Projeto de Observação da REA/BRASIL
Helio de Carvalho Vital
Na
noite de 08-09 de novembro, os brasileiros poderão observar o segundo eclipse
lunar total de 2003. Desta vez, a Lua, localizada na constelação de Áries e
apresentando um diâmetro aparente 12% menor que no eclipse de maio desse ano,
cruzará o Sul da sombra terrestre, descrevendo uma trajetória de Sudoeste para
Leste em relação ao seu centro, quase rasante à borda umbral S-SE, como ilustra
a Figura 1 (Cortesia de Fred Espenak,
NASA/GSFC). A Lua tocará a penumbra da Terra às 22:15 TU (P1), mas a maioria
dos observadores somente perceberá um leve escurecimento do limbo E da Lua após
23:05 TU. O eclipse umbral começará às 23:33 TU (21:33 de 08/11, Hora Legal de
Verão do Leste brasileiro, U1) e em torno de 01:09 TU (do dia 09, U2) terá
início a fase total, que durará apenas entre 20 e 23 minutos. O disco lunar
deixará totalmente a umbra (parte mais escura da sombra da Terra) às 03:05 TU
(U4) e a penumbra às 04:22 TU (P4).
O
eclipse deverá ser relativamente brilhante porque a Lua cruzará as regiões mais
externas, e conseqüentemente menos escuras da umbra, sendo que o maior valor da
distância mínima ao Sul entre o limbo lunar e a borda da umbra será de apenas
0,6`, enquanto a borda oposta distará 30,1`. Essa grande variação na distância
de penetração na umbra deverá ocasionar uma notável gradação de brilho e cor no
disco lunar no meio da totalidade. O Sul deverá apresentar-se com coloração
azulada muito brilhante, o que poderá fazer com que alguns observadores menos
informados acreditem estar presenciando um eclipse parcial. Já as regiões
centrais do disco lunar deverão apresentar coloração amarelada, alaranjada, ou
cor de cobre, enquanto o Norte, bem mais escuro por estar menos afastado do
centro da umbra, deverá exibir coloração muito mais débil, limitada a escuros
tons de vermelho e cinza.
Figura
1: Previsões Globais do Eclipse (cortesia de Fred Espenak - NASA/GSFC)
A
Lua apresentar-se-á com boa altura sobre o horizonte Nordeste ou Norte durante
todo o evento, como mostra a Tabela 1,
que lista suas coordenadas alto-azimutais (em graus) para algumas capitais
brasileiras nos instantes de início, meio (01:18,5 TU) e fim do eclipse umbral.
Tabela
1: Altura sobre o horizonte e azimute da Lua (contado no sentido N->E)
Instante |
CAPITAIS |
|||||||||||
Brasília |
Rio de Janeiro |
São Paulo |
Belo Horizonte |
Recife |
Florianópolis |
|||||||
Alt. |
Azim. |
Alt. |
Azim. |
Alt. |
Azim. |
Alt. |
Azim. |
Alt. |
Azim. |
Alt. |
Azim. |
|
U1 |
30 |
60 |
30 |
53 |
27 |
55 |
31 |
55 |
45 |
57 |
23 |
55 |
Meio |
49 |
38 |
46 |
28 |
44 |
32 |
48 |
30 |
63 |
25 |
39 |
32 |
U4 |
57 |
358 |
49 |
351 |
49 |
356 |
53 |
352 |
61 |
330 |
45 |
359 |
O
que observar e por que?
Qual
será o brilho da Lua?
Haverá
influência de erupções vulcânicas?
O
brilho da Lua pode variar muito de um eclipse para outro, pois depende
principalmente da trajetória que ela descreve dentro da sombra da Terra. Quanto
mais profundamente ela mergulha na sombra, menos brilhante tende a ser o
eclipse. Além disso, aerossóis lançados na estratosfera por grandes explosões
vulcânicas podem contribuir significativamente para diminuir a quantidade de
luz solar desviada para dentro do cone de sombra, conseqüentemente tornando o
fenômeno ainda mais escuro. Dentre os vários eclipses lunares estudados pela
REA, esse provavelmente será o mais brilhante. Em primeiro lugar, porque a Lua
atravessará uma região periférica da umbra, muito ao Sul do centro da sombra e, portanto, muito menos escura. Em segundo lugar, porque sabe-se que nos últimos dois anos não ocorreram grandes explosões vulcânicas capazes de lançar à estratosfera enormes quantidades de aerossóis que poderiam causar uma grande redução no brilho da Lua no meio do eclipse, embora concentrações menores dessas cinzas, as quais poderiam diminuir o brilho da Lua em alguns décimos de magnitude, como o autor suspeita que tenha ocorrido durante eclipse de maio de 2003, ainda possam estar presentes. E, em terceiro lugar, porque a Lua estará quase à sua distância máxima da Terra. Isso deverá ocasionar um ligeiro decréscimo no ângulo médio de incidência dos raios refratados que a atingem e poderá aumentar ligeiramente o brilho do nosso satélite. Portanto, considerando-se todos os fatores acima, o autor prevê que o brilho da Lua varie entre as magnitudes -4,0 no início e fim da totalidade e -2,7(+-0,5) no meio do eclipse. Assim, por exemplo, uma magnitude mínima igual a -1, revelaria um escurecimento adicional considerável da umbra, provavelmente associado à presença de aerossóis vulcânicos na estratosfera. Essa hipótese, todavia, nos parece pouco provável, como já explicado anteriormente.
