Hitokiri no Kokoro
Yoko Hiyama

Capítulo 10 - A Troca de Detetives

Youkais são criaturas que vivem presas ao Makai, sua terra de origem. Mesmo quando estão longe de sua terra a anos, ou décadas, o Makai lhes faz falta. E tudo porque aquela é uma terra que irradia liberdade.

Natural que todas as suas criaturas também ansiassem pela liberdade de seus espaçosos e ameaçadores campos.

Kurama não era uma exceção. Sempre que fechava os olhos, sonhava que ainda era uma raposa das trevas e que corria, livre, por todo Makai, ignorando todos os perigos que se escondiam nas proximidades. Mais do que tudo, estes sonhos lhe eram excitantes. Lhe impressionava pensar que coisas simples como esta pudessem lhe fazer tanta falta, que fosse umas das poucas coisas que realmente lhe faziam falta, desde que abandonou sua vida de youkai por sua mãe humana.

Mas em seus sonhos, Kurama não pensava em nada disso. Só queria correr e correr, sentir o vento bagunçar seus pelos prateados, sentir o cheiro tão peculiar do Makai... era tudo que poderia querer. Mas, ao fim da longa estrada que percorria, estava alguém. Alguém que ele sabia ser muito importante e que estendia os braços para recebê-lo com um sorriso largo e cheio de amor.

- Kurama...

....

- Kurama....

Abriu os olhos. Estava em seu quarto novamente. Ainda desnorteado pelo sono, tentou se situar e voltar à realidade. Foi quando encontrou os olhos de Hiei. Sua figura magra, abatida pela enorme perda de sangue era muito diferente da imagem arrogante e cheia de poder que Hiei insistia em assegurar para si. Kurama esfregou um pouco os olhos, sentindo as costas doloridas devido as horas em que estivera sentado ao lado da cama, velando o sono do seu amante até a exaustão.

- Você acordou? - Kurama perguntou e deu um pequeno sorriso, apesar de sentir o coração ainda vazio por causa do seu sonho.

- Kurama... você não pode mais voltar pra lá... - como se lesse seus pensamentos, Hiei falou com a voz bem fraca.

- Do que está falando? - Kurama não entendeu.

- Estou falando do Makai. Não quero que vá pra lá nunca mais!

Kurama inclinou a cabeça, confuso. Por que Hiei estava lhe pedindo uma coisa dessas? Logo ele que sabia tão bem o que significava ficar longe de sua terra natal.

- Hiei, eu.... não entendo...

- Jure pra mim, Kurama! Jure que não vai voltar a pisar no Makai! Se for até lá você... - Hiei se interrompeu bruscamente, tentando pegar um pouco de ar que lhe faltava aos pulmões.

Kurama tirou o pano que estava na testa do amante, o molhou calmamente na bacia e voltou a colocá-lo com cuidado no lugar antes de responder:

- Se acalme, Hiei. você está muito ferido e não deve se exaltar.

- Kurama, você não entende! Ele... ele...

- Durma, vai? Depois conversamos. Fique tranqüilo, não vou sair daqui.

Hiei ficou calado por alguns segundos, parecendo considerar se o companheiro estava lhe dizendo a verdade e então fechou os olhos novamente, se entregando ao extremo cansaço provocado pelos ferimentos. Kurama continuou imóvel, perdido em seus pensamentos sobre a espécie de coisa que fez com que Hiei ficasse naquele estado físico e psicológico.

Hiei sempre fora tão frio e controlado e agora parecia amedrontado, assustado... como nunca Kurama imaginou vê-lo na vida. Durante os dois dias em que Hiei se manteve deitado naquela cama, tentando se recuperar dos ferimentos, Kurama não pôde conter a perplexidade diante de tão estranhos acontecimentos.

De qualquer forma, Kurama sabia que teria que descobrir que espécie de ameaça tão poderosa estava circulando pelo Makai e sabia muito bem por onde começar a fazê-lo.

