Hitokiri no Kokoro
Yoko Hiyama
 

Capítulo 2 – Uma Queda Rápida

O sol ainda não tinha nascido quando Kenshin abriu os olhos lentamente. O ruivo sorriu ao ver Kaoru, ainda adormecida, em seus braços, bem aconchegada junto ao peito e, não resistindo, acariciou seu rosto com a ponta dos dedos. Foi o suficiente para que ela acordasse com um belo sorriso nos lábios.

- Ah... Kenshin... Ohayou...

- Ohayou Gozaimasu, Kaoru-Dono. – Kenshin respondeu, bem baixinho.

- Ontem, eu acabei me esquecendo de te contar as novidades...

- Mesmo? Que novidades?

- Chegou carta da Misao-Chan!

- Verdade? E como ela e o marido estão?

- Muito bem... inclusive ela contou uma grande notícia!

- Qual?

- Por que não tenta adivinhar?

- Oro... eu não faço idéia...

- Você é um baka mesmo, né? É tão fácil, Kenshin!

- Huum... – segundos de silêncio – Nada, nada...

- Aaaai... ok, ok ... eu vou contar. Misao-Chan está esperando um filho !!!

- Nani?! Já?

- Como já, Kenshin? Ela se casou com Aoshi faz um tempinho, ne?

- Hai... acho que ainda tenho dificuldades de tirar da cabeça a imagem de criança que tenho dela.

- Pois pode tratar de fazer isso, Kenshin! Porque agora, ela vai ser mãe! E tem mais.

- Mais?

- Ela e Aoshi estão vindo pra cá. Decidiram esperar o bebê nascer aqui em Tokyo...

- Mas que boa notícia! Quando chegam?

- Acho que em dois ou três dias. Vou ver se arrumo tudo para hospedá-los aqui no dojo. O que acha?

- Acho ótimo!! Vai ser muito bom rever Misao-Dono e Aoshi. Não acha?

- Claro! Yahiko iria gostar de vê-los. Pena que ele anda viajando tanto ultimamente que nem o vemos direito.

- Quem sabe ele não aparece também?

- É mesmo... quem sabe?

- Kaoru-Dono se aborreceu?

- Não ... só bateu uma pontinha de saudades, agora... mas eu estou bem.

- Que bom. – Kenshin beijou os ombros da esposa e então levantou-se – Vamos lá, acho que temos muito a fazer...

- Hai. Logo, logo, Kenji-Chan vai estar de pé e dando trabalho. – Kaoru suspirou, tomando coragem para se levantar também.

- Hoje eu faço o café, tudo bem? Aí você vai poder descansar um pouquinho. - Kenshin falou, acabando de se vestir.

- Não é preciso. Eu posso cuidar disso. Além do mais, acho que vou precisar que me faça um favor.

- Qual?

- Bem, é que o tofu acabou. E eu gostaria que você fosse comprar mais.

- Por mim, tudo bem. Eu vou agora mesmo. – Kenshin concordou, deixando o quarto, já sendo seguido pela esposa.

- Vá logo antes que Kenji-Chan acorde e ...

- PAPAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!!!!!!!!

- ... chame por você... – Kaoru completou a frase, com um ar impaciente.

- Eu vou lá num instante, quem sabe eu não o levo comigo para passear?

- Huum... melhor não ... Até arrumá-lo demoraria muito... melhor deixar para uma outra oportunidade.

- Tudo bem. – Kenshin concordou com a esposa –então é melhor eu ir. Diga a Kenji-Chan que vou voltar logo.

- Pode deixar. Até logo, Kenshin.

- Até logo, Kaoru-Dono.
 
 

* * *

Ainda no início da Era Meiji, não existia nenhuma barreira que dividisse o Mundo dos Humanos, do Mundo das Trevas. Por isso, era comum que alguns demônios aparecessem ali para se alimentarem. Porém, esses não deixavam traços de seus atos e muito poucos eram os humanos que tiveram a oportunidade de ver um youkai e sobreviver para contar a história. Com isso, os youkais existiam no cotidiano das pessoas apenas como seres lendários temíveis e perigosos.

Uma dessas criaturas lendárias era o Youko. Uma raça rara de youkai, caracterizada pela aparência em parte humana e em parte raposa. Sendo que alguns deles procuravam se alimentar da carne e do espírito humano para assim, fortalecerem seus youkis cada vez mais.

