Separação

Illy-chan

Cap 01: "Alguém para Dividir."
 
 

Hiei Hino caminhava na ponta dos pés pelo quarto pouco iluminado para não despertar o jovem ningen que dormia, tranqüilo, na cama que ocupava o outro lado do aposento: ele tinha as pernas longas e esguias ocultas pelo lençol verde-escuro, que deixava todo o resto do belo físico à mostra. Um corpo realmente belo.

Hiei tentou concentrar a atenção na procura de suas roupas, que estavam espalhadas por todos os lados. Afinal, em todo aquele tempo que já vivia com Kurama, vira-o tantas vezes, que já devia ter se acostumado, em vez de sentir a mesma poderosa sensação de vertigem, que sentia a cada encontro... O pior era que, consciente do fato, Kurama usava e abusava desse poder.

O luar invadia a intimidade do quarto através da janela entreaberta, iluminando Hiei, enquanto ele despia a camisa do pijama de Kurama e apanhava sua cueca para vestir.

Kurama espreguiçou vagarosamente, - tal como sua natureza de Youko - e Hiei não pôde evitar de olhar, admirando-o: além de lindo, Kurama era elegante como um Youko, e, como tal, majestoso até no despertar. Seu primeiro movimento, ainda semi-adormecido, foi ir em busca do calor do corpo que deveria estar ao seu lado... Sua reação ao travesseiro vazio foi um imediato despertar: os olhos verdes, muito abertos, logo divisaram o vulto de Hiei, do outro lado do quarto.

Sempre que pensava em Kurama, eram justamente os olhos, que lhe vinham, de imediato, à memória: verdes como as mais belas esmeraldas, eles eram um de seus maiores - para não dizer um dos mais hipnóticos - atrativos, e traziam tanta magia e sedução, que Hiei raramente conseguia resistir ao que quer que pedissem... E, naquele exato instante, o que eles pediam meigamente era que ele voltasse para a cama.

Sentiu a pequena peça de seda que o envolvia queimar em sua pele, quando ouviu-lhe a voz, rouca de sono, perguntar:

"Hiei?... Doshitano, Itooshii?"

"Tentando encontrar minhas roupas..." - disse.

Com um jeito de menino, Kurama rolou na cama, e, com o queixo apoiado nas mãos, perguntou, brincalhão:

"Não acha que está muito cedo para procurar sua roupa, Koibito? Estamos no meio da noite, e você só vai precisar dela amanhã."

"Errou, Kitsune: preciso ir para o Makai... Agora."

Em um relance, Kurama olhou para o rádio-relógio acima da escrivaninha. Aturdido, perguntou:

"Já passa da meia-noite, Hiei... Por que não ..."

"Problemas na Fronteira. Tenho que ir."

"Mas... É que... "

"Eu preciso ir, Kurama."

"Sei..." , pensou Kurama, resignando-se. Porém, um segundo depois, tratou de mudar de tática: se aquela bruxa da Mukuro achava que ia deixá-la arrastar seu Koorime assim, no meio da noite, sem que ele tentasse nem ao menos lutar... Ah, não.

Enroscando um só dedo no elástico da cueca, Kurama tratou de puxar Hiei para junto dele. Não era preciso uma só palavra para que ficasse óbvia o que lhe passava por sua cabecinha ruiva.

"Kurama, eu preciso mesmo ir..." - A voz de Hiei já deixava transparecer uma certa hesitação. O olhar felino do youko o perturbou de tal maneira, que, sem perceber, Hiei tornou a vestir a camisa do pijama dele.

Mirando-o de alto à baixo, as palavras de Kurama saíram roucas, como se estivesse a pensar em voz alta:

"Nunca pensei que meu pijama pudesse ser tão sexy..."

A química entre eles era tão poderosa que Hiei sabia ser inútil resistir: quando Kurama se dispunha a usar seu charme com ele, para que lutar contra? Além do mais, ele não estava muito satisfeito em ter que abandonar seu adorado amante no meio da noite, mesmo...

Hiei era surpreendente quando estavam à sós: gentil, meigo e carinhoso, como ele mesmo nunca viera a imaginar que pudesse ser. A arrogância e o cinismo que eram sua marca registrada e que o tornavam tão temido tanto no Makai, desapareciam por completo na intimidade.

