Hitokiri no Kokoro
Yoko Hiyama
 

Capítulo 5 – Guerreiros não desistem

- Nós agradecemos por nos hospedar, Takani-San. – Aoshi falou ao entrar na casa, trazendo Misao nos braços, desmaiada, seguido por Saitou.

- Não precisa agradecer. Dr. Gentsai viajou com as meninas mas eu tenho certeza de que ele não se importaria com isso.

- Agradeço mesmo assim. – Aoshi repetiu.

- Pode colocá-la aqui. – Megumi apontou para um fino colchão onde Misao foi depositada – Eu vou examiná-la agora.

- Sim. – Aoshi depositou o corpo inerte de Misao onde lhe foi apontado, permitindo que a doutora a examinasse.

- Não se preocupe. Pelo que vejo foi só um choque. O bebê não corre risco de vida.

- Isso é bom. Mais uma vez, obrigado. – Aoshi se repetiu, olhando então para a figura impassível de Saitou que observava a tudo calado desde que tinha dado tantas tristes notícias para só então retomar o diálogo com a médica- Você sabia...

- Sim... todos da cidade já sabem. Mas juro que não acredito naquela história insana contada pela polícia... Kenshin nunca mataria Kaoru, nunca!!! Muito menos Kenji! Não, isso realmente não faz o mínimo sentido!

Aoshi olhou para Saitou com uma interrogação no rosto respondida com um quase imperceptível movimento de lábios.

- Pra mim, alguma coisa muita estranha deve ter acontecido... – Megumi continuou, sem se dar conta do diálogo mudo entre os dois – aqueles policiais não me enganam.

- Esse assunto é inútil nesse momento. – Saitou cortou, impaciente – temos muito a discutir, nos deixe a sós!

Megumi olhou para ele, bastante irritada, mas decidiu obedecer:

- Vou preparar um chá.

A médica saiu da sala e Aoshi então pôde perguntar:

- O que pretende fazer, Saitou?

- Kenshin está louco, temos que detê-lo a todo custo. Tenho um plano e preciso do seu auxílio.

- Fale. – Aoshi respondeu.

- Quero prender Kenshin no Makai. Lá, ele vai poder matar à vontade, sem causar transtornos.

- Ainda não acredito que Kenshin está matando pessoas!

- E vai continuar matando até que alguém o impeça.

- Sim, agora ele é a própria encarnação do mal. – Aoshi parecia querer convencer a si mesmo com aquilo.

- Você está disposto a ajudar? Se não, farei isso sozinho. – Saitou quis encurtar o assunto.

- Sim, tanto poder não deve pertencer a esse mundo. É muito perigoso! Eu sei que se não fizer nada, posso estar colocando a vida de Misao e do meu filho à risca. Sim, eu vou te ajudar. Me explique o seu plano com maior cuidado.

Saitou acendeu outro cigarro antes de começar a explicar todo o plano que havia minuciosamente traçado até então. Explicou rapidamente, em palavras secas e sem rodeios, como era do seu estilo e, quando acabou de falar, alguns minutos de silêncio se seguiram, até que Aoshi de dispusesse a falar a respeito:

- É arriscado!

- Sim, eu sei. Mas não creio que haja outra forma.

- E tudo isso, me desculpe, soa bem desonesto aos meus ouvidos.

- Hunf! Não preciso ser honesto com alguém que nem sequer é um ser humano.

Aoshi franziu as sobrancelhas e continuou:

- Mas é um bom plano, tenho que admitir.

- Isso quer dizer que vai ajudar?

- Sim. pode contar com a minha ajuda, mas...

- O que pensam que estão fazendo? – uma voz jovem, porém enérgica se fez ouvir naquele momento, fazendo com que os dois homens se voltassem para ver quem estava ali.

- Myojin... Yahiko.... – Saitou reconheceu o garoto, agora já um adulto, já prevendo os problemas que teria para fazê-lo aceitar aquela situação.

- O que você ouviu? – Aoshi perguntou com voz dura.

-TUDO! O QUE VOCÊS QUEREM FAZER COM KENSHIN, SEUS DESGRAÇADOS??? – Yahiko gritou, tirando da bainha a mesma sakabatou que Kenshin havia carregado consigo por tanto tempo.

- Acalme-se, garoto! Você não sabe no que Kenshin se tornou, não faz idéia... – Aoshi tentou falar mas foi interrompido por mais gritos.