Estimar o brilho da Lua durante a totalidade constitue atualmente uma das principais contribuições que astrônomos amadores podem prestar para
refinamento de correlações empíricas e aperfeiçoamento de previsões do brilho
de eclipses lunares.
Recomenda-se
que os observadores usem binóculos (de preferência 7x50) em posição invertida
para realizar várias estimativas do brilho da Lua durante a totalidade. A
estimativa é feita da seguinte forma: enquanto um olho observa a Lua através do
instrumento invertido, a outra vista, desarmada, observa uma estrela que se lhe
assemelhe em brilho. A magnitude da Lua pode então ser obtida como sendo igual
à da estrela, corrigida da perda de brilho através do binóculo invertido,
aproximadamente igual a 5 magnitudes para binóculos 7x50. O observador deverá
registrar: a hora; a(s) estrela(s) de comparação e sua(s) magnitude(s); a
abertura e aumento do binóculo e, se possível, o valor, previamente determinado
empiricamente, do decréscimo de brilho associado ao uso do binóculo ao reverso.
É provável que as estrelas de comparação a serem mais usadas durante esse
eclipse tenham magnitudes entre 1,0 e 2,5.
Uma
outra forma de determinar-se o brilho de um eclipse, embora menos precisa que a
anterior, é estimar-se o número de Danjon L. A Tabela 2 resume a escala de Danjon que vai de zero a quatro.
Recomenda-se o uso de valores fracionários de L, sempre que necessário, e da
atribuição de diferentes valores a diferentes partes do disco lunar. Um exemplo
aceitável de registro seria: à 1h20m TU, L= 4,0 (S); 3,7 (Centro) e 2,5 (N),
tal que L médio seria igual a 3,4. É provável que a maioria das
estimativas de L para esse eclipse situe-se entre 2,7 e 3,8.
Tabela 2 - Escala de Danjon
No. de Danjon |
Características da Lua Totalmente Eclipsada |
L = 0 |
Eclipse extremamente escuro: Lua, incolor, quase
invisível no meio do eclipse |
L = 1 |
Eclipse muito escuro: Lua cor cinzenta ou marrom
e detalhes somente percebidos com dificuldade |
L = 2 |
Eclipse de luminosidade intermediária: Lua
vermelha escura ou cor de ferrugem e umbra interna muito escura e a externa
relativamente clara |
L = 3 |
Eclipse relativamente claro: Lua cor de tijolo e
umbra com periferia brilhante ou amarelada |
L = 4 |
Eclipse muito claro: Lua cor de cobre ou
alaranjada e umbra com periferia bem brilhante e azulada |
Qual
será a duração da totalidade?
Como
variará o raio da umbra durante o eclipse?
Haverá
influência da depleção da camada de ozônio na Antártida?
O
achatamento da umbra será novamente maior que o da Terra?
Em
1702 Pierre de La Hire descobriu que o raio da sombra da Terra durante eclipses
lunares era maior do que previa a teoria, quando os cálculos somente levavam em
consideração a parte sólida do nosso planeta. A diferença foi então atribuída à
influência da atmosfera da Terra. Desde então, cientistas têm procurado
determinar com precisão as dimensões da sombra terrestre durante os eclipses
lunares. Um dos meios de faze-lo é cronometrar os instantes em que a borda da
umbra cruza os centros das principais crateras. Munidos de telescópios com
aumentos entre 40 e 80 vezes, os observadores deverão estimar com precisão de ±0,1 minuto
os instantes de imersão ou emersão das principais formações lunares. No caso
das formações maiores como Mare Crisium e Tycho, recomenda-se também o registro
dos instantes em que a fronteira da umbra toca as bordas ou limites anteriores
e posteriores da formação. Os observadores deverão se familiarizar nas noites
anteriores ao evento com a identificação das crateras que irão monitorar
durante o eclipse. Para isso, o autor sugere o uso de mapas fotográficos da
Lua. Recomenda-se também que iniciantes limitem-se aos contatos de limbo e a
algumas (3-10) crateras mais facilmente identificáveis. Por outro lado, observadores
experientes deverão incluir mais de 20 crateras em seus planejamentos.