Decidido, Kurama bateu com as palmas das mãos das coxas e levantou-se da cadeira onde estivera até então sentado, ia agora mesmo ao Reikai procurar algumas repostas que precisava. Koenma haveria de saber que espécie de monstro atacou Hiei daquela forma.
 
 

*********

- Eu não tenho mais nada a lhe dizer, Kurama. - Koenma pareceu impaciente com a insistência do ruivo - Eu não sei nada sobre o demônio que atacou Hiei.

- Como não sabe? - Kurama fechou os punhos, decidido - Eu sei que vocês catalogam e acompanham todos os demônios poderosos do Makai, aqueles que podem vir a ser uma ameaça.

- Sim, mas...

- E não é possível que você não considere que um demônio que consegue derrotar Hiei a ponto de quase matá-lo não seja perigoso!

- Kurama, entenda que...

- Koenma, estamos falando de um demônio de classe S! não acredito que você não saiba quem seja! Vocês sabiam de Yusuke antes mesmo dele próprio se descobrir!

Koenma passou a mão pela cabeça:

- Isso foi diferente, Kurama!

- Que diferença, tem? - o tom de Kurama se mantinha frio e controlado mesmo que no íntimo, sua paciência estivesse se esgotando.

- Está bem, está bem... eu vou abrir o jogo com você. Mas o que eu vou dizer é secretíssimo! Pouquíssimas pessoas têm autorização para se envolver nesse assunto.

- Fale de uma vez. - Kurama cortou.

- Ele é um fugitivo.

- Um fugitivo?

- Sim, é um demônio muito perigoso que meu pai aprisionou nas profundezas do Makai faz muitos anos... é tão poderoso e tão descontrolado que ameaçava a estabilidade até mesmo do Makai. Meu pai decidiu mantê-lo preso por precaução. Só que ele conseguiu fugir a alguns meses atrás. Nós colocamos gente nossa atrás dele e planejamos capturá-lo em alguns dias. Isso é tudo.

- Então Yusuke está no Makai?

- Ele não é mais detetive espiritual.

Kurama não pode conter um gesto de espanto.

- E ele sabe disso?

- Sabe.

- E quem está cuidando do caso?

- O novo detetive espiritual do Reikai.

- Quem é?

- Não posso dizer.

- Por que não?

- Por segurança.

Kurama franziu a testa:

- Segurança?

- Desculpe, Kurama. Mas são ordens diretas do meu pai. Nós não estamos trocando nossa equipe de detetives à toa. Reconhecemos que vocês foram muito importantes para o Reikai, mas...

- Eu entendo. - Kurama interrompeu, com um tom de fingido desinteresse - Eu entendo tudo.

- Kurama, não se meta nesse assunto. É uma ordem! E de preferência fique bem longe do Makai.

- Hiei me aconselhou a fazer o mesmo. Por que?

- Eu não posso lhe contar.

- Ora, Koenma. Seja razoável. Assim que Hiei melhorar, me contará tudo, por favor me faça poupar tempo.

- Hiei não lhe contará nada! - a certeza com que Koenma proferiu a frase fez o tom de voz de Kurama tornar-se um pouco mais sombrio, como se a rouquidão do Youko que habitava seu corpo tomasse lugar por alguns instantes:

- O que vocês estão me escondendo?

- Kurama, pare de me pressionar. Não estamos lhe escondendo coisa alguma! Você e Hiei apenas estão se metendo em assuntos secretos do Reikai e eu devo cuidar para que parem já com isso!

Mantenha-se longe do Makai, está claro? Se pisar lá de novo, Kurama, tratarei para que seja preso e devidamente castigado!

- Por...

- Porque eu não quero! - Koenma foi duro, deixando claro de que a conversa acabaria ali.

- Está bem, Koenma. Será como o senhor quiser. - Kurama também encerrou a conversa e deu meia volta em direção à porta e em segundos deixou o local.