Sem esperar que Hiei se decidisse, Kurama o abraçou, lânguido, fazendo-o enterrar o rosto por entre seus cabelos longos e ruivos e inspirar profundamente, tentando sorver o perfume que exalavam; enquanto seus lábios, sem pressa, beijavam-lhe de leve a nuca, e os dedos, ágeis, escorregavam pelos botões da camisa do pijama, desnudando-o.

Involuntariamente, Hiei esticou o corpo para que seus lábios encontrassem os dele... Em um relâmpago de lucidez, se deu conta de que, se não interrompesse imediatamente aquelas carícias, não conseguiria mais fazê-lo. Reunindo toda a força de vontade que lhe restava, Hiei tentou protestar:

"Kurama..." - não conseguiu nem sequer concluir a frase, pois, ao ouvir seu nome, ele intensificou o ritmo das carícias, completamente alheio a tudo que não fosse o prazer de seu amante. Quase rendido, Hiei abraçou-o. - "Você é minha vida, Kitsune..." - murmurou ele em seu ouvido.

O coração de Kurama falhou uma batida. Simples e sinceras, aquelas eram as palavras mais tocantes que ele já ouvira. Na verdade, ao ouví-las, Kurama conseguiu encarar sem receio algo que lhe perturbava a mente já havia algum tempo: para ele, não bastava que o amor deles estivesse implícito em cada palavra, cada gesto, cada dia ou noite em que passassem juntos; para seu coração, era imprescindível que as palavras "Ai Shiteru", fossem ditas e repetidas a todo instante. Especialmente no caso deles, em que o amor florescera em meio a tanta dor, sofrimento e preconceito... Em seu coração, era fato indiscutível que só o seu amor por Hiei era que lhe dava coragem para continuar vivendo - ELE era sua vida. Mas as reservas de Hiei quanto aos seus sentimentos e ao seu passado continuavam, a despeito de toda as constantes reafirmações de seu amor por ele, como se aquela parte oculta de sua vida pudesse conter lembranças dolorosas demais para que seu Koorime conseguisse expressá-las, ainda.

Kurama se ressentia um pouco com aquele silêncio, mas sabia que, com o passar do tempo, à medida que ele se sentia mais confiante consigo mesmo e ao amor deles, Hiei estava, aos poucos, conseguindo abrir o próprio coração e a colocar em palavras todas aquelas sensações maravilhosas - prova maior eram as palavras que havia acabado de ouvir: verdadeiras pérolas, elas eram a certeza absoluta de que, aos poucos, as muralhas estavam ruindo.

Seus devaneios foram interrompidos quando sentiu que já conseguira despi-lo da camisa do pijama, deixando seu tórax musculoso nu. Os olhos verdes se fixaram de imediato em seus mamilos, que, expostos novamente ao ar frio da madrugada, tornavam-se rígidos.

"Eu odeio quando você vai embora no meio da noite, Koibito... " - a voz rouca dele estava repleta de insinuações.

"Eu também, mas..." - como manter um pensamento coerente, em uma hora daquelas?

"Além dessas 'missões' - continuou Kurama, enquanto acariciava, com as mãos, todo o peito do amante - ainda temos a preocupação com Kaasan, pelas manhãs..."

Sim, era verdade. A sorte era que Kurama nunca esquecia de trancar a porta, senão...

"Tenho uma proposta, que tal?"

Aquelas palavras foram ditas em tom de brincadeira, mas Hiei ficou surpreso com a seriedade estampada no semblante dele. O que será que aquele Youko maluco estava tramando agora?

"Eu quero acordar com você todos os dias da minha vida..."

Hiei não podia crer em seus ouvidos, mas o olhar firme de Kurama confirmava cada palavra dita. Com o coração batendo acelerado, perguntou:

"O que quer dizer com isso?"

A resposta veio rápida:

"Você sabe que estou me mudando para o apartamento novo semana que vem..."

Claro que ele sabia. Não apenas sabia, como fora arrastado por ele várias vezes para procurar um local que estivesse mais próximo à faculdade - quantas tardes gastas naquela típica atividade ningen, quando poderiam bem estar se amando, ele se perguntara.

