Hitokiri no Kokoro
Yoko Hiyama

Capítulo 8 – Trabalho de Casa

Os primeiros raios de sol da manhã acordaram Hiei lentamente. O pequeno youkai não demorou muito a se dar conta de que Kurama não estava ao seu lado na cama e isso fez com que ele se sentasse nela, um pouco assustado.

O alívio veio logo quando ele o localizou, sentado na escrivaninha, lápis na boca, profundamente concentrado em seus estudos.

- Kurama... – Hiei chamou, a voz ainda rouca pelo sono.

- Ah? Hiei? Já acordou? – Kurama sorriu – Bom dia, meu amor.

- Hunf... o que você tá fazendo? – a resposta veio mal-humorada.

- Verificando se esqueci de reservar algum livro que pretendo pegar na Biblioteca hoje a tarde.

- Biblioteca?

- Sim, tenho uma pesquisa muito importante pra fazer. É de História... vou ver se eu consigo o material pra esse trabalho hoje. O chato é que eu já sei que vou perder o dia inteiro nisso... – Kurama se lamentou.

- Hum.... pra mim tanto faz. Tenho que voltar para o Makai mesmo. –o tom de indiferença se juntou à rouquidão do sono.

Kurama se levantou da cadeira e foi até a cama. Sentou-se, olhando firme para Hiei.

- Quanto a ontem....

- Raposa.... poupe-me dos discursos. – o mau humor de Hiei piorava cada vez mais.

- Eu não vou dar discursos, koibito. Eu só quero te dizer pra não se preocupar comigo, eu sei me cuidar, viu?

- Eu sei disso, baka! – Hiei se levantou, agora sem qualquer vestígio de humor, e começou a se arrumar para partir.

- Que bom! – Kurama sorriu, divertido.

- Você é um idiota! Última vez que conto essas coisas pra você.

- Certo... – Kurama olhava Hiei se vestindo, sem conseguir tirar o sorrisinho do rosto.

- Eu estou falando sério!

- Não duvido.

- Então, por quê você está com essa cara de idiota?

- Porque você fica bonitinho demais quando está sem graça...

Hiei virou-se para Kurama, como se tivesse sido atingido por um raio.

- Quem te disse isso?

- Isso o quê?

- Que eu estou ... sem graça? – Hiei acentuou as últimas duas palavras com cinismo.

- Ninguém precisa me dizer, meu amor. Está tão evidente....

- Grrrr.... você é intolerável!

- Eu sei disso... – Kurama respondeu, ficando sério de repente, enquanto se levantava da cama - Mas fique sabendo bem de uma coisa!

- O quê é?! – a impaciência de Hiei continuava a mesma.

Kurama abraçou a cintura de Hiei, puxando-o, quase que a contragosto, para junto de si e disse, com a voz mais segura e sedutora que tinha:

- Esse intolerável aqui AMA você! E quer ficar com você durante toda a sua vida e além dela. E se um dia você quiser a minha cabeça, ao invés do meu amor, ela será sua – Kurama beijou o pescoço de Hiei, que estremeceu da cabeça aos pés – Toda sua.

- Você só fala bobagens, Kurama. – foi a resposta de Hiei, daonde Kurama não pôde deixar de reparar uma pontinha de emoção.

- Eu sei... – a raposa beijou os cabelos do amante, se deliciando com aquele cheirinho gostoso de pinho – me dá um beijo antes de ir, me dá?

- Criança... – Hiei se virou para Kurama, para logo depois ser preso no abraço firme ao mesmo tempo que oferecia os lábios para que ele os beijasse. Não demorou muito. Kurama logo tratou de devorar os lábios do seu koibito num beijo quente, molhado, que em si, valia mais do que milhões de palavras de amor.

- Tchau, koibito... – Kurama falou assim que os lábios se separaram.

Hiei se apertou ainda mais o abraço:

- Kurama... eu....

- Hum?

- Eu... posso voltar essa noite?

- Você pode voltar quando quiser. Eu estarei te esperando, com a janela aberta. – Kurama sorriu, acariciando seu querido.

- Hum....

- Eu te amo. – um beijo estalou no rosto de Hiei.

- Hum...

- Te amo muito... – outro beijo na testa.

Muito – na ponta do nariz.

Muito – no queixo.

Muito mesmo – um último nos lábios e Hiei finalmente tomou coragem de se desvencilhar daquele abraço morno e andar para a janela.

- Até mais. – foi a curta despedida.

- Até, Hiei...

Kurama nem soube se Hiei tinha ouvido sua última frase, pois ao final dela, ele havia desaparecido completamente da sua visão. Desanimado e com o coração meio vazio, Kurama olhou para aquela pilha de anotações não pôde deixar de pensar no quanto o dia seria longo até que chegasse o anoitecer, quando Hiei voltaria para os seus braços novamente.

