A OPINIÃO QUE FAZ A DIFERENÇA
   

São Paulo, segunda-feira, 06 de julho de 2009

Tiro de Meta


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Jornalista: que bicho é este?

"Nós aprendemos uns com os outros. Estamos neste mundinho para isto. E o jornalista é a ponte que une os dois lados".

Jornalistas são prepotentes, arrogantes, porque lidam com todos os universos. Ficam ali, pairando entre o céu e o inferno. Uma hora rindo com Michael Schumacher. Em outro momento mandando Caetano caetanear em outra freguesia, quando ele tem seu ataque de estrelismo, faz a imprensa esperar horas a fio e ainda reclama que a emissora tal se atrasou para a coletiva; para depois se emocionar com as famílias deste e daquele acidente de avião.

Se a expressão é impassível, o coração bate acelerado na expectativa do resgate de uma vítima. Na explosão e desabamento de um Shopping em São Paulo, a área foi isolada, mais parecia uma praça de guerra. Helicópteros resgatando vítimas, médicos, enfermeiras, voluntários, bombeiros e a imprensa, todos correndo contra o tempo. O ouvido atento de um bombeiro escuta o choro de uma crianca no meio dos escombros. Eles começam a cavar, mas quanto mais forte é o choro, maior o envolvimento no trabalho. Se esquecem das luvas, e até as retiram, para cavar sofregamente com as mãos.

As mãos sangram, a emoção contagia e nós ali atrás. Não é preciso pedir para afastar. As lentes dos fotógrafos e câmeras estão em ação, mas o trabalho é conjunto. Os curiosos se aglomeram um pouco mais atrás, contidos pelo cordão de isolamento. As câmeras estão ligadas e as TVs ao vivo, mas ninguém ousa dar um espirro. Silêncio total. Só se escuta a respiração cada vez mais ofegante dos bombeiros e... vem o grito...

O bombeiro grita e levanta um bebê. Discretamente os profissionais da imprensa enxugam lágrimas, respiram fundo. Ainda assim, poucos repórteres ao vivo, conseguem fazer um encerramento chamando o apresentador com sua imagem em foco. A saída estratégica é fechar o texto com a imagem dos escombros, dos bombeiros, da população. Regra básica do bom jornalismo: O profissional da noticia não é mais importante que ela. É aí que morrem as frases que mais tenho ouvido nos últimos tempos: "meu sonho é ser repórter", "minha sobrinha nasceu pra ser repórter", "sempre quis aparecer na TV", "quero escrever para um grande jornal ou revista" , "ainda vou ter um programa na rádio".

Jornalismo é uma profissão espartana. Não adianta proliferarem faculdades como pastelarias chinesas em Beijing. O mercado é restrito em todos os sentidos. Não há lugar para tanta gente diplomada. Ainda mais com o nível espetacular de conhecimento, desprendimento e vocação dos interessados na carreira. Seria cômico se não fosse trágico!

Quem espera estar com a família nas festas de final de ano, aproveitar todos os sábados, domingos e feriados, ter horário fixo para almoçar na casa da vovó ou dar boa noite para a namorada, amante ou coisa que o valha, esqueça! E nem pensar em usar diariamente aquele guarda-roupa espetacular e os sapatos de salto alto da coleção primavera-verão ou outono-inverno, sei lá de que Fashion week. O circuito da notícia passa pelas passarelas de Milão e Paris, mas não significa que no dia seguinte dê para correr com a bolsinha Louis Vouitton a tiracolo e a meinha Dona Karan acompanhando o Tour de France e tudo permanecerá intacto.

Por experiência própria, num evento com jornalistas do mundo inteiro, eu e a jornalista Ulda Toledo num belo tombo, despencamos escadaria abaixo na estação Champs Elysées do metrô, em Paris. Tudo sob os olhares de uma plateia que ficou mais atônita ainda quando entre mortos e feridos, sacudimos a poeira e continuamos a correr atrás da notícia. No final do dia, num jantar às margens do Sena, com um editor de uma revista francesa, os pés de La Toledo estavam ensanguentados e apesar da minha meia não ter um desfiado - um milagre - o joelho estava completamente danificado. Mas, ressuscitadíssimas, continuávamos a ouvir a nossa fonte.

E não parou aí. Quem fica parado é poste. Jornalista anda sempre pra frente. De novo, com Ulda Toledo, Fernando Neves e Marcio Leusi em Buenos Aires. O salto maravilhoso ficou numa escadaria perto do Parlamento, em mais uma correria típica atrás da notícia. Claro! Os sapatos foram jogados longe e meus pés puderam sentir literalmente o solo argentino.

Fato é que jornallista de verdade tem uma vidinha agitada. Não fica sentado em frente ao computador, tranquilo, esperando vir a inspiração. Alíás, acho que está para nascer jornalista tranquilo. A nossa vidinha não é mais ou menos. É intensa. O presidente está chegando. E esticamos nossa cadeira de praia, banquinho de madeira ou jornal, em frente à residência dele e ficamos ali, como lagartos no deserto, para ver se alguma coisa acontece. Que tédio? De repente, parece que o mundo acabou. Saem os carros dos seguranças, o do presidente e mais seguranças. Quanta agilidade, temos que entrar de qualquer jeito em qualquer carro, não interessa de que veículo de comunicação seja, depois, no destino, as equipes se ajeitam.

Ah, tem viagem para Foz do Iguacu. Assim, sem mais nem menos. Mal entrei na redação e já estou saindo? Isto mesmo. E correndo contra o tempo. Poucas horinhas para preparar a mala.Se não for do jeito que está. Sem destino, sem mala....

