JORGE ELVIS

A História do Rock And Roll - Parte I

Foi uma revolução. Milhões de adolescentes, em todo o mundo, reagiram pela primeira vez, contra os antigos valores, através da música e da dança. Pais, governos, polícia, igrejas os jornais ficaram perplexos diante da surpresa do ataque - e, assim, os mais velhos passaram a reprimir os próprios filhos. A desorientação de qualquer pessoa acima dos trinta anos era total. "0 que saiu errado? - elas perguntavam. "Criamos os meninos da maneira mais correta e decente e agora eles agem como animais".

Foi como se, de repente, sem nenhum aviso prévio, o mundo tivesse enlouquecido e degenerado para a anarquia e os excessos sexuais. E tudo por causa do rock'n'roll Ser jovem era um barato. Rock'n'roll significava liberdade. Nada de macaquear os pais, vestidos como bonecos, dançando como marionetes, vigiados na maneira de falar e dominados por qualquer um que tivesse mais idade. Para a garotada, tudo que os adultos detestassem tinha que estar certo, porque isto mostrava a diferença, enfatizava o abismo que havia em relação a papai (vidrado em Rosemary Clooney) e mamãe (ofuscada por Frank Sinatra).

Bofetada musical

Não é de admirar que detestassem Elvis. Ele era tão diabolicamente arrogante! Como chocava os mais velhos ao se mexer, como os ofendia quando abria a boca, sacudia as pernas ou penteava os cabelos. Tudo tinha o efeito de uma bofetada.

A música era capaz de fazer tudo isso? Certamente, pois a música expressava grande parte do que ficara reprimido nos jovens. Não havia divertimento, emoção, excitação.

Música significava ritmo lento - uma valsa arrastada ou um fox-trot cambaleante. Não havia nada que liberasse as inibições, queimasse o excesso de energia, que fizesse sentir bem por ser jovem e estar vivo.

Nada de Novo

O que os quadrados não entendiam é que nada disso era novo. Os jovens não sentiam assim pela primeira vez. Eles sempre haviam sido assim mas, até o início dos anos 50, ninguém colocara tais sentimentos em palavras, ninguém os havia expressado em ritmo dançante. Se não havia nada a fazer nem lugar para ir, ficava-se simplesmente matando o tempo, esperando por alguma coisa, qualquer coisa que viesse e quebrasse a monotonia. O problema é que, até então, nada acontecera.

Música Selvagem

Alan Freed não era jovem. Tinha alguns anos mais do que os teenagers e nem era famoso. Não era bonito: sua cara tinha sido amassada num acidente de carro. Parecia mesmo um perdedor - e retomara à profissão de locutor numa pequena estação porque as grandes achavam a sua voz demasiado estridente. E pior de tudo: era meio surdo. Mas tudo isso não o impediu de sentir o tipo de música preferida da garotada. Ele conseguira um programa numa pequena estação de Cleveland, Ohio. Tocava "boa música", do tipo que os quadrados gostavam - tudo enfeitado com cordas e vozes italianas - e programava até música clássica.

Mas, em 1951, recebeu um telefonema do dono da maior loja de discos da cidade. O vendedor pedia que ele corresse até lá para ver o que estava acontecendo. Todos os garotos estavam comprando discos "especiais", discos que eram chamados, na época, de race records, canções gravadas por negros para os negros. Música áspera, estridente, vulgar. Produto dos guetos, sem o brilho ou polimento que os brancos exigiam de seus intérpretes favoritos. Alguns a chamavam mesmo de "música selvagem". Os meninos brancos estavam comprando e dançando o R & B - o rhythm and blues dos negros.

Alan Freed percebeu que algo diferente estava acontecendo e deslocou um programa dedicado ao R & B. Adotando as expressões que estavam sendo usadas pelos jovens, chamou-o de Moondog Rock and Roll Party. Rock and Roll? O que era este Rock and Roll? Os negros cantavam sempre a respeito de rockín' chamando as companheiras para roll com eles. Não havia dúvidas de que, para eles, rockin'n'rollín' era uma forma de se referirem a sexo. Suas letras não falavam de amores secretos, a lua ou a primavera, separando o amor do sexo. Iam diretamente ao assunto. Também a sua maneira de dançar, puxando o par, balançando as garotas sob as pernas, girando os quadris - não era nada mais do que uma simulação do ato sexual. Tudo era físico, espontâneo, uma reviravolta completa nos movimentos mecânicos e assexuados dos grandes salões de baile dos brancos.

Simpatizante dos Negros

Alan Freed deixou que aquela música tomasse conta dele. Gritando, uivando, batendo no painel do estúdio, deixava o rhythm and blues fluir quente e forte. Em suas casas, a garotada da classe média branca ouvia, provavelmente pela primeira vez, um som sobre vida e sexo. Isso era com eles mesmos. Nascia o rock'n'roll.

