ÉTER
Fogo elétrico e teoria dos eflúvios
O éter a que se refere este texto não tem a ver com nenhum produto químico, mas sim com aquilo que é etéreo.
O conceito de éter surgiu com a visão mecanicista do mundo. Se o efeito de um determinado fenómeno é percetível num local distante do local que lhe deu origem, deve existir um meio que serve de transporte a algo que interliga a causa com o efeito. Um exemplo é o caso da aproximação dum íman duma agulha magnética sem a tocar. A agulha move-se sem ter havido contato físico. Como é possível ? Uma hipótese é haver algo invisível entre o íman e a agulha, através do qual a força do íman se propaga até à agulha. Este tipo de situações de ações à distância deu grandes "dores de cabeça" aos físicos quando tentaram explicá-las, pondo em risco a coerência de teorias criadas para explicar fenómenos, como, por exemplo, no caso da luz. Tem sido difícil a resolução destes problemas e soluções que parecem definitivas correm, por vezes, o risco de talvez não o serem.
Nunca foi possível explicar como seria constituído o éter, abandonando-se a ideia da sua existência e substituindo-o pelos conceitos de campo e de energia. Mas, quando Einstein fala na deformação de espaço (por exemplo, quando explica o que é a gravidade), as dúvidas ressurgem, pois se há deformação do espaço é porque lá existe algo.
Tudo
isto deriva da dificuldade que temos para interpretar o mundo que nos rodeia.
Aceitamos facilmente certas explicações sobre fenómenos que estamos habituados
a ver, mas o mundo é demasiado complexo para a nossa mente, como o comprovam as
dificuldades dos cientistas em o compreender, defrontando-se com explicações a
que chegam pelo raciocínio e pela matemática e que os confundem, pela sua
aparente irracionalidade. À medida que melhor vão conhecendo os fenómenos, mais
dificuldades vão surgindo, mas parece que o estudo da realidade sempre foi
assim. Sempre caminhando de dificuldade em dificuldade.
Fresnel (1788-1827)
desenvolveu uma teoria ondulatória para explicar os fenómenos luminosos. Para
interpretar o fenómeno da polarização da luz chegou à conclusão que as
vibrações que produzem as ondas, segundo a sua teoria, teriam que ser
transversais à direção de propagação e não longitudinais (no sentido de
propagação das ondas). Para conceber um processo de propagação deste tipo
imaginou que as ondas seriam produzidas de uma forma análoga à que uma esfera
mergulhada numa geleia, girando alternadamente num e noutro sentido,
produziria, transmitindo a vibração às moléculas de geleia circundantes,
transversalmente, enquanto este daria origem na geleia a ondas afastando-se da
esfera.
vibrações
Este raciocínio obrigou-o a admitir
a existência de um meio universal, presente em todo o lado, correspondente à
geleia, que serviria de suporte à transmissão das ondas. Chamou éter a
este meio. A necessidade de admitir a sua existência trouxe-lhe grandes
problemas pois se, por um lado, o éter era necessário para explicar a
polarização, por outro lado, a sua existência obrigaria à influência sobre os
corpos existentes, nomeadamente os planetas. Ora os astrónomos não referiam
qualquer anomalia nas suas trajetórias que pudesse ser devida a este meio. Por
isso, o éter deveria existir mas, ao mesmo tempo ser imóvel e atravessar todos
os corpos sem contudo os afetar de algum modo, o que é difícil de admitir, já
que o meio se deveria comportar como um fluido suscetível de vibrar elasticamente
para transmitir as vibrações transversais e, ao mesmo tempo, como um sólido
imóvel que transmitisse a luz em linha reta sem a desviar da sua trajetória,
pois isso traria outro problema, porque era admitida pelos astrónomos a
propagação retilínea da luz na explicação dos fenómenos astronómicos
observados.
Fresnel imaginou este éter
luminífero (ou portador de luz) constituído por "fibras" com
moléculas normalmente em posições de equilíbrio. As vibrações destas moléculas
deveriam ocorrer longitudinalmente nestas fibras oscilatoriamente, ora para um,
ora para outro lado. Estas vibrações eram então comunicadas às moléculas das
fibras vizinhas e assim sucessivamente. Seria este o processo de propagação das
ondas.
Após a morte de Fresnel, o
matemático Augustin-Louis Cauchy (1789-1857) estudou o comportamento do éter
desenvolvendo várias teorias sobre o assunto, mas pouco convincentes.
Outros físicos se debruçaram
sobre o assunto, sem conseguirem uma explicação satisfatória para a
constituição e caraterísticas do éter.