Mesmo
ao telescópio, a identificação do contato não é tarefa muito simples porque a
borda da umbra se apresenta como um escurecimento que vai se intensificando
gradativamente. A observação exige, portanto, a visualização de uma linha
imaginária que coincide com o valor máximo do gradiente de luminosidade, ou
seja, a linha ao longo da qual, a sombra parece sofrer um escurecimento mais
abrupto. O instante de contato dá-se então quando essa linha cruza o centro da
cratera. Alguns observadores antecipam o tempo de contato nas imersões,
confundindo a borda da umbra com as regiões adjacentes da penumbra, que também
se apresentam bastante escuras. Por outro lado, outros retardam a identificação
da imersão, aguardando até que a cratera esteja praticamente escondida na umbra
para registrar-lhe o contato. A Figura 2
mostra três fotos obtidas em instantes próximos às imersões das crateras Tycho (a),
Campanus e Bulialdus (b) e Riccioli e
Grimaldi (c) por Raquel Yumi Shida
durante o eclipse de 15-16 de maio de 2003. As linhas brancas identificam a
borda da umbra (valor máximo do gradiente de luminosidade) e foram traçadas
pelo autor para ilustrarem sua identificação.
(a) (b) (c)
Figura 2: Fotos da
imersão de algumas crateras durante o eclipse de 15-16 de maio de 2003
(cortesia de Raquel Yumi Shida, REA/BRASIL)
A Tabela 3 lista
as previsões para os contatos de crateras e limbo e destina-se apenas a servir
de guia para o planejamento das observações.
As colunas identificam o evento, o instante em Tempo Universal, o ângulo
subtendido no centro da sombra entre o ponto de contato e a linha E-W (de forma
que um contato exatamente ao Sul do centro da umbra teria um ângulo umbral
igual a -90 graus) e a prioridade da cronometragem (proporcional ao ângulo
umbral e à facilidade de identificação da formação). Os cálculos são do autor e
baseiam-se nos valores de ampliação e achatamento umbrais encontrados por ele
nas análises de 214 cronometragens da REA realizadas durante o eclipse de
15-16/05/2003, respectivamente iguais a 2,13% e 1/120. Deve-se ressaltar que
algumas previsões de eventos em ângulos umbrais muito elevados, principalmente
aquelas relativas ao início e fim da totalidade, estão sujeitas a incertezas
superiores a 1 minuto, em virtude das variações que geralmente ocorrem nos
valores do raio e achatamento da umbra de um eclipse para outro, e que, nesse
evento em particular, são amplificadas pelos valores muito elevados do ângulo
umbral durante as imersões. Devido a isso, as previsões de Espenak, as quais
baseiam-se num fator de ampliação igual a 2,00% e achatamento umbral igual ao
do geóide (1/298,26), fornecem um tempo de totalidade 4 minutos maior que
aquele calculado pelo autor. Por outro lado, usando os mesmos parâmetros de
entrada (2,00% e 1/298,26), o autor encontrou para a duração da fase total: 23
minutos e 25 segundos (U2 = 01:07:06 TU e U3 = 01:30:31 TU) em boa concordância
com Espenak.
Tabela 3 - Previsões do autor para contatos de limbo e crateras usando
valores para o fator de ampliação e achatamento umbrais iguais a 2,13% e 1/120,
respectivamente.
