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Com a devida vénia reproduzimos aqui a carta do Presidente da Comissão Política do Núcleo de Macau do Partido Social Democrata, Nuno Lima Bastos, dirigida a Ferreira do Amaral, a propósito do artigo de opinião "Não, o Assunto Não Está Encerrado", publicado no Público de 4/6/00, em que defende a «honra» do general Rocha Vieira. Exmo. Senhor Assunto:
Artigo de opinião intitulado «Não, o assunto não está encerrado»,
inserido no jornal «Público» de domingo passado, dia 4 de junho.
Na
qualidade de presidente do Núcleo de Macau do Partido Social Democrata (PSD-Macau),
venho formalmente manifestar a V. Exa. a minha estupefacção e indignação
pelo teor do texto acima indicado, da sua autoria. Devo
dizer-Ihe, antes de mais, para situá-lo, que há já bastante tempo que a
Comissão Política do PSD-Macau tem vindo a alertar a Comissão Política
Nacional e diversos deputados do nosso partido - através de cartas,
contactos directos e noticias da imprensa local enviadas para Lisboa -
para um conjunto de práticas profundamente antidemocráticas que
caracterizaram a actuação do general Rocha Vieira enquanto último
governador de Macau. V.
Exa. não tinha, naturalmente, que conhecer essas diligências, até por não
integrar aquele órgão nacional do partido.
Mas o que não pode, enquanto candidato presidencial com pretensões
a ser eleito, é escrever e divulgar um artigo de opinião revelador de tão
confrangedor desconhecimento do que foi a realidade recente de um Território
que estava precisamente sob a esfera do titular do cargo a que aspira. A
circunstância acrescida de V. Exa. ser deputado do PSD e o facto de ontem
mesmo ter sido publicado mais um artigo de opinião do mesmo teor, desta
feita pela pena do
nosso eurodeputado Vasco Graça Moura, gera em mim e, estou certo, em
muitos outros militantes nossos a preocupação acrescida de poder vir a
criar-se uma imagem de colagem do general Rocha Vieira e dos seus
colaboradores mais directos ao nosso partido, o que - já o alertei por
diversas vezes - seria desastroso para o PSD. Em
Fevereiro passado, quando me desloquei a Portugal vara participar como
delegado da emigraçã no Congresso de Viseu, afirmei repetidamente, nos
diversos contactos que tive com deputados e membros dos órgãos nacionais
do partido, que a questão de Macau era um trunfo do nosso futuro
candidate às eleições presidenciais (posto que não fosse o próprio
general Rocha Vieira, como alguns «iluminados» terão, porventura, até
certo momento, desejado ... ). Com efeito, a total passividade do Dr.
Jorge Sampaio em relação ao comportamento autocrático
e persecutório de alguns responsáveis
do último governo de Macau constituía um forte «telhado de vidro»
que poderia e deveria ser explorado.
Sintomático do calibre desses senhores é uma afirmação do «braço
direito» do ex-governador na administração do Território e na Fundação
Jorge Álvares, Dr. Jorge Rangel, numa entrevista que deu à
televisão local em 4 de Março passado: «... quem não tem o mesmo
interesse que nós em relação ao futuro de Macau, merece ser isolado
(... ). Merece ser isolado, ser bem identificado». Infelizmente,
V. Exa., com o seu artigo de opinião, desbaratou esse trunfo e, pior que
isso, prestou um péssimo serviço à comunidade portuguesa residente no
Território. No caso concreto dos militantes do PSD aqui residentes, já
havíamos ficado desapontados com o facto de na sessão solene da
Assembleia da República alusiva à transferência de soberania de Macau,
em 14 de Dezembro passado, a única intervenção corajosa e esclarecida
sobre a administração «vieirista» ter vindo de uma força que três
meses antes nem assento parlamentar tinha.