"Sei."

"Hiei, eu... eu tenho uma pergunta muito importante para lhe fazer."

Hiei nunca vira Kurama tão nervoso... A não ser, é claro, no início do relacionamento de ambos: suas mãos, que ainda estavam a passear sobre seu peito, pararam e ficaram repentinamente, ensopadas de suor frio.

Kurama sentia o coração na garganta: desde a primeira vez que vira Hiei, notara que o Youkai balançara algo dentro dele. A partir do reencontro de ambos, então, soubera que não haveria outra pessoa como ele na sua vida: começara a amá-lo com paixão, e, durante muito tempo, sofrera demais com medo de que seu segredo fosse descoberto, e que, por causa disso, acabasse perdendo a chance de conviver com ele, uma vez em que acreditava que Hiei nada mais sentia por ele, a não ser amizade. Graças a Inari, esse período de sofrimento passara, e, hoje, os dois, juntos como estavam, eram uma dádiva que, antes, ele jamais acreditaria ser possível se tornar realidade.

O problema era que, no presente momento, Kurama sentia a necessidade de os dois ficarem mais tempos juntos... Não apenas durante os momentos de batalha, ou durante as horas fugidias da madrugada, mas sim, a necessidade de estarem juntos todos os momentos do dia: manhã, tarde ou noite, como um verdadeiro casal... A necessidade de poderem se ver a qualquer hora ou minuto... A necessidade de terem um lugar só deles, em que eles pudessem ficar tranqüilos, sem terem que ter o medo constante de serem descobertos por seus pais, ou por seu irmão, por exemplo... Enfim, a necessidade de os dois se "assumirem",...

"Hiei... Você... Você gostaria de morar junto comigo?"

Horrorizado, Hiei deu um salto para trás, afastando-se de Kurama.

"Morar junto? !!" - Exclamou ele.

"Isso mesmo, nós..." - Ele confirmou, e, com o coração na mão, continuou: - "Eu... Eu queria que você viesse morar comigo no apartamento novo."

Com absoluta convicção, e afastando-se ainda mais, Hiei respondeu:

"Não!"

Foi a vez de Kurama sentir o chão fugir sob seus pés... Tonto com o que acabara de ouvir e sem conseguir acreditar na reação de Hiei, disse:

"Mas... Mas por quê? Você poderia se mudar para o apartamento, assim nós poderíamos ficar juntos, Hiei !"

"Mas que inferno, Kurama! Eu já disse que NÃO!"

Os olhos de Kurama encheram-se de lágrimas... Arrasado, não estava conseguindo controlar a enorme decepção.

Ao vê-lo tão triste, Hiei tentou amenizar um pouco a negativa:

"Não sirvo para morar com ninguém: você mesmo reclama que eu me excedo na bagunça e deixo minhas cuecas espalhadas pelo chão, o que você odeia..."

"Isso não tem nada a ver com cuecas ou roupas espalhadas, Hiei... - Era difícil conter as lágrimas, mas mesmo assim, ele continuou - Tem a ver com compromisso, entende?"

Num estalo, e com ar ofendido, Hiei retrucou:

"Mas eu ESTOU comprometido com você!" - Mas, o que aquela raposa queria, no fim das contas?? Já não estavam juntos?!? Ou será que já não era mais suficiente ele ter que viver entre o Makai e o Ningenkai, passando horas e horas sem comer e sem dormir apenas para poder resolver de uma vez as missões e conseguir voltar o mais rápido possível para junto dele - e o pior: desobedecendo às ordens explícitas de Mukuro, que vivia a ter ataques e mais ataques de ciúmes do "Youko renegado", como ela o chamava?

"Não, não está... Pelo menos não o suficiente."

"Como assim, não estou?!!?" - rosnou Hiei.

