Hitokiri no Kokoro
Yoko Hiyama

Capítulo 9 - Noites de Solidão

Kurama começou a ler pela terceira vez o mesmo parágrafo do livro, já sem a mínima paciência. Havia tentado estudar um pouco para esquecer das preocupações, mas, seus esforços foram em vão. Não conseguia concentração pra nada desde que Hiei desaparecera. E isso já fazia dois dias! Olhou o relógio pela milésima vez na noite – Três e meia da manhã.... três e meia da manhã e nada de Hiei! Nada!

O ruivo estalou a língua e então finalmente decidiu que já era hora de agir. Iria ao Makai a procura de Hiei. E mesmo que ele ficasse furioso quando o encontrasse, teria pelo menos o mínimo de paz de espírito. Decidido, foi preciso pouco tempo para que jogasse meia dúzia de peças de roupa numa mochila e, assim, se aprontar para partir naquela mesma noite.

Não foi necessário. Quando estava quase deixando o quarto, ouviu uma batidinha fraca no vidro da janela.

"Hiei?" – Kurama quase não acreditou nos seus ouvidos que tinham lhe pregado várias peças nos últimos dias.

Nova batida... desta vez, ainda mais leve do que a anterior. Não foi preciso mais para que Kurama se precipitasse em direção a janela, escancarando-a de uma vez só.

O corpo pequeno de koorime despencou, desequilibrado sobre Kurama que o segurou de forma desajeitada, ainda tonto pelo choque:

- Hiei?

- ...

Kurama piscou, tentando controlar a respiração e equilibrar o corpo, mas a sensação de algo úmido e viscoso fez com que se assustasse ainda mais:

- Hiei? O que aconteceu com você? O que é isso pelo seu corpo todo? Hiei?! Isso, isso é sangue? Hiei? Hiei?!!

Kurama sacudiu seu koibito inúmeras vezes, na tentativa desesperada de reanimá-lo. Fez isso até que o koorime machucado abrisse os olhos fracamente.

- Você... não deixou... a janela aberta, ku... ra.. - a resistência das pernas de Kurama acabou assim que viu seu koibito desfalecer novamente e ele praticamente se jogou sobre a cama, ainda abraçando o corpo de Hiei.

- O que aconteceu com você, Hiei? – Kurama se perguntou, baixinho, enquanto tentava arranjar forças para sair de baixo do corpo do seu amante. Não obtendo nenhuma resposta, Kurama sentou-se na cama com algum custo e então não pensou duas vezes antes de rasgar o pouco que havia sobrado da ensangüentada roupa. Logo percebeu que havia uma horrível ferida na barriga, daonde escapava todo o sangue koorime, juntamente com o pouco que ainda restava de esperança de salvá-lo. – Inari! Preciso... preciso dar um jeito nisso... preciso....

Kurama levantou-se da cama num pulo, olhando para todos os lados em busca de um pedaço de pano para conter todo aquele sangue enquanto reunia todos os instrumentos necessários para limpar aquela ferida horrenda. Não achou nada, entretanto. Tudo a sua volta parecia rodar, tamanha era a confusão em que sua cabeça ansiosa se metia. Não se lembrava de alguma outra vez em que tivesse ficado tão transtornado com alguma coisa, mas era como se tivessem colocado uma bomba-relógio na criatura que mais amava no mundo.

- Merda! – rasgou a blusa – Mantenha a calma, Kurama!

O ruivo pressionou a ferida com a blusa rasgada, fazendo Hiei soltar um doloroso gemido em resposta. - Gomen, querido... eu já volto... vou cuidar de você! Tenha só um pouco de paciência e tudo dará certo.

Dito isso, Kurama deu uma volta sobre si mesmo e correu pra fora do quarto. Desceu as escadas e tratou de pôr a água pra ferver enquanto pegava todas as bandagens e ervas que precisaria para os curativos.

- Vamos.... ferva... feeerva... – Kurama repetia enquanto esperava a água entrar em ebulição. Pareceu uma eternidade os poucos minutos necessários para tanto e quando finalmente pôde tirar a água do fogo, correu com a chaleira, escada acima. Porém, a ansiedade tremenda fez com que tropeçasse de forma desastrosa logo no quarto degrau. A chaleira pulou da sua mão e seu conteúdo fervente se projetou sobre seus braços. A raposa humana não teve como conter um grito mesclado de dor e susto assim que sentiu a água quente machucando sua pele.