Mais desiludidos ficámos com a ausência do Dr. Durão Barroso nas
cerimónias que aqui tiveram lugar cinco dias depois e com as declarações
que então proferiu em Cabeceiras de Basto, redutoras da nossa comunidade,
que há tantos anos vem votando maioritariamente no PSD. Mas
se toda esta cortina de silêncio e indiferença - para não dizer falta
de coragem política, aliás extensível aos outros grandes partidos, que
nem uma representação aqui conseguem ter - nos tem incomodado
sobremaneira, bem pior que isso só mesmo declarações como as de V. Exa.
e do Dr. Vasco Graça Moura nos dois artigos que já citei. Com todo o devido respeito, mais valia nada terem escrito ou
dito. Que
fique bem claro: não aceitamos colagens do nosso partido ou dos nossos
candidates a figuras que exerceram o
poder em Macau de forma autocrática e persecutória,
com total desprezo por todos os cidadãos portugueses que lhes recusaram
vassalagem.
Contra isso lutaremos com todas as nossas energias.
Portugueses perseguiram outros portugueses neste Território
- se V. Exa. consegue conviver com isso, nós não.
E gostaríamos que nos explicasse quais os superiores interesses de
Estado que ditaram tão odiosas condutas. Recordando algumas passagens do escrito de V. Exa., são verdadeiramente surrealistas as conclusões que ali apresenta: de que a constituição da Fundação Jorge Álvares foi um bom serviço prestado pelo general Rocha Vieira a Portugal, de que foram cumpridos todos os procedimentos legais e de que foram tomadas todas as cautelas políticas! Mas V.Exa. lê jornais (além do «Expresso»)? Pior,
muito pior, é a gritante falta de sentido de Estado, já para não falar
na descortesia, revelada na forma como se dirige ao actual Chefe do
Executivo de Macau e na sugestão de que Portugal deve distanciar-se da
China por causa desta polémica. Mas acaso pensou V. Exa. nos efeitos dessa tomada posição
sobre a comunidade portuguesa do Território, caso seja eleito presidente?
Ou funcionam aqui meros juízos contabilísticos de que
representamos poucos votos (aliás, até que a lei eleitoral mude, não
representamos nenhum voto). A este respeito, permita-me, aliás, que lhe
diga: se alguém em Macau te procurado «pôr água nesta fervura» -
decerto para salvaguardar portugueses que ainda aqui vivem – é o Dr.
Edmund Ho, coisa que V.Exa., com toda a experiência política que possui,
tinha obrigação de já tr percebido. Lamento,
ainda, que V. Exa., enquanto candidato a mais alto dignatário de
Portugal, também adopte a cassete da confusão entre a dignidade do meu
País e a do último ex-governador de Macau e que procure justificar os
comportamentos deste com o superior
interesse do Estado. Lamento,
mas não estranho, pois ouvi essa cassete anos a fio. O que estranho mesmo
é que tal atitude venha de um homem por quem tinha tanta consideração
política e em quem depositava de vir a ser um excelente Presidente da República. Terminava
V.Exa. o seu artigo questionando: «não sei se no 10 de Junho ou noutra
ocasião, por entre a legião
de “amigos” condecorados, não haverá um lugar modesto para
condecorar o último governador de Macau. Se não houver, espero
oportunamente poder vir a reparar a injustiça». Termino, então, eu também
com duas notas: primeiro, em oito anos e meio que esteve no Território, o
general Rocha Vieira «distribuiu», segundo li, mais de mil condecorações
e louvores – como vê, sentir-se-ia como um peixe dentro de água neste
acto -; segundo, o desejo de V.Exa. de repor essa injustiça (e de facto,
o general não vai ser condecorado neste 10 de Junho) é, para mim, razão
mais que suficiente para não lhe dar o meu voto – pela absoluta miopia
política e desconhecimento da realidade que a sua pretensão representa. Mais
informo V.Exa. de que, dada a importância e o carácter público desta
questão e a sua condição de candidato à Presidência da República,
darei de imediato conhecimento do teor integral desta carta ao Presidente
da Comissão Política Nacional, Dr. Durão Barroso. Com
os meus cumprimentos, O
Presidente da Comissão Política do Núcleo de Macau do Partido Social
Democrata. Nuno
Lima Bastos
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