"Hiei, eu quero ficar mais tempo com você: para mim, ficarmos juntos durante as lutas ou nos encontrarmos apenas durante as madrugadas não é o suficiente, entende?" - Criando coragem, Kurama ergue os belos olhos verdes inundados de lágrimas para o Koorime – "Sei que posso fechar os olhos e confiar minha vida à você, durante uma batalha... Da mesma forma que eu lhe confiei tudo o que sou no dia em que me declarei à você... Mas... Mas só isso... Só isso não é suficiente: Quero poder viver com você, quero... Tantas coisas! Sei bem que, pelas leis do Ningenkai, nós dois nunca poderemos nos casar, mas... Mas eu queria que nós pudéssemos viver realmente juntos... Como um casal que se ama de verdade, entende??"

A face lívida de Hiei não exprimia nenhuma emoção, senão choque, ao ouvi-lo. Atordoado pelo o que estava ouvindo, disparou:

"Quando nós ficamos juntos pela primeira vez, você ficou sabendo minha opinião sobre esse tipo de sentimentos, Kurama. Não o enganei."

"É verdade..." - a dor engolia Kurama cada vez mais – "Mas... Pensei que pudesse ter feito você mudar de idéia... Ou de sentimentos..." - O desespero de ter todos os sonhos desfeitos estava fazendo-o sentir como se o coração estivesse se quebrando em mil pedaços – "Parece que errei."

Assustado com a sensação de fatalidade que estava comprimindo seu peito, Hiei não conseguiu se controlar e disse:

"Não! Você... Você conseguiu mudar meus sentimentos: nunca gostei tanto de alguém, Kurama!"

Sem conter um estremecimento, Kurama fechou os olhos.

"Arigatou, mas..." - deu um sorriso triste – "Gomen Nasai, Hiei: só isso não basta para mim... Não mais."

Uma sensação horrível de fatalidade começou a tomar conta de Hiei: daquela vez havia ido longe demais com sua intransigência e a eterna mania de não admitir que precisava de alguém: ele fizera sua raposa chorar...

Foi quando outra sensação, ainda mais poderosa, cresceu dentro de Hiei: medo. Parecia que, finalmente, havia convencido Kurama de que amá-lo era pura perda de tempo - o medo de que Kurama tivesse desistido de lutar por ele foi tão forte, que ele perdeu o fôlego: impossível ! Kurama o amava, não??? E o amor era... indestrutível, não era?

A insegurança e o medo fizeram-no reagir da única maneira que conhecia: com raiva.

"Não é? Como assim? Era o bastante até ontem, até uma hora atrás! O que mudou, afinal?"

"Ai Shiteru, Hiei."

Não era a primeira vez que Kurama dizia aquilo, mas o sentimento expresso em seus olhos nunca antes fora tão intenso. Imediatamente, Hiei mudou: o som doce da voz de Kurama era capaz de operar milagres nele, quando estava enfurecido. Arrependido, assentiu:

"Eu sei disso, Kitsune."

"Você me ama, Hiei?"

Nunca ouvira-o dizer as palavrinhas que reafirmariam os sentimentos dele. Seu coração nunca tivera o bálsamo reconfortante de ouvir as palavras "Ai Shiteru", da parte de Hiei... Nunca. Kurama sempre dissera a si mesmo que era apenas uma questão de tempo, mas... agora não: Agora, aquela era prova de fogo.

A pergunta era clara e direta; não havia como fugir.

"Mas que droga!! Você sabe que eu não acredito em amor, Kurama!!"

"Eu sei?" – Kurama pensou. Como poderia saber se, nos últimos meses, tudo indicara o oposto?

Como pudera ser tão cego?? Como?

"Por que, de repente, morarmos juntos passou a ter tanta importância para você, Kurama?"

"Amar você... Poder ficar com você... Morarmos juntos... Sempre foi importante para mim, Hiei... Sempre."

Com o coração despedaçado, Kurama percebeu que, depois daquela conversa, as coisas não seriam mais iguais para eles; o encanto fora quebrado.

Não havia muito mais a ser dito. Naquele momento, Kurama só queria ficar sozinho: sozinho para chorar toda a sua mágoa, seu desespero, sua dor... Sozinho para esquecer que a pessoa que mais amava em todos os mundos não o amava o suficiente para lhe dar uma chance de poder fazê-lo feliz...

Sabendo-se no limite, sem condições de agüentar mais nada, Kurama levantou-se, e foi em direção ao banheiro, à procura de um lugar em que suas lágrimas pudessem ser lavadas, assim como toda a sua dor.