Apesar dos protestos dos mais velhos, que acusavam Alan Freed de "simpatizante dos negros", poluindo o ar com aquela música suja, uma onda de emoção tomou conta dos adolescentes. Em 1953, Freed anunciou o seu Moondog Ball, no Estádio de Cleveland, onde deveriam se apresentar conjuntos negros ao vivo. O lugar tinha uma lotação de 10 mil pessoas mas, naquela noite, cerca de 30 a 80 mil garotos amontoaram-se nos portões.

Platéias Brancas

As autoridades ficaram horrorizadas com tal quantidade de gente. E o pior é que, ali, se misturavam adolescentes brancos e negros! Logo em Cleveland, uma cidade segregacionista! A promoção teve de ser cancelada. Mas os propósitos de Freed foram realizados de forma impressionante. As autoridades estavam tão perturbadas que determinaram a prisão do disc-jockey, acusando-o de uma série de crimes que começavam na violação das leis de segurança contra incêndios. Além de Freed cometer a impertinência de transmitir música negra numa estação de rádio branca, ainda tivera a coragem de juntar, lado a lado, jovens negros e brancos.

Freed aprendeu a lição: não promoveu mais bailes na cidade, mas lotou teatros com concertos de gente como Joe Turner, Fats Domino e The Drifters, que há muito já se apresentavam para platéias negras. Agora, a mudança atingira bons resultados: possivelmente dois terços dos pagantes eram brancos.

Conquistando o Mundo

Havia algo elétrico no ar: Freed e seu rock'n'roll não podiam mais ser segurados. Em 1954, a expressão já era conhecida em toda parte e seu criador foi convidado para trabalhar numa estação de Nova York. Agora, ele fazia sua música explodir na cidade mais importante dos Estados Unidos, no coração do maior centro de música popular do país. Em pouco tempo, Freed era um rei, transformado a WINS - uma estaçãozinha medíocre -, em poucos meses, na estação mais ouvida da cidade. O rock'n'roll chegara para ficar. Hoje Nova York, amanhã a América e depois... o mundo.

Parecia que o rock'n'roll começara da noite para o dia. Mas, como todo sucesso "instantâneo", tinha na realidade permanecido abafado durante muito tempo. É possível que a razão principal de seu êxito tardio tivesse sido um esmagador preconceito racial. No início dos anos 50, os negros americanos eram uma raça à parte. Naturalmente existiam meios pelos quais alguns negros atingiam certo status, mas isso era limitado a poucos campos, como o esporte e o showbusíness - e, ainda assim, com restrições severas.

As Raízes Negras

Os cantores negros só eram aceitos se cantassem em estilo branco. Nat King Cole, por exemplo, ajustava-se perfeitamente ao ideal branco do cantor "italiano". Nat cantava como os baladistas napolitanos da moda, tinha pose e era polido. Não era rouco, não gritava, você podia entender cada palavra que ele pronunciava. Não era sujo e, se o ouvissem apenas no rádio, não diriam que era preto. Já Louis Jordan, Fats Domino e Joe Turner eram outra coisa. Eles soavam negro, alteravam as palavras, assassinavam a língua, suas vozes refletiam os gemidos dos saxofones que os acompanhavam. Nunca se ouvia um violino em seus discos. Eram negros e ser negro significava que nunca teriam um público branco.

Domino era um dos intérpretes que, apesar de venderem um grande número de discos, eram praticamente desconhecidos fora de suas próprias comunidades. Mas, no começo dos 50, os garotos que não viam nada de excitante nos catálogos das gravadoras ou na programação das principais emissoras, começaram a mexer no dial de seus rádios - e descobriram um novo mundo musical, transmitido para os negros guetos e áreas rurais. Assim, os jovens brancos se voltaram para as raízes negras da música americana. Insatisfeitos em apenas ouvir pelo rádio, começaram a invadir os bairros negros para freqüentar suas lojas de discos.

Sementes da Violência

Com seu "pega-rapaz" na testa, Bill Haley foi um astro de rock muito bem comportado.

A reação da platéia, porém, não oferecia menor "segurança". Cenas de destruição realmente aconteceram embora exageradas pela imprensa.

O rock'n'roll penetrou aos poucos a consciência branca. Qualquer coisa caracteristicamente negra ainda causava repugnância - e, embora Alan Freed tivesse provado que o gosto dos garotos brancos exigia rock'n'roll, isso não significava que os artistas negros estivessem sendo aceitos pelas gravadoras maiores. Os sucessos negros, gravados em fábricas próprias, eram roubados pelas grandes companhias. As letras eram amaciadas, os ritmos frenéticos amenizados - e o produto final era entregue ao público branco, interpretado por cantores brancos. O sexo era praticamente banido das letras e as palavras cuidadosamente polidas. Por exemplo: Hank Ballard escreveu e gravou em 1954, uma canção chamada Work with me Annie, que era clara e explícita em seu conteúdo, com frases como: Work with me Annie let's get it while the gitting is good e Annie, please don't cheat / Give me all my meat. A letra foi considerada muito ambígua para ser apresentada ao grande público branco. Foi, então, mudada e gravada por uma garota que cantava assim: Rolls with me Henry / you better roll while the rolling is on. Mas, ainda assim, foi considerada muito lúbrica e modificada, mais uma vez, transformando-se numa canção inócua sobre dança. A versão final, limpa de qualquer conotação sexual, ficou assim: Dance with me Henry / Let's dance while the music rolls on.

