A DISCUSSÃO: Me ame

Umi no Kitsune
 
 

Mindinho, anular, médio, indicador. Mindinho, anular, médio, indicador. Mindinho, anular, médio, indicador. Kurama já estava cansado de bater com os dedos essa seqüência em sua escrivaninha. Ia gastá-los por nada. Quanto tempo mais será que ele precisa pra saber o que é amor? Se é que ele sabe. Talvez aquela alegria toda foi puro engano. De qualquer forma ainda tinha a outra mão que apoiava a cabeça.

- Hummm...por que a pressa?- ele parou a seqüência batendo o punho contra a mesa- Ele foi embora a uma semana...ainda deve estar confuso com o que eu falei.- Kurama levantou-se parou no meio do quarto de frente para a janela, aberta, dando um suspiro-...várias vezes, perdi a conta de quantas vezes já olhei pra você!- apontou para o galho em que Hiei costumava ficar, que como se estivesse com vergonha, se afastou do campo de visão dele- Humpf! Como se isso fosse adiantar alguma coisa, youko!- por que estava conversando consigo mesmo? Com o youko? Jogou-se na cama- Ah, Hiei...o tempo que você precisa sozinho é o tempo que eu preciso ter você... Você deve estar discutindo consigo mesmo, de todas as coisas que passamos, ou quando eu comecei a amá-lo...

Decididamente não poderia mais ficar ali! Não estava mais agüentando o tormento que é ficar no quarto, cenário de sua última conversa com Hiei. Daqui a pouco ia começar a discutir seus sentimentos como youko, e ele, Shuuichi, sabia que as respostas não seriam das mais agradáveis...

"Vá atrás dele, capture-o! Tome-o como seu! Ele não tem que te entender, apenas te satisfazer... ME satisfazer!" Não que ele tenha dupla personalidade, Youko Kurama e Shuuichi Minamino têm interesses, objetivos e opiniões iguais. Só que como Minamino, por uma razão inexplicável, ele tinha mais controle de seus atos. "E isso já não basta para sermos diferentes?".

- Calado!- estava bravo e rindo-se por dentro ao mesmo tempo...

Já estava fora de casa, indo pra qualquer lugar e levando seus pensamentos. Como youko, não saberia dizer a Hiei tudo o que pensa sem assustá-lo... "Há! O que você fez, então?"...sem assustá-lo e provavelmente perdê-lo! Mas que droga! Estava discutindo consigo mesmo de novo! Kurama conhecia esse tipo de comportamento, provavelmente iria se transformar, mas ainda era dia e as ruas estavam apinhadas de gente, não ia ser uma visão muito agradável.*

De qualquer forma, tinha que achar algum lugar onde pudesse se transformar sem que ninguém o veja. Kurama caminhou a passos rápidos na direção de uma reserva não muito distante. Ao chegar seus cabelos já estavam com um comprimento maior e quando alcançou um pedaço mais fechado da mata sentia que seu ki aumentava rapidamente. Parou. Ainda bem que estava bem escondido de qualquer humano curioso. Era até bom que se transformasse agora, se Hiei o procurasse de noite, e ele nesse estado, não ia agüentar muito e faria uma besteira com certeza...

- Kurama?

Não! Não pode ser! É mesmo a voz que tanto esperou ouvir nesses últimos dias, mas não queria escutá-la agora! "Por que foi aparecer justo agora? Saia daqui Hiei, por favor..." Kurama segurou sua transformação com todas as forças, sem virar-se para ver Hiei.

- Você não estava fugindo de mim, não é? Eu camuflei meu ki...você não sabia que eu estava te seguindo, sabia?

A voz dele...sem sentimento algum. Hiei não demonstrava nada, mas só ouvir seu som já era um castigo, pois o youko estava ficando mais forte que o humano.

- Por que estava correndo, raposa? Estava fugindo de quem?

- De mim...- Kurama virou-se para encará-lo, mas arrependeu-se logo depois perdendo a fala. "Céus, como ele é lindo!", o youko se pronunciara e Kurama teve que dobrar seus esforços para não tomá-lo nos braços e...não! Não podia fazer isso com Hiei, "Certo... como humano não pode, como youko as coisas mudam!"

- Seja claro! O que quer dizer?

