Biografia da Amargura


Yoko Hiyama
 

Capítulo 4: Lembranças dolorosas
 

- Bom dia, Kanashiro. Parece que você não seguiu o meu conselho. Suas olheiras estão ainda mais profundas.

- Kurama-sama, tão cedo já acordado? - Hitsuke estranhou.

- Ei! Eu não acordo tarde. Eu gostaria muito mas Hiren não me permite. É que normalmente eu tomo meu café da manhã na cama. Mas hoje eu decidi lhe acompanhar.

- Por que?

- Hiren e eu concordamos que é pouco educado deixar um convidado comer sozinho. Por isso, decidi acompanhá-lo.

- Bom-dia, Hiren. Obrigada pela preocupação.

- Bom-dia, Kanashiro-sama. Bom apetite.

- Sabe, Kurama-sama, isso é até propício para mim. Eu não consegui dormir essa noite, com a cabeça cheia de perguntas. Mas estas não fazem parte propriamente do meu trabalho e sim de uma forma pessoal de pensar.

- Se eu puder lhe ajudar...

- Bem, Kurama-sama, o senhor tem alguma noção de como é considerado por todo o povo dos Três Mundos Unificados?

- Como assim?

-  O senhor sabe que é praticamente considerado um Deus vivo?

- Recebo centenas de cartas por dia que não me deixam esquecer isso.

- Eu não entendo. A imagem que eu fazia do senhor é tão diferente...

- Você me imaginava como uma divindade?

- Mais ou menos.

- Lamento decepcioná-lo, Kanashiro-sama. Eu sou um simples humano.

- O senhor sabe dos movimentos que querem a sua volta ao trono?

- Ai, nem me fale disso.

- Kanashiro-sama, nós somos constantemente procurados por líderes desses movimentos. - Hiren explicou.

- Eu estudei todos eles. Alguns são gigantescos, fortíssimos, destruiriam o atual rei em horas e lhe dariam poder total novamente, Kurama-sama.

- Acontece, Kanashiro-san, que eu não tenho o mínimo interesse de voltar ao poder. Eu deixei tudo reconstruído e recuperado para que as coisas andassem sozinhas depois que eu deixasse o poder. Eu saí por minha própria vontade e não pretendo voltar nunca. Se depender de mim, nem ultrapasso as fronteiras das minhas terras até a morte.

- Mas, Kurama-sama...

- Kanashiro, olhe para mim. Você está falando com um youko/humano nos seus últimos dias de vida e não com um imperador absolutista.

- Kurama-sama, por favor... - Hiren interrompeu.

- Eu sei que você não gosta que eu fale assim, Hiren. Mas a realidade tem que ser encarada de frente.

- Kurama-sama, as pessoas te veneram lá fora.

- Nem todas, acredite...

- Mas a grande maioria.

- Olhe, Kanashiro. Vou lhe dizer uma única coisa que encerrará esse assunto: Eu acredito que somente uma pessoa vai sentir verdadeiramente a minha morte. E essa pessoa é o Hiren. Fora ele, não acredito nem confio em mais nada.

Hiren abaixou a cabeça, sorrindo discretamente. Já Kanashiro fechou os olhos e decidiu colocar esse assunto de lado.

- Kurama-sama, coma mais um pouco.

- Não quero.

- O senhor anda comendo muito pouco, Kurama-sama. Assim vai ficar doente. Eu vou fazer uma vitamina para reativar o seu apetite.

- Tá, mamãe.

- E não seja malcriado.

- Claro que não, mamãe. Longe de mim!

Hiren sorriu e foi para a cozinha preparar a prometida vitamina.

- Antigamente eu é que fazia essa vitamina maldita quando ele não comia. Ele aprendeu a receita comigo... Veja como são as coisas...

- O que vai se fazer?

- Tomar a vitamina e comer mais. Esse é o meu destino.

Kanashiro sorriu.

- A propósito, que horas quer começar o depoimento?

- Hoje começaremos um pouco mais tarde, quero lhe mostrar as minhas plantas. Não consigo ficar muito tempo dentro de casa. Vamos lá?

- Claro!

- HIREN, VOU VER O JARDIM!

- PONHA O AGASALHO!

- Viu? Esse é o seu grande imperador dos Três Mundos, idolatrado por milhões...

Kanashiro riu e empurrou a cadeira de Kurama até o exterior da casa. Ele ficou algum tempo mostrando suas plantas para o escritor, que chegou a anotar muitas das informações de Kurama, que eram sempre seguras e interessantes. Mas o passeio foi interrompido por Hiren.