- Shuuichi? – a voz sonolenta da mãe se fez ouvir, lá do quarto – O que aconteceu?

- Nada, mamãe! – Kurama se apressou a responder. Que desastre seria se tivesse que explicar o motivo de estar pondo água a ferver àquela hora da manhã. – Eu só tropecei e caí... pode voltar a dormir!

Aquilo pareceu satisfazer a mãe, que não fez mais perguntas. Em poucos segundos, a casa voltava a mergulhar no silêncio.

Kurama tratou logo de se levantar e ferver mais água enquanto amaldiçoava seu tolo descuido. Mesmo assim, não demorou muito para que todos os preparativos estivessem prontos e o ruivo finalmente pudesse examinar a ferida da barriga de Hiei de forma mais calma. Porém, as constatações que fez após limpar a ferida o deixou ainda mais assustado:

- Que diabos é isso?! – se perguntou, chocado – Uma.... mordida??!! Que espécie de youkai fez isso com você?!

Hiei apenas gemeu de dor, incomodado com a compressa quente sobre sua pele machucada. Kurama não demorou a observar que a pele do seu koorime estava repleta de escoriações e cortes e rapidamente usou o seu ki para criar uma planta especial que tratasse de cicatrizar aquele horrível ferimento e então terminou seu serviço protegendo-os com bandagens bem apertadas:

- Pronto! O principal está feito! Vamos ao restante...

Já mais calmo, Kurama tratou de fazer todos os curativos necessários até que finalmente considerou seu koibito medicado. Aliviado, não teve como evitar um longo suspiro. Hiei teria que ficar deitado durante um tempo, mas o pior já havia passado.

Entretanto, uma mesma pergunta continuava a martelar, insistente, em sua cabeça: O que tinha feito aquilo com seu koibito? As marcas deixadas em seu corpo, principalmente na barriga, não podiam ser tomadas como marcas comuns de luta. Algo em Kurama dizia que era muito mais do que isso e que ele teria que descobrir o que estava acontecendo:

- Ah, Hiei... eu queria ter estado lá.... – Kurama divagou, ao dar uma olhada mais atenta ao corpinho do amante – ao seu lado...

Finalmente cedendo ao cansaço, deitou-se ao lado de Hiei na cama, procurando ficar bem juntinho a ele, sem contudo machucá-lo. E assim, teve um sono curto, sem sonhos.

******

- Vamos, Hiei... tem que comer. Abra a boca, vai? – Kurama pediu.

Nada. Seus dentes estavam trincados e Kurama simplesmente não conseguia fazer com que comesse ou tomasse remédios – Ai, ai... você é mesmo um paciente difícil... vamos, Hiei... não pode ficar sem comer, por favor...

Sem resposta. Kurama deixou o prato de sopa de lado e acariciou a franja do amante:

- Hiei... tem que reagir! Seu estado físico não está tão ruim! Você já deveria ter recuperado a consciência, meu querido... Vamos! Reaja, vai?

Kurama beijou a ponta dos seus dedos, para logo depois encostá-los nos lábios dele, numa delicada carícia e então pegou o prato.

- Vamos, Hiei! A sua comida vai esfriar! Abra a boca! – a colher fez uma suave pressão junto a boca, que finalmente se abriu – Isso! Muito bem! Muito bem!

Kurama terminou de alimentar Hiei, bem mais animado. Deixou o prato sobre a cômoda e resolveu que agora era o momento de dar atenção à seus livros, caso contrário, trabalho nenhum seria entregue no fim do mês. Sua preocupação com Hiei tinha feito com que abandonasse suas tarefas completamente nos últimos dias e agora, não dava mais para ignorá-las.