Mas, Kurama saberia esperar, com toda a paciência do mundo.

******

Saberia mesmo?

- Como assim, emprestaram os livros?

- Sim, veja você mesmo. Os livros estão emprestados.

- Todos eles?

- Todos!

- Mas eu os reservei ontem!

- Bem, a reserva era até às 10:00...

- Mas são 8:30 da manhã! Como é que vocês emprestam livros que já estão reservados?

- Gomen nasai, senhor. Eu não sei o que houve.

- Sim, sim.... e agora? Como é que eu vou poder fazer o meu trabalho, você pode me dizer?

- Bem, tem um livro aqui sobre o Shinsengumi... fala bastante sobre os líderes dessa tropa e...

- Olha, meu amigo... eu sei que você está querendo me ajudar mas, presta atenção: Eu escolhi fazer um trabalho sobre a vida de Toshimichi Ookubo. Ele é um dos líderes do Meiji Ishin, certo?

- Certo, mas...

- Bem, o senhor vai ter que concordar comigo que se eu levar esse livro sobre o Shinsengumi, ele não vai me ajudar.

- Por que não, senhor?

"Inari..."

Kurama passou a mão pela cabeça, sentindo que sua paciência estava começando a se esgotar junto com a possibilidade de ver o seu trabalho pronto.

- ... olha só... pode me dizer quando vão devolver os livros?

O bibliotecário olhou para a ficha que estava em suas mãos e franziu a testa:

- Hum... daqui a um mês...

- Um mês?! – Kurama quase morreu – Que droga! Será que eu vou ter que caçar esses livros na biblioteca de outra cidade?

- O senhor pode tentar ver se tem outros livros que tratem desse assunto.

- Eu já vi tudo isso. Não há mais nada.

- Bom, eu posso ligar para as bibliotecas mais próximas e perguntar se eles têm os livros que o senhor quer...

- Não perca seu tempo. Eu já fiz isso... parece que todos os professores do Japão resolveram passar trabalhos sobre a Bakumatsu e seus integrantes... não há nada em canto algum. – Kurama se lamentou.

- Eu sinto muito, senhor....

Kurama quase grunhiu de raiva. Como uma coisa dessas poderia acontecer?

Foi nesse instante que ele ouviu uma voz grossa por trás de si:

- Posso ajudar?

- Diretor?! – o bibliotecário se assustou.

- O senhor é o diretor? – Kurama perguntou, interessado.

- Sim, sou eu. O senhor está com algum problema?

Antes de responder qualquer coisa, Kurama olhou atentamente para seu interlocutor. O diretor da biblioteca era um senhor com cerca de 63 anos de idade, bem alto, os cabelos grisalhos, junto com os olhos de um tom de azul impressionante lhe davam um ar de extrema austeridade. Kurama sentiu uma energia diferente partindo daquele senhor que o deixou bastante impressionado e, ao mesmo tempo, com sérias dúvidas de que este seria um ser humano comum. Mais para tirar suas dúvidas do que para resolver seus problemas com o trabalho, Kurama decidiu se abrir com ele:

- Bom, meu nome é Shuuichi Minamino e ontem eu fiz uma reserva de alguns livros muito importantes para um trabalho. Bem, só que quando vim buscá-los, fui informado de que eles já tinham sido emprestados. Como isso pode acontecer?

O senhor acariciou o queixo por alguns instantes e então respondeu:

- Posso ver a sua ficha de reserva?

- Sim, claro. – Kurama estendeu a ele o comprovante – aqui está.

O diretor pegou o papel e, logo que o viu, falou:

- Oh, meu rapaz... devo confessar que a culpa é toda minha por você não poder ter seus livros.

- Como? – Kurama se surpreendeu – o que o senhor está tentando me dizer?

- Venha pra minha sala, eu vou te explicar.

- Sim, senhor. – Kurama assentiu, seguindo o outro até uma espaçosa sala, muito bem decorada onde lhe foi apontada uma cadeira na qual se sentou. O outro sentou-se do outro lado de uma grande mesa e então falou:

- Bem, meu nome é Hidemi Shinomori. Eu estou implementando um projeto de pesquisa muito importante para esse país. Quero estudar personalidades que foram vitais na Bakumatsu mas que hoje em dia não são lembradas da forma que deveriam ser, entende?

- Entendo sim.

- Minha proposta é de que as escolas não se limitem a estudar nomes como Shintarou Nakaoka ou Ookubo Toshimichi. Existiram muitos outros heróis e vilões da revolução. Verdadeiras lendas que hoje foram completamente esquecidas.

