Biografia da Amargura


Yoko Hiyama
 

Capítulo 1 - Apresentações
 

- Muito bom dia, Kurama-sama.

- Uh? Que horas são?

- São seis horas.

- Hiren! Onde você está com a cabeça? Está muito cedo... Por que me acordou?

- Porque hoje chega o novo escritor.

- Eu já disse, Hiren. Sem novos escritores.

- Kurama-sama, não seja rabugento. Já conversamos sobre isso. Aqui está o seu café da manhã.

- Hiren! Quando conversamos sobre isso eu lhe disse para desmarcar o encontro com o tal escritor.

- Eu tentei. Mas ele já estava a caminho... Sabe que pra chegar aqui leva tempo... Abra a boca.

Hiren fez com que Kurama engolisse um pouco de mingau e continuou a falar:

- Kurama-sama, eu insisto. Eu gostaria muito que as pessoas tivessem a sua versão da história. Estou cansado de ler aquelas baboseiras que inventam.

- Ora... eu acho aquelas histórias engraçadas... Logo, logo, eu vou morrer e não me importo nem um pouco com o que dizem.

-Não fale assim, Kurama-sama, por favor.

- Ah... Hiren-chan... com 60 anos e ainda agindo como uma linda criança.

- Kurama-sama...

Hiren começou a dar o mingau na boca de Kurama.

-Por favor, Kurama-sama. Eu lhe peço que dê uma chance a esse novo escritor.

- Hiren... Você sabe que esses escritores fazem de tudo para conseguir informações, você sentiu na pele.

- Eu lembro...

*****

- Ei, você!

- Sim? Posso ajudá-lo?

- Pode... respondendo a algumas perguntas.

- Quais?

- Qual é o seu relacionamento com Kurama-sama?

- Sou o criado dele.

- Corta essa! Eu andei pesquisando e souve que você é o único herdeiro dele e que Kurama-sama só confia em você.

- Não sei do que está falando.

O homem segurou os braços de Hiren com força.

- Por favor, me solte. Isso machuca.

- Me responda!

- Eu não tenho permissão de Kurama-sama para falar sobre nada.

- Quem precisa da permissão daquele velho caduco? Escute, eu quero fazer uma história muito mais interessante do que devaneios de um velho de 86 anos.

Hiren deu um passo atrás quando aquele homem acariciou seu rosto.

- Kurama-sama te come, não é? E você continua com ele, por causa do dinheiro. Pois eu posso lhe dar muito mais dinheiro e conforto do que ele... se me ajudar.

- Me largue! E por favor saia dessa casa.

- Maldito! Se você se recusar a me dar informações, eu mato os dois.

- Você não tem poder para matar Kurama-sama.

- Qualquer um tem poder para matar um velho youkai paralítico.

- Ah é? Então tente.

- Kurama-sama! - Hiren sorriu ao ver seu amo.

- Largue ele agora!

- A lei me protege. Você não pode me matar.

- Está com medo de um velho youkai paralítico? Saia daqui! Você não vai mais escrever a minha biografia.

- O que? Vai me colocar para fora por causa de um simples criado?

- Hiren! Você disse a ele que era meu criado?

- Sim, Kurama-sama.

- Ele não é meu criado! É meu filho! Eu o adotei há muito tempo. E quem faz algo a ele, faz a mim. Saia!

*****

- Esse escritor é diferente, Kurama-sama.

- Não... ele é como os outros... Não quero saber disso.

- Olha, Kurama-sama. Pelo menos veja a cara dele. Se não gostar, mande-o embora.

- Está certo, Hiren... E chega desse mingau.

- Não gostou?

- Não tenho fome a essa hora da manhã.

Hiren sorriu.

- Está certo. Agora eu vou te dar um banho e te preparar...

- Hn!

- Venha, me ajude a te colocar na cadeira, eu não tenho mais forças para te carregar. Estou ficando velho, sabe?

- Ora Hiren... você é uma criança.

- Uma criança de 60 anos.

- Céus... 60 anos! Sabe o que isso quer dizer?

- O que?

- Que eu já tenho longos e dolorosos 86 anos...