- NADA DO QUE ANDAM DIZENDO SOBRE KENSHIN É VERDADE, OUVIU BEM? KENSHIN NÃO ASSASSINOU KAORU!! NÃO ASSASSINOU, ESCUTARAM BEM?

- Ninguém está dizendo que ele fez isso...

- Então por que querem fazer isso com ele? Eu ouvi os planos sórdidos de vocês dois! Como podem se considerar guerreiros se nem sequer têm dignidade?!

Aoshi se cansou de conversar, procurando pelo cabo de suas kodachis assim que ouviu aquela frase.

- Eu vou te mostrar quem não tem dignidade, moleque mal educado!

- Pode vir! Eu vou te derrotar! Por Kenshin!

Megumi apareceu no quarto naquele momento, com os olhos arregalados de susto:

- Yahiko?

- Megumi-San, eu vim assim que soube do que aconteceu e encontrei esses dois vermes conspirando contra Kenshin! Eles realmente acreditam nos absurdos que andam dizendo por aí e querem capturá-lo e prendê-lo como se ele fosse um animal! E isso, eu não vou permitir, nunca!

- O quê? – Megumi pouco ou nada entendeu do que lhe foi falado.

- Chega de conversa e lute! – Aoshi usou de sua frieza habitual.

- É pra já! – Yahiko respondeu, se posicionando para a batalha.

- Não, Aoshi. Não faça nada. Eu vou cuidar disso.

- Saitou? – Aoshi se surpreendeu.

- Você é do tipo que só entende a linguagem da lâmina, não é?- Saitou olhou friamente para Yahiko - Pois muito bem, eu vou lhe explicar através dela que você nada pode fazer para evitar isso.

- Eu não sou mais um garoto! Sou o detentor do estilo Kamiya Kashin Ryu e juro pela minha mestra, Kaoru Himura, que vou te derrotar nessa luta e fazer com que pare de perseguir Kenshin de uma vez por todas!

Saitou não pôde evitar o sorriso ao ouvir o ingênuo discurso do rapaz, mas, mesmo assim, respondeu:

- Vamos lá pra fora. Não quero sujar essa casa com o seu sangue.

- É o seu sangue que vai colorir o chão, seu imbecil!! – Yahiko devolveu, com energia.

- ESPEREM! – Megumi gritou quando os dois deixaram a casa, mas de nada adiantou, eles andaram até uma árvore próxima dali e se posicionaram bem embaixo dela. O rosto de Saitou, sem nenhuma alteração visível, o de Yahiko, claramente transtornado pelo ódio.

- Se eu não me engano, o seu estilo se baseia na defesa, não é mesmo? Pois você também deve saber que o meu estilo é o do ataque perfeito! Será uma luta curta, mas interessante. O ataque contra a defesa. O melhor vencerá!

- Não importa o que diga, seu imbecil! Eu sempre vou continuar achando que o Kenshin é muito melhor que você! – Yahiko disparou, irritado.

- O melhor estilo é sempre o de quem vence! – Saitou respondeu, se posicionando para o ataque – Prepare-se!

- Venha de uma vez! Eu já vi o seu golpe idiota milhares de vezes, poderei vence-lo facilmente!

- Isso vamos ver agora mesmo! – Saitou respondeu.

"Sim, eu posso vencê-lo, posso vencê-lo!"- Yahiko se repetia constantemente – "É só manter a calma e escolher bem o meu contra-ataque e vencerei. Não posso usar meu golpe aéreo. Nem Kenshin pôde contra o antiaéreo desse cara! Então, acho que só tenho uma saída que é usar o meu melhor golpe."

- Chega de conversa! Vamos começar! – Saitou falou, voando na direção de Yahiko com o seu Gatotsu.

Ao contrário do que o próprio Saitou pensava, Yahiko não tirou sua espada para tentar rebater de alguma forma o ataque do Gatotsu, ao invés disso, ele curvou um pouco o tronco, olhando para Saitou de uma forma intrigante, desafiadora. Sem se prender muito a isso, Saitou projetou seu corpo grande como toda força contra o menino, levando consigo o peso da sua espada. O resultado foi ainda mais surpreendente.

- Não é possível... – Aoshi estava sem palavras – O Gatotsu foi...

- Muito bem, Yahiko! – Megumi festejou.

- Seu imbecil! – Saitou se aborreceu ao ver sua espada presa entre as duas mãos do oponente, que sorria, vitorioso.

- Ha Do Me. É a última técnica do estilo Kamiya Kashin Ryu. Vai se arrepender por ter me subestimado!