Koenma andou até a cadeira e chamou por Botan assim que sentiu que Kurama não estava mais por perto. Esta apareceu rapidamente, sua fase transmitindo uma seriedade incompatível à sua sempre tão descontraída personalidade. Koenma olhou para garota e perguntou:

- Novidades?

- Não, senhor.

- Hum.... você sabe bem o que fazer, não é mesmo?

- Sei sim.

- Confio em você.

Botan apenas sorriu e desapareceu da enorme sala deixando Koenma sozinho, tentando se concentrar no seu maçante trabalho.

*****

- O que vai querer, Kurama? - Yusuke perguntou alegremente.

- Só o lamen mesmo.

- Tá sem grana, é? Não se preocupe, pode pedir à vontade, é por conta da casa. - Yusuke apontou para a carrocinha onde trabalhava como se esta fosse o restaurante mais chique do Japão.

- Não se preocupe, Yusuke. Eu só estou um pouco sem fome.

- Tudo bem então. Eu preparo para você. - Yusuke mexeu alguma coisa no fogo e em alguns instantes, um prato fumegante de macarrão estava sendo servido. - Aqui está.

- Arigatou. - Kurama pegou a tigela e sorveu o caldo fervente enquanto Yusuke sentava-se diante dele.

- Me diga então, Kurama. A que devo a visita?

- Vim conversar com você.

- Pois fale. Sou todo ouvidos, mas o pagamento é adiantado. Brincadeirinha! Brincadeirinha!

Kurama abanou a mão, contendo o sorriso e então continuou:

- Fiquei sabendo que você não é mais detetive.

- Ah, sim... eles pagavam pouco, não assinavam carteira... uma exploração... - Yusuke riu da própria piada e então retomou - Você esperava outra coisa depois de tudo que se descobriu ao meu respeito?

- Pensei que tudo já estivesse resolvido.

- E está. Agora eu posso viver a minha vida, não é mesmo? Não devo mais nada ao Reikai. Você e Hiei também não. Motivo de comemoração, você não acha? - Yusuke tentou passar algum entusiasmo na voz mas Kurama percebeu que este não era lá muito sincero. Mesmo assim, preferiu não comentar.

- E você conhece o novo detetive?

- Não. E na verdade não tive muita curiosidade em conhecer, mas dizem que o cara é competente. Bem, acho que é isso que importa. E Hiei? Como está?

Percebendo que Yusuke pretendia mudar o assunto, Kurama respondeu:

- Muito mal. Está lá em casa.

- É? O baixinho está ferido? O que aconteceu? - Yusuke perguntou.

- Você sabe o que aconteceu, Yusuke. Deixou de ser detetive mas não é tolo.

Yusuke deu um largo sorriso:

- Não consigo mesmo te passar a perna, não é?

- Não, não consegue.

- É ... eu fiquei sabendo. - Yusuke continuou, desta vez, um pouco mais relaxado - Ele vai sobreviver, não é?

- Acho que sim.

- Tenho que lhe fazer uma visita.

- Yusuke, vem ao Makai comigo?

- O que quer fazer lá? - Yusuke ficou tenso.

- Encontrar quem fez aquilo com Hiei.

- Você está maluco?

- Não estou não. Ninguém quer me contar mas eu sei que o quer que tenha atacado Hiei, foi por minha causa e por isso quero resolver isso. Sei que é um problema meu.

- Não, Kurama! Você está enganado! O que Hiei sofreu não tem nada a ver com você!

- Então me diga o porquê de ninguém, nem mesmo Hiei, querer que eu volte ao Makai!

- Kurama, eu... acredite em mim! Eu também não sei de muita coisa mas o sei que o Reikai inteiro vai cair em cima de você assim que atravessar a fronteira do Makai.

- Eu sou um ladrão, já esqueceu?

- VOCÊ ESTÁ SENDO VIGIADO!

- E você acha que eu não sei?