Primeiros estudos e teorias
A observação dos fenómenos
elétricos fascinou e intrigou os primeiros experimentadores. O poder de certos
corpos fricionados atraírem objetos à distância, sem contato físico, é deveras
fantástico, já que normalmente é necessário pegar nos corpos para os
movimentar.
É verdade que havia
fenómenos já observados em que também se manifestam ações à distância. Um deles
é o caso da atração gravítica, em que os corpos são atraídos (pelo menos antes
da explicação dada pela teoria de Einstein) para a Terra. No entanto, o comum
dos mortais não acha isso nada de extraordinário porque sempre viveu com essa
realidade e não se preocupa com as suas causas e aqueles que querem compreender
os fenómenos têm a teoria de Newton (1642-1727) que, pelo menos, explica como
os corpos com massa se influenciam mutuamente.
Outro caso conhecido de ação
à distância é o dos fenómenos magnéticos, que apenas se manifestam em certas
substâncias e cujas causas permaneciam um mistério.
Um caso diferente é o dos
fenómenos elétricos (leia-se "eletrostáticos" quando nos referimos às
primeira experiências). De fato, estes podem ser provocados em corpos de diversos
materiais (embora não em todos), podem ser comunicados a outros corpos à
distância ou por contato. Além disso, produzem manifestações aparentemente
contraditórias já que, por vezes, os corpos são atraídos, outras vezes são
repelidos e isso depende também dos materiais. Para complicar, há substâncias
que não se conseguem eletrizar (os condutores elétricos), mas os fenómenos
elétricos podem comunicar-se através delas. Por outro lado é possível eletrizar
o vidro, mas não é possível transmitir a eletricidade através dele para
eletrizar outro corpo. E é possível comunicar a eletrização a um papel dentro
de um recipiente de vidro, através das suas paredes, por influência de um corpo
eletrizado no exterior do recipiente.
É preciso não esquecer que
nesses primeiros tempos (desde o século XVI)
e até bastante depois, não era conhecida a estrutura da matéria como
hoje a concebemos, com cargas elétricas no interior dos átomos.
Foi desenvolvida em 1745 uma
teoria baseada na existência de uma matéria elétrica ou fogo elétrico.
Quando agitada (pela frição) esta matéria era responsável pelas ações de
atração e repulsão, conforme ela entrasse ou saísse do corpo.
O padre Nollet, em França,
criou uma teoria dos eflúvios que entravam ou saíam dos corpos, explicando
assim os fenómenos verificados.
A atestar estas teorias,
segundo os seus defensores, era possível detetar um cheiro caraterístico junto
das máquinas eletrostáticas em movimento, assim como a presença dum "vento
elétrico" que fazia eriçar os cabelos.
No entanto, como explicar a
passagem dos eflúvios através do vidro para agitar o papel dentro do recipiente
(por aproximação de um objeto eletrizado no exterior do recipiente de vidro) e,
ao mesmo tempo, não atravessar o vidro para comunicar a eletrização duma
extremidade deste a um corpo em contato com a outra extremidade ?
O americano Benjamin
Franklin (1706-1790) imaginou uma teoria segundo a qual o "fogo
elétrico" é um componente natural dos corpos, como a massa. Segundo ele,
se um corpo é eletrizado positivamente, a carga em excesso veio de outro corpo
que ficou com menos carga. Um corpo ficou carregado a mais e o outro a menos.
Desta forma, conseguiu explicar o funcionamento da garrafa de Leyden, o que a
teoria dos eflúvios não pudera fazer. Segundo ele, após eletrização da garrafa,
o interior desta ficava carregado a mais e o exterior a menos e
desta diferença resultava a descarga quando o interior e o exterior eram postos
em contato.
Para além do problema de
saber qual a causa que lhes dava origem, era a forma como os fenómenos se
manifestavam à distância, sem um meio de ligação visível, que levantava grandes
dificuldades de interpretação. As primeiras tentativas de explicação e que
duraram muitos e muitos anos foram de ordem mecanicista. Deveria existir um
fluido elástico não visível que preencheria o espaço e através do qual se
propagavam as ações entre os corpos.
Para André-Marie Ampère
(1775-1836) o éter elétrico é constituído por um fluido elétrico neutro com
moléculas separadas umas das outras e distribuídas no espaço. A corrente
elétrica é devida às decomposições e recombinações sucessivas das moléculas de
éter. As moléculas transmitem as suas ações umas às outras, de um pólo da pilha
ao outro, de forma instantânea. Para ele, o éter luminífero e o elétrico são a
mesma coisa.
Quando, cerca de 1850,
Michael Faraday (1791-1867) observou as linhas ( a que chamou "linhas de
força") formadas pela limalha de ferro num papel próximo de um íman,
ocorreu-lhe que o espaço deveria estar preenchido por "tubos de
forças". Quando se dá a ação dos ímanes e das correntes, estes tubos
vibram. O "seu" éter é um meio invisível e fibroso que serve de meio de
transmissão das ações à distância com velocidade finita.