- Ai... vamos nós. No três... um... dois... três!

- Ai meus ossos!

- Isso, viu? Não foi tão difícil.

- Foi mais difícil do que ontem.

- Que velho resmungão... Vamos pro seu banho.

- Quero um beijo antes.

- Tá bom. Mas só um beijinho.

Hiren se ajoelhou e encostou seus lábios nos de Kurama, num suave beijo. Em resposta, a raposa acariciou os cabelos e o rosto de Hiren.

- Você sempre será a minha criança.

- E agora, meu galanteador... banho!

- Tá... desde quando você ficou tão chato?

- Desde o seu aniversário de 80 anos, principalmente.

- Hn...

- Vamos para o banheiro.

Hiren empurrou a cadeira de rodas para o banheiro e começou a preparar a banheira.

- A água tá pronta. Quentinha do jeito que você gosta. Agora tire essa roupa...

- Hum... agora estou entendendo a sua pressa em me dar banho...

- O senhor anda muito safado. - Hiren puxou a blusa e depois a calça, deixando-o nu, e o levou para a banheira.

- Hum... que delícia!

- Kurama-sama, não quero que o senhor seja amargo com o escritor.

- Tá pedindo demais.

Hiren começou a ensaboar Kurama.

- Eu vou preparar uma roupa bem bonita para que o senhor receba o escritor, lindo de morrer.

- Isso vai ser um pouquinho difícil... Sabe como é, muitas pelancas...

Hiren riu e continuou a banhar Kurama e depois o vestiu.

- Estou parecendo um boneco.

- Tá lindo, Kurama-sama!| Agora é só esperar pelo escritor.

- Acho bom que ele chegue rápido. Estou morrendo de sono.

- Deixa de ser preguiçoso. Eu vou ler um livro pro senhor e o tempo vai passar rapidinho.

- Vá em frente.

- Capítulo 1...
 

*****
 

- Capítulo 13...

- Pare, Hiren.

- Hn?

- Estou cansado. Quero dormir um pouco...

- Está certo, Kurama-sama. Não vou te forçar mais, poderia te fazer mal. Vou te levar para o quarto.

O som da campanhia interrompeu-os.

- Ele chegou, Kurama-sama.

- Não me olhe com essa cara. Pode deixar que eu vou recebê-lo.

- Obrigado, Kurama-sama.

Hiren se retirou e foi receber o novo escritor.

- Bom dia.

- Bom dia. É aqui a casa de Kurama-sama?

- Sim. O senhor é o escritor?

- Sou. Meu nome é Hitsuke Kanashiro.

- Entre, por favor.

- O senhor é Hiren, certo?

- Como sabe?

- Desde que fui chamado, estudei bastante sobre Kurama-sama.

- Isso é bom. Ele se aborrece quando tem que responder a perguntas óbvias.

- Entendo... eu também me aborreceria.

- Bom, já que entramos nesse assunto, gostaria de pedir que fosse paciente com Kurama-sama. Nossa última experiência com escritores não foi das melhores e a desconfiança faz parte da natureza dele.

- Não se preocupe. Vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance.

- Que bom ouvir isso. Vou levá-lo até Kurama-sama.

Hiren levou-o até Kurama, que o recebeu com a cara mais fechada do mundo.

- Bom dia, Kurama-sama. Meu nome é Hitsuke Kanashiro.

- Bom-dia.

- Bom... antes de começar a gravar os seus depoimentos, eu gostaria de saber algumas coisas. O senhor vai falar sobre sua vida inteira?

- Não, Já há muita coisa no mercado falando sobre a minha vida de youko e minha adolescência humana. E todos esses relatos estão bem próximos da verdade. Quero fazer uma biografia a partir dos meus 17 anos.

- Está certo. E quando começamos?

- Ainda não me decidi se vou falar sobre minha vida com você. Quero ver primeiro se é digno de confiança. Eu vou contar coisas que podem mudar a História do mundo. Não quero que interesseiros ponham as mãos na minha biografia.