Yusuke balançou a cabeça:

- Com quem você aprendeu a ser tão idiota?

- Com você! - Kurama desafiou - E aí? Vai comigo ou fica?

Yusuke ficou alguns segundos calado e então falou:

- Claro que eu vou! Você acha que eu vou deixar a festa toda pra você?

- É assim que se fala! Amanhã mesmo levo Hiei para o templo de Genkai e partimos a noitinha.

- Pode contar comigo, cara!

Kurama sorriu, tirando do bolso algumas moedas que deixou ao lado da tigela de lamen, já frio e então se despediu com um ligeiro aceno de mão.

Yusuke devolveu o aceno e quando viu Kurama se afastar, virou-se para a jovem de kimono rosa que estava agora ao seu lado:

- Vocês têm que contar a verdade pra ele.

- Se pudéssemos, já teríamos feito. - Botan respondeu. - Eu vou avisar Koenma que ...

- Você não vai avisar ninguém!

- Mas...

- Eu cuido de tudo!

- Você sabe que ....

- Botan, Kurama é meu amigo! Eu disse que ia ajudá-lo e vou fazer isso!

- Mas, se Kurama for ao Makai agora...

- Eu vou protegê-lo.

- Nem você é páreo pra ele.

- Isso veremos! Vamos, pare um pouco de tagarelar e me ajude a lavar essa louça. Eu vou fechar.

- Eu?

- É! Você mesma! Vamos, vamos. Essa moleza tá te deixando gorda!

- O quê???!!!! - Botan corou, irritadíssima.

- Isso mesmo! Você não faz exercício, só anda nesse remo pra lá e pra cá... eu não queria te falar não, mas... se continuar assim.... tsc! Tsc! Tsc!

- Aaaaah!!! Yusuke!!!!

- Rá! Rá! Rá! Rá!

******

- Boa noite, mamãe.

- Boa noite, meu filho.

- Algum recado pra mim?

- Ah, sim. O senhor Shinomori da Biblioteca te ligou. Ele quer falar com você.

- Como ele conseguiu meu telefone?

- Hñ?

- Deixa pra lá... obrigado, mãe.

- Já jantou?

- Já sim. Vou me deitar. Amanhã devo viajar, tá?

- Tudo bem. E quando volta?

- Ainda não sei. Mas não devo demorar. Boa noite, mãe.

- Boa noite.

Kurama subiu para o quarto e, ainda pensando em tudo que tinha descoberto, abriu a porta. Hiei ainda estava adormecido. Sua face corada denunciava que a febre continuava persistente. Kurama se aproximou, acariciando os cabelos macios do seu koorime com delicadeza.

- Eu sei que é minha culpa. Eu sei disso.

*******

- Yukina, você pode usar os seus poderes de cura nele, não é? - Kurama perguntou.

- Acho que sim. Mas vai demorar um tempo. - o rosto de Yukina estava bastante preocupado - Não se preocupe, ele vai ficar bem , Kurama-San.

- Eu sei disso. - Kurama respondeu - Bem, vou deixar ele com você.

- Vai viajar, Kurama-San?

- Vou sim.

Nesse instante, a voz de Genkai se fez ouvir no quarto:

- Você tem certeza de que é prudente?

- Não é essa a questão. De ser prudente ou não.

Genkai se deu por satisfeita com a resposta e então falou:

- Yusuke já chegou. Está a sua espera no salão.

- Obrigado. Eu vou em um minuto. - e olhando para Hiei - Eu preciso fazer isso, Hiei. Não vou me demorar, juro.

Kurama foi andando calmamente até os enorme salão onde Yusuke estava a espera.

- Já podemos ir? - Yusuke perguntou.

- Creio que sim.

- Então é isso.... vamos de uma vez.

Yusuke deu as costas e Kurama o seguiu. Os dois ganharam a noite fria em poucos minutos. Até que, depois de meia hora de caminhada, Kurama perguntou a Yusuke:

- Você também percebeu?

