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STEFAN KUPER

OLIVER KAHN - A queda do Titã

MUNIQUE (ALE) -
Os Titãs são - de acordo com a mitologia grega - os doze filhos do deus Uranos (literalmente "o Céu") e da deusa Gaia ("a Terra"). Um destes Titãs, Kronos, tomou o reino de seu pai Uranos e devorou seus próprios filhos, porque ele tinha medo do poder deles. Mas sua esposa Rheia escondeu um dos filhos - Zeus - na ilha de Creta. Depois de adulto, Zeus venceu seu pai Kronos e os outros Titãs numa grande batalha e passou a comandar o mundo. Onde estaria a conexão disto tudo com o futebol, particularmente com o goleiro da Seleção Alemã, Oliver Kahn? Desde a Copa do Mundo de 2002, ele ganhou definitivamente o apelido que vem sendo usado e repetido em letras garrafais pelo "Bild", o jornal diário mais popular da Alemanha: "Kahn, o Titã", o gigante goleiro. Um herdeiro de Urano e Gaia, sempre em movimento entre o Céu e a Terra. Este epíteto "Titã" foi o elogio encontrado para definir as habilidades, muitas vezes sobre-humanas, apresentadas por Kahn, empurrando o time alemão até a final de 2002.

Entretanto, um apelido glorioso visto de um outro ângulo, pode apontar as fraquezas de quem o recebe. Isto sempre aconteceu com Kahn. Ele é um jogador passional e agressivo, como os beligerantes Titãs. Por um lado isto é fantástico porque ele sempre dá tudo de si, o que o obriga a uma superação de si mesmo. Kahn teve que lutar: nos primeiros anos de sucesso na Primeira Divisão do Campeonato Alemão, como goleiro do Karlsruhe e depois do Bayern München (onde é o titular desde 1994), os torcedores dos times adversários atiravam bananas nele e gritavam o jogo inteiro "uh-uh-uh", numa provocação ao seu estilo "gorila de ser". Ali ele ganhou nervos de aço e uma extraordinária força de vontade para chegar à vitória. Mas por outro lado, a agressividade pode ir muito além. No Campeonato Alemão, Oliver Kahn deu chave de braço, dentada no pescoço e sua última atuação foi enfiar os dedos no nariz de seu colega na Seleção Miroslav Klose, que atua pelo Werder Bremen. Kahn é famoso por estas atitudes malucas.

Há seis anos ele reinava absoluto no gol da Seleção Alemã. Mas desde a última semana, Kahn passou a sentir todo o peso negativo do apelido glorioso. O Titã perdeu sua batalha titânica e deve deixar seu Império. Não é mais o número um no gol alemão. Jens Lehmann será o titular na Copa do Mundo e no seu próprio país. Para Kahn não é apenas uma decepção amarga, mas uma "ofensa à Sua Majestade", uma profunda humilhação.

Como isto foi acontecer a Kahn, por tanto tempo o capitão da equipe, considerado o melhor goleiro alemão da última década e um dos melhores do planeta (foi três vezes eleito o melhor goleiro do mundo)? É que o técnico da Seleção, Jürgen Klinsmann, exige uma competição permanente entre todo o elenco. Quanto aos jogadores de linha, isto é definitivamente necessário. Mas Klinsmann incluiu o gol nesta disputa acirrada e começou a alternar Kahn e Lehmann. Só que ao contrário dos demais, ambos estão entre os melhores do mundo.

Jens Lehmann, goleiro do Arsenal London, pela Seleção Alemã jogou dois Campeonatos Europeus e duas Copas do Mundo na ingrata posição de número dois, pressentiu sua chance de ouro desde a chegada de Klinsmann. Oliver Kahn, que considerava-se o titular natural, reagiu de forma contrária: ficou abalado. E teve razões para isto. Primeiro perdeu a tarja de capitão para o meia-atacante Michael Ballack, sinal de que ele não era indispensável. Em seguida, o treinador de goleiros Sepp Maier - goleiro da Seleção Alemã que foi bicampeã no Mundial de 1974 - foi dispensado da equipe por ter se precipitado em defender de forma veemente a permanência de Kahn como titular. Para o lugar dele veio um conhecido rival: Andreas Köpke, que era o goleiro da seleção antes de Kahn. Somando-se a isto a alternância no gol entre ele e Lehmann e a presença de Oliver Bierhoff - atacante da Seleção que foi campeã européia em 1996 - que é um velho amigo de Lehmann, como braço direito do técnico Jürgen Klinsmann, o veredicto parecia inevitável.