- Sim, eu concordo. Confesso que o meu forte não é História, mas, acho importante que se estude sobre estes nomes menos conhecidos também.

- Bem, eu dediquei a minha vida inteira pesquisando sobre essa época conturbada da nossa História. Quando fui convidado para ser o diretor dessa biblioteca, passei a ter menos tempo para me dedicar às minhas pesquisas, mas nunca as deixei de lado. Afinal, foi com elas que eu descobri que a minha família também participou nessa guerra.

- É mesmo? – Kurama se interessou.

- Sim... meu bisavô, Aoshi Shinomori, foi líder de um grupo chamado Oniwabanshuu. Este grupo era responsável pela segurança do castelo de Edo e... estou me estendendo demais, não é?

- Não se incomode com isso. – Kurama apressou-se em responder.

- Bem, bem.... para encurtar mais o assunto, faz uns oito anos que eu propus um projeto de pesquisa em que todos os alunos teriam que escolher um integrante dessa guerra e estudá-lo de forma mais apurada. Pretendia com isso que os alunos sentissem vontade de variar um pouco o tema, estudando novos nomes.

- Eu entendo.

- Depois de um tempo sendo sumariamente ignorado, eu finalmente consegui que esse projeto fosse levado a sério. Vejo alunos de todos os colégios vindo aqui para pesquisar e me sinto realizado...

- Sim, mas agora eu preciso fazer o meu trabalho e não tenho material para isso.

- Claro que tem. Olha lá, os livros estão todos aqui. – ele apontou para uma estante enorme, onde estavam várias cópias dos mesmos livros e, entre eles, Kurama localizou todos os que tinha encomendado na véspera.

- Não entendo. Isso é uma espécie de brincadeira? Os livros não estavam emprestados? – Kurama levantou-se da cadeira, sem disfarçar o aborrecimento.

- Calma, meu rapaz. Isso foi só um pequeno estímulo para que os alunos estudassem temas um pouco mais variados.

- O senhor não tem o direito de fazer isso!

Hidemi olhou para Kurama e deu uma gostosa risada:

- Claro que tenho.

- E o meu direito de escolha?! – Kurama perguntou, ainda sem acreditar que o próprio diretor de uma biblioteca pudesse esconder dezenas de livros daquele jeito.

- Venha comigo, garoto. Eu tenho alguma coisa pra te dar. -

Kurama seguiu Hidemi até uma outra sala, conjugada aonde estavam algumas dezenas de livros cuidadosamente arrumada e catalogada. Kurama olhou em redor enquanto ouvia as explicações tranqüilas de se interlocutor – Esse é o resultado de uma vida inteira de pesquisas, Minamino-San.

- Impressionante. – Kurama não passou muita empolgação na voz, mesmo que interiormente estivesse muito impressionado. Alheio a isso, Hidemi prosseguiu:

- Eu tenho batido de porta em porta, ido a todos os museus e bibliotecas desse país e consegui reunir um material bem vasto como pode ver. Agora pretendo arrumá-lo de forma a publicar uma série de livros com o resultado das minhas pesquisas.

- E aonde eu entro nessa história? – Kurama perguntou, indiferente.

- Bom, eu tenho que lhe dar algo e também lhe fazer um convite.

- Um convite? - Kurama se surpreendeu – que espécie de convite?

- Vamos por partes. Primeiro, eu quero que fique com isso. – Hidemi estendeu a Kurama um livro grande e grosso.

- O que é isso? – Kurama perguntou, enquanto folheava os escritos, particularmente curioso com os desenhos.

- O seu trabalho. São quase todos os componentes da Ishinshishi, é só escolher um deles e mãos à obra.

Kurama olhou para o livro, quase convencido de que não seria uma idéia tão ruim variar um pouco o tema de sua pesquisa. Sentiu sua irritação se esvair frente àquele trabalho tão cuidadoso e cheio de detalhes.

- É realmente impressionante...

- Sabia que se interessaria. Os desenhos são todos meus, baseados nas descrições que me fizeram de cada um deles... Ah! E se quiser mudar o seu tema para o Shinsengumi, aqui estão os meus estudos que falam sobre todos os componentes desse esquadrão. É um trabalho bem completo e detalhado. Creio que você não vá precisar muito mais do que isso em sua pesquisa.

- Arigatou gozaimasu, Hidemi-Sama. – Kurama se curvou, bem mais animado – mas o senhor me falou que tinha um convite a me fazer...

- Ah, sim... você não gostaria de trabalhar comigo? Estou com um projeto novo de pesquisa e precisaria de alguém bem jovem para me auxiliar. Eu pago bem e ainda dou um certificado. O que acha?