- Sim, estamos sendo seguidos. Droga!

- Bom, vamos ter que nos livrar dele.

- É. Mas, como?

Kurama não respondeu, apenas tirou uma rosa vermelha dos cabelos.

- Oba! Já estava ficando enferrujado. - Yusuke estalou os dedos, contente.

Os dois trocaram um olhar e se separaram, com a intenção de cercar e pegar de surpresa o perseguidor. Silenciosamente, correram pela mata densa que cercava o templo da mestra Genkai até avistarem uma sombra. Como sempre, Yusuke logo partiu para o ataque. Nem quis se aproveitar do elemento surpresa que tinha a seu favor, pulou dos arbustos sobre a sombra e a derrubou no chão, gritando:

- Te peguei, seu safado! Pode ficar quietinho que não tem jeito de escapar do grande Yusuke aqui!

Ao ouvir a gritaria, Kurama deixou o seu esconderijo, desiludido. Não era bem assim que ele queria que fossem as coisas mas...

- Me larga, seu tarado!!! - uma voz feminina gritou.

- Tarado? - Yusuke pulou, como se aquela palavra o tivesse queimado.

- Uma garota?!!! - Kurama não pôde esconder o espanto.

Uma garota baixinha e magra, que não deveria ter mais do que quinze anos, levantou-se irritada, enquanto espanava a terra das roupas.

- Inacreditável! Eu venho salvar a vida desses dois idiotas e eles me atacam.

- Salvar? - Kurama perguntou.

- IDIOTAS?!! Quem você tá chamando de idiota, sua fedelha? - Yusuke gritou.

- Vocês! Vocês! Vocês!

- Olhaaa....

- Misao!!! Isso é jeito de tratar os rapazes? - uma voz grossa interrompeu a discussão. Kurama a reconheceu de imediato, era Hidemi Shinomori, o senhor que havia conhecido na livraria. O homem alto e robusto, vestido com um bela roupa de ninja, se aproximou, lançando um olhar de repreensão a jovem, que no mesmo instante se inclinou, num pedido de desculpas.

- Desculpe, vovô. Mas, eu...

- Basta! - e voltando-se para Kurama - Por favor, perdoe a minha neta, ela ainda tem muito a aprender, Kurama Youko-Sama.

- Você sabe o meu nome. - Kurama se surpreendeu.

- Eu sou um bom pesquisador. - Hidemi sorriu - mas confesso que desta vez não foi um trabalho difícil descobrir o seu nome, que aliás é bastante famoso. É difícil te encontrar, viu?

- O que quer de mim?

- Péra aí, péra aí, que eu não tô entendendo nada! - Yusuke interrompeu - Quem é o velhinho e a pentelhinha? Kurama, você os conhece?

- Ora, seu... - a garota tentou protestar, mas o olhar sério do avô a interrompeu.

- Conheço o senhor Shinomori. Ele é o diretor da biblioteca.

- Ah, sim. e nas horas vagas, se veste de ninja e sai por aí pra passear com a netinha... ah, conta outra.

- Meu rapaz, é melhor que deixemos as explicações pra depois. Venham comigo. Este lugar é perigoso. - Hidemi interrompeu.

- Me perdoe, mas não podemos ir com o senhor. - Kurama respondeu. Yusuke reparou que Kurama não tinha abaixado a rosa que tinha nas mãos um instante sequer e, por isso mesmo, tratou de se manter em guarda também.

- Vamos, Kurama. Eu já estou muito velho pra ter que usar da violência. E creio que você também.

- Creio que saiba para onde estamos indo.

- A fronteira com o Makai está sendo vigiada. Se tentar passar agora vai ser preso imediatamente, não tenha dúvidas disso. Kurama, eu sei que você não é tolo. Venha comigo até a minha casa. Eu te ajudarei a entrar no Makai. Mas você tem que confiar em mim.

- E o que você vai querer de mim em troca?