Atrás de um time sem grande expressividade, Kahn foi se adequando a um tamanho "normal". No último amistoso preparatório para a Copa (Alemanha 4, USA 1), ele tomou um gol estúpido, ainda que tenham feito falta nele. O gol, na realidade, foi irregular, mas Kahn obviamente, calculou mal quando se afastou do gol para pegar a bola. Vantagem para Lehmann. Ele não é apenas um bom goleiro, mas também um bom jogador de linha. Dá passes precisos e tem chute certeiro. É um excelente cobrador de pênalti. Em 1997, quando jogava na Liga Alemã pelo FC Schalke 04, arrancou o empate aos 90 minutos, numa partida decisiva contra o Borussia Dortmund, quando numa arrancada de sua equipe, correu em direção ao gol adversário e num lance certeiro marcou de cabeça. Há meses Lehmann só coleciona resultados positivos. Nos últimos oito jogos da Copa Européia dos Campeões (onde o Bayern München de Kahn afundou há muito tempo), ele saiu invicto: não tomou um gol sequer.

Kahn tinha que mostrar serviço. Assim, mesmo contundido, jogou pelo Campeonato Alemão contra o Cologne (o último colocado, ainda que o seu time aqui seja o líder do campeonato). Mas o tiro saiu pela culatra: No primeiro tempo o Cologne marcou dois gols, ambos passíveis de defesa para o goleiro. Kahn sentiu dores e não voltou para o segundo tempo. Alguns observadores comentaram que a contusão era bem maior do que se imaginava, mas sem qualquer impacto físico - estava, na verdade, no coração do Titã.

A disputa entre os goleiros tomou conta da mídia de tal maneira, que qualquer desavisado pensaria que a discussão era a respeito da eleição para o próximo chanceler alemão. Klinsmann tinha que tomar uma decisão, mas naquele momento não havia o que decidir. Ou será que ele escolheu aquele exato momento, porque já tinha optado por Lehmann há muito tempo? Depois de todas as etapas onde Kahn foi sendo cortado gradativamente, a suspeita é de que ele só teria chance se tivesse jogado permanentemente como o Titã, sem um mínimo equívoco. "Lehmann vai se encaixar melhor na filosofia da nova Seleção Alemã, que é formada por jogadores jovens e sem muita experiência", afirmou com veemência o grupo de treinadores liderados por  Klinsmann - mas esta filosofia já havia sido estabelecida desde que Klinsmann assumiu como técnico, há dois anos.

Assim, o grande "Götterdämmerung" (Crepúsculo dos Deuses) começou. Lehmann, o goleiro da ilha da Grã-Bretanha, veio tomar o Reino como Zeus, da Ilha de Creta. Kahn não consegue entender esta nova realidade. Para ele apenas há lugar para o número um. ("Número Um" é também o título da recém-lançada autobiografia de Oliver Kahn). Não era provável que ele aceitasse ficar na reserva. Com uma certa ironia ele teria usado os argumentos do próprio Klinsmann para dizer que gostaria de dar chance aos goleiros mais jovens como Timo Hildebrand do VFB Stuttgart. Entretanto, ele não fez isto, devido ao seu senso de dever e respeito (o que é considerado questão de honra para os alemães) e também pelo fato da Copa do Mundo se realizar no seu próprio país. Kahn decidiu: vai continuar no time, ainda que no banco de reserva. A decisão foi inesperada, uma surpresa para todos. E foi recebida com entusiasmo pelo time e pelos torcedores. Afinal, ele sabe como encorajar, como trabalhar em equipe, como reunir forças para buscar o resultado.

E a "Der Spiegel", a mais importante e respeitada revista semanal alemã destacou: "Kahn não é apenas um personagem trágico da mitologia antiga, tem que ser considerado também um herói pós-moderno, capaz de sobreviver". Se a Seleção Alemã falhar miseravelmente nesta Copa de 2006, Klinsmann será mandado para o deserto. Se falhar no próximo Campeonato Europeu em 2008, na Suíça, a Associação Alemã de Futebol vai se lembrar do extraordinário poder de motivação do Titã. O Rei Sol da Flórida, Jürgen Klinsmann, será história. Mas, o mito - Kahn, o Titã - poderá vir a ser o líder, o novo técnicco de um então maduro time alemão na Copa do Mundo de 2010 na África do Sul. Avante King Kahn!

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Stefan Kuper, é jornalista alemão, PhD em Filosofia, Línguas e Literatura Antiga, correspondente internacional, especializado em Esporte, Política e Cultura

Tradução do alemão para o português: Júnia Turra
Revisão final: Persio Presotto

    


QUINTA-FEIRA
 15/04/2006

Stefan Kuper é
jornalista, PhD em
Filosofia, Línguas
e Literatura Antiga;
Correspondente
Internacional
















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