Saitou apenas sorriu:

- É mesmo uma criança.

- Repita isso no inferno! – Yahiko se moveu com a intenção de continuar seu golpe – Ougi no se me hawatari!

- Tarde demais, seu pequeno tolo! A hora da brincadeira acabou!

- O quê? AAAAAAAAAAHHHHHH!!! – Yahiko gritou ao sentir que suas duas mãos foram cortadas antes mesmo que ele pudesse se utilizar de qualquer defesa. O pânico cobriu a face do garoto e ele caiu no chão, suas pernas já sem forças para suportar o próprio peso.

- Afinal, quem subestimou o poder de quem aqui?

- YAHIKOOO!!!! – Megumi gritou tentou correr para socorrê-lo mas foi impedida pelos fortes braços de Aoshi. – ME LARGUE!

- Se você se aproximar deles agora, vai terminar morta, sua tola!

- Se eu não ajudá-lo agora, ele vi sangrar até morrer!

- Ele já está morto!

- Por que está dizendo isso, Aoshi? Ele não vai morrer, eu vou cuidar dele, é só um garoto!

Aoshi não respondeu, mais preocupado com o desfecho da luta.

Yahiko gritava de ódio, dor e humilhação, ainda aterrorizado com a imagem das suas próprias mãos ensangüentadas, agora separadas do seu corpo.

- COMO FEZ ISSO, SEU MALDITO, DESGRAÇADO?!!

- Eu vou te dar uma aula que sua tola mestra não deve ter te dado, seu pequeno idiota! O perigo maior dos golpes que aparam as armas com mãos está justamente na quebra dessa defesa perfeita para se promover o ataque. Nesse momento, uma brecha é criada. Ela é mínima mas é suficiente para que aconteça o que te aconteceu.

Yahiko não podia mais responder, estava em choque, sem acreditar que aquilo tudo estava acontecendo, que sua vida, de uma hora pra outra havia se transformado no mais terrível pesadelo e que desta vez, Kenshin não apareceria para lhe ajudar como sempre fazia. Ele estava sozinho, e agora, completamente indefeso.

- Reaja, garoto! – Saitou percebeu o estado de seu oponente e então usou do seu tom mais cínico – Ou você já decidiu pela morte?

- NÃOOO!!!! Não faça isso! Não mate o garoto, você já venceu! Deixe-o vivo! – Megumi implorou, em desespero.

- Cale-se! – Aoshi cortou bruscamente – você não entende nada do orgulho de um samurai.

- Isso não existe mais! – Megumi rebateu no mesmo tom.

- Existe, sim! No sangue dele! Veja, ele está se levantando!

- Mais isso é impossível! Ele já deveria estar inconsciente de dor!

- Agora me compreende? Ele vai defender a honra do estilo Kashin e a dele próprio com a vida.

- NÃO!! Isso não pode acontecer!! Yahiko, pare com isso!!! Reconheça a sua derrota, não seja teimoso!

Mas Yahiko não ouvia mais nada. A única coisa que estava em sua mente naquele momento era morrer lutando, impedir de qualquer forma que aquele homem fizesse algum mal a Kenshin.

- Muito bem! Você está de pé! Poderemos continuar!

Saitou se posicionou novamente para ministrar seu ataque preferido, deixando Yahiko numa situação ainda pior do que a do ataque anterior. Ele estava indefeso como uma ovelha e não lhe ocorria uma forma de escapar do poderoso golpe do seu oponente. Fora que a dor, aliada com a enorme perda de sangue era um entrave muito forte contra a sua concentração. Sua visão ia ficando cada vez mais turva, mais obscurecida ao mesmo tempo que ele percebia a aproximação do inimigo como um raio.

Foi quando o sangue espirrou longe. Megumi gritou ao ver a roupa de Saitou coberta por uma coloração avermelhada. No chão, estava o corpo de Yahiko, agora sem vida. A luta tinha chegado ao fim.

- Um bom oponente... – Saitou reconheceu enquanto limpava a sua arma coberta de sangue.

Megumi correu até o corpo de Yahiko, ainda com esperanças de que o garoto ainda estivesse vivo, mas foi em vão.

- Não se canse, Megumi-San. Ele está morto! – Saitou avisou.

- Por quê? Por que você fez isso com ele? Ele já tinha sido derrotado, estava indefeso, sem as duas mãos não havia mesmo a mínima chance de defesa! Por que atacou mesmo assim, seu maldito??! – Megumi gritou em meio as lágrimas de revolta.