Disposto a escolher seu novo tema para o maldito trabalho de História, Kurama folheou o livro preguiçosamente em busca de alguma figura que lhe despertasse o interesse. No livro do Shisengumi nada lhe despertou atenção imediata, até cogitou em fazer algo sobre Okita Soushi, capitão de primeira divisão do grupo mas, logo descartou a idéia. Pouco sentido faria se abandonasse seu trabalho sobre a vida de Ookubo Toshimichi para se atirar a um sinônimo, só mudando a facção. Não... aquilo definitivamente não lhe pareceu nada inteligente.

Deixou os Shisengumi de lado e voltou para seu objetivo principal, que era o Ishinshishi. Só que, dessa vez, resolveu escolher seu tema de uma forma diferente. Sem a mínima paciência para ler cada uma das fichas, Kurama decidiu que o guerreiro representado na página que abrisse seria o seu tema. Sendo assim, respirou fundo e escancarou o livro. Havia um desenho muito bonito, provavelmente feito por Hidemi e, ao lado, uma ficha completa:

- Isso é um homem? – foi a primeira coisa que Kurama se perguntou assim que analisou o desenho com calma – é.... é sim...

O desenho era em preto e branco e mostrava uma pessoa de aparência surpreendentemente frágil, empunhando uma bela katana, face ameaçadora de assassino, cabelos presos num rabo alto e firme. Mas o que mais chamava atenção foi uma marca em forma de X no lado direito da face e foi exatamente isso que despertou a atenção total da raposa humana.

- Interessante... – Kurama falou consigo mesmo e então se dedicou a ler pelo menos os dados mais gerais. – Nome.... Himura Kenshin... Kenshin... Huum.... data de nascimento... registros informam a data de 20 de junho de 1851... quase o mesmo que eu... - Kurama fez contas rapidamente de cabeça - vejamos, antigamente havia aquela diferença entre o tempo do Makai e o do Ningenkai... qual era mesmo? Ah, sim... 1 ano no Makai correspondia a 20 anos aqui... isso foi até 1960... é... ele nasceu em 1851, e eu devo ter nascido um pouco depois dele. Mesmo assim, sou muito mais velho... é mesmo engraçado...

- É ele!

Kurama quase gritou de susto. Olhou para o dono da voz, sem tentar disfarçar a respiração exaltada e os olhos arregalados:

- Hiei!! O que faz de pé? Está louco?! Volta pra cama! Você ainda está muito ferido pra se levantar!

- Kurama... não entende? É ele! É ele! – Hiei apontou para o desenho no livro antes de perder a força nas pernas e despencar sobre os braços de Kurama.

- Inari! Veja só.... vem! Vou te levar pra cama. – Kurama falou, preocupado, ao mesmo tempo que puxava o amante meio desfalecido de volta para debaixo das cobertas.

- Ku... ra... ma.... é ... ele.... – Hiei puxou o tecido da camisa branca do outro a ponto de esgaça-lo.

- Hiei... você tá delirando de febre...

- Não .... não ... me escuta, Kurama.... você... você...

- Shiii... tá tudo bem.... não precisa falar nada, meu querido. Fique tranqüilo... aquilo é só um trabalho. O homem do desenho está morto... calma... – Kurama empurrou Hiei de volta pra cama, contra a sua vontade, até que ele não teve mais forças para resistir e se deixou ficar – agora dorme... eu vou ficar aqui. Dorme...

Kurama se inclinou e encheu o rosto de Hiei de beijinhos até que ele finalmente se deixasse levar pelo sono.

Kurama se perdeu na visão do seu koibito adormecido, adorando aquele rostinho lindo de criança que seu amante conservava quando se deixava abraçar por Orfeu. Foi um grande erro seu ter descuidado dele para dar atenção àqueles trabalhos idiotas. Que eles se danassem! Não sairia do lado do seu querido até que estivesse completamente recuperado dos ferimentos e não apresentasse mais as marcas do choque.

Sim, era isso que iria fazer.

Kurama fez com que a mão direita de Hiei soltasse sua blusa e então deitou-se junto a ele e, abraçado àquela criaturinha que tanto amava, procurou combinar sua respiração com o ritmo da dele enquanto repetia num tom doce e quase monótono:

- Tudo vai ficar bem, Hiei... tudo vai ficar bem...


Capítulo 10
Hitokiri no Kokoro
 
 

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