- Quero...eu quero...-Kurama tombou no chão. "Esses instintos humanos...".

Hiei foi ampará-lo, mas se afastou surpreso com a expressão do ruivo: seus olhos tão verdes, brilhavam como ouro.

- Vá embora...- tarde demais. A súplica de Shuuichi foi seu último pronunciamento.

Ele estava confuso, seus olhos pediam que ficasse mas sua boca mandava que se fosse. Foi então que percebeu o que acontecia. Ia lidar com o youko, não com o humano. Quando deu por si já estava sendo encarado dos pés à cabeça pela raposa.

- Que bom que não deu atenção a ele e ficou. Temos muito o que conversar...

- Não acho que queira conversar. E eu não vim aqui pra "falar" com você.

- Nossa que mau humor! Acho que posso dar um jeito nisso...

O youko estendeu os braços na direção de Hiei, abraçando-o pelo pescoço e forçando para que se abaixasse. Hiei hipnotizado por aqueles olhos, cedeu e ajoelhou-se ficando na mesmo altura que Kurama que estava sentado. Kurama começou uma exploração em Hiei, descobrindo com as mãos cada pedacinho de seu rosto onde antes podia contemplar apenas com os olhos. A curva delicada das maçãs, os pequenos lábios tão macios ainda virgens, os cílios lhe fazendo cócegas na ponta dos dedos, o pequeno nariz arrebitado que lhe dava um ar infantil. Tão perfeito, mais do que se esperava. O koorime fechou os olhos quando o youko desceu as mãos de seu rosto para o pescoço envolvendo-o como para sufocá-lo apenas com o roçar de seus dedos. Hiei engoliu em seco e Kurama percebeu sorrindo com as reações de seu pequeno youkai. Sem mover as mãos, aproximou o rosto parando a milímetros da boca de Hiei que se mantinha fechada. Hiei sentiu um formigamento em seus lábios ao sentir a respiração quente e instintivamente separou-os. Foi só um pouco, mas o bastante para o youko o invadir e passear com a língua travessa dentro dele. As mãos soltaram o pescoço, que quase pendeu para trás sem apoio, e travaram uma batalha com a capa de Hiei. Ganha a batalha, ocuparam-se do cinto com uma necessidade bárbara enquanto sentia mãos fortes atrás de si. O cinto cedeu, uma mão entrou e buscou a nádega quente e redonda, a outra foi ao encontro do sexo, mas antes que chegasse em seu objetivo, Kurama foi bruscamente puxado para trás. Hiei segurava firmemente seu cabelo, fazendo se encararem.

- Eu não vim aqui pra isso, já disse.- Hiei juntou toda a sua racionalidade de volta para conseguir se conter.

Kurama se assustou. "Por que...o que ele quer afinal?"

- Que eu sabia, o que você sente ele também sente da mesma forma.

- Sim, e daí?

- Por que os seus sentimentos são tão instáveis assim?

Kurama sentiu seu coração parar. Era dor o que viu nos olhos dele, era mágoa que ouviu em sua voz. Hiei soltou o cabelo do youko quando notou que as mãos dele afrouxaram em sua cintura. Conseguira afinal. Sabia que tinha se envolvido demais e que agora iria sofrer por causa disso. Só que não imaginava que iria sofrer tanto. Claro, já sabia que ninguém em sã condição poderia amá-lo, mas presenciar essa verdade, vê-la nos olhos dele, senti-la em suas palavras... Como não adivinhou isso antes? Ele é um youko, que por natureza de espécie tem vários amantes, e não bastasse ser youko, ele é Kurama, o lendário ladrão do Makai, que roubou não apenas objetos materiais, mas também o coração de vários youkais. E indubitavelmente, ele já fazia parte desses youkais. O seguiu justamente com a vã esperança de saber que seria retribuído em seu amor, esperança que morreu por completo em seu íntimo ao ver nos olhos do youko seu verdadeiro desejo. Tão diferente do que esperava encontrar mas, também, tão provocador que se deixou levar, conduzido pelas ordens daqueles olhos cheios de desejo. Como era fraco!

- Não confunda as coisas, koorime de fogo.- sua expressão habitual voltara- O que EU disse antes tem tanta validade quanto o que EU fiz agora. Só que você já devia saber que, como youko, as palavras são simples frescuras perto dos atos.

