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A MINHA VERDADE SOBRE MACAU,
  Expresso 27/5/00

 

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A MINHA VERDADE SOBRE MACAU,
  Expresso 27/5/00

 

DURANTE mais de oito anos penso ter servido com lealdade os interesses do Estado português em Macau, contribuindo, na medida das minhas possibilidades e no quadro dos meus poderes, para que a transição das responsabilidades administrativas para a China se realizasse sem instabilidade, sem conflitos e sem prejuízo dos legítimos interesses dos portugueses. Encontrei sempre, da parte das autoridades chinesas, em Pequim e em Macau, sinais de apoio inequívoco e estou certo de que a obra realizada é reconhecida como um exemplo de cooperação franca, digna e eficaz.

Ficou provado, pela qualidade das relações estabelecidas entre Portugal e a China, que havia fundamento histórico real para que a transição de Macau fosse considerada como única e singular, justificando as expectativas de que o futuro poderia continuar a ser marcado por estreita cooperação e por uma continuada amizade.

Durante este longo período, foi necessário enfrentar problemas complexos e responder a dúvidas sobre o que seriam as verdadeiras intenções estratégicas de Portugal em relação a Macau na fase final da transição. Em sintonia com os órgãos de soberania portugueses afirmei sempre, com total convicção, que o interesse estratégico de Portugal estava na cooperação, no desenvolvimento de Macau, na prosperidade da sua população e na construção das condições necessárias para que pudesse afirmar a sua autonomia dentro do seu estatuto de região especial. Com o conhecimento exacto que tinha das circunstâncias que no passado contribuíram para que se alimentassem dúvidas, por parte das autoridades chinesas, quanto ao que seriam as verdadeiras intenções da Administração portuguesa, jamais tomaria alguma decisão que, directa ou indirectamente, pudesse confirmar essas dúvidas ou suspeitas.

Devo, por isso, esclarecer todos os portugueses que a decisão de constituir a Fundação Jorge Álvares, com fundos de duas origens (a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau e a Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento de Macau), só foi tomada depois de uma consulta prévia à personalidade que viria a ser o actual chefe do Executivo de Macau, logo que foi conhecida a sua designação. O dr. Edmund Ho não só deu o seu assentimento expresso à constituição desta Fundação e aos seus objectivos de cooperação continuada entre Portugal e Macau, com conhecimento exacto da origem dos seus fundos financeiros, como decidiu pôr à disposição da futura Fundação instalações que eram ocupadas pela Missão de Macau em Lisboa e propriedade do Governo de Macau. Os procedimentos legais foram rigorosamente cumpridos e todas as decisões tomadas estavam dentro das minhas competências, sendo certo - e isso é o mais importante - que tanto eu como o dr. Edmund Ho considerámos que a constituição da Fundação Jorge Álvares era do interesse de Macau e uma garantia de cooperação continuada e estável entre Portugal e Macau.

A decisão da Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento de Macau de atribuir um donativo à Fundação Jorge Álvares foi tomada dentro das suas competências, nos mesmos termos das outras decisões tomadas antes, registada na respectiva Acta do Conselho de Administração e seguindo os mesmos procedimentos que continuaram a ser seguidos mesmo depois da constituição da Região Administrativa Especial de Macau. Aliás, estes procedimentos nunca mereceram qualquer dúvida ou reparo do Conselho Fiscal, da Direcção dos Serviços de Finanças ou do Tribunal de Contas.

Em testemunho do que digo esteve, desde sempre, a posição unânime de todos os antigos governadores de Macau que, informados do que efectivamente se tinha passado, sempre manifestaram o seu apoio a esta iniciativa. Mas está também agora a confirmação, obtida junto do próprio dr. Edmund Ho, aquando da sua recente visita a Portugal, e perante todos os antigos governadores de Macau, de que efectivamente me tinha transmitido o seu apoio à minha iniciativa mas que, entretanto, a mudança de circunstâncias em Macau o impedia de expressar publicamente o seu apoio.

Tendo, por decisão sua, mandado organizar uma Comissão para avaliar a legalidade da minha decisão, e não obstante reconhecer agora que essa Comissão teve omissões graves nos seus trabalhos e foi efectivamente contestada nas suas conclusões, não informou essa Comissão de qual tinha sido a posição por ele assumida quando por mim foi consultado sobre o interesse para Macau da constituição da Fundação Jorge Álvares, nos exactos termos em que esta foi formada.

Surpreendeu-me o seu silêncio, perante a opinião pública de Macau e perante a Comissão e, por isso, esperei pela sua vinda a Portugal para ouvir as suas explicações. Não me surpreendeu menos o facto de ter agora acrescentado que não tinha sido a comunidade chinesa a levantar qualquer problema, mas sim interesses de portugueses e aqui em Portugal. Mesmo que seja verdadeira esta interpretação, que admito sem surpresa, por maioria de razão esperaria que o dr. Edmund Ho tivesse, de imediato, denunciado o que sabia serem especulações alimentadas por quem não desejava que a Fundação Jorge Álvares existisse.

A dignidade das funções e a honra dos homens não podem estar dependentes das circunstâncias e das suas variações. A palavra é só uma e, para quem defende os interesses de Portugal e sempre assumiu uma atitude de relação aberta e compreensiva com as autoridades chinesas, não é possível, nem seria justificável, transigir com este tipo de comportamentos ou pretender encobri-lo com conveniências diplomáticas. Disso mesmo tive oportunidade de informar o senhor chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, referindo-lhe, sem qualquer ambiguidade, que tornaria pública a descrição exacta dos acontecimentos relacionados com a constituição e o financiamento da Fundação Jorge Álvares, em nome da dignidade que é devida a um governador de Macau e em continuidade com o que sempre defendi como sendo necessário para a afirmação da autonomia especial de Macau.

Não revelo segredos de Estado, mas estou obrigado a defender a dignidade do Estado português, que foi posta em causa pelo modo como foi tratado e julgado, pelo poder da Região Administrativa Especial de Macau, um acto por mim praticado no estrito exercício dos meus poderes e responsabilidades. Nestes termos, considero que perdeu sentido para mim a existência da Fundação Jorge Álvares, porque foi quebrado um compromisso expresso, que perante mim tinha sido assumido pelo dr. Edmund Ho e no qual se baseava a garantia de uma cooperação continuada, séria e responsável, com a garantia essencial de poder contar com a colaboração activa de todos os antigos governadores de Macau. No entanto, no quadro das disposições legais e estatutárias, competirá ao Conselho de Curadores decidir dos destinos da Fundação Jorge Álvares de modo a preservar a vontade de manter boas relações de amizade e de cooperação entre Portugal e Macau.

Agradeço a todos os antigos governadores de Macau e às personalidades que aceitaram ser curadores da Fundação Jorge Álvares a firmeza do seu apoio unânime, que estava alicerçado no conhecimento da verdade dos factos. Infelizmente, não posso estender este agradecimento a alguns responsáveis, em Portugal e em Macau, que, conhecendo a mesma verdade dos factos, preferiram adaptar-se ao que entenderam ser as conveniências das circunstâncias e as suas variações.

Considero que devo este esclarecimento a todos os portugueses, para que em ninguém fique a sombra de uma dúvida sobre o que foi a obra deixada por Portugal em Macau, a seriedade dos propósitos e a firmeza dos princípios, os mesmos que justificaram a formação da Fundação Jorge Álvares.

Uma palavra final para dizer o óbvio: que a razão essencial por que este texto é publicado tem a ver com a dignidade nacional, dignidade essa incompatível com suspeições injustificáveis e com silêncios incompreensíveis.

Vasco Rocha Vieira

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