Meu Deus, o casamento da... Esquece... De lá direto para os jogos Pan-Americanos. Mas, o jantar com aquele cara... a viagem para... É piada? Tem a Fenasoft, a Bienal do Livro, a Feira de Acari, a Flip em Parati...

Ora, ora... é a vida de jornalista, não? Mal o dia raiou ou ele ainda nem raiou e estamos ali com doses intensas de café, óculos escuros, mesmo que o tempo esteja completamente nublado. E sai a Catia Tofoletto correndo para entrar ao vivo na CBN, Mas bem na hora que ela ia me passar o nome do delegado?

E tem que ser ágil. Mil e uma utilidades. A redação chama. Vamos direto para uma coletiva na Federação das Indústrias, regada a café e chocolate quente. Ambiente para designer nenhum botar defeito. A redação chama de novo. Corremos para encarar o maníaco que estuprou e matou uma criança de 4 anos e que diz, eufórico aos repórteres, que ela gostou. Vamos à casa da família, vemos as fotos da criança, o choro da mãe, da avó, a miséria em que vivem.

Depois tem o corpo na mala, a bala no corpo, a bala perdida, o jogador que é vendido, a torcida que bate, o time que vence, o escândalo de corrupção. Chega mais um Natal e vamos entrevistar aqueles que deixaram para comprar o presente de última hora. Ano Novo - tudo velho - com suas mesmas superstições e a mesma transmissão ao vivo, falando a mesmice. O Carnaval na Bahia, quem beijou quem, quem traiu quem, quem matou, o que pegou? As escolas de samba do Rio, de São Paulo. Opa, mais uma Copa do Mundo, Libertadores, Olimpíadas.... Como no filme "O dia da Marmota": as histórias se repetem.

De que vale tudo isto?

Nós jornalistas podemos informar e mostrar à opinião pública as dores privadas. O jornalista forma opinião, muda opinião. Acorda com os Stones. E vê que de perto ninguém é normal. No café da manha, os guitarristas já beberam um litro de vodka e continuam o prazer etílico escondendo o teor em xícaras de café. O fã enlouquece e o jornalista padece. Sabe aquele espetáculo que é o vocalista Bono Vox do U2? Pode ter a boa voz que for, mas daquela botinha preta que ele usa, sai um perfume de matar gambá do coração. E o mau hálito só nao bate o daquele ator que foi um dos maridos da Dona Flor. Viram? Jornalista tem que saber prender a atenção do leitor. E prender a respiração também.

E depois de tudo, ainda há quem esteja preocupado com diploma?

Só aqueles que não são jornalistas de fato. É, que no frigir dos ovos, vão ficar apenas com o diploma. São jornalistas de direito e não de fato. Alguns criam blogs e sonham em ser Marílias, Oprahs. E dá-lhe frustração por não encontrar mercado que os acolha. Não os acolhe porque o diploma não é tudo. Há que haver talento, determinação, dedicação, e muita sorte também. E há que se entender que jornalista não vive do que pode ser, mas do que é. E começa consigo mesmo. Eu sou a Oprah? Não. E nem quero ser. Eu sou eu. Tenho que criar o meu estilo e ocupar o meu lugar no espaço. Ponto final.

Mais do que tudo, o jornalista tem que levar a profissão a sério. E estar ciente de sua função e de que nao é ele a notícia a não ser que resolva assaltar o banco mais próximo.

"Importantíssimo o acaso, o encontro e as boas maneiras, porque o jornalismo é essencialmente bater na porta, porque você está vendendo alguma coisa." É isto o que afirma o impecável jornalista americano Gay Talese. O leitor, o telespectador, o ouvinte devem ser respeitados ainda que critiquem, que não entendam. Jornalista promove o debate, leva ao questionamento. Ao invés do sarcasmo, a informação, ao invés da ironia destrutiva, a ironia que chacoalha e desperta a arte de pensar.

E jornalista de fato não vai na contramão da história. Nao desconstrói a notícia que é notícia, porque quer ser "erudito". Está aí o fenômeno Michael Jackson como o melhor dos exemplos. Só um louco como o presidente da Venezuela Hugo Chávez para ficar irado com a cobertura da CNN e da imprensa mundial sobre a morte do Rei do Pop. A mídia deu de ombros para ele, sabe naquela viradinha típica do Michael?

Há muito tempo que não se vendia tanto jornal e revista, e que as emissoras de TV não alcançavam índices de audiência tão significativos. E a mina de ouro que é Michael ainda vai dar muito o que falar: abuso de medicamentos, o que é certo, o que é errado. Desajuste familiar, filhos gerados em laboratório, músicas inéditas, doses homeopáticas dos últimos dias de vida em gravações aqui e ali. E não deixe de comprar seu ingresso para o velório. O bilhete promocional custa 25 dólares, cerca de 50 Reais, com direito a ver o velho Joe, o pai malvado que desconstruiu Michael. Talvez coloquem a venda ingressos vip com direito a visualizar os 3 filhos de Michael.

E se alguém se habilita a ser jornalista lembre-se que comunicar, informar, explicar, denunciar e mais do que tudo, ensinar e aprender, é o que nos move.

Em certos casos, só se vê bem com o coração. Precisa ser apaixonado e abnegado. Não há vaidade que supere a notícia. Não há feriado, ou compromisso social e nem febre ou coisa que o valha. Jornalista só morre em combate. E como poucos profissionais, trabalha quando todos descansam. É um office boy de luxo cujo destinatário são todos aqueles que buscam informação.


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Júnia Turra é jornalista e escreve nesta coluna às quartas-feiras.
    



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