Biografia da Amargura
Yoko Hiyama
 

Capítulo 11 - Dias de Desespero

- Que droga! Amanheceu e nem comecei a dormir. - Kanashiro resmungou quando os primeiros raios de sol entraram pelo quarto.

Ele tinha passado a noite olhando aquele diário de Kurama, em busca de alguma informação nova, mas não conseguira muitas evoluções. A única coisa que percebeu foi que em muitas páginas, Kurama escrevia o nome de Hiei repetidas vezes, como se lembrasse dele o tempo todo, mesmo durante o seu estudo.

- Com certeza, o sentimento que unia aqueles dois era muito forte...

Mas o que realmente intrigava Kanashiro eram as várias páginas e nomes em código que, por mais que ele quebrasse a cabeça, não conseguia entender. Ele teria que pedir auxílio de Kurama para compreender.

- Bom... acho que vou tentar dormir um pouquinho.

******

- Kurama-Sama, que códigos são esses?

Eu não consigo entender nada.

- São códigos dos nossos planos terroristas.

- Pode me explicar?

- Acho que não... já esqueci as palavras chaves faz tempo. Era um código bem complexo.

- É uma pena...

- Mais alguma pergunta?

- Durante todo esse tempo, Manabu não te importunou mais?

- Ah... ia chegar nesse ponto. Em um ano de pequenos ataques terroristas, acho que não passaram de três, Manabu descobriu que as ordens vinham da minha penitenciária e uniu as coisas rapidamente . com isso, ganhei uma visita indesejada.

- Como foi essa visita?

- Eu estava na biblioteca estudando, Katsui estava me ajudando a organizar os livros. Foi quando um guarda se aproximou.

- Minamino Shuuichi?

- Sim.

- Você tem visita.

- Quem é?

- O grande imperador dos Três Mundos, Manabu-Sama.

- Mas que merda! - Kurama falou baixinho.

- Eu vou com ele. - Katsui se prontificou.

- Não. Manabu-Sama quer falar com ele a sós.

- Entendo. - Kurama se levantou e entregou suas anotações para Katsui. - Segure isso.

- Tudo bem.

Kurama seguiu o guarda até a sala onde Manabu lhe esperava.

- Bom dia Manabu-Sama!!! - a voz de Kurama saiu mais irônica do que desejava - Faz tempo...

Como resposta, Manabu lhe deu um tapa que fez Minamino perder o equilíbrio.

- Sua raposa piranha! Pensa que eu não sei o que está fazendo?

Kurama secou o sangue do nariz e respondeu.

- Do que está falando?

- Você sabe. Esses ataques comandados por você. Pensa que eu sou estúpido?

- Ah... eu li sobre uns ataques às suas bases... Manabu, você não deveria estar tão nervoso, foram ataques tão inofensivos! Acho que você está desesperado com pouca coisa.

- Por que está fazendo isso comigo?

- Eu não estou fazendo nada. Me deixe em paz, Manabu. Eu sou e sempre serei seu inimigo. Compreenda isso!

- Você será meu um dia, Kurama... só eu posso tirá-lo desse lugar.

- Ficar aqui é bem melhor do que ser seu.

- Logo você mudará de idéia.

- Do que está falando?

- Eu não estou gostando nada da sua atitude. Parece que você não se preocupa com seu irmão escravo...

- Maldito! Deixe o meu irmão fora disso!

- Eu soube que a sua mãe faleceu... eu lamento muito por isso... mas agora, se eu não me engano, seu irmão é a única pessoa que você tem. Escute! Se você comandar outro ataque, seu irmão vai sofrer as conseqüências! E avise aos seus companheiros que eu matarei todos eles se descobrir outro ataque organizado por vocês! Ninguém vai brincar comigo!

- Por que não me mata de uma vez, Manabu?

- Porque eu te amo, Kurama! E eu quero que você seja meu.

- Você só poderá ter o meu cadáver.

- Vamos ver... você diz isso mas a cada dia está mais próximo de mim. Eu não me importo de esperar. Acho que é tudo. Se cuide, Kurama. Ah! E quando Yomi te visitar novamente, diga a ele que é preciso muito mais inteligência para me fazer de tolo. É melhor ele tomar cuidado.