- O que todo bom pesquisador quer. - Hidemi deu uma risada - Vamos, vamos. Não podemos perder mais tempo. Misao, cuide para que ninguém nos siga!

- Hai, hai!

- E depois conversaremos sobre a sua distração de hoje, senhorita! Você poderia estar morta!

Misao não respondeu, apenas virou a cara, mal-humorada. O grupo andou silencioso, durante todo o resto da noite. E quando chegaram na enorme mansão dos Shinomori, já era quase 5 da manhã.

- Chegamos. - Hidemi anunciou.

- Finalmente! - Misao festejou, correndo na frente.

- Garotinha bem alegre, né? - Yusuke não pôde deixar de fazer o comentário amargo.

- É sim... minha neta herdou o nome, e pelo que me parece, também a personalidade da minha bisavó... - Hidemi respondeu - Não é qualquer um que pode domar essa fera! Mas vamos entrando. Querem descansar um pouco ou preferem comer alguma coisa.

- Não temos tempo a perder, Shinomori-Sama. - Kurama respondeu.

- Isso mesmo, velhinho. - Yusuke deu apoio - se vai nos ajudar a entrar no Makai, então ajude logo porque estamos com pressa.

- Pois não há motivo nenhum para pressa. Entrem, tomem um banho, durmam um pouco e então resolveremos os problemas. A casa é de vocês.

Hidemi não esperou resposta. Entrou pela sala principal, ricamente decorada e depois de dar algumas ordens aos empregados, subiu, tranqüilamente as escadas, deixando os dois sozinhos.

- Hora de darmos o fora. O que você acha, Kurama?

Kurama não pôde responder ao amigo, a voz do mordomo convidando-os a acompanharem-no o calou. Só quando estavam no quarto de hóspedes, sozinhos, foi que puderam conversar.

- Não sei não... mas acho que mesmo que a gente dê o fora, o vovô vai continuar pegando no nosso pé. O que você acha, Kurama?

- Acho que se ele quisesse nos prender, já o teria feito.

- E ele vai se meter a besta? Um peteleco e ele vira cobertura de bolo!

- Não acho que seja assim. Ele me parece confiante demais. Não deve ser uma pessoa comum.

- Agora que você falou... - Yusuke considerou - Eu percebi que o cara e a neta não são mesmo de se jogar fora. Você acha que poderíamos ter problemas com eles?

- Talvez. Bom, só nos resta esperar. Ouvimos o que ele tem pra dizer e se não nos interessar, damos o fora.

- Beleza, Kurama! Eu tava mesmo doido pra tomar um banho. Tô fedendo! Uau, vem ver! Que banheirão!

- Ai, ai...

*******

- Sentem-se. - Hidemi convidou assim que os dois rapazes entraram na sala de estar - Querem beber alguma coisa?

- Não, obrigado. - Kurama respondeu pelo dois.

- Bem, um bom charuto vocês não vão recusar. - Hidemi falou, estendendo a caixa - São cubanos. Os melhores do mundo.

- Eu aceito. - Yusuke pegou um charuto, deixando que Misao o acendesse com um belíssimo isqueiro de prata.

- E você, Kurama?

- Prefiro não aceitar, obrigado.

- Está certo. - Hidemi respondeu, tomando o isqueiro de Misao para acender o próprio charuto - Ah... esses charutos são mesmo excelentes... mas voltando ao nosso assunto... bem, Misao os levará em segurança até o Makai. Ela sabe de caminhos que só a nossa família tem conhecimento.

- Que caminhos? E como sabe que o Reikai não os conhece? - Kurama perguntou.

- Durante décadas minha família cuidou para que isso não acontecesse. Lhes garanto que são seguros e que poderão ir ao Makai sem problema algum. Darei a vocês tudo que vão precisar para facilitar a sua busca.

- Eu já lhe fiz essa pergunta.... - Kurama falou - Mas, vou ter que repeti-la: O que você quer em troca da sua ajuda? O que lhe faz se interessar tanto por nós?

