Noções Gerais de Direito (Cap. IV - cont.)

 

9 - Cumprimento das obrigações e outras causas da sua extinção

O devedor deve cumprir a prestação a que está obrigado nos precisos termos em que a obrigação foi constituída. Credor e devedor, a este respeito, devem proceder com honestidade e lealdade recíprocas, isto é, com boa fé (Cód. Civil, art. 762º).
Daí que a prestação deva ser realizada integralmente e não por partes: deve ser feita no lugar e tempo devidos. O lugar é em geral o do domicílio do devedor, na falta de estipulação em contrário; mas nas obrigações pecuniárias o lugar é, salvo estipulação em contrário, o do domicílio do credor, como no caso de a obrigação ter por objecto coisa móvel será o lugar onde se encontrava a coisa à data da conclusão do negócio.
Há várias regras especiais para determinação do lugar em que é devido o cumprimento; importa apenas anotar que a lei, inferindo da natureza das obrigações o lugar do seu cumprimento, pode determinar directamente qual seja esse lugar. Mas geralmente as partes podem convencionar livremente o lugar do cumprimento e a lei estabelece apenas em termos supletivos para a sua determinação na falta de estipulação das partes.
O tempo, isto é, "quando" deve ser cumprida a obrigação depende também do acordo das partes: deve ser cumprida no prazo ou data convencionados. Quando as obrigações são para cumprir em certo prazo, têm então uma data de vencimento da obrigação. O prazo é em princípio estabelecido a favor do devedor (Cód. Civil, art. 779º), quando se não mostre que o tenha sido a favor do credor.
Desde que estabelecido a favor do devedor, pode este pagar a antes do prazo sem que o credor se possa opor.
Quando não haja prazo para cumprimento, o credor tem o direito de exigi-lo a todo o tempo (art. 777º, n.º 1), como o devedor pagará a todo o tempo; para exigir o pagamento, o credor deverá apenas "interpretá-lo", isto é, exigir-lhe o pagamento.
A prestação pode ser efectuada tanto directamente por quem a ela é obrigado, isto é, pelo devedor, como por qualquer terceiro, se se não trata de obrigações de natureza pessoal (Cód. Civil, art. 767º, n.º 1). A obrigação fica extinta entre o credor e o devedor; o que pode surgir é a sub-rogação do que pagou na posição de credor, se era interessado no pagamento.
Nos demais casos só tomará o terceiro a posição do credor, se tal for convencionado (por cessão ou sub- rogação convencionais de crédito); de todo o modo a obrigação do devedor extinguiu-se relativamente ao primitivo credor.
O cumprimento da obrigação é o modo natural e normal da extinção das obrigações. Como foi acentuado, as obrigações são relações jurídicas normalmente transitórias, destinadas a extinguir-se, característica que as opõe às relações de direitos reais.
Mas podem extinguir-se por outros modos, além do seu cumprimento que é, repetimos, o modo normal da sua extinção.
Extinguem-se também:
1º - Pela dação em pagamento
O devedor pode prestar coisa diversa daquela que for devida, se o credor der para tanto o seu assentimento (Cód. Civil, art. 837º). Como o princípio da liberdade das partes domina a maior parte das obrigações, o acordo de credor e devedor permitirá que se extinga a obrigação, mediante forma de cumprimento diversa da anteriormente estabelecida.
2º - Por consignação em depósito
Quando o devedor não puder efectuar a prestação, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor ou por mora do credor, tem o devedor o direito de depositar judicialmente a coisa devida para ficar à disposição do credor extinguindo-se a sua obrigação, com esse depósito (Cód. Civil, art. 841º).
3º - Por compensação
Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor (Cód. Civil, art. 847º).
É indispensável, porém, que as obrigações recíprocas sejam ambas exigíveis judicialmente, isto é, sejam válidas e vencidas, e ainda que se trate de obrigações que tenham por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. Par que se extingam total ou parcialmente as obrigações basta que o devedor declare à outra parte querer a compensação. A compensação terá sobretudo lugar em obrigações pecuniárias.
4º - Por novação (Cód. Civil, art. 857ºe segs.) Dá-se a novação quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga. O crédito antigo extinguiu-se para dar lugar a novo crédito, embora este tenha a mesma prestação que o anterior. Nova-se, surge como um novo crédito por acordo das partes, com novo prazo, porventura com novo credor ou novo devedor. A novação tem de ser expressamente manifestada. É usual a novação em obrigações comerciais, mormente tituladas por letras.
5º - por remissão (Cód. Civil, art. 863º) O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor. A remissão resulta de um contrato oneroso ou gratuito entre as partes. É ainda o corolário do domínio da vontade das partes sobre a obrigação.
6º - Por confusão (Cód. Civil, art. 868º) Quando se reúnem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor da mesma obrigação, extinguem-se o crédito e a dívida. É que o credor não pode ser credor de si próprio.
Ainda extingue as obrigações a prescrição, que não é aliás, modo privativo da extinção das obrigações. Todos os direitos disponíveis estão sujeitos a perecer ou extinguir-se quando não sejam exercidos por prazo mais ou menos longo (Cód. Civil, arts. 300º e segs.).