Kurama piscou, realmente surpreso com aquelas palavras, mas mesmo sem entender o motivo de ter recebido aquele convite, respondeu:

- Eu agradeço muito mas devo dizer que a minha área de interesse não é mesmo a História e sim a Botânica. Portanto, não vejo em que esse tipo de trabalho me poderia ser útil.

- Pense bem, você tem muito mais a ganhar do que imagina, Minamino-San. Eu lhe peço que reconsidere.

Kurama olhou para Hidemi, como se quisesse entender o motivo da insistência. Ele havia deixado claro que não tinha interesse algum por História e que se estava fazendo este trabalho era por mera obrigação, mesmo assim, Hidemi insistia no ponto. Bom, mas de qualquer forma, Kurama tinha que reconhecer que, querendo ou não, estava devendo um favor àquele senhor e que, justamente por isso, não poderia simplesmente dar as costas, recusando a proposta.

- Bom, eu posso pensar um pouco nisso?

- Claro, tome todo o tempo que quiser. – o rosto de Hidemi se iluminou – aqui está o meu cartão. Se decidir, me ligue.

- Sim, senhor. – Kurama se curvou novamente – e mais uma vez, obrigado pelos livros.

- Não foi nada...

******

Kurama olhou mais uma vez para os livros em suas mãos, intrigado.

"Que coisa estranha"- pensou

A energia poderosa que sentiu, vinda de Hidemi, os livros e finalmente o convite de trabalho, tudo aquilo era muito estranho, muito esquisito.

De tão absorto que estava em seus pensamentos e indagações, Kurama por pouco não perdeu a estação onde tinha que saltar. Sua agilidade teve que ajudá-lo a driblar as pessoas antes de sair do vagão. Finalmente livre, Kurama andou a passos apressados até sua casa. Era tarde, escurecia e a última coisa que Kurama queria no momento era deixar o impaciente Hiei esperando.

Pois é, naquela confusão, Kurama tinha até se esquecido da visita noturna que lhe faria seu youkai de fogo. A lembrança desse fato presenteou o ruivo com um sorriso de satisfação.

"Bom, pelo menos uma coisa nesse dia será boa..."- se consolou, enquanto apressava ainda mais o passo.

Não demorou muito para chegar em casa.

- Tadaima!

- Okaeri nasai! – Shiori o recepcionou com um sorriso largo - O jantar vai ser servido em quinze minutos .

- Arigatou, haha. – Kurama retribuiu o sorriso – eu vou só tomar um banho rápido antes de descer.

- Está certo, meu filho. – Shiori respondeu distraída com os pratos e copos que estava prestes a pôr na mesa.

Kurama subiu as escadas e foi até seu quarto, trancando a porta:

- Hiei?

Nada.

"Ué? Ainda não chegou?"

Kurama ficou alguns segundos parado, organizando as idéias.

"OK. Problemas existem. Ainda mais quando é no Makai. Hiei sabe se cuidar..."

Mas a sensação estranha que ele teve assim que abriu a porta o quarto e não deu com Hiei não poderia ser ignorada.

Kurama colocou os livros cuidadosamente na escrivaninha e então decidiu que estava mesmo precisando de um bom banho para arejar a cabeça. E foi isso mesmo que decidiu fazer. Foi ao banheiro e se atirou na água quente do furô. Quase pegou no sono com a sensação gostosa do choque térmico e finalmente conseguiu relaxar um pouco.

- Hiei sabe se cuidar, Kurama. Ele sabe se cuidar! Você nunca foi de ter esses ataques de preocupação! Ele só deve estar um pouco atrasado. Não é a primeira vez que isso acontece. – Kurama falava consigo mesmo, enquanto tentava conter a respiração pesada – Não há nada com que se preocupar, Kurama.

A auto-análise não ajudou muito. Kurama quase não comeu e quase não falou durante todo o jantar enquanto amaldiçoava o momento em que teve a péssima idéia de sair da cama. Shiori percebeu o estado de aborrecimento do filho mas nada perguntou. Sabia bem que, quando estava assim, silêncio era tudo que ele precisava. Respeitava essa forma de pensar de Shuuichi. Com isso, Kurama logo subiu pro quarto, para assim poder esperar Hiei, tentando esquecer a sensação de vazio que teimava em lhe assombrar.

Destrancou uma gaveta e pegou um maço de cigarros escondido, utilizados apenas em momentos de ansiedade como aquele, que eram raríssimos, e quando fazia amor tão gostoso a ponto de precisar de um desses para relaxar depois de tantas horas de loucura.

Acendeu o cigarro e tragou, para só então deixar a fumaça sair lentamente. Fechou os olhos e respirou fundo para logo depois dar outra tragada ansiosa no cigarro.

Kurama fumou muitos cigarros naquela noite.

Continua...



Capítulo 9
Hitokiri no Kokoro
 
 
 
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