Era o caso do youko alto e forte que rondava o dojo naquele momento, em busca de alimento. Seu faro aguçado poderia sentir a presença de kis poderosos naquele lugar. Algo que satisfaria de imediato a sua enorme fome. Só de pensar na bela refeição que teria em poucos instantes, o youko arreganhou os caninos de ansiedade, afinal, fazia um bom tempo que ele não vinha ao Ningenkai em busca desse alimento tão precioso.

O youko se escondeu junto ao muro, com um sorriso de satisfação. Havia decidido, tiraria daquele lugar seu almoço. Seus olhos vermelhos investigaram todo o local e se preparou para entrar na casa assim que sentiu que o ningen possuidor do ki mais forte de todos estava deixando o local. O youko então procurou esconder-se melhor, disfarçando bem a sua própria energia, mesmo duvidando que aquele ningen pudesse senti-la. Mesmo assim, achou melhor não arriscar. O youkai deu uma boa olhada naquele humano. Seu aspecto parecia frágil. Ele era baixo e sua aparência realmente enganaria um youkai pretensioso e inexperiente. Mas aquele youko que ali estava não era alguém fácil de enganar. Ele logo percebeu o ningen, próximo a ele era muito mais poderoso do que parecia e que era melhor desistir dele, por mais tentador que parecesse se alimentar daquele ki. Mas o youko se conformaria em deitar as mãos nos ningens que estavam dentro da casa. Seu apetite era exigente mas não a ponto de arriscar sua vida daquela forma. Foi com esse pensamento que ele esperou com paciência pelo afastamento de Kenshin , prendeu os longos cabelos dourados num rabo e, só então, entrou no dojo sorrateiramente...

* * *

- Tadaima!!! – Kenshin falou assim que pisou no dojo – Desculpem a demora mas a ...

Um cheiro muito conhecido por Kenshin o fez parar. O que é isso? Por que? Esse cheiro... não... não era possível!

- Cheiro de sangue!!! – Kenshin correu, desesperado para casa – KEEEENJIIIII!!!!!!!!!!!!!!! KAOOOOOORU-DONOOOOO!!!!!!!!

Invadiu a sala, os quartos e nada de encontrou. Então foi percorrendo os cômodos da casa, gritando o nome dos dois seres que ele tanto amava com toda a força dos pulmões, rezando para que ouvisse qualquer resposta, um grito, um gemido, qualquer coisa.

Mas a resposta aos seus gritos era apenas o silêncio torturante.

Restava um único cômodo na casa que era o enorme salão de treinos. Kenshin correu para lá. E os encontrou, finalmente.

Mas não estavam sozinhos.

Kenshin demorou para absorver o choque da visão que teve naquele momento. Uma visão que o assombraria eternamente depois daquele dia, que estaria presente em todos os seus pesadelos, assim como na vida real.

- Kaoru-Dono... Kenji-Chan...

Mortos.

O responsável por isso estava quase conseguindo deixar o lugar a tempo de não ser encontrado por Kenshin mas, por questão de poucos segundos, sua fuga tinha falhado. Resignado, o youko deixou-se ficar, cruzando os braços em espera da reação daquele ningen.

E ela com certeza não seria das melhores. Ele não pôde evitar de pensar.

Kenshin andou até o corpo da esposa e, logo depois até o do filho, observando os rostos apavorados de ambos, a espada de bambu quebrada nas mãos ensangüentadas de Kaoru, as marcas das lágrimas recentes de Kenji... ele olhou para tudo aquilo e não conseguia acreditar. Não lhe parecia real, absolutamente.

Mas a voz do youko se elevou em meio à todo aquele terror.

- Você se chama Kenshin, não é?

Silêncio.

- Você sabe, eles gritaram o seu nome... – Kenshin nem olhou pra ele, o que não o impediu de continuar – por isso, eu sei.

Silêncio.

- O meu nome é Mushi. Sou um youko do Makai. Mas não se lamente por eles, Kenshin... não vou deixá-lo vivo para sentir a falta dos seus queridos. Apenas fique imóvel que eu te matarei com uma forte mordida na jugular, assim como fiz com a mulher e a criança.

Kenshin continuava mudo, olhando para os corpos dos que amava fixamente. Mas Mushi parecia não perceber o estado de Kenshin e continuava a falar, de forma despreocupada e até divertida.

- A vida humana só tem mesmo essa utilidade. Vocês, ningens, nasceram para isso. Para servir de alimento aos demônios do Makai. Sempre foi assim e sempre será. Você deve apenas aceitar os fatos e se conformar. A morte chega para todos um dia, não é mesmo?