IMERSÕES |
|||
Contato |
TU(h,m,s) |
Ângulo Umbral |
Prioridade |
U1 (Inic. Parc.) |
23:32:45 |
-48,5 |
Alta |
Aristarchus |
23:39:55 |
-51,8 |
Alta |
Reiner |
23:42:04 |
-58,2 |
Baixa |
Laplace |
23:44:54 |
-43,0 |
Baixa |
Riccioli |
23:44:57 |
-65,0 |
Média |
Euler |
23:46:40 |
-51,2 |
Baixa |
Grimaldi |
23:47:08 |
-66,0 |
Alta |
Kepler |
23:48:17 |
-58,3 |
Alta |
Plato |
23:50:15 |
-40,9 |
Alta |
Bulialdus |
23:50:19 |
-51,8 |
Baixa |
Pico |
23:50:52 |
-42,4 |
Média |
Pytheas |
23:51:06 |
-51,9 |
Alta |
Timocharis |
23:52:46 |
-49,1 |
Alta |
Copernicus |
23:55:17 |
-56,6 |
Alta |
Billy |
23:57:20 |
-69,8 |
Muito
Alta |
Autolycus |
23:58:21 |
-46,9 |
Baixa |
Aristoteles |
23:59:32 |
-40,4 |
Média |
Eudoxus |
00:00:49 |
-42,0 |
Alta |
Manilius |
00:07:42 |
-52,9 |
Alta |
Menelaus |
00:10:23 |
-51,8 |
Alta |
Posidonius |
00:10:29 |
-45,3 |
Baixa |
Plinius |
00:14:27 |
-51,8 |
Alta |
Campanus |
00:16:08 |
-76,2 |
Muito
Alta |
Dionysius |
00:17:00 |
-57,6 |
Alta |
Birt |
00:18:49 |
-71,6 |
Muito
Alta |
Proclus |
00:23:56 |
-50,4 |
Alta |
Albufeda
E |
00:24:14 |
-65,9 |
Alta |
Censorinus |
00:25:50 |
-58,2 |
Média |
Mare
Crisium |
00:28:38 |
-50,5 |
Alta |
Taruntius |
00:28:39 |
-54,9 |
Alta |
Tycho |
00:34:51 |
-83,4 |
Muito
Alta |
Goclenius |
00:35:27 |
-62,3 |
Alta |
Langrenus |
00:39:59 |
-61,2 |
Alta |
Nicolai
A |
00:45:42 |
-80,2 |
Muito
Alta |
Stevinus
A |
00:49:03 |
-73,9 |
Muito
Alta |
U2
(Inic. Tot.) |
01:09:13 |
-77,8 |
Muito
Alta |
EMERSÕES |
|||
Contato |
TU (h,m,s) |
Ângulo Umbral |
Prioridade |
U3 (Fim
Tot.) |
01:29:11 |
-55,9 |
Muito
Alta |
Riccioli |
01:51:20 |
-19,7 |
Média |
Grimaldi |
01:51:35 |
-20,7 |
Alta |
Billy |
01:53:59 |
-24,4 |
Alta |
Campanus |
01:58:20 |
-30,7 |
Alta |
Tycho |
01:58:57 |
-37,8 |
Alta |
Reiner |
02:01:33 |
-13,0 |
Baixa |
Kepler |
02:07:56 |
-13,0 |
Alta |
Aristarchus |
02:09:51 |
-06,6 |
Alta |
Birt |
02:11:41 |
-26,2 |
Baixa |
Euler |
02:17:40 |
-06,0 |
Baixa |
Nicolai
A |
02:17:54 |
-34,7 |
Baixa |
Copernicus |
02:17:59 |
-11,3 |
Alta |
Bulialdus |
02:20:30 |
-06,6 |
Baixa |
Pytheas |
02:21:06 |
-06,7 |
Alta |
Laplace |
02:25:55 |
+02,1 |
Média |
Timocharis |
02:26:45 |
-03,9 |
Alta |
Albufeda
E |
02:29:26 |
-20,6 |
Média |
Pico |
02:32:34 |
+02,7 |
Alta |
Plato |
02:33:19 |
+04,1 |
Alta |
Autolycus |
02:35:05 |
-01,8 |
Baixa |
Manilius |
02:36:19 |
-07,7 |
Alta |
Stevinus
A |
02:36:22 |
-28,5 |
Média |
Dionysius |
02:38:02 |
-12,3 |
Alta |
Menelaus |
02:40:37 |
-06,6 |
Alta |
Eudoxus |
02:42:55 |
+03,1 |
Alta |
Aristoteles |
02:43:04 |
+04,6 |
Alta |
Plinius |
02:44:41 |
-06,6 |
Alta |
Censorinus |
02:45:37 |
-13,0 |
Média |
Goclenius |
02:47:42 |
-17,0 |
Alta |
Posidonius |
02:49:03 |
-00,2 |
Média |
Taruntius |
02:53:52 |
-09,7 |
Alta |
Langrenus |
02:54:05 |
-15,9 |
Alta |
Proclus |
02:55:48 |
-05,3 |
Alta |
Mare
Crisium |
03:00:15 |
-05,3 |
Alta |
U4 (Fim
Parc.) |
03:04:55 |
-03,5 |
Muito
Alta |
Finalizando,
ressalta-se que somente um grande número de cronometragens permitirá definir
com precisão a duração da totalidade e os reais valores de ampliação e
achatamento umbrais. As análises deverão indicar também se a depleção da camada
de ozônio em altas latitudes austrais irá causar um aumento significativo do
raio da umbra durante as imersões, como sugeriu Karkoschka (Sky&Tel., vol.
92, No. 3, Set. 1996).
Leia sobre eclipses lunares em tutorial. Um projeto de observação, divulgado pela Sky and Telescope Boas observações a todos!