Já haviam perdido muito tempo com esse falatório, Kurama levantou-se, pretendendo uma nova investida puxou Hiei para si. Se ele quer provas, darei ao meu jeito. Hiei, por sua vez, não fez nada, não expressou nada, estava apenas imerso em seus pensamentos, na verdade, estava afogando-se em um mar de sentimentos turbinados. Sentiu de novo aquela dor terrível em seu peito, comprimindo-o, a garganta secando e os olhos ardendo. Não sabia o que fazer, o que pensar. Queria ter a facilidade de controle dos seus sentimentos, mas nem distinguir o que sentia conseguia! Saindo de seu devaneio, deparou-se com Kurama, não exatamente com Kurama, mas com seu peito, displicentemente coberto pelo tecido branco e duas volumosas mechas de cabelo emoldurando cada ombro e iluminando ainda mais sua visão. Estavam abraçados, Kurama o abraçava e só.

- Eu quero você só meu. Me diga: você quer ser meu? Quer que eu lhe mostre como?

Sentia-se usado em sua maior fraqueza, no que era mais inexperiente: expressar-se. Expressar seu amor. Queria, como queria, que justamente ele o ensinasse tudo o que queria saber. Seu corpo pede isso, mas seu coração treme, treme por não saber o que vem depois.

- Atos não confirmam nada. E eu quero a confirmação do que você me disse há uma semana atrás.

Kurama afastou-se num ímpeto. Isso já era demais! Como pode existir uma pessoa tão cabeça-dura? Que tipo de confirmação ele quer afinal?

- Você não confia em mim? Como pode dizer que atos não confirmam nada? É com atos que se percebe realmente o que uma pessoa quer da outra, pois falar e não fazer é muito fácil. A confirmação do que se deseja acontece quando você se pega num ato que não foi premeditado, quando você faz o que quer inconscientemente, simplesmente porque gosta, porque isso te dá prazer!- parou analisando a expressão espantada de Hiei, "ele levou dois dias pra voltar desse jeito? Que tipo monstro eu criei?" respirando fundo continuou- Consegue entender? Se eu não gostasse de você não faria isso. Consegue entender o que eu quero?- Aproximou a mão do rosto dele, mas foi revidado com um tapa.

- Claro que consigo entender. É você que não entende o que eu quero! Por que não fala o que eu quero ouvir? Por que não fala...- foi interrompido por um beijo forte e selvagem, como um castigo de Kurama.

- Só isso? Era só isso?- Kurama estava com uma expressão calma e sorridente- Eu te amo, Hiei. Mais do que você poderia duvidar. E não se preocupe que, enquanto você me dá o que eu quero, vai escutar muitas vezes essa frase.

Hiei sentiu seu sangue ferver e subir para o rosto.

- Não é nada disso! Você não entendeu, nada!- gritou desvencilhando-se do abraço- Você não confirmou, não me deu nada!

- O problema sou eu, não é?- o youko perdera a paciência- Você não confia no youko, confia apenas no Shuuichi. Queria ouvir isso dele, queria estar com ele, não comigo. Estou errado?- Hiei não conseguiu dizer nada- Pois sabia, youkai, nunca vai ter um sem o outro. EU sou um só, uma só pessoa, um só espírito. Por isso que "o que eu sinto ele sente da mesma forma", tanto que até o corpo é um só, EU sofro uma mutação até virar youkai. EU não troco de corpo, nem de personalidade, apenas os instintos de youko se prevalecem sobre os humanos e vice-versa.- "Não faça isso!"o instinto humano quer dar a palavra?, pensou. Ele me obrigou a isso!- Mas se você quer tanto, Hiei....

- Você ficou louco? Não foi isso que eu quis...- Hiei parou ao perceber que a raposa se transformava em humano de novo- o que você está fazendo?

- Estou te dando aquele que você quer... Hiei, eu não queria que fosse assim. Queria que pudéssemos resolver isso de uma outra forma...com minha outra forma...eu não consigo entender!-Kurama encarou-o de repente – Pensei que já estivesse acostumado com essa minha...situação. Mas se você não me quer como youko e não vou...