Saitou não respondeu, apenas se afastou do local, não antes de avisar que estaria ali novamente para que, juntamente com Aoshi pudessem colocar um ponto final naquela história toda.

***********
 
 

- Aonde você vai? – Misao perguntou assim que viu Aoshi se dirigir para a porta.

- Vou resolver uns problemas. Não devo demorar. – foi a resposta.

- Você vai atrás dele, não é?

Silêncio.

- NÃO É??! Você vai matar Kenshin!!

- Eu não vou matá-lo Misao.

- Vai sim! É claro que vai!

- Já disse que o plano não é esse! Não vou ficar me repetindo! – Aoshi começou a perder a paciência.

- Então me diga qual é o plano?

- Quando eu voltar.

- NÃO!! Me diga agora!

- Está certo... vamos abrir um portal e mandá-lo para o Makai. Será o melhor a se fazer. Kenshin não pertence mais a esse mundo.

- Makai? Que história é essa de Makai? Eu não estou entendendo nada do que você está falando!

Aoshi respirou fundo, decidindo mudar a tática:

- Misao, confia em mim. Eu não estaria fazendo nada disso se não fosse necessário garantir a sua segurança e a do nosso filho que está a caminho....

- Eu sei me defender!

- Contra o poder do que Kenshin se tornou agora? Não mesmo! Nem eu daria conta dele sozinho!

- Mas ele é Kenshin!! Kenshin nunca faria nada para nos machucar!! Nunca!!!

- Misao, o Kenshin que você conheceu morreu junto com a família dele. Agora o espírito humano dele está preso dentro de uma mente de demônio.

- Então ajude-o a se libertar!

- Entenda que isso não é possível!

- Como não? Ele não fez isso por você?

Aoshi mudou o tom voz:

- Foi diferente...

- Qual é a diferença? Me explique!

- Você não entenderia!

- Por que não?

- Eu tenho que ir!

- Você pode morrer nessa luta!

- Eu não vou morrer!

- Me ouça, por favor!

- Não posso, tente me entender e espere a minha volta.

- Mas e se você não voltar?

- Eu vou voltar!

- E se não voltar?

- Eu VOU voltar! – a voz segura de Aoshi deixou Misao completamente sem ação – Até logo!

- Aos... – tarde demais, ele já tinha partido – Cuide-se, por favor...
 
 

- Você demorou. – Saitou comentou antes de apagar mais um cigarro – Eu fumei o maço inteiro...

- Eu estava me despedindo da minha esposa.

Saitou deu um olhar inexpressivo para Aoshi e então falou:

- Podemos ir.

- Você sabe aonde ele está?

- Não.

- Então iremos pra onde?

- Vamos para um lugar onde esperaremos por informações.

- Entendo. Mas alguém irá conosco?

- Eu não sei.

- Você não sabe de nada? – Aoshi se aborreceu.

Saitou preferiu não responder ao insulto, mais preocupado em rasgar o invólucro que escondia os cigarros recém-comprados. Acendeu um deles com bastante calma e começou a tragar.

Foi nesse exato instante que se ouviu um grito medonho. Saitou não precisou se esforçar para deduzir a causa dele.

- O que foi isso? – Aoshi perguntou, meio desorientado.

- Parece que Kenshin se adiantou aos nossos planos... sem dúvida, ele é muito esperto... – Saitou continuou a fumar.

- Então só temos que aguardar agora, não é mesmo? – Aoshi assumiu a sua pose habitual de defesa, prestando bastante atenção ao seu redor.

- É o que eu penso. Logo, ele estará aqui.

- Certo...

Não foi preciso esperar muito. Em poucos segundos, uma sombra se estendia sobre eles, numa velocidade assustadora, os dois logo sentiram aquela energia tão diferente e poderosa que emanava por todo o corpo de seu oponente.

- Ken... shin! – Aoshi exclamou quando finalmente pôde ver a imagem daquele guerreiro que havia conquistado consecutivamente todo o seu ódio e admiração.

A visão do agora demônio era verdadeiramente perturbadora. Seu corpo havia acompanhado a todas as mudanças bruscas de energia numa adaptação monstruosa à sua nova condição não-humana. A pele curtida pelo sol, estava repleta de ferimentos, ainda abertos, provenientes daquela tarde em que havia perdido tudo. As roupas, rasgadas, estavam cobertas de sangue, os cabelos soltos davam a ele uma aparência ainda mais temível.