Mas Hiei, rápido como um raio, o impediu de sair do quarto, bloqueando a porta do banheiro. Àquela altura, já não lhe importava mais a urgência da missão na fronteira, nem a convocação de Mukuro, nem mesmo uma possível rebelião em todo o Makai: para ele, aquela maldita conversa não acabara.

"Quando você era um Youko no Makai, e trocava de parceiros a todo e qualquer instante, por acaso, a idéia de 'compromisso' já lhe passava pela cabeça, Kurama?" - disparou, com desprezo.

A simples menção daquela época de sua vida - seu passado como Youko e a promiscuidade na qual vivia - fez Kurama estremecer. Aquela procura desenfreada por prazer e sua absoluta falta de caráter e extrema crueldade para com seus inúmeros amantes eram imagens permanentes em seus pesadelos, lembranças vivas de um tempo que ele daria tudo para esquecer ...

"Não." - Fechando os olhos, Kurama baixou a cabeça, e enrolou-se melhor no lençol, como que numa tentativa de se proteger de Hiei e de suas palavras ferinas, ditas exatamente para magoá-lo ainda mais... Se havia uma coisa que Hiei sabia fazer era atacar justamente o ponto fraco dos inimigos, sem piedade. - " Mas às vezes cometemos erros que nem mesmo outras vidas são o suficiente para nos redimirmos deles."

"Hn. Sei: Vai dizer que os amava, Kurama?" - Hiei continuou, deixando nítida a insegurança e o ciúme.

"Não." - A voz de Kurama soou fria e resoluta - "A nenhum deles."

Com voz pausada, Kurama continuou:

"Lamento por todos eles, pelas atitudes que tomei, ou pelos sentimentos que eu simplesmente ignorei..." - Levantou um pouco a cabeça, mas seus olhos ainda fixavam o nada, enquanto imagens de Yomi e Kuronue invadiam sua mente – "Meu passado me fez ficar mais cauteloso ao me envolver com outras pessoas, mas isso não impediu de conhecer o amor. E, muito menos, me apaixonar, quando encontrei você..."

Hiei mal podia encará-lo... Kurama era muito mais do que ele já sonhara, muito mais do que ele já ousara sonhar, um dia... Queria compartilhar sua vida com ele, apesar de tudo: de suas negativas, de seu silêncio, de suas solidões... de seus medos.

Virou o rosto.

Kurama fechou os olhos, sentindo o coração doer com a rejeição.

Com a sensação de estar com um bolo na garganta, Hiei levantou os olhos para a figura alta envolta num lençol à sua frente: Kurama abaixara novamente a cabeça, escondendo o rosto com os longos cabelos ruivos, mas ainda mantinha os ombros elevados, como se tentando manter ainda uma postura digna... Mas ele sabia o quanto aquilo estava custando ao seu amado ruivo: podia ver sua aura tomada por um brilho escuro, evidenciando a tristeza e a dor que devia estar sentindo.

Por sua culpa.

"Oh, Raposa... Me perdoe, eu..."

O pedido de desculpas chegou-lhe aos lábios... Mas não pôde pronunciá-lo.

Não conseguiu... ao ver uma lágrima solitária deslizar pelo rosto de Kurama.

Por sua culpa.

Será que era só para isso que ele existia?

Para trazer sofrimento... e dor, para quem o amasse??

Ou melhor: para quem tivesse coragem e determinação para amá-lo?

Para quem – como Kurama – acreditasse que ele – um Youkai mestiço de Koorime renegado por sua própria raça; um assassino - merecia ser amado?

Pelos Deuses, não conseguia sequer retribuir o amor que recebia de uma pessoa que fazia e faria – ele tinha certeza absoluta – TUDO, até mesmo, morrer, por ele??

Só conseguia atacar, machucar, magoar... uma pessoa adorável, um ser magnífico, cujo único pecado era amá-lo???

Não, sua vida mesmo era uma fonte de sofrimentos tão grande, que ele mesmo não a agüentava – ignorava tudo: passado, lembranças, Yukina – sob pena de enlouquecer. Sua sina era viver sem vínculos, sem laços... só.