Mais uma vez, Mushi não obteve resposta. Kenshin parecia Ter mergulhado numa catatonia profunda. Ele não se mexia, nada falava. Apenas continuava olhando para os corpos estirados no chão, tentando se convencer de que tudo aquilo era mesmo real.

Depois de tudo que ele tinha feito, depois de tanto sofrimento, tantas lutas, tanto sacrifício para tentar reconstruir um modo de viver errado, o final... era este.

- Ei? Você está me ouvindo? É surdo? – Mushi perguntou, indiferente – ou será que o medo te dominou a ponto de paralisar suas ações?

Kenshin olhou para o chão e apenas sussurrou:

- É inútil..

- O que disse?

- Tudo inútil...

- Hum... acho que enlouqueceu de vez. Por mim, está tudo bem. Eu vou te matar mesmo... Venha, chegue mais perto. Não há como escapar do seu destino. Apenas se entregue a ele e morra junto com a sua mulher e o seu filho.

Kenshin finalmente levantou os olhos e encarou seu oponente pela primeira vez. Foi o suficiente para que Mushi sentisse a força daquele humano. Mas o que deveria Ter sido razão para um recuo, acabou se tornando um agradável desafio para aquele youko. De alguma forma, os olhos de seu oponente lhe davam vontade de continuar ali e combatê-lo, mesmo sabendo que sua chance de vitória poderia não ser tão certa como todas as circunstâncias apontavam. Foi por isso que, mesmo sentindo a aura poderosa que emanava do corpo daquele ningen, Mushi manteve uma posição de arrogante superioridade.

- Parece que você escolheu morrer calado. Uma forma interessante de protesto, não há como negar. Ou será que essa sua atitude de passividade se deve ao fato de estar completamente desarmado e indefeso frente a mim? Se é isso, vou lhe dar uma chance, porque eu... gostei de você. Aqui está, eu tenho aqui uma espada muito boa. Eu sei bem que você sabe como usá-la, portanto, pegue. Quem sabe assim, você não encontre a morte com um pouco mais de orgulho?

Kenshin aceitou a arma que lhe foi oferecida sem nenhuma expressão na face pálida. A essa altura, ele já tinha delimitado seu único objetivo de vida naquele momento. E não voltaria atrás de forma alguma, nada o faria parar agora.

Num milésimo de segundo, Kenshin apenas partiu para o ataque, sem pensar muito no resto. Sua alma precisava de uma compensação. E ela seria tirada agora a qualquer custo.

- Ryu-Tsui-Sen!!!!! – Kenshin começou pelo seu ataque aéreo, num salto rápido e ágil. Mushi apenas retirou uma semente de seu cinto e a fez brotar com um simples movimento, transformando-a num comprido caule, enroscando a barriga de Kenshin em pleno pulo e atirando seu corpo contra as paredes com violência. Mas o próprio Mushi sabia que seu oponente não seria barrado por aquele pequeno golpe. Não ainda. O primeiro golpe tinha sido uma fria tentativa daquele humano de testar suas verdadeiras forças, estava claro.

Para confirmar suas suposições, Kenshin levantou-se sem muita dificuldades e partiu para um segundo ataque.

- Dou-Ryu-Sen! – a força da espada batendo no chão fez com que o youkai sentisse o poder dos golpes criados apenas pela pressão do ar.

"Interessante, mas ainda um golpe de poder mediano. Ele sabe bem que sou um inimigo infinitamente superior, então, porque não me ataca com toda sua força? O que esse homem está planejando?" – aquele astuto youko não podia deixar de pensar, enquanto se defendia daquele ataque, usando o seu youki para logo depois sentir outra tentativa de ataque, dessa vez pelas costas e ainda mais rápido e forte do que das outras vezes.

- Ryu-Sho-Sen! – outro golpe perdido entre as rápidas esquivas do youko.

Mas Kenshin continuava a atacar, usava todos os golpes que conhecia, mesmo sabendo que eram inúteis, a irracionalidade começando a tomar conta dos seus sentidos de assassino de uma forma cada vez mais poderosa, incontrolável, selvagem. O ódio circulava por suas veias em forma de uma energia desconhecida para ele, mas que o impelia a levantar-se e continuar atacando e atacando.

- Chega! Você não consegue ver que é inútil? Que é ridículo? – Mushi gritou usando seus vegetais para imobilizar e em seguida ferir Kenshin uma outra vez – Vocês, humanos, sabem mesmo como serem patéticos. É ridícula a forma como os seus sentimentos os dominam completamente.