- Vá embora Manabu!

******

- Manabu se foi e eu fiquei completamente perdido.

- Que droga! Não é a toa que esse desgraçado ficou tanto tempo no poder.

- Quando ameaçavam o poder dele, Manabu parava de brincar e passava a jogar sério.

- E o que você fez?

- Minha primeira atitude foi ter uma conversa séria com Katsui.

******

- O que aquele desgraçado queria com você?

- Garantir a tranqüilidade do governo dele.

- O quê?

- Ele descobriu que as ordens dos ataques saíam todas daqui e que eu era o líder do grupo resistente.

- Merda! Como ele descobriu isso?

- Só consigo pensar que tem um traidor entre nós.

- Não é possível.

- De qualquer forma, eu vou parar os ataques por enquanto. Lógico, vamos continuar a trabalhar e a bolar novos planos, mas teremos que controlar mais a circulação de informação.

- Você está dizendo que vamos parar? Mas tem um plano quase pronto pra ser colocado em prática na semana que vem.

- Eu sei disso, Katsui. Mas Manabu prometeu que se continuássemos os ataques, ele mataria a todos! Inclusive o meu irmão Shuichi.

- Todos nós sabemos dos riscos dos nossos atos.

- Mas agir agora seria suicídio! Eu sou contra!

- Bom, essa decisão é muito importante pra ser tomada por nós dois. Vamos colocar o ponto em votação.

- Eu concordo. Se a maioria quiser continuar, eu não vou me negar.

- Vou começar a passar os bilhetes.

- Espere. Tem mais coisa.

- Mais ainda?

- Ele também ameaçou Yomi.

- Droga! Temos que avisá-lo.

- Pior que ele disse que sua próxima visita ia demorar. Tenho que arranjar uma saída.

- Tomara que ele consiga libertar o filho e seu irmão. Essas crianças têm que ficar afastadas disso.

- É verdade. Não dá pra fazer muita coisa com essas crianças correndo perigo.

- Bom, vamos parar de falar e preparar isso logo.

- Tá! Tá!

******

- Qual foi o resultado?

- Logicamente, decidiram por interromper o trabalho pelo menos até descobrirmos os traidores. Mas todos continuaram o trabalho duro e eu me dediquei completamente aos estudos e treinos físicos com Katsui.

- E vocês avisaram Yomi pra tomar cuidado?

- Sim. Por sorte, um dos presos ganhou liberdade e eu mandei uma carta para Yomi por ele, pedindo prudência. Parecia tudo resolvido, mas, como sempre, eu voltei a encarar a influência que Manabu tinha na minha vida.

- O que ele fez?

******

- Merda! Eu odeio lavar os corredores! - Katsui molhou o esfregão na água e sabão com raiva.

- Faça o trabalho direito ou não forcarão a limpar tudo de novo.

- Eu preciso sair daqui... não agüento mais esse lugar.

- Jura?

- Quer apanhar, Cabeça Vermelha?

- Não, obrigado.

Um guarda interrompeu o diálogo.

- Minamino Shuuichi, você está condenado a um mês na solitária.

- O quê? O que eu fiz?

- É a punição decretada por Manabu-Sama por liderar movimentos contra ele. Você teve sorte por não ter morrido. Venha comigo.

- Mas isso é um absurdo! - Katsui gritou - ele não vai!

- Não resistam, por favor! Será pior pra vocês.

- escute aqui, seu... - Kurama segurou o braço de Katsui.

- Não faça isso. Será pior...

- Eu vou com você pra lá.

- Não! Você tem muito material pra proteger. Se os dois forem pra solitária nossa cela será revistada e se descobrirem os códigos, morre todo mundo.

- Eu não posso me conter.

- Acalme-se! Eu tenho que seguir os guardas, senão ele vai desconfiar de alguma coisa. Nos vemos daqui a um mês.

- Você tem certeza disso, Cabeça Vermelha?

- Tenho.

Kurama lhe estendeu o esfregão e seguiu o guarda.

******

- E como era a solitária?

