JORGE ELVIS

A História do Rock And Roll - Parte II


Um Rapaz do Mississipi

A primeira onda do rock, entretanto, estava destinada a passar. Bill Haley, em pouco, cairia na decadência. Alan Freed, o primeiro a dar impulso à nova música, já era visto pela nova geração como uma terna figura paterna. O rock´n´roll tinha percorrido um longo caminho num curto espaço de tempo. Em menos de cinco anos, tinha saído dos subterrâneos e dos guetos para o mundo. Percorrera atalhos que o levara a rápidas mudanças. Não existia em 1951, e, por volta de 1955, já estava estabelecido. Alguns artistas negros já apareciam com destaque, embora o esquema ainda fosse predominantemente e branco. As gerações estavam divididas. Os discos de rock'n'roll apareciam nas paradas. Tudo isso requeria um líder que unisse os jovens, um homem que materializasse toda a excitação febril, a intensa sexualidade, o orgulho e o arrogante individualismo que fermentava na juventude. Teria de ser autêntico, ter sido criado num ambiente onde a música negra fosse reconhecida; teria de entende-la, de ter sua própria interpretação dela; teria de ser pobre, vindo do último degrau social e criado a necessidade de expressar raiva, frustração e desafio na música. E tudo isso ganhou corpo num rapaz do Mississipi chamado Elvis Presley.

Cenas selvagens num concerto de Elvis. A reação desinibida da platéia nos primeiros concertos de rock'n'roll era profundamente chocante para os padrões da moralidade estabelecida. O policial horrorizado é típico da atitude oficial do rock'n'roll - e da petulante sexualidade que o acompanhava.

Revolução dos Costumes

A geração dos anos 50 foi a dos filhos da guerra, crianças que cresceram num mundo em conflito, no meio de propaganda política, austeridade e quebra dos valores tradicionais. Os pais estavam lutando na guerra e as mães fora de casa, trabalhando. A guerra tirou de muitos a vivência de uma infância normal, separando muitas famílias na Europa ocupada.

O fim da Segunda Guerra trouxe, para os jovens, anos de frustração, raiva e revolta - mas também esperança. Aos poucos, eles conquistavam seus direitos no mundo. Na Inglaterra, uma onda de novos escritores como Allan Silitoe, John Braine, Stan Barstow, Kingsley Amis, Shelagh Delaney (A Taste of Honey) e John Osborne (Lock Back in Anger) atacavam as velhas tradições britânicas, escrevendo sobre operários, criticando os aristocratas e criando heróis desobedientes.

Nos Estados Unidos, iniciava-se uma revolta surda contra os valores da sólida sociedade WASP (White-Anglo-Saxon-Protestent). Os grupos étnicos menosprezados ou marginalizados (negros, judeus, europeus não anglo-saxões) começaram a se unir contra a discriminação. A guerra forçou a migração dos negros do sul para as fábricas do norte. Com eles, vieram as velhas canções, logo transformadas pelo ambiente violento das grandes cidades. Os race records mexiam com jovens brancos sequiosos de novas emoções, lançando as sementes do rock'n'roll.
Mas outras coisas também iam acontecendo. O desenvolvimento tecnológico determinou novos modelos sociais, com a possibilidade de comprar automóveis determinou toda uma máquina industrial e comercial de divertimentos para os motoristas. Em 1952, por exemplo, já haviam três mil drive-in, nos Estados Unidos. Os adolescentes aprendiam a dirigir com quinze anos e pegavam o carro da família para passeios noturnos. Para os garotos da época, o carro era o máximo de status.

Aldeia Global

De repente, veio a televisão. Já era possível colocar a mesma imagem em dez milhões, talvez cem milhões, de lares ao mesmo tempo. No começo da década, a Inglaterra tinha duzentos mil aparelhos e a França uns vinte mil. Três anos mais tarde, cem milhões de espectadores, nos dois lados do Atlântico, viam a coroação da Rainha Elizabeth. Era o que Marshal McLuhan, anos mais tarde, chamaria de "aldeia global", um mundo onde o olho único da câmera é o rei, onde as crianças aprendem, desde a mais tenra idade, a captar informações não-verbais.

O panorama político era dominado por veneráveis senhores, como o General Eisenhower, um cidadão robusto que até jogava golfe. Em Londres, Mr. Atlee - será que ele já tinha sido jovem, algum dia? - era substituído por Mr. Churchil, com 77 anos, e por Mr. Eden, cuja elegância o transformaria no estadista mais bem vestido do mundo. Acontece, porém, que uma minoria considerável começava a olhar estes lideres políticos como hipócritas defensores da guerra.

Conflito de Gerações

Antes do rock'n'roll, dançava-se assim: movimentos rígidos e convencionais, roupas tradicionais, comportamento de acordo com os padrões estabelecidos. A maneira de dançar revela o conformismo da geração imediatamente anterior à do rock.

Em 1953, por exemplo, Eisenhower dizia que qualquer arma, qualquer navio ou foguete, representavam um roubo para os famintos do mundo.

