se o “uso” à fruição das coisas em geral para aquele fim, e a “habitação” à fruição da casa ou morada para habitação própria.
O Código Civil define o uso e habitação como a faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família; e tal direito referido a casas ou moradas, toma o nome de direito de habitação. O âmbito das necessidades pessoais ou da família, que formam o limite do uso e habitação, são de fixar em conformidade com a condição social do titular do direito.
A família, para o efeito de determinar as necessidades a prover, é constituída pelo cônjuge, filhos solteiros, parentes a quem sejam devidos alimentos e pessoas ao serviço da família.
Enquanto o usufruto é transmissível, e pode ser alienado, o uso e habitação tem carácter estritamente pessoal, não sendo transmissível, nem onerável por qualquer modo (Cód. Civil, art. 1488º).
Em geral aplicam-se ao uso e habitação as disposições legais relativas ao usufruto.

10 – Enfiteuse

A enfiteuse teve enorme importância na exploração da propriedade, em séculos passados; constitui uma das formas mais importantes de colonização de terrenos incultos, pela atribuição de direitos importantes ao cultivador directo. A propriedade dada de enfiteuse denomina-se “prazo”; e o direito fundamental do senhor ou dono da propriedade era o recebimento de uma prestação anual ou foro; daí que a enfiteuse seja também apelidada de emprazamento ou aforamento.
O Código Civil de 1967 diminuiu grandemente a importância da enfiteuse na vida económica moderna; subsiste, porém, fortemente modificada na sua estrutura, no sentido sobretudo de facilitar a extinção dos muitos foros ainda existentes.
A enfiteuse consiste no desmembramento do direito de propriedade em dois “domínios”; o domínio directo e o domínio útil. O titular do domínio directo é o senhorio; o titular do domínio útil é o foreiro ou enfiteuta.
Antigamente a concessão do domínio útil sobre o prazo ao enfiteuta podia ser perpétuo ou por “vidas” (uma vida, duas vidas, três vidas...), ou temporária. No direito actual a enfiteuse é sempre perpétua.
Os direitos do senhorio, que constituem o domínio directo, foram sucessivamente restringidos.
Presentemente, e segundo o Código Civil de 1967 (art. 1499º), os direitos do senhorio são: o direito a receber o foro, o direito a alienar ou onerar o seu domínio directo; o direito de preferência na venda do domínio útil, cabendo-lhe no entanto o último lugar se houver outros titulares do direito de preferência; o direito de suceder no domínio útil, na falta de herdeiro testamentário ou legítimo enfiteuta, com excepção do Estado, e o direito de receber o prédio por devolução quando este se tenha deteriorado de modo que o seu valor não seja equivalente ao do capital correspondente ao foro e mais um quinto.
Foram abolidos, entre outros, os antigos direitos do senhorio gerais o laudémio, que consistia no pagamento ao senhorio duma quota parte do preço do prazo, no caso de alienação, ou o pagamento de qualquer prestação na transmissão do prazo por morte.
Direitos do enfiteuta são: a usufruição do prédio como coisa sua; o direito de constituir ou extinguir servidões ou o direito de superfície; de alienar ou onerar o domínio útil; de preferir na venda do domínio directo, mas graduado em último lugar entre os preferentes legais; o direito de obter a redução do foro, quando o valor do prazo seja inferior ao da data do aforamento (encampação do prazo); e o direito de remissão do foro, que a nova legislação lhe concedeu. Pode, na verdade, quando a enfiteuse tenha durado 40 anos, o enfiteuta remir o foro, reunindo na sua propriedade o domínio directo e o útil, mediante o pagamento de quantia equivalente a vinte vezes o valor do foro anual (art. 1512º).
A enfiteuse extingue-se pela confusão na mesma pessoa dos domínio directo e útil, pela destruição do prédio, por expropriação por utilidade pública, por falta de pagamento do foro (prescrição) por vinte anos.
A enfiteuse exerceu no passado função promotora de arroteamento de terras ou construção de prédios, de notável amplitude, permitindo ao mesmo tempo a elevação social sobretudo dos cultivadores das terras, mormente de terras incultas.

11 – Direito de superfície

O direito de superfície foi regulamentado pela Lei n.º 2030 e passou para o novo Código Civil. Consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou nele fazer ou manter plantações (Cód. Civil, art. 1524º).
São ainda vulgares nas regiões de pequena propriedade, os casos de árvores em terreno alheio, cuja propriedade só desaparece com a perda das próprias árvores. O direito de superfície, porém, modernamente tem muito interesse na urbanização e construções de prédios urbanos.
O terreno nas grandes cidades tende para valorizar-se, em razão da expansão das cidades, enquanto o prédio urbano, a construção, envelhece e se desvaloriza com o tempo. Daí que pode ser uma política de urbanização a que consiste em aquisição de terrenos de construção pelas Câmaras Municipais e a alienação do direito de superfície, por períodos de 50, 80, ou 100 anos ... , findos os quais, a administração pública pode ou alienar por novo período o terreno, ou adquirir o prédio desvalorizado, pois que o terreno lhe pertence já. Esta política, persistentemente seguida, pode, quando tenha viabilidade, levar a uma moderação na especulação de terrenos para construção.

12 – Servidões prediais

Servidão predial é o encargo imposto num prédio (prédio serviente) em proveito exclusivo de outro prédio (prédio dominante) pertencente a dono diferente.
A servidão diz-se positiva quando o dono do prédio dominante pode exercer actos positivos sobre o prédio serviente: por exemplo, o direito de passar por esse prédio (servidão de passagem); e diz-se negativa quando o dono do prédio serviente se deve abster de certos actos: por exemplo, abster-se de elevar o seu prédio de modo a tapar as janelas do prédio dominante.

(Fim)

 


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