- Pare de falar bobagens, kitsune! Não tem nada a ver com você ser youko ou humano! Mas que droga! Por que tem que tornar tudo tão complicado? Por que não me ouve, não me deixa falar?

Kurama não se mexia, sabia que isso iria acontecer. Como youko não conseguiu se segurar e queria ter logo seus desejos atendidos. Hiei estava certo. Não o escutara e ainda não entendia o que ele queria dizer com tudo aquilo. "Esperava que quando ele voltasse, voltasse ainda com dúvidas da revelação que lhe fiz, e que eu estaria pronto para respondê-las. Mas nem esperei pela resposta dele a minha pergunta! Se ele aceita o meu amor, se ele me aceita...se ele me ama."pensou arrependido de não sido mais forte que sua vontade de youko. Hiei voltara confuso e ele ao invés de ampará-lo, deu atenção apenas aos seus instintos, no final, estava tão confuso quanto ele.

- Eu entendo tudo o que você disse, mas não entendo o que você faz.- Hiei estava mais calmo agora e falava pausadamente, como para se fazer entendido de vez- E, pode parecer ilógico, mas falar também é uma forma de ato.O ato de falar...- Hiei esforçava-se para por os pensamentos em ordem-...é tão importante quanto o ato de agir, de mostrar. Você...eu não quero que você fale sobre o que sente, mostre o que sente desse jeito. Eu já sei que não é nada, eu sei que pra você não sou eu quem decide, mas não quero ser seu brinquedo!

Apesar de Hiei quase ter gritado a última frase, para Kurama foi como um sussurro martelando em sua mente inúmeras vezes "não quero ser seu brinquedo...não quero ser seu brinquedo...não quero ser seu brinquedo...". Ainda não tinha assimilado direito o significado dessas palavras desde que foram pronunciadas da primeira vez, sabia que eram duras e que machucavam, mas não entendia por que. Suas pernas falharam e ele ajoelhou-se antes que caísse, tinha o olhar vazio apesar de estar mirando Hiei. Este incomodava-se com o olhar da raposa, pois tremia por dentro, tinha desafiado a vontade do youko. Não sabia se ansiava pela reação dele ou pela sua própria reação, de sair correndo, resguardar-se em algum lugar distante e chorar por horas infindáveis todas as pérolas que ameaçam cair, ali mesmo, diante de Kurama. Hiei nunca experimentara sensações como estas antes. Suava frio, o peito arfava, mantinha os braços paralelos ao corpo e as mãos apertadas, fincando as unhas na carne. "O que está acontecendo comigo?". Sabia que se entregando ao desejo, passaria algumas semanas, talvez alguns meses, ao lado dele. E sabia que seria feliz, feliz por tê-lo como se fosse seu e somente e tanto, que não suportaria os anos seguintes depois da provável dispensa de Kurama. Iria sofrer mais admitindo esse amor do que escondendo-o e privando-se de ser...ser feliz. Não estava acostumado a usar essa palavra e não iria acostumar-se nunca...

Não se deram conta de quanto tempo ficaram assim, parados, um encarando o outro sem dizer nada. Kurama piscou três vezes até voltar seus pensamentos para a realidade. Enfim, entendera o que Hiei queria lhe dizer. Um koorime de fogo virgem provara que sabia mais sobre o amor do que ele, mesmo com todos os seus anos de experiência. E pensar que seria o "professor" dessa história...

- Kurama...- já tinha tomado sua decisão, era apenas questão de juntar fôlego e falar, só isso. Por que era tão difícil!

- Hiei, eu errei, me desculpe!-estava perdendo-o de novo- Por favor, me dê mais uma chance!-Kurama levantou-se indo na direção de Hiei- Eu sei que posso...

-...não posso mais te ver.

Num instante, Kurama se viu sozinho, no meio das árvores, com a mão estendida para o nada e com a face coberta de lágrimas. Abaixando a cabeça lentamente, a mão antes estendida pendendo fracassada ao lado do corpo, os olhos fechando-se em desespero. Tentando negar a si mesmo o pesadelo do qual fazia parte, Kurama não notou um brilho negro que se fazia presente entre a grama alta.



* A opinião da personagem não é obrigatoriamente a da autora, e acho que dos leitores também!^_^

Capítulo 3
Umi no Kitsune
 
 
 
 
 
 
 
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