A OPINIÃO QUE FAZ A DIFERENÇA
   

São Paulo, segunda-feira, 08 de junho de 2009

Diálogo Econômico


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Dólar furado

Na quarta-feira 3, em depoimento na Comissão de Orçamento do Congresso dos Estados Unidos, o presidente do Fed, Ben Bernanke, augurou um futuro nada alvissareiro para a trajetória da dívida pública americana. Os prognósticos apontam para uma relação dívida/PIB de 80%. A cifra aproxima os súditos de Tio Sam dos padrões italianos e os afasta das recomendações de Maastricht. Idem para o déficit do governo, que parece namorar cifras de Terceiro Mundo no início do Terceiro Milênio. 

No afã de conter o apodrecimento continuado dos ativos privados nas carteiras das instituições financeiras – bancos, criaturas assemelhadas e híbridas –, o Fed escancarou as comportas de seu balanço para acolher o lixo tóxico. Simultaneamente, a recessão e as medidas anticíclicas – a elevação do gasto e a redução das receitas – cuidaram de cavar um buraco ainda mais fundo nas finanças do governo federal e, pior, destroçaram o Erário dos estados da federação.

Em um primeiro momento, a fuga para a liquidez permitiu que o Tesouro inundasse o mercado de títulos, demandados avidamente pelas instituições financeiras e pelos ditos investidores, a despeito da mesquinhez dos rendimentos. Isso abriu caminho para outras ações de salvamento, como garantias, provimento de liquidez e capitalização de bancos. Providência ainda mais ousada por parte das autoridades monetárias foi a intervenção nos mercados monetários, lastreados em commercial papers praticamente destruídos pela crise na primeira hora. 

A incisiva atuação do Fed como comprador de última instância sustentou os mercados em pânico e ajudou a ressuscitar o interbancário. A crise financeira, em seu estágio mais agudo, promoveu a indiferenciação entre os ativos, demonstrando que em caso de estresse não se sustenta a hipótese de inexistência de correlação entre os preços dos ativos. 

O dólar teve boa vida nos primeiros meses de crise. A moeda norte-americana apresentou forte valorização diante do euro e do iene, para não falar das moedas dos ditos emergentes, todas atacadas pelo que parecia ser mais um episódio de fuga para a qualidade. O rublo, por exemplo, despencou, sugando uma fração expressiva das robustas reservas do governo russo, que, diga-se, queimou sua grana em moeda forte na tentativa de impedir a derrocada do câmbio.
Menos dramática foi a desvalorização do real. Falo isso sem desrespeito aos que se lançaram na aventura do Target Forward, arataca financeira engendrada por bancos espertos e clientes nem tanto. Conhecida no popular por “pague dois e leve um”, a trapalhada suscitou pressão sobre os mercados de crédito em um momento de desconfiança generalizada, o que rebateu sobre o câmbio e levou o dólar às imediações da taxa de R$ 2,40.

Mas a “relativa normalização” dos mercados financeiros, anunciada pela elevação da taxa de juros dos títulos de 10 anos do Tesouro dos Estados Unidos, foi acompanhada do progressivo restabelecimento dos preços dos ativos de acordo com a hierarquia risco/rendimento. Nesse momento, o dólar reiniciou sua escalada de desvalorização, impulsionada pelas expectativas negativas a respeito da evolução da dívida pública e do déficit fiscal dos EUA. 

Nesse ambiente, a política monetária do Banco Central do Brasil promoveu uma redução cautelosa da taxa Selic, mantendo um diferencial elevado diante dos juros externos. Henrique Meirelles defende a atuação do BC em nome da política de metas de inflação e sugere que a taxa de juros deve ser administrada em razão desse objetivo e nunca para apaziguar os movimentos da taxa de câmbio. De fato, cabe à política monetária fixar o ponto focal que permite aos agentes coordenar suas antecipações, enquanto estabelecem seus planos de ação. 

Mas nosso presidente do BC não ignora que a taxa de juro e a taxa de câmbio exprimem, em sua interação, a variação dos preços dos ativos denominados em moedas distintas. Em uma economia aberta, com livre entrada e saída de capitais, as interações entre câmbio e juro determinam alterações no valor dos estoques de riqueza denominados em moedas distintas. Sua movimentação pode resultar em alinhamentos indesejáveis da taxa de câmbio real, sobretudo quando as expectativas dos investidores antecipam cenários muito favoráveis para o balanço de pagamentos, como é o caso do Brasil do pré-sal.

http://www.cartacapital.com.br/app/index.jsp

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Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).A coluna Diálogo Econômico é publicada, originalmente, na revista Carta Capital, pelo Diretor de Redação, Mino Carta.
    



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