Uma caixinha de madeira sem espaço suficiente sequer pra deitar. Eu não esperava que fosse tão ruim. Quase enlouqueci em um mês. Enquanto eu tive voz, gritei para que me tirassem dali e coisas contra Manabu.

******

"Faz quanto tempo que estou aqui? Nessa caixa não se pode saber quando é dia. "

"É abafado... tenho dificuldade em respirar, o calor é infernal!"

"Quero sair daqui, preciso sair daqui!"

"O único alimento que me dão é pão e água. Eu não como, não bebo. Não consigo!"

"O cheiro é horrível... beira o insuportável! Na verdade, o inferno não poderia ser pior do que essa caixa."

"Eu me sinto com febre, minha cabeça dói. Até dormir é um trabalho difícil.."

"Quando percebo que o desespero está me dominando, mordo a língua para manter minha mente sã. Tenho que sobreviver, não posso me entregar a loucura. Tenho que agüentar!"

******

- Quando abriram a caixa, tiveram que me levar para o hospital, onde gastei mais dois meses em uma espécie de coma vigilante. Eu tremia, delirava... bom, pelo menos foi o que me disseram quando eu acordei. Fora o coma, eu fui tomado por uma dezena de infecções e uma pneumonia que quase me levaram a morte.

- Que coisa horrorosa!

- Mas eu sobrevivi. E o meu ódio por Manabu aumentou ainda mais.

- E você voltou à solitária novamente?

- Umas quatro vezes. Mas ficava horas, no máximo um dia. Se fosse mais, eu não suportaria.

- E quando você voltou pra cela, como Katsui te recebeu?

*****

- Cabeça Vermelha?! Eu pensei que você estivesse morto.

- Eu quase morri. Nunca desejei tanto a morte quanto no tempo em que fiquei preso naquele lugar.

- Você chegou na hora certa. Descobrimos o traidor.

- Mesmo?

- Sim. Ele denunciou todos os nossos aliados que estavam fora da cadeia. Manabu matou todos.

- Quantos morreram?

- Trinta.

- Trinta companheiros mortos por causa desse traidor? Maldito, ele vai ter que pagar caro!

- Seu companheiro de cela o mantém preso o tempo todo. Mas nós temos que decidir o que fazer com ele.

- Quando vai ser a próxima reunião?

- Hoje, na hora do banho.

- Eu vou resolver o assunto.

******

- Vocês se reuniam no banheiro?

- Era o único lugar que não éramos vigiados. Nós podíamos até nos matar ali dentro. Então todos se enrolavam nas toalhas, abríamos os chuveiros e discutíamos os problemas. Isso acontecia uma vez por semana.

- E como foi a reunião?

******

- Kurama-Sama, o senhor está vivo?

- Sim, e estou de volta para decidir a punição do traidor. Tragam ele.

Um youkai baixo, muito magro e coberto de escoriações certamente causadas pelas pancadas que tinha levado foi colocado de joelhos diante de Kurama por dois presos.

- Por favor, Kurama-Sama! Me perdoe! - ele implorou em meio aos soluços.

- O seu crime é grave. Você é responsável pela vida de trinta pessoas! Nossos companheiros! O que tem a falar sobre isso?

- Eles ameaçaram meu filho! Não tive saída, Kurama-Sama!

- Você sabia que entre os trinta que você denunciou havia filhos de nossos companheiros, que todos tinham família?

- Todos concordaram com Kurama.

- Reconsidere Kurama-Sama! Eu não podia deixar o meu filho morrer!

- Eu não posso deixá-lo vivo. Você atrapalhou nossos planos demais, não posso correr o risco de ser traído novamente.

- Deixe eu cuidar dele, Kurama-Sama. meu irmão foi executado graças a esse maldito.

- Faça isso.

******

- Ele foi morto e o seu corpo ficou ali no banheiro. Todo mundo passou um dia na solitária graças a isso.

- O senhor foi bastante frio. Mesmo sabendo que ele estava protegendo o filho o condenou sem hesitar.

- Passar um mês na solitária começou a provocar uma mudança em mim. Eu me tornei ainda mais frio e isso aumentou cada vez mais com o tempo. Chegou uma época em que eu destruía qualquer coisa que ficasse no meu caminho.

- Isso é assustador.