Hidemi puxou a fumaça do charuto, e ficou alguns segundos calado, apenas saboreando o gosto do fumo antes de responder.

- Vocês querem descobrir o mesmo que eu e toda a minha família está querendo há muito tempo.

- Do que está falando?

- Nem eu sei direito. - Hidemi deu uma risada - Mas creio que minha intuição está correta. Por isso retive aqueles livros, porque vi que era você quem os tinha reservado no outro dia e assim que te vi, soube que era você... a resposta que tanto procurava.

- Você não tá dizendo coisa com coisa, cara! - Yusuke interrompeu, impaciente.

- Realmente, você deve ter razão. Nem eu encontro lógica no meu pensamento de vez em quando. Meu bisavô, Aoshi Shinomori, passou a velhice pesquisando e escrevendo sobre o Makai e seus demônios. E assim foi com toda a minha família. Todos foram criados no sentido de se instruir na arte da luta e na cultura do Makai. A obsessão dos meu antecedentes era tanta que muitos se casaram com youkais, de forma que agora temos sangue demoníaco. Eu, claro, não fugi à regra... - Hidemi sorriu - A avó de Misao era youkai e bem, a mãe dela também...

- Vocês se envolvem mesmo com as suas pesquisas, hêm? - Yusuke espetou.

- Bem, mas a minha falecida esposa não era uma youkai comum... - Hidemi falou, preferindo ignorar o comentário de Yusuke - ela era um Youko, assim como você, Kurama. Por isso que quando eu bati os olhos em você, reconheci seu ki.

Kurama se manteve calado.

- Bem, minha esposa e meu filho eram youkos. Eles foram mortos faz algum tempo pela mesma coisa que atacou os seu companheiro e que o Reikai tanto teme e esconde. E eu tenho certeza que o meu bisavô também lutou com ele no passado.

- Seu bisavô? - Yusuke estranhou.

- Sim, mas os relatos do meu bisavô a esse respeito não estão nos arquivos da família. Foram destruídos pela polícia, ainda naquela época. Depois disso, toda a minha família têm se empenhado no sentido de descobrir os fatos escondidos e encerrar de uma vez essa pesquisa.

Kurama olhou para Hidemi interessado.

- Quer dizer que, na verdade, o seu tema é bem diferente daquele que o senhor me falou.

- Nem tanto. Eu estudo sim as personalidades da Bakumatsu. Você mesmo viu alguns resultados da minha pesquisa, não viu? Mas o meu verdadeiro interesse é estudar os youkais que participaram dessa luta e com o seu poder, mudaram a História.

- Então é isso... - Kurama concluiu.

- Sim, eu quero muito saber quem foi que matou a minha esposa e o meu filho. Não medirei esforços para obter a minha vingança e também para acabar com este carma que a minha família carrega faz tantas décadas. Quero fechar essa pesquisa para sempre para que os nossos mortos descansem em paz. - Hidemi fez alguns segundos de silêncio, desta vez ainda mais interessado em provar do gosto do seu precioso charuto cubano - Bem, eu vou preparar tudo para a partida. Venha comigo, Misao, tenho umas últimas instruções para lhe dar.

- Sim, senhor.

Misao seguiu o avô para fora da sala de estar deixando os dois sozinhos por alguns instantes.

- Será que eu consigo fazer a fumaça sair em círculos? - Yusuke se perguntou em voz alta.

Kurama permaneceu calado:

- O que você achou da historinha do vovô? - Yusuke resolveu ir direto ao assunto.

- Achei que ele quer o mesmo que eu.

- É mesmo? E o que você quer?

Kurama não respondeu.

******

- Vamos logo. - Misao falou, áspera - vocês são muito lerdos!

- Olha aqui, garotinha. - Yusuke respondeu - fala assim comigo não senão te encho o bumbum de palmadas!

- O quê??!! Ora, seu...