- O senhor tem razão. Então, temos um problema. Eu tenho muita vontade de escrever sua biografia. mas não tenho como lhe provar que minhas intenções são boas.

- Bom, fique por aqui uns dias. Logo eu vou poder dizer se o senhor é um bom rapaz.

- Eu concordo.

- Hiren, por favor, me leve para o quarto agora. Estou muito cansado.

- Sim, Kurama-sama.

- Com licença, rapaz. Mais tarde, Hiren vai lhe conduzir a um quarto onde o senhor possa se instalar.

- Obrigado, Kurama-sama.

Hiren empurrou a cadeira de rodas até o quarto.

- Gostei de ver... o senhor foi muito educado como o escritor.

- Acredite, não fosse por você, eu o teria colocado a pontapés pra fora dessa casa.

- Tá certo, tá certo...

- Me põe na cama...

- Não, senhor. Eu conheço esse truque. O senhor vai dormir antes que eu possa trocar a sua roupa. Tenha paciência, estou quase acabando de te trocar.

Hiren acabou de colocar o pijama em Kurama e o levou para a cama.

- Está confortável?

- Sim.

- Agora eu vou atender ao escritor.

- Não. Fique um pouco comigo.

- Hum... hoje o senhor está muito carente ou é impressão minha?

- Coisas de velho. Venha cá.

Hiren deitou-se na cama e o abraçou. beijando seus cabelos. Kurama passou os braços por sua cintura, aconchegando-se nele.

- Durma agora, meu querido. Eu te amo e vou ficar com você para sempre.

Kurama fechou os olhos e adormeceu profundamente. Hiren levantou-se da cama e voltou para a sala.

- Me desculpe a demora.

- Tudo bem. Eu sei que cuidar de alguém com cadeira de rodas é complicado. Eu cuidei da minha avó por muitos anos até ela falecer.

- É... dá mesmo um pouco de trabalho. Vou levá-lo para seu quarto, assim poderá descansar.

- Eu agradeceria muito.

- Por aqui, por favor.

Hiren indicou o caminho do quarto para Hitsuke.

- Essa casa é muito bonita...

- Eu também acho. Gosto muito desse lugar. Aqui está seu quarto. Normalmente o almoço é servido às duas, mas toda essa agitação acabou por cansar Kurama-sama. Então eu vou servir a comida uma hora mais tarde.

- Por mim, está certo. Poderei descansar um pouco.

- Até mais tarde, senhor. Fique à vontade.

- Até mais tarde.
 

*****

- Estou com fome...

- Lógico. O senhor quase não comeu no café da manhã. Venha, o almoço está servido.

- O que tem pra comer?

- Aquela sopinha que o senhor adora. Kanashiro-sama já está à nossa espera.

- Hum... já estou sentindo o cheirinho...

Hitsuke já esperava na sala e cumprimentou a raposa assim que sua cadeira se aproximou.

- Boa-tarde, Kurama-sama.

- Boa-tarde. Sente-se à mesa, vamos comer.

Hiren fez o prato enquanto explicava a Hitsuke que sua comida era especial.

- É... a comida feita por todos esses criados incompetentes é uma droga. Eu só como o que Hiren faz.

Kanashiro sorriu. Hiren repreendeu Kurama com doçura.

- Kurama-sama, está exagerando... eu contratei os melhores cozinheiros da região.

- Tudo uma droga. Prefiro mesmo a minha sopinha de legumes...

- Eu me rendo, Kurama-sama. Só o senhor mesmo para preferir uma sopinha de legumes a pratos tão gostosos. Agora, abra a boca...

- Hum... isso me dá vontade de viver mais tempo...

- Que ótimo, Kurama-sama.

Kanashiro logo viu que Hiren tinha razão ao dizer que Kurama era um exagerado. A comida estava deliciosa. Ele deu uma garfada, e aproveitando o bom humor do youkai, perguntou:

- Posso perguntar o motivo do antigo escritor ter sido dispensado?

- Ele desrespeitou Hiren.

- Como?

- Eu não sei. Hiren até hoje não me contou a história direito mas quando eu cheguei na sala ouvi ele ameaçando nós dois.