- Kurama-sama, tem um copo de vitamina e biscoitinhos esperando pelo senhor na sala.

- Já vi que não vou conseguir fugir dessa vitamina.

- Não mesmo. O senhor precisa comer mais.

- Kanashiro, se eu sobreviver a essa vitamina, começamos o depoimento de hoje.

- Certo.
 

*****
 

- Onde paramos?

- Hum? Na morte de Keiko...

- Ah sim... A partir daí eu e Hiei decidimos voltar para a cidade em busca de trabalho, afinal, precisávamos de dinheiro para ajudar no sustento de Yukina e da mamãe. Acho que essa foi a pior decisão da minha vida.

- Por que?

- A partir do dia em que voltamos para aquela cidade, minha vida se tornou uma desgraça.

- Me explique melhor.

- Logo quando chegamos, nós dois nos instalamos numa espécie de cortiço. As pessoas viviam nos escombros das casas e trabalhavam 14 horas por dia para sustentar a dominação de Manabu. E elas eram sortudas pois não eram escravos. Na verdade a maioria eram youkais, com apenas algumas mulheres e crianças humanas. Como eu já disse, os homens humanos foram todos escravizados.

- Quanto tempo o senhor trabalhou ali?

- Três dias.

- O que?

- No final do terceiro dia, aconteceu a tragédia que estragou metade da minha vida.

- O que?

- O assassinato de Hiei.

- Como foi o assassinato dele?

- Eu não me lembro muito bem dos detalhes... Foi tudo tão rápido...
 

*****
 

- Que merda de vida! - Hiei se queixava - Acho que vamos ter que deixar o Ningenkai assim que conseguirmos um pouco de dinheiro.

- Pra que? A situação não deve estar muito melhor no Makai, considerando o número de youkais que saíram de lá para enfrentar essa porcaria que virou essa cidade.

- Talvez você tenha razão.

- Eu estava pensando em ir ao Reikai, atrás do meu irmão. Eu soube que eles estão trabalhando por lá.

- Pobre garoto. Deve estar sofrendo muito...

- Bem... de uma coisa tenho certeza. Não podemos ficar aqui por muito tempo. A situação é insustentável.

De repente Hiei se posicionou em alerta.

- O que aconteceu, Hiei?

- Ouvi um barulho esquisito.

Kurama foi até a janela e viu um grupo de soldados youkais.

- Hiei! Eles vieram atrás da gente.
 

*****

- Foi rápido demais. Os youkais eram mais numerosos e muito mais fortes, entre eles estava um demônio com uma cicatriz horrenda no rosto que me atacou prontamente. Com tantos ataques tão poderoros, eu logo perdi a consciência.

- E...

- E acordei um mês depois num hospital penitenciário.

- Um hospital penitenciário? Como assim?

- Já vou explicar. O primeiro rosto que vi foi o de Manabu.

- O que ele fazia lá?

- Veio me transmitir as notícias.
 

*****
 

- Kurama... Você está se sentindo bem?

- O que você está fazendo aqui?

- Eu vim lhe pedir em casamento.

- Como você é teimoso! Entenda que eu nunca me casarei com você. Eu já sou casado.

- Ah, Kurama... Eu lamento demais... Mas o seu querido koorime não resistiu aos ferimentos e acabou falecendo.

- Não... não é verdade... Ele não pode ter morrido!

As lágrimas começaram a deslizar quando Kurama viu que Manabu não mentia.

- Eu lamento, Kurama.

- Hiei... Hiei... não...

Manabu acariciou o rosto da raposa e o abraçou com força.

- Eu estou aqui para lhe consolar. Case-se comigo e nunca mais vai precisar chorar.

- Me solta!

- O que disse?

- Eu disse para você tirar essas patas de cima de mim. Foram os seus soldados que nos atacaram, que mataram Hiei! Eu te odeio! Nunca vou ser seu. Você matou o meu koorime!

Manabu se afastou da cama e falou aquela frase que atingiu Kurama como uma bomba.

- Ora, eu não matei Hiei. Todos dizem que você perdeu o controle e numa fuga, acabou matando aquele youkai.

- O QUE?

- É isso mesmo, Kurama. Diversas testemunhas alegam ter visto você brigando violentamente com Hiei. Elas também disseram que ninguém entrou no apartamento de vocês durante toda a noite.

- Isso é um absurdo!

- Eu também acho e estaria disposto a depor a seu favor junto à comissão investigadora do seu caso. Mas... já que não precisa de mim...

- Eu não preciso mesmo. Essa história é ridícula. Eu provarei minha inocência sem muito esforço.

- Tomara... Seria uma pena se você fosse condenado à morte injustamente.