10 - Não cumprimento das obrigações (arts. 798º e segs.)

Verifica-se o não cumprimento da obrigação quando esta deixou de ser cumprida fielmente, isto é, nos termos em que o devia ser.
O não cumprimento pode ter carácter definitivo ou consistir no retardamento da prestação. Na primeira hipótese trata-se do caso de não cumprimento em sentido estrito, e no segundo caso do não cumprimento que recebe a denominação de "mora" no cumprimento da obrigação.
E pode ainda verificar-se, por motivo diverso da mora no cumprimento, um cumprimento imperfeito ou defeituoso.
Em todos estes casos, à falta de cumprimento, o cumprimento imperfeito, a mora no cumprimento da obrigação, podem ser ou não ser imputáveis ao devedor. É imputável o não cumprimento da obrigação quando o devedor falta culposamente a esse cumprimento. A inexecução da obrigação é um facto ilícito, que quando deriva da culpa do devedor acarreta a sua responsabilidade pelos prejuízos que causa. E a forma da responsabilidade civil denominada responsabilidade obrigacional (Cód. Civil, arts. 798º e segs.).
Indicámos já os princípios gerais da responsabilidade civil, para os quais remetemos. Há que apontar somente alguns aspectos peculiares da responsabilidade obrigacional.
A responsabilidade pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representam a violação de deveres impostos por normas de ordem pública. As partes podem mesmo fixar o montante da indemnização exigível; é o que se denomina "cláusula penal" (art. 810º a 812º).
A falta de cumprimento não acarreta responsabilidade, quer nos casos em que se verificam causas legítimas de não cumprimento, isto é, em que é lícito não cumprir, quer nos casos em que não deva legalmente atribuir-se ao devedor culpa pelo não cumprimento.
As causas legítimas do não cumprimento, peculiares da responsabilidade obrigacional, são: a excepção do não cumprimento do contrato e o direito de retenção. As demais são comuns a todas as formas de responsabilidade e são indicadas nos arts. 335º e segs.: a acção directa, legítima defesa, colisão de direitos, estado de necessidade e consentimento do lesado.
As primeiramente indicadas - excepção do não cumprimento do contrato e direito de retenção - consistem no seguinte: nos contratos de que resultam obrigações negociais para ambas as partes a falta do cumprimento da prestação por uma das partes autoriza a outra parte ao não cumprimento da sua obrigação correlativa; o comprador não é obrigado a pagar o preço se não lhe tiver sido entregue a coisa vendida pelo vendedor (arts. 429º e segs.). Também o devedor não é responsável pelo não cumprimento quando goza do direito de retenção, a que já aludimos, pois que a retenção consiste precisamente em recusar a entrega de uma coisa, que em princípio devia entregar, e que a lei autoriza que fique na sua posse, a garantir o cumprimento dessa obrigação do credor para com o devedor a quem é concedida essa garantia especial.
O devedor não é responsável pelo não cumprimento da obrigação, quando não tenha culpa na inexecução. A lei, porém, indica com maior precisão quando não é imputável culpa ao devedor.
É indispensável que se verifique impossibilidade do cumprimento.
A impossibilidade só exonera em princípio quando for objectiva, isto é, relativa à própria prestação, e essa impossibilidade objectiva de surgir após a constituição da obrigação, sem culpa do devedor.
A impossibilidade relativa à pessoa do devedor (impossibilidade subjectiva) só extingue a obrigação, e exonera de responsabilidade, se o devedor não puder fazer executar a prestação por terceiro.
A impossibilidade pode ser ainda definitiva ou temporária. Só a primeira exonera definitivamente o devedor; a impossibilidade temporária só exclui a responsabilidade pela mora (arts. 790º e 791º).
A inexecução não imputável ao devedor ou é originada em causa imputável ao credor ou devida a casos fortuito ou de força maior, que implicam ausência de culpa do devedor. Só a impossibilidade do cumprimento ou do cumprimento tempestivo da obrigação inimputável ao devedor exonera de responsabilidade.

 


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