Era preciso escolher entre um bombardeiro ou trinta escolas. Muito eloqüente. Meses depois, a URSS explodiu sua primeira Bomba H - e o governo de Eisenhower liderava a corrida armamentista no mundo. Dos dois lados daquilo que Churchill chamara de "cortina de ferro", todo mundo se empenhava em fabricar canhões, foguetes, aviões e navios de guerra. Houve guerra na Coréia, em Suez, na Argélia. Tudo sob a ameaça da Bomba. Os velhos tempos estavam de volta. E os jovens entravam nisso tudo como bucha de canhão. O patriotismo era definido com a capacidade dos mais velhos em juntar os jovens e manda-los para a guerra. As novas gerações não concordaram, não estavam preparadas para concordar. Tinham que escolher os seus próprios caminhos.

O começo da reviravolta pode ser detectado através de livros e filmes da época. Um dos mais representativos é o de J. D. Salinger, cujo herói, em Catcher ín the Rye (O Apanhador no Campo de Centeio), encarna o desespero e o conflito dos adolescentes. No cinema, o primeiro dos rebeldes foi Marlon Brando. Elevado aos estrelato em Streetcar Named Desíre (Um Bonde Chamado Desejo), no de 1951, sua imagem na tela era um misto de sensibilidade, selvageria e falta de articulação. Na vida privada, ele seria o primeiro de uma nova raça de anti-heróis de Hollywood, que detestava o comercialismo, a publicidade e se recusava a dar entrevistas e aparecia nas pré-estréias de jeans e sapatos de lona. O filme de Brando, The Wild One (O Selvagem) foi, inclusive, proibido na Inglaterra.

O "conflito de gerações" já fazia parte do mundo quando os jovens adotaram o rock'n'roll como hino e símbolo de sua rebelião. Com o rock, eles abandonavam o velho estilo de vida; com ele, o novo chegava para ficar.

Rebeldes Sem Causa

James Dean, com Ann Doran, em Juventude Transviada e Marlon Brando em O Selvagen. Dean e Brando eram símbolos de insatisfação geral e do inconformismo que passavam a caracterizar a nova geração. Foram modelos do novo comportamento.

Os "rebeldes sem causa" dos anos cinqüenta pareciam aumentar sempre, em número. Estavam espalhados por toda parte. Formavam uma espécie de lumpenproletariat de novo tipo: não-conformistas que procuravam deliberadamente a marginalização. As notícias sobre distúrbios nas ruas das grandes cidades, eram freqüentes nos jornais. Se alguém fosse acreditar no que diziam os jornais da época, cidades inteiras estavam dominadas pelo pânico. Adolescentes enlouquecidos se rebelavam nas ruas. Ninguém podia estar mais seguro. Na Inglaterra, alguns chegaram a pedir providências do Exército contra os Teddy Boys, que se multiplicavam nas ruas de Londres e das outras cidades do país.

Um Mundo Nojento

A delinqüência juvenil passou a ser o assunto do momento - e todos os países do Ocidente pareciam assolados por ela. Na França, havia os Blousons noirs, na Alemanha, os Halbstarke, na Austrália, os bodgies e wídgies, na Rússia, os stilyagí,- e nos Estados Unidos, em Nova York particularmente, haviam as famosas gangs de adolescentes, que inspiraram muitos filmes, inclusive West Síde Story, o musical típico daquele período. Nesse filme, um personagem adulto reprova os garotos por estarem fazendo "um mundo nojento" - e eles replicam: "mas foi assim que encontramos o mundo!"

A importância sociológica desse fato é decisiva para a compreensão de certas características da cultura jovem que se desenvolveu durante os anos sessenta. Em 1958, Harrison Salisbury, escrevendo no New York Times sobre as gangs de adolescentes negros, nas ruas de Nova York, já previa que "as favelas são reservatórios e, talvez, fundamentos de uma tradição, para a conduta adolescente anti-social, em todos os níveis sociais... Os adolescentes de classe média, bem educados, imitarão a conduta desses rebeldes marginalizados, consciente ou inconscientemente." A partir do momento do rock'n'roll, ainda nos anos cinqüenta, todas as formas de revolta, moda e estilo, assimilados pela juventude, haveriam de vir das camadas sociais mais baixas.