- Retire-se, Manabu.

- Adeus, Kurama. Nos reencontraremos novamente.
 

*****
 

- Depois daquela conversa eu passei dias e dias chorando. Naquela época eu chorava muito sabe? Mas o meu desespero tinha justificativa. Eu havia perdido o meu amor e estava preso injustamente... Eu nem sequer pude ver o seu corpinho pela última vez... Eu era muito infeliz.

- Eu lamento muito, Kurama-sama.

- Isso é passado, Kanashiro. Deixa pra lá. Eu vou parar um pouquinho...ou melhor, eu vou parar por hoje. Eu sei que mal começamos, mas...

- Tudo bem. Não se preocupe com isso.

- Kurama-sama, o senhor quer alguma coisa?

- Não, Hiren, obrigado. Eu vou me retirar por algumas horas. Com licença.

Kurama saiu da sala.

- Acho que ele não está muito bem. Não vai lá, conversar com ele?

- Não... Tudo que Kurama-sama quer é ficar sozinho. Ele aprendeu a curar suas feridas sozinho.

- Se você diz.
 

*****
 

De noite, Kanashiro foi para a sala na hora do jantar e encontrou Hiren sentado no sofá, lendo, ao seu lado, a cadeira de rodas de Kurama.

- Ué? Onde está Kurama-sama?

- Saiu.

- Saiu? Saiu como? A cadeira dele está aqui. Ele saiu se arrastando por aí?

- Não, - Hiren riu - Ele saiu em forma de raposa.

- Mas como?

- Como raposa, ele gasta metade da energia normal e tem forças para andar. Mas ele só sai assim sozinho muito raramente.

- E você não fica preocupado com ele?

- Ah não... Kurama-sama estava mesmo precisando desse tempo para pensar na vida, ficar um pouco sozinho. Ele está bem. Sente-se aí e acalme-se.

Meia hora depois uma bela raposa de três caudas entrou na sala.

- Kurama-sama - Kanashiro estava deslumbrado com a beleza daquele animal.

Kurama caminhou diretamente para Hiren e pulou em seu colo, aconchegando-se nos seus braços. Hiren sorriu e acariciou o pêlo sedoso da raposa, que, em retribuição começou a lamber sua mão.

- Nunca vi um animal tão belo. - Kanashiro sorriu.

- Youko-sama é realmente muito bonito.

- É admirável!

- Youko-sama, descanse agora, meu querido. O senhor teve um dia longo.

A raposa fechou os olhos e adormeceu.

- É incrível como ele confia em você, Hiren...

- É... nós só temos um ao outro, Kanashiro-sama.

- Percebe-se...

Kurama esfregou o focinho na perna de Hiren com delicadeza.

- Acho que vou carregar esse bichinho para o quarto. Boa-noite, Kanashiro-sama.

- Boa-noite, Hiren.

Hiren levantou-se do sofá com esforço e carregou aquela enorme raposa para o quarto.

- Ai...ai... uff... Pronto! Está na cama. Agora que estamos sozinhos, pode voltar à sua forma humana e falar.

- Hiren... você me conhece tão bem... - Kurama falou depois de voltar à forma humana.

- Tão bem que sei que o senhor só assume a forma de animal quando está doente ou quando está triste.

- O que quer saber, Hiren?

- Se está melhor...

- Estou sim.

- Falar sobre a morte de Hiei te abateu, não foi?

- Ai... - Kurama respirou fundo, - Você tem razão. Está chateado?

- Chateado? Por que estaria?

- Hiren... você sabe. Por causa do Hiei.

- Não... não estou chateado. Eu nunca ficaria chateado com o senhor. Eu te entendo, isso sim.

- Você é uma pessoa admirável, Hiren.

- Está com frio? Vou pegar uma coberta...

- Não mude de assunto, Hiren. Sabe... às vezes eu penso que seria melhor se você me falasse sobre as suas tristezas, do que você não gosta em mim... Essas coisas. É horrível pensar que você possa estar chateado com alguma coisa e não esteja querendo falar comigo.

- Ponha sua mente em descanso. Eu realmente não tenho o que reclamar. Só fico um pouco chateado quando o vejo assim, triste.

Kurama sorriu.

- Está certo, Hiren. Não vou insistir mais com você. Aceito as cobertas.

Kurama fechou os olhos e caiu num sono profundo antes mesmo de Hiren lhe cobrir.

- Boa-noite, Kurama-sama. - Hiren desejou-lhe depois de acariciar seus cabelos brancos com delicadeza.


Capítulo 5
Biografia da Amargura
 

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