- Aoshi... dê uma boa olhada na boca dele. Consegue perceber a diferença?

- Sim, parece que os caninos se desenvolveram... – Aoshi respondeu, mantendo o controle sobre o impacto que aquela visão tão diferente do que sempre fora Kenshin lhe causava.

- Você sabe o que isso significa, não é?

- Ele se tornou mesmo um demônio....

- Mais do que isso.... a fonte de toda a energia que você está sentindo agora, é humana. Ele realmente se alimenta do corpo e do espírito humano.

- Mas.... como?

- Não está vendo os olhos dele? São os de uma fera, de um animal! Kenshin está completamente descontrolado. Não deve ter mais a mínima noção de realidade. Nem mesmo deve estar nos reconhecendo....

- Você está muito enganado quanto a isso, Saitou! – a voz rouca de Kenshin interrompeu o diálogo como um trovão – eu tenho plena noção do que está ao meu redor e sobre tudo que estou fazendo. Eu agora apenas despertei para a realidade e consigo enxergar claramente o que não enxergava antes.

- Você está é louco, isso sim. – Aoshi respondeu.

- Não, eu já passei pelo estágio da loucura. A dor da loucura é menor do que a dor da consciência do real.

- Consciência do real? – Aoshi pouco ou nada entendeu:

- Sim, eu sou o produto da descoberta da inutilidade humana, do erro que foi a criação da vida.

- Do que está falando? – Saitou perguntou, aborrecido.

- Eu me dei conta da não-existência de Deus, da não-existência de motivo, da natureza humana deturpada e do meu verdadeiro papel diante disso tudo.

Saitou se cansou de tudo aquilo e rapidamente se posicionou para o ataque:

- O que pretende, Batousai? – ele perguntou, num tom que passava desinteresse.

- Limpar toda essa terra de toda e qualquer existência vivente. Destruir essa doença que está por trás de tudo o que vive.

- Do que está falando?- Aoshi perguntou, também se posicionando novamente para o ataque.

- Do motivo único que trás vocês dois até aqui. Desse instinto animal de manutenção da espécie que transforma todos os seres viventes em demônios.

- Compreenda, Batousai, que o único demônio aqui presente é você – Saitou rebateu rispidamente.

Foi a vez de Kenshin se posicionar para o ataque, apontando sua katana na direção de seus interlocutores:

- Eu me livrei da condição humana, Saitou. Agora estou acima dela. Vocês vieram aqui em busca de um demônio, pois eu digo que só o encontrarão no interior de si próprios. Vocês são os verdadeiros demônios, os verdadeiros seres que causam a morte. A existência de seres viventes é a que deve ser temida e não a minha.

- Vejo que continua o mesmo, Batousai. Mudou apenas o conteúdo do seu discurso mas o tema persiste. Seu ego inchado de paladino da justiça continua aí, intocado, mas agora, a serviço não mais da manutenção de uma estúpida paz idealizada entre todos os seres viventes mas sim da conquista dessa mesma paz inventada por você, só que agora, às custas do sangue de todos. Eu disse a mais tempo que esse seu discurso me dava nojo e repito agora: Me dá asco! Sua forma prepotente de pensar me dá asco.

Kenshin se manteve em silêncio, apenas aguardando pela conclusão de Saitou, que veio logo a seguir:

- Você é um hitokiri. E um hitokiri nunca se preocupa com a vida, isso me parece bem óbvio. A sua natureza é a de destruição. Nasceu pra isso, Batousai! E agora, só arranjou uma boa justificativa para calar a sua consciência! Pessoalmente, prefiro aceitar a minha natureza humana de auto-preservação e matar tendo consciência de que o faço porque quero do que ser incapaz de se aturar sem mentir para si próprio.

Kenshin avançou três passos em direção aos dois homens que ali estavam e perguntou:

- Quem é você, Saitou, para me falar sobre enganação? Sobre não saber assumir sua própria personalidade? Você que só está aqui por interesses próprios e que não é capaz de assumir nem pra si mesmo o quanto sua vida seria inadmissível sem a presença da sua esposa e do filho que ela está esperando. Você se apresenta diante de mim com essa pose controlada de homem imbatível, enquanto o seu interior me diz exatamente o oposto.

- Como sabe de tudo isso? – Saitou perguntou, sem demonstrar nem um pingo da inquietação que crescia em seu interior.