- Não! Isso não tem mais nada a ver com sentimentos! – Kenshin se dirigiu àquele youko pela primeira vez, com um tom de voz rouco, sem parar um minuto sequer de atacá-lo.

- Como assim? O que quer dizer?

- Quero dizer que vou matá-lo. – Kenshin finalmente interrompeu os ataques para logo depois se posicionar de forma a desferir seu último ataque. Ele colocou a espada de volta na bainha e curvou-se, mostrando os dentes de forma selvagem.

- O que é isso? Ora, ora... finalmente disposto a parar de brincar? Está certo. Eu aceito seu desafio, veremos se o que diz com tanta força de espírito, é mesmo verdade. – Vida ou morte, Kenshin! E eu não estou disposto a morrer.

Era o momento, Kenshin preparava-se para usar a ougi. Seu último golpe: Amakakeru-Ryu-no-Hirameki . O golpe ensinado por seu mestre e também sua última chance de acabar com aquele demônio, metade gente, metade raposa a sua frente. Acabar com ele! Era tudo que Kenshin queria. Não queria preservar a sua vida, não queria escapar ileso daquela luta, só queria e pensava em destruí-lo, somente destruí-lo, retalhá-lo, era tudo que podia pensar. Ele sabia que aquela forma de agir era contra todos os princípios do golpe que estava por se utilizar, que ele precisava desejar viver para utilizá-lo, mas Ter consciência daquilo em nada afetava sua forma de pensar.

"Eu quero matá-lo! Somente isso! Pelo custo que for, eu o matarei agora!"

- Aqui vou eu, Kenshin!!! – Mushi saltou em direção a Kenshin, usando de todo o poder que tinha, com o intuito único de vencer e viver.

Foi nesse milésimo de segundo que Kenshin entendeu tudo. Aquele youko a sua frente agia com esse único objetivo. – Viver – ele matava, ele destruía, ele não tinha piedade de nada porque ele precisava ser forte para viver. Ele vivia sob essa regra. E não era essa mesmo instinto que guiava todos os seres viventes? Não era essa sede primitiva e irracional de viver que podia tornar um homem pacato num assassino cruel? E não era para viver que ele próprio tinha destruído tanto?

Viver é destruir?

A lâmina de Kenshin cruzou o ar com uma velocidade inumana e se introduziu na barriga do youkai e o sangue viscoso jorrou pelo profundo corte que o fez tombar, gemendo de dor, mas ainda consciente. Aquele tinha sido o seu Amakakeru-no-Ryu-Hirameki? Não, não era! Era um golpe novo, oposto ao que tinha aprendido de seu mestre, sem nome, mas, incomparavelmente mais poderoso, mais rápido.

Kenshin lambeu a lâmina da espada, adorando de uma forma irracional o gosto daquele youkai. Sim, agora ele entendia tudo. O desejo de viver era a maior arma dos seres vivos e também a maior causa de sua perdição, de sua crueldade. E ele haveria de acabar com o maior mal da humanidade: Sua própria existência. Sim, seu novo golpe era como sua nova alma. Não se baseava mais no desejo da vida e sim na necessidade da morte.

- Co...mo? Como po...de ser? – aquela débil forma de vida se perguntava, horrorizado com a visão de suas próprias tripas dilaceradas em sangue. Kenshin se aproximou mais dele e se curvou para ficar ainda mais perto, o que fez com que o youkai se debatesse fracamente, indefeso e implorasse – Não! Não! Por favor, não me mate! Eu que...ro vi..ver!! Eu quero vi..viver!

- Foi o seu desejo pela vida que provocou a sua morte! – foi a resposta fria de Kenshin, que se curvou como um bicho para abocanhar o peito daquele youko ainda vivo, arrancando pedaços da sua carne com puxadas impiedosas que o fizeram enlouquecer de tanto gritar. Kenshin comeu daquela carne avidamente e, faminto por mais, rasgou a pele com a espada, quebrando os ossos da caixa torácica até alcançar o coração que foi arrancado e mastigado. – Você quis tornar-se forte se alimentando da minha família e eu me tornarei imortal, me alimentando de você.

O youko estava morto. Mas a alma humana de Himura Kenshin, também tinha morrido naquele dia. E o que tinha sobrado daquilo tudo, pulou para fora do dojo Kamiya, buscando algum consolo na escuridão da noite.



 

Capítulo 3

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