- Katsui também não entendeu a frieza do meu julgamento e resolveu conversar comigo.

******

- O que aconteceu com você, Cabeça Vermelha? Você condenou o cara sem hesitar mesmo sabendo que ele tinha feito aquilo pelo filho.

- Tinham muito mais vidas em jogo do que a daquele traidor. Inclusive a do meu irmão. Se ele nos denunciasse novamente, todos morreriam. Não posso me arriscar.

- Não estou dizendo que não tinha razão e sim que esse tipo de comportamento não combina com o seu modo de agir.

- Um mês na solitária muda um homem.

- Você não tomou essa posição para se vingar do tempo que sofreu não solitária graças às denúncias daquele maldito?

- Não sei. Se aconteceu isso, não foi intencional. Eu sempre procurei afastar os problemas pessoais das decisões políticas.

- Mas esse tipo de coisa é difícil de esquecer.

- É.... talvez...

******

- Descoberto o traidor, eu decidi voltar aos ataques a Manabu. Preparei um em especial como vingança pela ordem que o desgraçado deu de me colocar na solitária.

- O que o senhor fez?

- Bolei um plano para seqüestrar dois aliados de Manabu. Arranjei dois guerreiros fortíssimos que se ofereceram para fazer o serviço. Passei um mês bolando uma estratégia perfeita e finalmente consegui.

- O senhor seqüestrou os dois?

- Sim.

- E o que fez com eles?

- Eu mandei enterrá-los vivos.

Kanashiro deixou a caneta cair como o choque.

- O senhor fez o quê?

- Mandei que o enterrassem vivos. Manabu recebeu o mapa com a localização deles no dia seguinte.

- E qual foi a reação dele?

- O desgraçado ficou furioso, mas, dessa vez, ele não teve como ter certeza de que o ataque tinha vindo de mim. Ainda mais um ataque tão bem planejado... ele nunca encontrou uma pista de quem tinha feito aquilo. Foi uma operação perfeita em todos os sentidos. Depois daquilo, eu ganhei ainda mais respeito dos outros presos. Às vezes, até os guardas me chamavam de Kurama-Sama. eu era quase que temido.

- Caramba, Kurama-Sama! Eu não sei o que dizer.

- Quero deixar claro que, em todas as vezes que eu fui líder de uma organização, fui frio e direto. Como Manabu, eu nunca brinquei em serviço, nunca joguei pra perder.

- O senhor sacrificaria um grande amigo para salvar o grupo inteiro?

- Não tenha dúvida disso. Eu nem hesitaria.

- No começo, o senhor não era assim.

- Bem, como eu falei, aconteceu uma mudança gradual comigo. Foi a forma que eu encontrei para resistir às adversidades. Eu coloquei o meu ódio por Manabu em primeiro lugar e não mediria esforços e nem sofrimentos para destruí-lo. Porém, atenção! Eu não deixava a honra de lado, nem meu orgulho. Era cruel nos momentos de necessidade e nunca por diversão. Eu nunca joguei vidas fora como Manabu fez. Sempre dei valor à vida.

- Disso eu não tenho dúvidas, Kurama-Sama.

- Kanashiro-San, eu estive pensando... Acho que este livro vai ajudar as pessoas a perder de vez essa idéia de que eu sou um deus.

- Não sei... sua biografia até esse ponto está sendo completamente heróica. Exatamente como as pessoas imaginavam.

- Acredito, não continuará sendo assim por muito tempo...

- Kurama-Sama, acho que os dois precisam de uma pausa. - Hiren interrompeu.

- Está bem. - Kurama concordou.

- Acho que eu estou precisando de um banho para relaxar. - Kanashiro se levantou passando a mão pela cabeça - Sinceramente, Kurama-Sama, ainda não sei como fazer pra colocar tudo isso no papel... é tudo... tão diferente...

- Você terá bastante tempo pra pensar nisso. Me leve para o jardim, Hiren? Quero ver minhas flores.

- Claro, Kurama-Sama.

- Continuamos em três horas, Kanashiro.

- Certo.

- Ainda temos muitas horas de depoimentos pela frente...



Capítulo 12
Biografia da Amargura
Yu yu Hakusho
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