- Misao! - Hidemi fez com que a neta se calasse. - Bem, está na hora. Vão indo. Desejo a vocês boa sorte.

- Obrigado, vovô. - Yusuke inclinou a cabeça.

- Cuide-se, Kurama. Quero que você volte para me contar o que descobriu.

- Sim, eu vou voltar. - Kurama garantiu.

- Então, até mais. Se apressem!

- Sim, senhor. - Misao respondeu - Por aqui.

A viagem foi um pouco longa e cansativa. O túnel que pareceu muito apertado e pouco seguro para Kurama mas ele estava determinado demais para se deixar vencer por um obstáculo tão insignificante. Chegaram ao Makai em alguns pares de hora e nenhum dos três viajantes pôde conter um suspiro de alívio quando finalmente se viram chegar em segurança.

- Nenhum guarda por perto. - Yusuke festejou - parece que deu certo.

- É claro que deu! - Misao não deixava o seu ar arrogante nem por um minuto. O que você pensou?

- Que você ia errar o caminho e nos fazer ficar perdidos ali pra sempre, pivetinha! - a resposta de Yusuke foi direta.

- Grr... eu pego você!

- Pega coisa nenhuma!

- Shh... - Kurama interrompeu a briga, tirando uma rosa dos cabelos - Não façam barulho! Pode ser que aqui não seja mais tão seguro assim.

- Kurama... que merda de ki é este? - Yusuke perguntou. - será, será que é o tal youkai que procuramos?

- Não. Mas mesmo assim, fiquem atentos. Podemos ter problemas.

Kurama mal tinha terminado a frase quando sentiu uma energia estranha bater tão forte no seu braço que deixou a rosa que segurava caiu no chão.

" O que foi isso? Eu nem tive tempo de me mexer!"

- Merda! Quem está aí? - Yusuke apontou o Leigan para o vazio - aparece ou eu explodo tudo isso aqui.

Uma voz cínica se vez ouvir:

- Este é um terreno muito irregular. Acho que só o barulho do seu leigan vai causar desmoronamentos que matariam até seres poderosos como vocês...

Kurama olhou em volta e viu que o dono daquela voz misteriosa tinha toda razão. Estavam cercados por uma área montanhosa e seca. A terra era tão pobre que se rachava sobre o peso dos seus pés. Decididamente uma explosão faria com todo o lugar desabasse sobre suas cabeças em segundos. Mas Yusuke não pareceu estar muito interessado nisso quando respondeu:

- Cara, você não me conhece! Eu sou completamente doido! Não me custa nem um pouco explodir toda essa merda!

- Você não faria isso.

- Ah, não? Quer pagar pra ver? - só o barulho da energia se reunindo no dedo indicador de Yusuke fez a terra tremer sob os pés deles de forma que Misao imediatamente protestou:

- Seu idiota! Você está louco?

- E aí? - Yusuke perguntou, sem dar atenção aos protestos da garota - Ainda querendo se esconder?

- Hum.. bem que me disseram que o que o antigo detetive espiritual tinha de forte, tinha também de idiota.

- O quê? Quem é você? Aparece, seu filho da puta!

- Como quiser... Urameshi...

Um rapaz alto e magro, que não deveria ter mais de 20 anos, saiu do esconderijo e se mostrou para eles. Kurama olhou bem para o rosto angulado, de traços fortes e viris e para o seu queixo quadrado. Reparou na frieza dos olhos, nos fios longos que escapavam do apertado rabo de cavalo e encobriam parte do rosto. E principalmente, na bela katana que trazia, assim como o espantoso youki que emanava do estranho.

- Quem é você? - Yusuke gritou.

O jovem sorriu cinicamente em resposta. Um sorriso que tanto Kurama quanto Yusuke passariam a detestar e só então respondeu.

- Saitou Soushi. Detetive espiritual.

Continua! ^^ 



Capítulo 11
Hitokiri no Kokoro
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Hosted by www.Geocities.ws

1