. ,
1984

ENQUETE

       A gravação de Seu Espião deu-se em uma bela mansão no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio, proporcionando privacidade, piscina, corrida a cavalos, um certo mistério e um som autêntico, sem horário marcado para começar ou terminar. A banda passava horas conversando com Liminha e com quem mais pintasse na casa. Papos estes regados a vinho branco e champagne, o que sofisticava ainda mais o estúdio caseiro. Não foi a toa que o álbum saiu bem variado, com tratamento rítmico e sonoro diferente para cada canção. Para tal, foi essencial a ajuda do produtor e de seu fiel escudeiro-tecladista Jorjão Barreto, que tocou em seis das dez faixas.

        O romantismo ingênuo é a característica álbum. As letras falam sobre os sentimentos e ações de milhões de adolescentes brasileiros, de rebeldia, da monotonia do mundo adulto, da relação quase mórbida entre fã e ídolo, das coisas simples e banais, dos sonhos. "Nada tanto assim", por exemplo, é sobre pessoas que querem fazer tudo ao mesmo tempo e acabam nada fazendo. "A gente teve a idéia de fazer essa música sobre um cara que só lia sinopse, uma cultura tipo cartão-postal. Adoramos essa música. Tem muito a ver com a gente, de querer fazer e ter tudo ao mesmo tempo, mas nada tanto assim, sem muita pressa", diz Bruno.

Kid Abelha durante a turnê "Seu Espião" - RJ, 84 / Arquivo pessoal de Leonardo Pires

        Durante o processo de gestação do álbum, "Alice" era a música que a gravadora queria para ser trabalhada, devido sua grande potência radiofônica, mas o grupo ficou preocupado em mandar para às rádios uma música semelhante à "Pintura íntima", com saxofone marcante. "Tivemos que bater o pé para entrar ‘Como eu quero’", conta Paula. E por mais incrível que possa parecer, o maior sucesso radiofônico do Kid Abelha estava nas sobras e prestes de ir ao lixo: "Faltava uma música e o Liminha foi escutar o que a gente tinha. Na época, a gente achava que balada não tinha nada a ver. Não ia tocar no show uma balada que ninguém conhecia. Hoje em dia há até luta para não fazer tanta balada", revelou George ao jornalista Jamari França.

        Curiosamente, Seu Espião não parece um disco de estréia e sim uma coletânea de inúmeros hits: sete clássicos radiofônicos e uma maratona de 120 shows entre 84 e 85. Apesar do estrondoso sucesso - o disco vendeu mais de 250 mil cópias -, foi o trabalho mais criticado da época. Na ocasião, os críticos chegaram a dizer que a maioria das composições eram "descartáveis, fúteis, idiotas, açucaradas e bobas", que os arranjos eram "medíocres" e que a banda jamais conseguiria se firmar no BRock, no qual era tratada como banda de quinta. "O Kid Abelha não é um conjunto de rock. Nossa banda é pop, e poucos críticos entendem isso. Corremos por fora do rock-Brasil. Não queremos - nem precisamos - fazer música 'pseudo-engajadas'. A proposta do Kid Abelha é muito mais musical", dizia Paula que rebatia com humor, também, às críticas paulistas: "Os críticos paulistas são uns nazistas (risos). Nossa música hoje é comercial porque encaixa no que está tocando, se fosse há algum tempo, antes da Blitz ou do Lulu, não seria comercial. Nós acreditamos na simplicidade, mas gostamos de colocar coisas estranhas nas letras e nos arranjos". Contraditoriamente a profecia mórbida dos críticos, a banda adquirira mais sucesso, fãs e hits e os jornalistas ainda continuavam detonando com aquela velha história de "Não ouvi e não gostei" e "Kid Abelha = Q.I. de Abelha". Mundo paradoxal esse.

Próximo disco
Voltar à seção de "Discografia"

Hosted by www.Geocities.ws

1