Ou isso, ou terminaria acabando com todos à sua volta.

Hiei sentiu os próprios olhos arderem, enquanto pensava em tudo aquilo, durante aqueles segundos, como se a quererem fazer companhia àqueles olhos meigos e brilhantes que agora estavam cheios de dor... e mágoa.

"Kurama..."

O coração batia a mil, lutando contra uma batalha que nunca teria como ganhar.

"... eu..."

A garganta secara, as mãos tremiam.

Como fazer isso? Como abrir a boca... e matar de vez todas as esperanças daquele humano que lhe salvara a alma?

Mas era o que devia fazer: sua Raposa não merecia continuar vivendo daquele jeito, num eterno aguardar... por uma coisa que nunca teria.

Ele superaria.

Conseguiria superar. Kurama sempre conseguia!

Tinha que acreditar naquilo – com todas as forças.

"... eu não aceito."

Recuou um passo, suas palavras soando como uma sentença no silêncio da madrugada no quarto. Temeroso, continuou a olhar para Kurama, à espera de alguma reação – qualquer uma!!

Que não veio.

Kurama ficou ali, parado, imóvel, sem nenhuma reação.

Os segundos continuavam passando... e nada.

Kurama não reagia. Apenas ficava lá, parado, com um olhar perdido no meio do nada.

Hiei já se preparava para dizer alguma coisa, quando, de repente, o ruivo moveu-se, andando em sua direção, até parar, subitamente, em frente ao Youkai. Hiei não compreendeu, até que o ruivo finalmente baixou os olhos em sua direção, e dignou-se a lhe dirigir o olhar. Um olhar gelado, sem emoções, ao mesmo tempo em que o ouviu dizer:

"Saia."

O Youkai arregalou os olhos, até entender que estava no caminho do Youko. Engolindo em seco – pois nunca imaginara que Kurama haveria de reagir daquela maneira tão fria - , o Koorime deu um passo para o lado, saindo do caminho do ruivo, que não perdeu tempo, e seguiu em frente, enquanto Hiei voltava-se, para ver o que ele ainda iria fazer.

Livre da presença de Hiei em seu caminho, Kurama parou alguns passos depois, na entrada da porta do banheiro.

"Hiei?" – chamou.

"O quê?" – O tom de voz, frio e impessoal, da voz de Kurama assustara o Youkai. Sem saída, respondeu perguntou.

"Eu só queria..." – aqui, o acaba-se o férreo controle de Kurama sobre seus sentimentos, e a voz, trêmula, se quebra.

"Só queria...

Alguém para dividir...

Alguém para cuidar,

Alguém para proteger...

Alguém para... amar..."

Foram palavras que invadiram a mente já atordoada de Hiei, gravando-se nela como a ferro e a fogo... deixando-o ainda mais confuso e perdido com tudo o que estava sentindo, e com o coração pequeno, uma vez que o fato de Kurama estar usando o elo mental de ambos era porque não confiava em si mesmo para dize-las.

"Entende?" - Terminou ele.

"Kitsune, eu..."

"Basta."

Hiei arquejou, inseguro.

"Basta. Vá embora, Hiei." – disse Kurama, ainda de costas.

Incrédulo, Hiei permaneceu estático, parado no meio do quarto.

"Se não pode ficar... e assumir um compromisso comigo...Vá embora. E não volte mais." – O ruivo conseguiu dizer, de maneira decidida e firme.

Kurama permaneceu alguns minutos ainda de cabeça erguida, sem se mover – até sentir um súbito deslocamento de ar atrás de si... e o Ki do Koorime desaparecer, sinal de que Hiei já não se encontrava mais ali.

*******

"Isso... Vá embora. Vá embora... e não volte. Nunca mais, meu amor..." - Eram os pensamentos atormentados que se repetiam na mente de um Kurama, angustiado, que se abraçava a si mesmo, enquanto tentava, desesperadamente, esconder os soluços agoniados, debaixo da água do chuveiro... enquanto seu coração ameaçava quebrar... tamanha a dor que o invadia.
 
 

********************

Continua...

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By Illy-chan.

Abril a Setembro/2000


Capítulo 2
Fics de Yuyu

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