- Eu disse que agora posso ver a realidade com toda clareza. Eu não menti.

Aoshi olhou para Saitou, com um ponto de interrogação na face. Precisava saber se tudo aquilo que tinha acabado de ouvir era mesmo verdade. Não obteve resposta alguma, entretanto.

- Você, Saitou, é como todos os outros. Um ser mesquinho que só age em benefício próprio, que só pensa em manter aquilo que você chama de vida, por trás dos estúpidos ideais ultrapassados que insiste em seguir. Então será o primeiro que vou destruir.

- Engana-se! EU é que vou te destruir! – Saitou grunhiu, partindo imediatamente para o ataque utilizando, como sempre, seu poderoso Gatotsu. A resposta de Kenshin veio na forma de uma ágil esquiva seguida de um ataque rápido que só não o cortou em dois pela bacia por um milagre. Saitou saltou pra trás, surpreso com a velocidade do ataque do seu oponente. Na verdade, ele nem sequer havia visto a direção do golpe antes de se ver frente a frente com ele. Por pouco não havia morrido nos primeiros quinze segundos de batalha.

Foi então a vez de Aoshi atacar:

- Desculpe, Batousai. Mas você realmente está transtornado pela loucura. Eu não queria, mas vou ser forçado a lutar com você.

Kenshin apenas mostrou os caninos num sorriso cínico e esperou o ataque de Aoshi. Ele não tardou a vir. Aoshi saltou com agilidade sobre Kenshin cruzando suas kodachis com o único intuito de cortar sua garganta com elas. Havia optado por um golpe curto, porém fraco.

- Conheço muito bem esse golpe, Aoshi. O Gokou Jyuji jamais seria eficaz contra mim... – foram as calmas palavras ditas por Kenshin logo depois que Aoshi teve sua barriga cortada transversalmente, porém ainda não de forma mortal. – O que foi isso, Aoshi? Um teste?

- Não. – foi a única resposta que Kenshin obteve.

- Bom, aqui vou eu, novamente.

Aoshi nem teve tempo de olhar na direção do seu oponente. Num ataque fulminante, fez um corte ainda mais profundo no seu peito que só não provocou sua morte por uma defesa quase instintiva.

Saitou balançou a cabeça, recuperado da pancada na bacia, ao mesmo tempo que observava atentamente a toda a movimentação de luta de Kenshin. Esta lhe pareceu bastante diferente, bem peculiar. Foi fácil concluir que Kenshin deixava de lado completamente a sua defesa. E obviamente, aquilo não era por descuido de sua parte, era completamente proposital. Ele só não atinava para o motivo daquela verdadeira mudança no seu estilo de luta, mas tinha que reconhecer que era exatamente ela que, juntamente com sua nova energia demoníaca, formava todo o poder esmagador do seu oponente ali presente. Concluiu logo que, na melhor das hipóteses, seria muito difícil vencê-lo.

Aoshi, enquanto isso, cambaleou perigosamente, sentindo bastante todos os ferimentos causados pelos golpes de Kenshin, que se preparava para acabar com aquela luta de uma vez com o seu Ryu Shyosen. Mas foi interrompido pelo novo ataque de Saitou, também inútil. Em questão de segundos, os dois foram ao chão, num tombar pesado de quem sabe estar assinando a própria sentença de morte que o youkai não hesitaria em executar.

Kenshin se aproximou lentamente, com uma expressão terrível no rosto. A katana brilhava junto com o sangue de ambos, como se houvesse absorvido a poderosa energia que emanava do corpo do seu dono. Aoshi tentou se levantar, sem muito sucesso, parecia que ele havia sido enfeitiçado por toda energia do seu inimigo, parecia que a simples visão de Kenshin lhe drenava as forças e lhe matava aos poucos o espírito. Os ferimentos físicos eram muito pouco ou nada perto disso. Pois muito bem, tanto Aoshi quanto Saitou sabiam bem quando estavam derrotados mas nem por isso desistiriam. Isso não era permitido a nenhum dos códigos de honra que sempre havia guiado, de formas diferentes, a vida de ambos. Foi com esse mesmo pensamento que tanto Aoshi, quanto Saitou, prepararam um último contra-ataque, mesmo deitados, mesmo que não estivessem em posição de sequer arranhar Kenshin.

Mas esse contra-ataque desesperado não seria necessário.

Seijuro Hiko estava ali. 



Capítulo 6
Hitokiri no Kokoro
 
 
 
 
 
 
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