Dança para o diabo

Na medida em que crescia o fascínio da juventude de classe média pela rebeldia do lumpen, a reação hostil dos adultos, em todo o mundo civilizado, simplesmente beirava histeria. As críticas chegavam a todos extremos e o rock'n'roll era o alvo mais visado. Na Inglaterra, Sir Malcolm Sargent afirmou que o rock'n'roll, na verdade, tinha sido tocado nas selvas durante séculos. Nos Estados Unidos, a Ku Klux Klan e o White Citizens' Councils organizara passeatas de protesto contra o rock'n'roll, nas cidades do sul do país Frank Sinatra qualificou rock'n'roll como "a música marcial de todos o delinqüentes juvenis na face da terra". Um pastor inglês assegurou que o rock'n'roll era "o renascimento de uma dança para o diabo" e, na Pérsia o Ministro da Educação promove uma campanha com o slogan "Odeie Elvis". Na União Soviética, o Ministro do Exterior Shepilov condenou nova música como "um deboche as paixões e instintos mais baixos e das necessidades sexuais". A lista é interminável. Feito simplesmente para se ouvir e dançar, o rock'n'roll parecia uma ameaça às instituições, a todas as instituições. A reação do mundo adulto, entretanto, parecia aumentar o seu fascínio, fazendo dele alguma coisa mais do que simplesmente mais um gênero musical. E foi assim que, na década dos sessenta, o rock se transformou numa bandeira das novas gerações e no centro catalizador de uma nova cultura. O fascínio pelo deliqüente juvenil tinha um correspondente, no piano intelectual, na chamada Beat Generation - que se constituiria na maior influência literária sobre a cultura jovem dos sessenta. Os Beats foram o primeiro grupo influente, vivendo sob o capitalismo ocidental do século XX, a tentar se dissociar da sociedade em que viviam, por razões que não eram explicitamente nem políticas nem religiosas. Eram, antes, de ordem existencial. Os Beats se sentiam confrontados por um sistema cujos objetivos (dinheiro, casamento, sucesso social) refletiam a ansiedade das velhas gerações por um mundo seguro e previsível, no qual podiam esquecer os horrores dos caóticos anos de guerra. Mas essa segurança só podia ser oferecida por sistemas políticos totalitários que frustravam os impulsos individualistas e experimentais da geração mais jovem. Reconhecendo todo o poder das pressões sob as quais viviam, os Beats rejeitaram a possibilidade de transformar a sociedade como um todo, e concentraram seus esforços em transformar a si próprios - e também a sua relação com a sociedade e a sua maneira de percebê-la. Como seus desejos e ambições eram socialmente inaceitáveis, eles foram praticamente marginalizados da vida em comum, mas em vez de lamentar essa alienação, eles a assumiram e a transformaram na base de seu estilo de vida.

É forçoso reconhecer que, nas estruturas sociais conhecidas, sempre se desenvolvem minorias cujas necessidades específicas essas estruturas não podem atender. Nos Estados Unidos após a guerra, quando brotou a idéia fundamental da Beat Generation, existiam muitos desses grupos minoritários: os pobres, os analfabetos, os delinqüentes, os viciados em drogas, os homossexuais e - o grupo mais importante de todos - os negros. Todos esses grupos tinham algo em comum: não contavam com nenhuma possibilidade de melhorar sua situação no todo da sociedade - e, assim, evitavam um futuro sem esperanças, vivendo somente para o presente e para os poucos prazeres que ele podia oferecer. Reconhecendo que eles também eram uma minoria isolada e sem esperanças, os Beats adotaram entusiasticamente essa maneira de viver totalmente para o presente - e, inspirados pelo Budismo Zen e pelo Existencialismo, desenvolveram uma filosofia de vida claramente definida. Os princípios básicos dessa filosofia eram muito simples: "Hoje, agora, é o Real, porque nós o experimentamos. Amanhã é o futuro e como tal, irreal. Como o futuro irreal, o conceito de progresso não tem o menor sentido. Desde que o progresso é absurdo, a idéia de responsabilidade social e as noções éticas tradicionais de certo e errado são uma enorme fraude e devem sei ignoradas." Assim, livres das cadeias da moralidade convencional, os Beats só dispunham a uma existência que fizesse sentido em termos de experiência e de prazer agora - e não uma promessa de prazer e experiência este ano, no ano que vem ou mais provavelmente, nunca. Comprometidos com a espontaneidade a qualquer custo, Jack Kerouac e seus companheiros saíram pelas estradas da América, à procura - como disse o escritor - "da face de Deus".

Movimento Religioso

E impossível dizer se a Beat Generation foi um sucesso, ou um fracasso. Dada a filosofia inicial de Kerouac e seus contemporâneos com sua descrença profunda, básica, no conceito burguês de "sucesso" era impossível que o movimento fosse "bem sucedido" ou "falhasse", o que importa é que esse movimento aconteceu e seus efeitos se manifestaram de muitas maneiras e, hoje podem ser reconhecidos entre nós pode-se dizer que a liberdade do Beats era ilusória e que, afinal de contas, dependia da tolerância e de apoio financeiro da classe média, que eles desprezavam. Afinal, é a classe média que consome e paga. Alem disso, a ênfase que davam à individualidade e a experiência livre evitou que eles se tornassem um movimento coerente e politicamente eficaz. Mas a Beat Generation não foi um movimento político. Foi um movimento religioso, cujo principio objetivo era uma experiência transcendental. Os Beats eram bandidos cósmicos, marginais sagrados, que procuravam uma nova dimensão para existência humana. E essa haveria de ser a sua principal herança para a contracultura que se desenvolveria, nos anos sessenta.

fonte: Revista Rock Espetacular nº 1, 1976/77, Rio Gráfica e Editora SA


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