- Hiren... o que ele lhe fez?

- Umas ameaças e insinuações sem importância, não vale a pena falar sobre isso.

- É lógico que vale. Você...

- Não perca seu tempo pedindo a ele para falar. Há décadas eu insisto que ele me fale quando alguém, qualquer um, o humilhasse ou simplesmente lhe faltasse com o respeito, mas ele nunca me fez uma única queixa sobre ninguém...

- Coma, Kurama-sama... - Hiren interrompeu com o tom de voz ainda bem paciente - Me queixar não é da minha natureza...

- Ai, eu não sei o que faço com esse garoto.

Hitsuke não pôde deixar de sorrir ao perceber que Kurama ainda tratava Hiren como uma criança.

- Kurama-sama, a sua biografia será valiosa. É até compreensível que interesseiros estejam atrás dos seus relatos.

- Só espero que o senhor não seja um deles.

Kurama engoliu mais uma colherada da sopa observando a reação de Hitsuke.

- Olhe, não posso dizer que eu não tenha meus interesses nessa biografia. Mas ainda prefiro a minha honra e o meu orgulho. Não pretendo me sujeitar a muitas desconfianças e insinuações e...

- Calma, meu rapaz. Eu estava apenas te testando.

- O que?

- Queria ver sua reação quando eu duvidasse da sua honestidade. Nesse mundo, as pessoas não se incomodam muito em defender sua própria honra. Até parece que ela não tem tanta importância...

- Comigo as coisas são bem diferentes.

- É bom ouvir isso. Agora vamos comer em paz.

- Acho bom mesmo. - Hiren levou mais uma colherada à boca de Kurama, para fazê-lo se calar.

O jantar correu calmo depois daquilo, com Kurama contando feitos do seu passado como gostava de fazer.

- ...e eu não tinha energia, nem força física. O outro era forte e me atacou diretamente.

- E aí? O que o senhor fez, Kurama-sama? - Kanashiro demonstrava interesse.

- Ah... eu plantei uma semente nos meus próprios braços e usei minha energia vital para fazer as plantas crescerem... e venci!

Hitsuke riu e elogiou: - Essa foi bem melhor do que a do cabelo. Muito inteligente!

- Kurama-sama tem histórias fantásticas... - Hiren sorriu, enquanto ia servindo a sobremesa.

- Mas, continue, continue...

- Bom, a essa altura eu já não tinha mais nenhuma energia e veio o terceiro... Por uma esperteza não me deixaram ser substituído e veio um brutamontes gigantesco.

- Nossa! Que covardia! E o que aconteceu?

- Eu tomei umas boas porradas e fui derrotado...

- Que absurdo! E daí?

- O meu amigo Yusuke tomou meu lugar e quebrou o cara em mil pedaços. Foi ótimo...

- Que história!

- Ah... meu amigo Yusuke... Que saudade dele. Esse era um grande cara.

- Kurama-sama, termine a sua sobremesa e vamos trabalhar.

- Trabalhar? - Hitsuke estranhou.

- Claro! Pensou que eu fosse um velho inútil? - Kurama perguntou.

- Kurama-sama recebe mais de 100 cartas por dia vindas de todas as partes do mundo. Nós dois lemos e arquivamos tudo. - Hiren explicou.

- Às vezes, até respondo algumas...

- Isso me parece interessante. Sabe, eu já conheci gente que jogava todas as cartas no lixo, fechadinhas.

- Considero uma coisa dessas um trememdo desrespeito... - Kurama opinou - Não posso responder às cartas mas pelo menos, leio todas, com a ajuda de Hiren. E quanto a você, rapaz, amanhã começamos a fazer os depoimentos.

- Ué? Já se decidiu?

- Gostei de você.

- Sábia escolha, Kurama-sama. Amanhã vou preparar um chá bem gostoso para que os senhores possam conversar.

- Sim, ótimo. Agora vamos para as cartas. Precisamos adiantar essas leituras.

- Sim senhor.

Hitsuke sorriu consigo mesmo e foi atrás dos dois para oferecer ajuda.


Capítulo 2
Biografia da Amargura
 

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