Com esta noção de um espaço
constituído por "tubos de forças", Faraday prefigurou a noção de
"campo de forças" desenvolvida posteriormente por Maxwell.
James Clerk Maxwell
(1831-1879) era adeto de utilizar modelos concetuais que servissem de analogia
com os fenómenos estudados, independentemente de representarem ou não a
realidade, desde que a sua utilização servisse para clarificar a compreensão
dos fenómenos.
Por isso, concebeu o
"seu" espaço a partir da ideia de Faraday de "tubos de
forças". Imaginou que os "tubos de forças" estavam cheios de
"turbilhões moleculares" com eixos paralelos aos tubos girando todos
no mesmo sentido e davam origem a forças centrífugas, tendo tendência a
alargar-se equatorialmente e a contrair-se longitudinalmente.
tubo contração alargamento
Maxwell aplicou as leis da
Mecânica dos fluidos a este modelo e estabeleceu as suas relações matemáticas.
Depois, relacionou as grandezas mecânicas intervenientes com as grandezas
elétricas e magnéticas. Substituiu a velocidade de rotação dos turbilhões pela
intensidade do campo magnético. Substituiu a força exercida pelos turbilhões
sobre as partículas pela intensidade do campo elétrico. A densidade de corrente
elétrica substituiu o fluxo de partículas.
Foi com base nesta analogia
física que Maxwell estabeleceu as chamadas Equações de Maxwell que relacionam
os fenómenos elétricos com os magnéticos e que são a estrutura matemática das
propriedades do chamado campo eletromagnético.
Em 1864, Maxwell
apresentou à Royal Society de Londres
uma evolução da sua teoria inicial, considerando no lugar do modelo mecânico,
uma interação entre a energia elétrica (potencial) e a energia magnética
(cinética) associada ao campo magnético. De acordo com a teoria que
desenvolveu, o magnetismo pode produzir eletricidade e vice-versa, sendo finita
a velocidade de propagação das ações. Esta velocidade depende do meio, sendo,
no vazio, igual à velocidade da luz. Considerou também que as ondas
eletromagnéticas são transversais em relação à direção de propagação como
acontece com as vibrações luminosas. Por fim, acabou por considerar que o éter
que propaga as ondas eletromagnéticas é o mesmo que propaga as vibrações
luminosas e que estas são ondas eletromagnéticas. Maxwell unificou a
eletricidade, o magnetismo e a ótica numa só teoria. Quanto ao éter não negou a
sua existência, mas passou a considerar os campos elétrico e magnético em lugar
do éter.
Enquanto parte dos físicos
continuaram a considerar a necessidade da existência do éter, outros preferiram
esquecê-lo um pouco ou totalmente, substituindo o conceito de éter pelos de
campos de forças elétricas e magnéticas.
Os primeiros eram de opinião
que o éter deveria atravessar a Terra sem a perturbar. Pensaram numa
experiência que serviria para demonstrar a existência do éter. Ela consistia em
medir a velocidade da luz a partir da Terra. A medida efetuada num ponto da
Terra que se aproxima (por efeito da rotação da Terra) da fonte luminosa, devia
ser diferente da medida efetuada quando o ponto se afasta da fonte, pois à
velocidade da luz havia que adicionar ou subtrair, respetivamente, a velocidade
de rotação da Terra. Esta experiência foi efetuada várias vezes por vários
cientistas a partir de 1880, mas os resultados esperados não se verificaram. A
velocidade da luz é igual nos dois casos considerados. Mais uma vez falhou uma
tentativa de verificar a existência do éter.
Em 1905 Einstein apresentou
a teoria da relatividade restrita. De acordo com esta teoria, o éter não existe
e a velocidade da luz é constante.
Quando, mais tarde, desenvolveu
a teoria da relatividade geral, considerou a existência do éter, necessária à
consistência da sua noção de curvatura do espaço.
Do que se disse, verifica-se
que a Natureza continua a guardar segredos, o que deve ser aliciante para os
físicos. Por vezes o éter é necessário para justificar uma teoria, mas não se
consegue provar a sua existência, outras vezes nega-se a sua existência e
substitui-se por conceitos que não satisfazem totalmente quando se pretende
conceber a verdadeira natureza do espaço, embora expliquem cabalmente os
fenómenos. Por fim, o dilema de Einstein : o éter existe e não existe.
Bibliografia
:
Fresnel
(Les Cahiers de Science et Vie)
Benjamin
Franklin (Les Cahiers de Science et Vie)
Maxwell
(Les Cahiers de Science et Vie)