O rock'n'roll não atingiu a grande maioria dos jovens até 1955. O que o tornou conhecido de toda uma geração foi um filme. O cinema já havia conquistado os adolescentes muito antes da música. O descontentamento crescente da nova geração fora captado e cristalizado em dois ídolos e três filmes. Os filmes eram East of Eden (Vidas Amargas), Rebel Without a Cause (Juventude Transviada) e The Wild One(O Selvagem). Os ídolos eram James Dean e Marlon Brando, todos dois muito calados, pouco brilhantes, fechados. Mas a música que acompanhava esses filmes ainda era o som tradicional usado nos filmes de Hollywood. Era - até o momento em que Blackboard Jungle (Sementes da Violência) introduziu nas telas o tipo de música que realmente começava a interessar a juventude. A canção chamava-se Rock Around The Clock e o cantor Bill Haley. A estória contava as atribulações de um jovem professor com seus alunos. Finalmente, aparecia um filme que conseguia transmitir aquele sentimento de abandono experimentado pela platéia jovem e, ao mesmo tempo, lançava um som muito louco, pelo menos para a época. Excitados, motivados, os garotos responderam à mensagem, invadindo os cinemas e comprando em massa o disco com a nova canção.

Símbolo da Juventude

O sucesso foi tão marcante que o comércio logo se aproveitou. O potencial era obviamente enorme.

Pela primeira vez, a indústria reconhecia que os adolescentes eram um mercado novo e independente, com dinheiro e motivação para procurar mercadorias exclusivas. Nada de usar roupas à maneira dos mais velhos. Agora, tinham sua moda própria, cortes diferentes de cabelo e seu próprio divertimento. Então, veio o filme de Bill Haley, criado a partir de seu sucesso: Rock Around The Clock. Agora, a excitação era intensa. Era como se, de repente, os adolescentes reconhecessem a si mesmos como seres diferentes, não sub-adultos ou crianças crescidas, com uma cultura diferente. A ruptura não ocorria entre brancos e negros, americanos e europeus, mas entre Eles e Nós. ... Rock Around The Clock, o filme, abalou as autoridades que mediam a independência dos adolescentes em termos de rebelião violenta. As palavras teenager e delinqüência juvenil significavam o mesmo para elas. A música jovem - forte, áspera, agressiva - estourava em toda parte. Agora, o rock'n'roll não era apenas música: era um símbolo. Símbolo da juventude, símbolo de exclusividade.

Cartaz do filme Rock Around the Clock

Atos de Vandalismo

O filme era uma produção de pequeno orçamento que simplesmente contava como Haley fora descoberto enquanto tocava uma canção que fazia todo mundo dançar, como conhecera Alan Freed e como fizera apresentações em cadeias de TV e chegara ao topo. Mostrava que qualquer garoto poderia se tornar um astro - e melhor, ainda: era verdade.

Depois dele, foram feitos centenas de filmes, com o mesmo clichê, mas em 1956, era novidade. Os adolescentes de toda parte, corriam para vê-lo - o que causava agitação e distúrbios.

Rock'n'roll era música de dança e as platéias queriam dançar. Não importava que estivessem num cinema, todos levantavam e dançavam pelos corredores, galerias e coxias. Como isso não era permitido, as autoridades intervinham para impedir a festa e os garotos revidavam com atos de vandalismo, quebrando cadeiras por exemplo. Não se sabe quantas poltronas foram danificadas - mas apenas uma teria bastado para dar manchetes. Não importava que o filme tivesse sido exibido em Nova York sem qualquer incidente, apesar do elevado índice de delinqüência juvenil e de violência na cidade. Havia inquietação na Universidade de Princeton e se esperava confusão do outro lado do Atlântico. As primeiras notícias de tumulto vieram de Dublin, mas a fita correu toda Inglaterra sem qualquer ocorrência séria, até que chegou em Londres. Um bando de uns duzentos garotos, vindos do cinema com a música na cabeça e o sangue pulsando tão forte quanto o ritmo, pôs-se a dançar em plena rua, interrompendo o tráfego. Foi o bastante para que

os jornais classificassem o acontecimento como uma revolta e multiplicassem os números por dez. As autoridades jamais haviam visto tanta exuberância e ficaram perplexas, sem saber o que fazer. Então agiram com violência. Procurou-se banir o rock de todas as maneiras. Nos estados sulistas dos Estados Unidos - o setor mais racista do pais -, cidadãos "decentes e honestos" queimavam discos nas ruas. Mas o movimento falhou totalmente. Longe de se deixarem influenciar ou intimidar, os adolescentes aderiam ao rock com redobrado entusiasmo.

fonte: Revista Rock Espetacular nº 1, 1976/77, Rio Gráfica e Editora SA


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